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Processo nº 1221/07
1ª Secção
Relatora: Conselheira Maria João Antunes
Acordam, em conferência, na 1ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal de Pequena Instância Criminal do
Porto, em que é reclamante o Ministério Público e reclamado A., foi proferida
decisão de não admissão do recurso interposto para o Tribunal Constitucional, em
5 de Novembro de 2007.
2. Por despacho, de 19 de Outubro de 2007, foi decidido “remeter os autos para
outra forma processual”, com a seguinte fundamentação:
«A acusação deverá fixar o objecto do processo, a Digna Magistrada do M.P.,
limita-se a remeter para o auto de notícia, nos termos do art°. 389° nº2 do
C.P.P.. No auto de notícia não existe qualquer referência ao crime de que o
arguido vem acusado, faltando assim a respectiva qualificação jurídica, e
igualmente o elemento subjectivo do tipo».
3. O Ministério Público recorreu desta decisão para o Tribunal Constitucional,
mediante requerimento, de onde se extrai o seguinte:
«Tendo sido, nos termos supra expostos, a aplicação da norma em referência, n°.
2, do ar°. 389°, do CPP, constante de acto legislativo - L. 48/2007, de 29 de
Agosto – 15ª. Alteração ao Código de Processo Penal, aprovado pelo Decreto-Lei
n°. 78/87, de 17 de Fevereiro -, recusada, por inconstitucionalidade e/ou
ilegalidade - vem o MP, nos termos das disposições conjugadas dos art°.s 280°,
n°.s 1, al. a), 2, al. a) e 3, da CRP, 70°, n°. 1, al.s a) e/ou c), 71°, n°. 1,
72°, n°.s 1, al. a) e 3, 75°, n°. 1, 75°-A, n°. 1 e 78°, no. 4, da Lei 28/82, de
15 de Novembro - Organização, funcionamento e processo do Tribunal
Constitucional -, ao abrigo das citadas al.s a) e/ou c), do n°. 1, do respectivo
art°. 70°, interpôr recurso, obrigatório, para o Tribunal Constitucional, - a
subir nos próprios autos e com efeito suspensivo, nos termos do disposto no
citado art°. 78°, n°. 4, da Lei em referência -, requerendo a apreciação da
constitucionalidade e legalidade da norma constante do n°. 2 do art°. 389°, do
CPP».
4. Por despacho, que constitui o objecto da presente reclamação, o recurso de
constitucionalidade não foi admitido, com os seguintes fundamentos:
«Estabelece o art° 70º da Lei 28/82 de 15 de Novembro: (Decisões de que pode
recorrer-se): n° 1 – Cabe recurso para o Tribunal Constitucional, em secção, das
decisões dos Tribunais;
(…).
Ora da análise dos preceitos em causa, não se vislumbra que a decisão em causa
nos autos, admita recurso para o tribunal Constitucional, atendendo a que não se
subsume a qualquer das alíneas supra referidas. Requisito de admissibilidade do
recurso, nos termos do art° 70º ali a), é a da existência da recusa de aplicação
de uma norma com fundamento na sua inconstitucionalidade. Ora, isso não
acontece, nem explicita nem implicitamente no despacho em causa nos autos (…)».
5. Deste despacho vem agora o recorrente reclamar para a conferência, nos termos
do consagrado no artigo 76º, nº 4, da Lei da Organização, Funcionamento e
Processo do Tribunal Constitucional (LTC), pelas seguintes razões:
«Alega o/a Mmo/a Juiz a quo no douto despacho ora reclamado, por referência ao
anteriormente citado art°. 70°, da Lei 28/82, de 15 de Novembro, além do mais
que infra se analisará “Ora da análise dos preceitos em causa, não se vislumbra
que a decisão em causa nos autos, admita recurso para o tribunal constitucional,
atendendo a que não se subsume a qualquer das alíneas supra referidas.” (sic).
Salvo o devido respeito, conforme aliás expressamente consta do requerimento de
interposição de recurso ora indeferido, a situação sub judice subsume-se à
previsão das al.s a) e/ou c), do citado art°. 70°, se bem que nas respectivas
actuais redacções e não nas citadas pelo/a Mmo/a Juiz a quo, sendo a redacção
actual daquela al. c) “Que recusem a aplicação de norma constante de acto
legislativo com fundamento na sua ilegalidade por violação de lei com valor
reforçado;”.
Com efeito, da leitura integral do douto despacho judicial recorrido e da
respectiva integração na antecedente tramitação processual que conduziu à
prolacção do mesmo, parece-nos inegável que consubstancia este, de facto, a
recusa de aplicação da norma constante do n°. 2, do ar°. 389°, do CPP, -
constante de acto legislativo (L. 48/2007, de 29 de Agosto – 15ª Alteração ao
Código de Processo Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n°. 78/87, de 17 de
Fevereiro) -, por inconstitucionalidade e/ou ilegalidade. –
De facto, tendo o MP, nos termos do douto despacho exarado a fls. 2, verificados
que se mostravam os pressupostos dos art°.s 381°, n°. 1, al. a), e 387°, nº. 1,
do CPP, determinado, nos termos do disposto na 2ª parte, do n°. 2, do art°.
382°, do CPP, a apresentação do expediente e do/a arguido/a, ao/à Mmo/a Juiz de
turno, em processo sumário, para “realização do julgamento de imediato nos
termos dos arts 381° e seg.s do C.P.P. (maxime art°. 389°, n°. 2, do C.P.P.)”
(sic) e, nessa conformidade, reservado para o início da audiência de discussão e
julgamento, o uso da faculdade prevista no citado preceito legal (n°. 2, do
art°. 389°, ‘do CPP), a decisão judicial entretanto recorrida, ao “.../...,
remeter os autos para outra forma processual.” (sic), não só nega a aplicação
daquela disposição legal, expressamente invocada pelo MP, (ou antes, a
possibilidade do exercício, pelo MP, da faculdade p. na mesma), como fundamenta
tal posição com a alegação, ainda que sumária, de que “A acusação deverá fixar o
objecto do processo, a Digna Magistrada do MP., limita-se a remeter para o auto
de notícia, nos termos do art389° n°2 do C.P..P.. No auto de notícia não existe
qualquer referência ao crime de que o arguido vem acusado, faltando assim a
respectiva qualificação jurídica, e igualmente o elemento subjectivo do tipo.”
(sic).
Ora, não sendo obviamente de exigir fórmulas sacramentais para afirmar
princípios, parece-nos que outra coisa não fez o/a Mrno/a Juiz a quo que não
tenha sido recusar a aplicação, in casu, da norma legal expressamente invocada
pelo MP, (n°. 2, do art°. 389°, do CPP), por entender que tal aplicação,
faltando no auto de notícia, “a respectiva qualificação jurídica” e “o elemento
subjectivo do tipo”, seria inconstitucional, por violação dos assim
implicitamente invocados, princípios constitucionais das garantias de defesa do
arguido e da estrutura acusatória do processo penal - art°. 32°, n°.s 1 e 5, da
CRP - e/ou ilegal, por violação do, da mesma forma implícita, mas contudo mais
inequívoca, invocado princípio da vinculação temática do tribunal - - art°.s
358°, 359° e 379°, n°. 1, al. b), do CPP.
Mais alega o/a Mmo/a Juiz a quo no douto despacho ora reclamado, “Requisito de
admissibilidade do recurso, nos termos do art° 70° ali a), é a da existência da
recusa de aplicação de uma norma com fundamento na sua inconstitucionalidade.
Ora, isso não acontece, nem explicita nem implicitamente no despacho em causa
nos autos,.../... .”.
De facto, nos termos da citada al. a), do no. 1, do art°. 70º, da Lei 28/82, de
15 de Novembro, ao abrigo da qual, também, mas não só, foi interposto o recurso
ora indeferido, o requisito de admissibilidade do recurso é efectivamente a
existência de recusa de aplicação de qualquer norma, com fundamento em
inconstitucionalidade.
Contudo, nos termos da al. c), do n°. 1, do mesmo preceito legal, ao abrigo da
qual foi ainda, interposto o recurso em causa, o requisito de admissibilidade do
recurso é a existência de recusa de aplicação de norma constante de acto
legislativo com fundamento na sua ilegalidade por violação de lei com valor
reforçado.
-. - Ora, se a invocação implícita, no despacho recorrido, dos supra
referenciados princípios constitucionais das garantias de defesa do arguido e da
estrutura acusatória do processo penal poderá eventualmente, o que contudo se
não concede, ser posta em causa, já o evidente, ainda que implícito, apelo ao
princípio legal da vinculação temática do tribunal, resulta inegavelmente do
respectivo texto, mormente do supra citado segmento da respectiva parte final,
quando realça a ausência da “respectiva qualificação jurídica” (cfr. art°. 359°,
n°. 3, do CPP).
Face ao exposto, não pode naturalmente concordar-se com a infundamentada
conclusão constante do despacho em reclamação, no sentido de que, no mesmo
“.../... não acontece, nem explicita nem implicitamente. .../ /...” (sic) a
recusa de aplicação de uma norma com fundamento na sua inconstitucionalidade,
pois que, manifestamente tal acontece, relativamente à norma constante do n°. 2,
do art°. 389°, do CPP, com fundamento, implícito, mas claro e inegável, na
respectiva inconstitucionalidade e/ou, na respectiva ilegalidade, o que, sendo
certo que a norma em referência consta de acto legislativo, também pode
fundamentar a admissibilidade do recurso, ora indeferido.
Assim sendo, parece-nos forçoso concluir que a decisão em referência não só
admite recurso, para o Tribunal Constitucional, nos termos das supra citadas
al.s a) e/ou c), do nº. 1, do artº. 70º, da Lei 28/82, de 15 de Novembro, como é
o mesmo, aliás, para o MP, atento o prescrito no n°. 3, do art°. 72°, da citada
Lei, até obrigatório, por a norma cuja aplicação se mostra recusada, constar de
acto legislativo (L. 48/2007, de 29 de Agosto, conforme supra já referido).
Concluindo, o que o/a Mmo/a Juiz fez, no/a douto/a despacho/decisão recorrido/a,
ao “.../... remeter os autos para outra forma processual.” (sic), não realizando
o requerido pelo MP, nos termos legais, julgamento do/a arguido/a, em processo
sumário e nem sequer iniciando a audiência, foi manifestamente recusar a
aplicação da norma constante do n°. 2, do art°. 389°, do CPP, com fundamento em
inconstitucionalidade e/ou na sua ilegalidade, por permitir a realização do
julgamento em processo sumário, nos casos em que o MP, não tendo deduzido
acusação, reserva para o início da audiência, a faculdade de substituir a
apresentação da acusação pela leitura do auto de notícia da autoridade que tiver
procedido à detenção, quando neste “.../... não existe qualquer referência ao
crime de que o arguido vem acusado, faltando assim a respectiva qualificação
jurídica, e igualmente o elemento subjectivo do tipo.” (sic).
Face ao exposto, o interposto recurso, requerendo a apreciação da
constitucionalidade e legalidade da norma constante do n°. 2 do art°. 389°, do
CPP, deveria ter sido admitido, pelo que, não o tendo sido, o MP apresenta a
presente reclamação, sendo as ora expostas, as razões que justificam a admissão
daquele».
6. Notificado desta reclamação, o recorrido pronunciou-se pelo indeferimento da
mesma.
Neste Tribunal, os autos foram com vista ao Ministério Público, que se
pronunciou no sentido do indeferimento da reclamação.
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
A presente reclamação tem como objecto o despacho que não admitiu o recurso
interposto, por a decisão recorrida não admitir recurso para o Tribunal
Constitucional. O Ministério Público havia recorrido ao abrigo das alíneas a)
e/ou c) do nº 1 do artigo 70º da LTC.
Com efeito, é manifesto que a decisão recorrida não recusou a aplicação do 389º,
nº 2, do Código de Processo Penal com fundamento em inconstitucionalidade, nem
tão-pouco recusou a aplicação de norma constante de acto legislativo, com
fundamento na sua ilegalidade por violação de lei com valor reforçado.
Por outro lado, como este Tribunal tem vindo a entender, face ao disposto no nº
4 do artigo 77º da LTC, que lhe cabe verificar os requisitos do artigo 75º-A da
LTC, ainda que a reclamação tenha exclusivamente como objecto os concretos
fundamentos da não admissão do recurso (Acórdão nº 480/2006, disponível em
www.tribunalconstitucional.pt), importa concluir, ainda, que o recorrente não
satisfez o ónus da indicação da alínea do nº 1 do artigo 70º ao abrigo da qual o
recurso era interposto (artigo 75º-A, nº 1, 1ª parte, da LTC). Referiu sempre –
quer no requerimento de interposição de recurso quer na reclamação da decisão
que não o admitiu – as alíneas a) e c) do nº 1 do artigo 70º de forma cumulativa
ou em alternativa, o que equivale a não ter indicado a alínea ao abrigo da qual
o recurso era interposto.
Este Tribunal tem entendido, de forma reiterada, que “o cumprimento destes ónus
[os decorrentes dos nºs 1, 2, 3 e 4 deste artigo] não representa simples
observância do dever de colaboração das partes com o Tribunal; constitui, antes,
o preenchimento de requisitos formais essenciais ao conhecimento do objecto do
recurso” (Acórdão nº 200/97, disponível em www.tribunalconstitucional.pt). Pelo
que, também por esta razão, há que confirmar o despacho reclamado.
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação.
Sem custas.
Lisboa, 23 de Janeiro de 2008
Maria João Antunes
Carlos Pamplona de Oliveira
Gil Galvão