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Processo n.º 1159/07
2ª Secção
Relator: Conselheiro Joaquim de Sousa Ribeiro
Acordam, em conferência, na 2ª secção do Tribunal Constitucional
1. Nos presentes autos de reclamação, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, A.
reclama para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do n.º 4 do artigo 76.º da Lei
da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), do
despacho daquele Supremo Tribunal, de 24.10.2007, que indeferiu o seu
requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional.
Para tanto, invoca o seguinte:
«A., Recorrente nos autos melhor identificados em epígrafe, notificado que foi
do teor douto do despacho de fls. 2443, vem sobre o mesmo apresentar Reclamação
para a conferência, de harmonia com o conjugadamente disposto no n.° 4 do art.°
76.° e n.° 1 do art.° 77.°, ambos da Lei do Tribunal Constitucional, o que faz
nos termos e pelos seguintes fundamentos:
1.
Foi o aqui Reclamante notificado do douto despacho de fls. 2443, que não admite
o recurso interposto para este Tribunal Constitucional, porquanto, para aquele
Ilustre Conselheiro: “… o recorrente alega que a decisão recorrida viola o
disposto no art.° 32.° da CRP, no que diz respeito à interpretação dada à
factualidade provada. Ora, o TC não aprecia a pretensa inconstitucionalidade de
decisões, mas sim a inconstitucionalidade de normas jurídicas, numa dada
interpretação que se considere ofensiva das normas e princípios constitucionais.
O recorrente não indicou em parte alguma qual a norma ou normas jurídicas
violadas com a interpretação que lhes foi dada e que esteja em desconformidade
com a lei fundamental” sic
2.
Com o devido respeito, resulta evidente que, certamente por mero lapso, o
conselheiro relator, não teve em conta o alegado nos pontos I e III do
requerimento de recurso apresentado pelo ora reclamante.
3.
Na verdade escreve-se no ponto I que: “Por entender que a interpretação dada ao
disposto nos art.°s 125.°, 126.° n.° 3, ambos do Código de Processo Penal e art°
26.° nº 1 da Constituição da República Portuguesa, viola as garantias de defesa,
constitucionalmente protegidas, nomeadamente no Art.° 32.° da CRP sendo
interposto ao abrigo das alíneas b) e f) do art.° 70.º da Lei n.° 28/82 de 15 de
Novembro”
4.
Alegando-se no ponto III daquele requerimento de interposição de recurso que:
“Por entender que a interpretação dada ao disposto nos art°s 1.4°, 40.°, 71.°,
72.°, 73.°, 131.° E 133° todos do Código Penal, 410.° N° 2, alíneas b) e c) do
Código de Processo Penal, viola as garantias de defesa, constitucionalmente
protegidas, nomeadamente no art.° 32.° n°s 1 e 2 da CRP sendo interposto ao
abrigo das alíneas b) e f) do art.° 70.° da Lei n.° 28/82 de 15 de Novembro”
5.
Fica consequentemente claro que o aí recorrente, ora reclamante nestes dois
pontos requereu a apreciação da inconstitucionalidade “de normas jurídicas, numa
dada interpretação que se considera ofensiva das normas e princípios
constitucionais”, palavras que utilizamos do douto despacho ora em crise.
6.
Pelo que não tem, s.m.o., qualquer fundamento o despacho de não admissão do
pretendido recurso.
7.
Relativamente ao ponto II do requerimento de recurso, único em que o despacho se
estriba para não admitir o recurso, sempre se dirá que o princípio in dubio pro
reu, como escreve o Prof. Comes Canotilho, CRP Anotada, Vol. I, Coimbra Editora,
4ª Edição Revista, pág. 519: “… além de ser uma garantia subjectiva é também uma
imposição dirigida ao juiz no sentido de este se pronunciar de forma favorável
ao réu, quando não tiver a certeza sobre os factos decisivos para a solução da
causa”, transcrevemos com a devida vénia.
8.
Ora, é também aqui que o recurso interposto pretende chegar, quando demonstrar
que a interpretação dada à factualidade assente violou aquele princípio, sendo
consequentemente inconstitucional.
9.
Pelo que, também por aqui, não terá razão o despacho de não admissão do
recurso.[…] »
O representante do Ministério Público junto do Tribunal Constitucional emitiu
parecer, nos termos seguintes:
«A presente reclamação carece manifestamente de fundamento.
Na verdade, percorrendo a motivação do recurso endereçado ao STJ e as
respectivas conclusões verifica-se que o ora reclamante não suscitou, durante o
processo e em termos processualmente adequados, qualquer questão de
inconstitucionalidade normativa, idónea para servir de base ao recurso que
interpôs para este Tribunal Constitucional.»
2. Com relevância para a presente decisão resulta dos autos o seguinte:
− No 3.º Juízo do Tribunal Judicial da Maia, A. foi julgado e condenado na pena
única, em cúmulo jurídico, de 12 anos e 6 meses de prisão, pela prática de um
crime de homicídio, p. e p. pelo artigo 131.º do Código Penal, e pela prática de
dois crimes de coacção grave, p. e p. pelos artigos 154.º, n.º 1, e 155.º, n.º
1, alínea a), do mesmo Código;
− Inconformado, o arguido recorreu para o Tribunal da Relação do Porto, tendo
também interposto recurso da decisão proferida em julgamento que lhe indeferiu a
junção aos autos de uma gravação e respectiva transcrição;
− A Relação negou provimento ao recurso intercalar e julgou parcialmente
procedente o recurso da decisão final, aplicando o perdão, concedido pela Lei
n.º 29/99, aos crimes de coacção e reformulando o cúmulo jurídico, condenando o
recorrente na pena única de 11 anos e 8 meses de prisão;
− Novamente inconformado, interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça
que, por acórdão de 21.06.2007, decidiu não conhecer do objecto do recurso
intercalar e julgar o recurso da decisão final totalmente improcedente,
confirmando a decisão recorrida;
− Ainda inconformado, recorreu deste acórdão para o Tribunal Constitucional;
− Por despacho de 24.10.2007, de que vem interposta a presente reclamação, o
recurso não foi admitido.
3. O reclamante pretende interpor recurso de constitucionalidade, ao abrigo da
alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, que tem como pressuposto específico
que a decisão recorrida aplique norma cuja inconstitucionalidade haja sido
suscitada durante o processo.
Como é salientado no parecer do Ministério Público, é manifesto que o reclamante
não suscitou, no decurso do processo, qualquer questão de inconstitucionalidade
normativa.
Na verdade, na motivação do recurso interposto junto do Supremo Tribunal de
Justiça o recorrente limitou-se a imputar ao acórdão recorrido a violação do
artigo 32.º, n.ºs 1 e 2, da Constituição da República (cfr. alínea YY) das
respectivas conclusões). Ou seja, não arguiu qualquer questão de
inconstitucionalidade normativa, já que em momento algum imputou o vício de
inconstitucionalidade a uma norma jurídica.
Não se mostra, por isso, cumprido o ónus que assistia ao recorrente de suscitar
uma questão de constitucionalidade normativa e de o fazer no decurso do
processo, ou seja, antes de o tribunal recorrido ter proferido a decisão final.
Pelo que o presente recurso não pode ser admitido.
4. Pelo exposto, decide-se indeferir a reclamação do despacho que não admitiu o
presente recurso de constitucionalidade.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de
conta.
Lisboa, 9 de Janeiro de 2008
Joaquim de Sousa Ribeiro
Benjamim Rodrigues
Rui Manuel Moura Ramos