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Processo n.º 141/06
3.ª Secção
Relator: Conselheiro Vítor Gomes
Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. O Ministério Público interpôs, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º
da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (Lei
do Tribunal Constitucional), recurso para este Tribunal da decisão proferida em
12 de Dezembro de 2005 pelo Tribunal de Comércio de Lisboa, no âmbito do
procedimento cautelar intentado por A., LD.ª e B. Limited contra C., S.A., que
recusou a aplicação, com fundamento em inconstitucionalidade, da norma
decorrente do preceituado nos artigos 13.º, n.º 1, e tabela anexa, 15.º, n.º 1,
alínea m) [por lapso manifesto, a decisão diz 14.º, n.º 1, al. n)], e 18.º, n.º
2, todos do Código das Custas Judicias, por violação dos artigos 20.º e 266.º,
n.º 2, da Constituição da República Portuguesa.
Pode ler-se nessa decisão, que apreciou reclamação da conta de custas por parte
das requerentes do procedimento cautelar, no que ora importa:
«(…)
É precisamente esta a questão que se coloca nestes autos: a de saber se, face às
regras aplicáveis relativas à fixação da taxa de justiça, às requerentes,
empresas que têm uma capacidade económica que não lhes permite beneficiar do
instituto do apoio judiciário, está efectivamente vedado o acesso ao tribunal.
O art.º 13.º, n.º 1, do Cód. Custas Judiciais (redacção aplicável aos autos)
dispõe que “[s]em prejuízo do disposto nos artigos seguintes, a taxa de justiça
é, para cada parte, a constante da tabela do anexo 1, sendo calculada sobre o
valor das acções, incidentes com a estrutura de acções, procedimentos cautelares
ou recursos”.
O art.º 14.º, n.º 1, al. n), do mesmo diploma estabelece que “[a] taxa de
justiça é reduzida a metade, não sendo devida taxa de justiça subsequente, nos
procedimentos cautelares e respectiva oposição”.
Por seu turno o art.º 18.º, n.º 2, do referido Código estabelece que “[n]os
recursos dirigidos aos tribunais da Relação a taxa de justiça é metade da
constante da tabela do Anexo 1, não sendo devida taxa de justiça subsequente,
não havendo lugar a reduções”.
Estes três preceitos estão directamente relacionados com a referida tabela do
anexo 1, tabela essa que fixa o montante da taxa de justiça inicial e
subsequente em função do valor da acção, incidente ou recurso, em montante
determinado até acções cujo valor ascenda a € 49.789,79 (redacção aplicável). De
acordo com a mesma tabela, quando o valor da acção, incidente ou recurso, for
superior a € 49.979,79 à taxa de justiça do processo acresce, por cada €
4.987,98 ou fracção, € 49,88 de taxa de justiça.
É neste ponto que as reclamantes centram o seu juízo de desconformidade do
Código das Custas com os princípios constitucionais da proporcionalidade e do
acesso à justiça. Entendem as reclamantes que não havendo um limite máximo para
as custas a pagar, a estabelecer através da fixação de um limite para o valor da
acção a considerar para efeito do cálculo da taxa de justiça, fica, na prática,
vedado o acesso aos tribunais em casos como o dos autos.
No presente caso as requerentes atribuíram à providência o valor correspondente
aos prejuízos que alegaram ter em função da conduta imputada à requerida, valor
esse que ascendeu a € 9 748 356,00. A providência foi julgada improcedente na
1.ª instância, as requerentes recorreram para o Tribunal da Relação que
confirmou a decisão recorrida.
Transitada esta última decisão o processo foi à conta que, elaborada de acordo
com o Cód. Custas Judiciais, na redacção anterior à introduzida pelo Dec.-Lei
n.º 324/2003, apurou que as custas da responsabilidade das requerentes ascendem
a € 108 743,36, dos quais € 73 992,13 correspondem às taxas aplicáveis, € 21
981,36 à procuradoria e € 14 654,25 às custas de parte (fls. 1804).
A questão que se coloca é a de saber se a taxa de justiça aplicável em função
dos preceitos legais já referidos e da tabela 1 anexa ao Cód. Custas Judiciais,
e que está na base do montante final apurado de custas, é adequada ao serviço
prestado (administração da justiça), é a justa medida entre a exigência de
pagamento da taxa e o serviço de administração da justiça, por um lado, e não é
impeditiva do real acesso das responsáveis pelas custas à justiça, por outro.
Ora a resposta não pode deixar de ser negativa para ambas as questões.
Por um lado, a inexistência de um tecto máximo a atender para efeitos de fixação
da taxa de justiça e, consequentemente, a inexistência de um limite máximo para
as custas a pagar, põe em causa o equilíbrio (adequação) que tem de existir
entre os dois binómios a considerar por força do princípio da proporcionalidade:
exigência de pagamento de taxa versus serviço de administração da justiça. Sendo
certo que a taxa de justiça é fixada em função do valor da causa, não é menos
certo que o valor da taxa de justiça (e consequentemente o das custas a pagar a
final) fixado em função desse valor, sem qualquer tecto máximo, possibilita a
obtenção de valores, como é o caso dos autos, que saem completamente fora dos
parâmetros aceitáveis dentro daquela “justa medida” a equacionar entre a
exigência de pagamento da taxa e o serviço (de administração da justiça)
prestado.
Por outro lado, os montantes assim calculados mostram-se incomportáveis para a
capacidade contributiva de qualquer utilizador dos serviços, designadamente se
considerarmos os casos, como o dos autos, de maior incerteza sobre o resultado
do processo.
Em suma, ao não estabelecerem um limite máximo para as custas a pagar,
designadamente por não estabelecerem um limite máximo para o valor da acção a
considerar para efeito de cálculo da taxa de justiça, os art.ºs 13.º, n.º 1, por
referência à tabela 1 anexa ao Cód. Custas Judiciais, 14.º, n.º 1, al. n), e
18.º, n.º 2, violam os princípios constitucionais da proporcionalidade e do
acesso aos tribunais.
Nos termos do disposto no art. 204.º da Constituição “[n]os feitos submetidos a
julgamento não podem os tribunais aplicar normas que infrinjam o disposto na
Constituição ou os princípios nela consignados”.
Por força desta disposição, quando o tribunal conclui que uma ou mais
disposições estão feridas de inconstitucionalidade não as pode aplicar, sucede
que, no presente caso, não está em causa uma inconstitucionalidade absoluta,
isto é, não se trata de uma inconstitucionalidade das normas consideradas no seu
conjunto mas apenas de uma inconstitucionalidade parcial. Com efeito, não viola
os princípios da proporcionalidade e do acesso aos tribunais o facto de a taxa
de justiça ser fixada em função do valor da causa nem tão-pouco os concretos
montantes fixados relativamente aos valores da causa especificados na tabela 1
anexa ao Cód. Custas Judiciais violam tais princípios. A violação está, no
entender do Tribunal, no facto de não estar estabelecido um limite para o valor
da acção a considerar para efeito do cálculo da taxa de justiça, sendo certo que
o que faz com que o valor da acção a atender para efeitos de custas seja
virtualmente ilimitado é o segmento final da tabela que estabelece que a partir
dos € 49.979,79 por cada € 4.987,98 ou fracção, acresce € 49,88 de taxa de
justiça.
Significa isto que não se trata, neste caso, de pura e simplesmente desaplicar
os art.ºs 13.º, 14.º, n.º 1, al. n), e 18.º, n.º 2, por referência à tabela 1
anexa ao Código, até porque tal implicaria na prática a desresponsabilização das
requerentes pelas custas do processo. Trata-se, antes, de fazer uma
interpretação do preceito de modo a adequá-lo aos princípios constitucionais da
proporcionalidade e do acesso aos tribunais, o que passa pela consideração de um
montante máximo a atender como valor da acção para efeito de custas.
Mas esta interpretação não significa que o tribunal possa introduzir, sem mais,
um valor a considerar como máximo no preceito. O julgador, como aplicador do
direito que é, não cria normas, função que está reservada ao legislador. Daqui
resulta que não pode o tribunal, como pretendem as reclamantes, tomar como
limite máximo o montante hoje previsto no art.º 73.º-B do Cód. Custas Judiciais
(que aliás nem sequer existia na versão aplicável do Código). O juízo de
inconstitucionalidade de uma norma leva apenas a que o julgador não a aplique,
não lhe conferindo legitimidade para criar outra, substituindo-se ao legislador.
Ou seja, o que há a fazer é aplicar a tabela 1 sem a parte que se entende estar
ferida de constitucionalidade e, consequentemente, entender o montante máximo
nela quantificado (€ 49.879,79) como o limite máximo para o valor da acção a
considerar para efeito do cálculo da taxa de justiça.
Aplicando este entendimento ao caso vertente, concluímos que para efeito de
custas, ou melhor, para cálculo da taxa de justiça aplicável, o valor a atender
é o de € 49.789,79 e não o de € 9.742.000,0.
Face a todo o exposto, por considerar inconstitucionais os art.ºs 13.º, n.º 1, e
tabela anexa, 14.º, n.º 1, al. n), e 18.º, n.º 2, do Cód. Custas Judiciais, por
violadores dos princípios da proporcionalidade e do acesso ao direito, nos
termos supra descritos, defiro à reclamação apresentada e, consequentemente,
desaplicando o segmento final da tabela 1 anexa ao Cód. Custas Judiciais,
determino que seja considerado, como valor da acção para efeito de custas, o
montante de € 49.789,79.
Oportunamente vão os autos à secção central a fim de ser reformada a conta em
conformidade com o supra exposto.»
2. Admitido o recurso e precisado, a convite do relator, o sentido normativo
cuja apreciação de constitucionalidade se pretende (fls. 40), foi determinada a
produção de alegações que o representante do Ministério Público junto do
Tribunal Constitucional encerrou desta forma:
«2. Conclusão
Nestes termos e pelo exposto, conclui-se:
1 – As normas constantes dos artigos 13.º, n.º 1, e tabela anexa, 15.º, n.º 1,
alínea m), e 18.º, n.º 2, do Código das Custas Judiciais, na versão de 1996
(correspondendo ao segundo daqueles preceitos legais o artigo 14.º, n.º 1,
alínea n), na versão do referido Código das Custas Judiciais de 2003, citado por
lapso material na decisão recorrida), interpretados em termos de as custas
devidas em procedimentos cautelares e recursos neles interpostos serem
calculadas – com as reduções legalmente previstas – em função do valor da causa,
mesmo nos casos em que este excede o patamar de € 49.879,79 (e devendo ser, em
consequência, o valor adicional tributado pelo montante de € 49,88 de taxa de
justiça por cada € 4.987,98 de valor de acção, nos termos do segmento final da
Tabela a que se refere o artigo 13.º), inexistindo um limite máximo para o valor
da acção a considerar para efeito de cálculo de custas, não é – conforme vem
entendendo reiteradamente o Tribunal Constitucional – violadora dos princípios
constitucionais da proporcionalidade e do acesso aos tribunais.
2 – Na verdade, tal tributação dessas acções de valor consideravelmente elevado
não implica quebra da estrutura bilateral ou sinalagmática das taxas,
representando a ponderação – não apenas do valor de custo do serviço em causa –
mas também, do valor presumivelmente resultante da utilidade obtida através do
recurso ao tribunal e da normal complexidade e delicadeza que está subjacente à
generalidade dos litígios que envolvem valores dessa natureza.
3 – Não funcionando o princípio da igualdade em termos diacrónicos, não é
possível realizar uma comparação entre tal regime, decorrente da versão de 1996
do Código das Custas Judiciais, e o actualmente estabelecido nos artigos 27.º,
n.º 3, e 78.º-B, representando uma ponderação inovatória e constitutiva do
legislador que não pressupõe a inconstitucionalidade da solução que constava da
lei anteriormente vigente.
4 – Termos em que deverá proceder o presente recurso, em conformidade com o
juízo de constitucionalidade de norma desaplicada na decisão recorrida.»
De sua vez, concluíram as recorridas:
«EM CONCLUSÃO
A) Do art.º 20.º, n.º 1, da CRP resulta que os montantes das custas não podem
ser fixadas de modo que impeça ou dissuada o acesso aos tribunais e que tal
exigência é aplicável aos vários valores possíveis das causas.
B) Ainda que se considere que as custas previstas nos art.ºs 13.º, n.º 1, 15.º,
n.º 1, al. m), e 18.º, n.º 2, e tabela anexa por remissão para o art.º 13.º,
todos do Código das Custas Judiciais aprovado pelo Dec.-Lei n.º 224-A/96, de 26
de Novembro, possuem, em toda a sua extensão, a natureza de taxas, nem por isso
deixam de se encontrar materialmente sujeitas ao princípio da proporcionalidade,
em particular enquanto princípio que requer justa medida dos sacrifícios
impostos.
C) Em regime de monopólio ou quase-monopólio que caracteriza a prestação do
serviço de justiça, a utilidade do serviço não fornece, nem pode fornecer,
critério para determinar a razoabilidade dos montantes a fixar como custas e,
consequentemente, a justa medida dos sacrifícios requeridos, sendo indispensável
fazer intervir, pelo menos combinadamente, o critério do custo do serviço
D) O custo do serviço de justiça não aumenta proporcionalmente ao valor da
causa, nem ilimitadamente em função deste.
E) Para respeito do direito de acesso aos tribunais e do princípio da
proporcionalidade mostra-se assim indispensável um tecto ou a possibilidade
deste, judicialmente determinável, a partir do qual o valor da causa deixe de
reflectir-se (ou de se reflectir plenamente) no montante das custas.
F) Tal tecto ou a sua possibilidade encontram-se previstos na lei em disposições
(art.ºs 27.º e 73.º-B do Código das Custas Judiciais, na versão aprovada pelo
Dec.-Lei n.º 324/2003) não aplicáveis nos autos por razões de direito
transitório.
G) Conforme as máximas de experiência indicam e o legislador reconheceu, o tecto
ou a sua possibilidade hão-de situar-se em zonas de valor da causa (segundo o
diploma referido em F) nos Euros 250.000) muito inferiores aos mais de 50
milhões de Euros do valor da causa dos autos.
H) Assim, ao fixarem montante de custas proporcional, a partir de certo limite,
ao valor da causa, sem estabelecerem tecto a partir do qual este deixa de
relevar, ou a sua possibilidade, as normas dos art.ºs 13.º, n.º 1, 15.º, n.º 1,
al. m), e 18.º, n.º 2, do Código das Custas Judiciais aprovado pelo Dec.-Lei n.º
224-A/96, de 26 de Novembro, conjugadas com a tabela anexa ao mesmo Código por
remissão para o art.º 13.º, enfermam de inconstitucionalidade material, por
ofensa dos art.ºs 20.º, n.º 1, 18.º, n.º 2, e 2.º da CRP.
I) Deste modo, o despacho recorrido decidiu correctamente, ao considerar aquelas
normas materialmente inconstitucionais.
J) Por cautela, alega-se ainda inconstitucionalidade orgânica dos mencionados
preceitos, por virtude de, em parte, instituírem imposto, sem que o Dec.-Lei n.º
224-A/96 tenha beneficiado de autorização legislativa, com infracção do disposto
no art.º 165.º, n.º 1, al. i), da CRP (cfr. art.º 79.º-C da LOTC).»
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentos
3. A decisão recorrida recusou a aplicação da norma contida nos artigos 13.º,
n.º 1, por referência à tabela anexa, 15.º, n.º 1, alínea m), e 18.º, n.º 2, do
Código das Custas Judiciais, na versão de 1996 – correspondendo o segundo
daqueles preceitos ao artigo 14.º, n.º 1, alínea n), na versão do Código das
Custas Judiciais emergente do Decreto-Lei n.º 324/03, de 27 de Dezembro, citado
por lapso material na decisão recorrida, como assinala o Ministério Público
neste Tribunal –, “ao não estabelecer um limite máximo para as custas a pagar,
designadamente por não estabelecer um limite máximo para o valor da acção a
considerar para efeito de cálculo da taxa de justiça”.
Para o tribunal a quo esta norma infringe os princípios constitucionais da
proporcionalidade e do acesso aos tribunais, por “não estar estabelecido um
limite para o valor da acção a considerar para efeito do cálculo da taxa de
justiça, sendo certo que o que faz com o valor da acção a atender para efeitos
de custas seja virtualmente ilimitado é o segmento final da tabela que
estabelece que a partir dos € 49.879,79 por cada € 4.987,98 ou fracção, acresce
€ 49,88 de taxa de justiça”. Mais entendeu a decisão recorrida que a
concretização deste juízo de inconstitucionalidade consiste em aplicar
simplesmente a tabela, amputada deste “segmento final”, e não determinar
judicialmente qualquer outro limite, pelo que o valor a atender para o cálculo
da taxa de justiça é o de €49.789,79 e não o de €9.748.356,00.
4. O artigo 13.º, n.º 1, do Código das Custas Judiciais, na versão anterior ao
Decreto-Lei n.º 324/2003, de 27 de Dezembro, estabelecia que “sem prejuízo do
disposto nos artigos seguintes, a taxa de justiça é a constante da tabela anexa,
sendo calculada sobre o valor das acções, dos incidentes ou dos recursos”.
Integrava a tabela anexa, que fixava a taxa de justiça em função do valor da
acção, incidente ou recurso, em montante determinado até acções cujo valor
ascenda a (inclusive) € 49.879,79, para o que agora releva, a previsão de que,
para além de € 49.879,79 à taxa de justiça do processo acresce, por cada €
4.987,98 ou fracção, € 49,88 de taxa de justiça.
Por seu turno, os artigos 15.º, n.º 1, alínea m), e 18.º, n.º 2, do mesmo
diploma, estabeleciam que “a taxa de justiça é reduzida a um quarto nos
procedimentos cautelares e respectiva oposição”, e que “nas apelações, revistas
e agravos de decisões proferidas em quaisquer acções ou incidentes, sem prejuízo
do disposto no artigo 16.º, a taxa de justiça é de metade da constante na
tabela”, respectivamente.
5. Note-se que, na alteração do Código das Custas Judiciais a que procedeu pelo
Decreto-Lei n.º 324/2003, de 27 de Dezembro – embora sem aplicação ao caso, uma
vez que se trata de processo pendente à data da sua entrada em vigor (artigo
14.º, n.º 1, deste diploma) -, o legislador introduziu um elemento de moderação
neste sistema de crescimento ilimitado do montante da taxa de justiça em função
do valor da causa.
Assim, nos processos do contencioso administrativo e na fase de recurso no
processo judicial tributário há um valor máximo relevante para efeito de custas:
€ 250.000 (artigo 73.º-B do CCJ). Seja qual for o valor processual, o montante
da taxa de justiça tem um limite máximo ope legis. Quanto aos processos cíveis,
o sistema é diverso e de alcance mais restrito (artigo 27.º do CCJ): o que
exceda €250.000 não é considerado para efeito do cálculo da taxa de justiça
inicial e subsequente. Mas já releva para o cálculo das custas finais, salvo se
o processo terminar antes de concluída a fase de discussão e julgamento (artigo
27.º, nºs 2 e 4 do CCJ). Porém, o juiz tem a possibilidade de, oficiosamente ou
a requerimento das partes 'dispensar o pagamento do remanescente' (i.e., segundo
SALVADOR DA COSTA, Código das Custas Judiciais, 6.ª edição, pág. 206, dispensar
do pagamento da taxa de justiça final correspondente à diferença entre o valor
de €250.000 e o efectivo valor da causa para efeitos de custas), se “a
especificidade da situação o justificar”, tendo em conta, designadamente, “a
complexidade da causa e a 'conduta processual das partes'.
6. A questão de constitucionalidade que é objecto do presente recurso foi
analisada no acórdão n.º 227/2007, disponível em www.tribunalconstitucional.pt,
proferido em processo oriundo do mesmo tribunal e em tudo semelhante ao
presente, variando apenas os montantes concretamente em causa. Nesse acórdão,
depois de revisitada a jurisprudência do Tribunal em matéria de taxas, com
destaque para o problema da distinção constitucional entre imposto e taxa e, em
especial, a referente a custas judiciais, considerou-se que a norma que prevê a
fixação da taxa de justiça devida em procedimentos cautelares, e recursos neles
interpostos, cujo valor excede 49.879,79 €, em proporção ao valor da acção sem
qualquer limite máximo ao montante das custas, é inconstitucional, por violação
do direito de acesso aos tribunais, conjugado com o princípio da
proporcionalidade (artigo 20.º e artigos 2.º e 18.º, n.º 2, segunda parte, da
Constituição), mas apenas na medida em que tal norma não permite ao tribunal que
limite o montante de taxa de justiça devido no caso concreto, tendo em conta,
designadamente, a natureza e complexidade do processo e o carácter
manifestamente desproporcionado do montante em questão, ordenando-se a
reformulação da decisão em conformidade.
Analisando os argumentos contrapostos do Ministério Público e das recorridas
quanto à inconstitucionalidade material, ponderou-se nesse acórdão o seguinte:
“[…]
Sobre o problema de saber se, com a inexistência de qualquer limite máximo para
a taxa de justiça devida em procedimentos cautelares e recursos neles
interpostos, cujo valor excede € 49.879,79, o montante deste tributo pode vir –
e concretamente vem – a tornar-se flagrantemente desproporcionado ao serviço
prestado, de tal forma que se revela “completamente alheio” ao custo da
prestação deste ou à utilidade que o particular dele retira, apenas se dirá que
não procede o argumento, avançado pelo Ministério Público, da “normal
complexidade e delicadeza que está subjacente à generalidade dos litígios que
envolvem valores dessa natureza”, que nem sempre se verificará na directa
proporção do valor da causa e sem qualquer limite máximo. E também não procede o
argumento da “relevância económica dos direitos e interesses que subjazem ao
acto ou procedimento – e, portanto, da ‘utilidade’ auferida pelo utente – cuja
prática se pretende alcançar ou cuja tramitação se desencadeia”, pois não é
forçoso que a utilidade que se pretende retirar do serviço de administração da
justiça aumente proporcionalmente ao aumento do valor da acção.
Entende-se que o aprofundamento dos limites objectivos à qualificação de um
tributo como taxa ou como imposto – designadamente, a consideração de que se
está perante um serviço apenas prestado pelo Estado (dado o monopólio público do
uso da força) e a fixação das custas em proporção directa ao valor da causa sem
qualquer limite máximo – não poderia deixar de conduzir a considerar que a “taxa
de justiça” devida em procedimentos cautelares, e recursos neles interpostos, no
montante de € 584.403,82, é desproporcionada ao custo do serviço ou à utilidade
tirada do procedimento cautelar. Pelo que, nestas circunstâncias, ficaria mesmo
posta em causa a relação de correspondência entre o serviço e o tributo, o qual
dificilmente poderia ser qualificado como verdadeira taxa.
9.Deve, aliás, notar-se que o que está em causa na dimensão normativa em apreço
não é tanto – ou não é apenas – a bondade constitucional do critério elegido
para a fixação das custas em função do valor da causa, mas, tendo em conta os
demais elementos do critério de tributação, ou seja, os concretos escalões
quantitativos fixados e o modo como operam, a ausência de qualquer limite máximo
para o valor da causa, e, consequentemente, para os resultados da aplicação
daquele critério na determinação do valor da tributação em custas,
independentemente da complexidade do processo, ou, mesmo, da sua concreta e
efectiva utilidade para o recorrente (podendo tratar-se, como no caso, de um
procedimento cautelar).
Pode duvidar-se, neste ponto, da possibilidade de invocação, como precedente, do
que se decidiu no Acórdão n.º 349/2002 (disponível em
www.tribunalconstitucional.pt), em que se não julgou inconstitucional a norma do
“artigo 7.º, alínea h), do Código das Custas Judiciais, na interpretação segundo
a qual, nas acções de autorização para redução do capital social, considera-se
necessariamente (isto é, sem poder ser reduzido) como valor da acção, para
efeito de custas, o valor da redução requerida, independentemente da maior ou
menor actividade jurisdicional desenvolvida” (critério, este, que dera origem,
no caso, a uma liquidação de taxa de justiça no montante de 836.000 contos).
É certo que, no presente caso, o montante de custas cobrado é significativamente
menor. Mas, por outro lado, trata-se ainda apenas de um procedimento cautelar.
E, decisivamente, não parece que possa acompanhar-se a “lógica subjacente” a
esse Acórdão, quando dispensa qualquer limite máximo para a tributação em
custas, ou, mesmo, que se permita ao Tribunal Constitucional a limitação do
montante de taxa de justiça devido no caso concreto, tendo em conta,
designadamente, a natureza e complexidade do processo e o eventual carácter
manifestamente desproporcionado do montante em questão.
Na verdade, sempre poderá dizer-se que a aplicação de um tal critério conduz a
que, a partir de um certo limite, não possa o montante de taxa devida encontrar
justificação seja no princípio da equivalência seja no princípio da cobertura de
custos
Como se pode ler na declaração de voto aposta ao Acórdão n.º 349/2002,
entende-se que «não carece de mais justificações a verificação de que ocorre, em
consequência da interpretação perfilhada pela 1ª instância e afastada pelo
Tribunal da Relação de Lisboa, uma situação em que a taxa calculada é de
“montante manifestamente excessivo”, ou seja, em que há uma “desproporção
intolerável” entre “o montante do tributo e o custo do (...) serviço prestado”
(…). E, justamente por ser manifestamente exorbitante o valor calculado em
função da mesma norma, ocorre também uma violação evidente do direito de acesso
ao direito e aos tribunais, sem que seja necessário entrar em considerações
relacionadas com o instituto do apoio judiciário, aqui descabidas».
Estas considerações são aplicáveis ao presente caso, em que o valor de taxa de
justiça a que se chegaria – € 584.403,82 – era também manifestamente
desproporcionado aos custos da actividade jurisdicional num procedimento
cautelar, por força da fixação da taxa de justiça, de acordo com os escalões
constantes da tabela anexa, em função do valor da causa sem qualquer limite
máximo.
O juízo de inconstitucionalidade a que a decisão recorrida chegou merece
confirmação – e isto, aliás, independentemente da qualificação do tributo em
causa, não só por violação do princípio constitucional da proporcionalidade como
por ofensa ao direito de acesso aos tribunais.
10. Quanto à conformidade da interpretação normativa em apreço com a garantia do
acesso aos tribunais, consagrada no artigo 20.º da Constituição, não pode deixar
de concordar-se com a decisão recorrida, quando chega a um resultado de
inconstitucionalidade.
Como este Tribunal afirmou no Acórdão n.º 352/91 (publicado no Diário da
República, II Série, de 17 de Dezembro de 1991):
«[…]
O direito de acesso aos tribunais não compreende [...] um direito a litigar
gratuitamente, pois [...] não existe um princípio constitucional de gratuitidade
no acesso à justiça (cfr., neste sentido, também o Acórdão n.º 307/90, Diário da
República, 2ª Série, de 4 de Março de 1991).
O legislador pode, assim, exigir o pagamento de custas judiciais, sem que, com
isso, esteja a restringir o direito de acesso aos tribunais. E, na fixação do
montante das custas, goza ele de grande liberdade, pois é a si que cabe optar
por uma justiça mais cara ou mais barata.
Essa liberdade constitutiva do legislador tem, no entanto, um limite – limite
que é o de a justiça ser realmente acessível à generalidade dos cidadãos sem
terem que recorrer ao sistema de apoio judiciário.
É que o nosso ordenamento jurídico concebe o sistema de apoio judiciário como
algo que apenas visa garantir o acesso aos tribunais aos economicamente
carenciados, e não como um instrumento ao serviço também das pessoas de médios
rendimentos (salvo, naturalmente, se estas houverem de intervir em acções de
muito elevado valor).
Na fixação das custas judiciais, há-de, pois, o legislador ter sempre na devida
conta o nível geral dos rendimentos dos cidadãos de modo a não tornar
incomportável para o comum das pessoas o custeio de uma demanda judicial, pois
se tal suceder, se o acesso aos tribunais se tornar insuportável ou
especialmente gravoso, violar-se-á o direito em causa.
[…].»
E acrescentou-se, mais adiante, no mesmo aresto:
«[…]
Como todas as decisões legislativas, as decisões que o legislador toma em
matéria de custas no que concerne ao quantum delas, são, obviamente, sindicáveis
sub specie constitucionis. Mas, ao menos em geral, (...) tais decisões só
haverão de ser taxadas de constitucionalmente ilegítimas quando inviabilizem ou
tornem particularmente oneroso o acesso aos tribunais para o cidadão médio.»
Esta ideia foi também reiterada no Acórdão n.º 467/91 (publicado no Diário da
República, II Série, de 2 de Abril de 1992), onde se afirmou:
«[…] esse espaço de conformação [o espaço de conformação do legislador em
matéria de custas] tem os limites que são dados pela irredutível dimensão de
defesa da tutela jurisdicional dos direitos, postulando soluções legislativas
que assegurem um acesso igual e efectivo aos tribunais. Então, o princípio da
proporcionalidade vem aqui «alicerçar um controlo jurídico-constitucional da
liberdade de conformação do legislador e situar constitucionalmente o espaço de
prognose legislativa» (J. J. Gomes Canotilho, Constituição Dirigente e
Vinculação do Legislador, Coimbra 1982, p. 274).
O asseguramento da garantia do acesso aos tribunais subentende uma programação
racional e constitucionalmente adequada dos custos da justiça: o legislador não
pode adoptar soluções de tal modo onerosas que impeçam o cidadão médio de aceder
à justiça.
[…].»
De acordo com o que se considerou no Acórdão n.º 608/99 (publicado no Diário da
República, II Série, de 16 de Março de 2000), “na área em questão” [matéria de
custas judiciais], o princípio da proporcionalidade reveste, “pelo menos, três
sentidos: o de «equilíbrio entre a consagração do direito de acesso ao direito e
aos tribunais e os custos inerentes a tal exercício»; o da responsabilização de
cada parte pelas custas «de acordo com a regra da causalidade, da sucumbência ou
do proveito retirado da intervenção jurisdicional»; e o do ajustamento dos
«quantitativos globais das custas a determinados critérios relacionados com o
valor do processo, com a respectiva tramitação, com a maior ou menor
complexidade da causa e até com os comportamentos das partes»”.
Ora, afigura-se claro que a interpretação normativa segundo a qual o montante da
taxa de justiça devida em procedimentos cautelares e recursos neles interpostos
cujo valor excede 49.879,79 € é definido em função do valor da acção sem
qualquer limite máximo, e da qual resultaria, no caso, um montante de custas de
€ 584.403,82, não se situa logo dentro de limites razoáveis, e antes comporta
uma restrição desproporcionada ao direito de acesso aos tribunais.
Com efeito, a ponderação de meios e fins a que este Tribunal é conduzido não
pode deixar de ter presente o quantitativo concreto da taxa de justiça exigida
às ora recorridas – que era, repete-se, de € 584.403,82 –, originando um débito
de custas muito superior aos custos da prestação do serviço de administração da
justiça (incluindo o montante da comparticipação nos custos globais do sistema
de justiça), dada, também, a circunstância de se estar ainda no âmbito de um
processo cautelar, de índole provisória, decidido com base numa apreciação
perfunctória e sumária da necessidade da providência.
Em tal procedimento cautelar, não se vê, aliás, como poderia a invocação de uma
hipotética utilidade da prestação do serviço que fosse proporcionada aos
prejuízos sofridos – e ao valor da causa – prevalecer sobre o interesse das ora
recorridas em acautelar esse ressarcimento, em termos de legitimar um montante
de custas de € 584.403,82, que, não só tomando como paradigma “a capacidade
contributiva do cidadão médio” (Acórdão n.º 248/94, Diário da República, II
Série, de 26 de Julho de 1994) como mesmo considerando a dimensão económica das
requerentes, constitui uma barreira significativa ao acesso aos tribunais. Não
se trata, pois, apenas da relevância de um “juízo empírico” (a que se refere o
Ministério Público) sobre o montante excessivo das custas, mas, antes, de
considerar os efeitos que um (previsível) débito de tal montante, pela fixação
das custas em função do valor da causa e sem qualquer limite máximo, realmente
produz sobre o direito de acesso aos tribunais, sem que se permita ao tribunal
que limite o montante de taxa de justiça devido no caso concreto, tendo em
conta, designadamente, a natureza e complexidade do processo e o carácter
manifestamente desproporcionado do montante em questão. O que conduz à conclusão
de que está, aqui, ultrapassado já o limiar do mero “mau direito”, para se
verificar uma verdadeira restrição, para além da “justa medida”, daquele direito
fundamental constitucionalmente consagrado.”
7. É este entendimento que se reitera, pelo que igualmente há que concluir que a
norma que prevê a fixação da taxa de justiça devida em procedimentos cautelares,
e recursos neles interpostos, cujo valor excede 49.879,79 €, em proporção ao
valor da acção sem qualquer limite máximo ao montante das custas, é
inconstitucional, por violação do direito de acesso aos tribunais, conjugado com
o princípio da proporcionalidade, mas apenas na medida em que tal norma não
permite ao tribunal que limite o montante de taxa de justiça devido no caso
concreto, tendo em conta, designadamente, a natureza e complexidade do processo
e o carácter manifestamente desproporcionado do montante em questão.
Assim, há que determinar a reformulação da decisão recorrida, em conformidade
com esta medida do juízo de inconstitucionalidade alcançado (embora, como se
sabe, não seja já ao Tribunal Constitucional, mas antes ao tribunal recorrido,
que compete extrair e precisar as concretas consequências, no caso, dessa
decisão de inconstitucionalidade).
Fica, naturalmente prejudicada a apreciação da inconstitucionalidade orgânica
que as recorridas alegam, por mera cautela, argumentando com a falta de
proporcionalidade desvirtuante da correspectividade do tributo em causa, para
efeito da sua qualificação como imposto e não taxa, e com o facto de o
Decreto‑Lei n.º 224-A/2006 não ter sido precedido de autorização legislativa.
III. Decisão
Com estes fundamentos, o Tribunal Constitucional decide:
a) Julgar inconstitucional, por violação do direito de acesso aos
tribunais, consagrado no artigo 20.º da Constituição, conjugado com o princípio
da proporcionalidade, decorrente dos artigos 2.º e 18.º, n.º 2, segunda parte,
da mesma Constituição, a norma que resulta dos artigos 13.º, n.º 1, e tabela
anexa, 15.º, n.º 1, alínea m), e 18.º, n.º 2, todos do Código das Custas
Judiciais, na versão de 1996, na interpretação segundo a qual o montante da taxa
de justiça devida em procedimentos cautelares e recursos neles interpostos, cujo
valor exceda 49.879,79 €, é definido em função do valor da acção sem qualquer
limite máximo ao montante das custas, e na medida em que se não permite ao
tribunal que limite o montante de taxa de justiça devido no caso concreto, tendo
em conta, designadamente, a natureza e complexidade do processo e o carácter
manifestamente desproporcionado do montante em questão;
b) Por conseguinte, determinar a reforma da decisão recorrida, em
conformidade com o juízo de inconstitucionalidade constante da alínea anterior.
Lisboa, 20 de Fevereiro de 2008
Vítor Gomes
Ana Maria Guerra Martins
Carlos Fernandes Cadilha
Maria Lúcia Amaral
Gil Galvão