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Processo nº 992/07
1ª Secção
Relatora: Conselheiro Maria João Antunes
Acordam, em conferência, na 1ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que é
recorrente A. e são recorridos o Ministério Público e B., foi interposto recurso
para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da
Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC),
da decisão daquele tribunal de 19 de Setembro de 2007.
2. Em 20 de Novembro de 2007, foi proferida decisão sumária, ao abrigo do
disposto no artigo 78º-A, nº 1, da LTC, pela qual se entendeu não tomar
conhecimento do objecto do recurso.
É a seguinte a fundamentação constante desta decisão:
«Face ao teor do requerimento de interposição de recurso, na parte em que é
indicada a norma cuja apreciação é requerida a este Tribunal, justificar-se-ia
convidar a recorrente a indicar, com precisão, tal norma, ao abrigo do disposto
no nº 6 do artigo 75º-A da LTC.
Porém, nos presentes autos, ainda que a norma aplicada pelo acórdão recorrido,
como ratio decidendi, fosse indicada de forma a satisfazer os requisitos do
artigo 75º-A da LTC, seria sempre de concluir pelo não conhecimento do objecto
do recurso interposto. Com efeito, durante o processo, a recorrente não suscitou
a questão de inconstitucionalidade de modo processualmente adequado perante o
tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a
dela conhecer (artigos 70º, nº 1, alínea b), e 72º, nº 2, da LTC). Não a
suscitou, designadamente, nas peças processuais indicadas em cumprimento da
parte final do nº 2 do artigo 75º-A da LTC.
Na motivação do recurso interposto do acórdão do Tribunal da Relação de Évora
(fl. 1192 e ss.), a recorrente questiona apenas a constitucionalidade do artigo
400º, nº 1, alínea f), do Código de Processo Penal, quando interpretado e
aplicado no seu sentido literal, não suscitando qualquer questão de
constitucionalidade reportada aos artigos 400º, nº 1, alínea f), e 5º, nºs. 1 e
2, do Código de Processo Penal e 6º, nº 1, da Lei nº 59/98, de 25 de Agosto; na
resposta à questão prévia da irrecorribilidade daquele acórdão, a recorrente
refere apenas que a orientação propugnada no Parecer [do Ministério Público] se
traduz numa interpretação da lei (artigo 400º, nº 1, alínea, f), e artigo 5º, nº
2, do Código de Processo Penal) contrária à Constituição. Ora, quando “se
suscita a inconstitucionalidade de uma determinada interpretação de certa (ou de
certas) normas jurídicas, necessário é que se identifique essa interpretação em
termos de o Tribunal, no caso de a vir a julgar inconstitucional, a poder
enunciar na decisão, de modo a que os destinatários delas e os operadores do
direito em geral fiquem a saber que essa (ou essas) normas não podem ser
aplicadas com um tal sentido” (Acórdão do Tribunal Constitucional nº 106/99,
disponível em www.tribunalconstitucional.pt).
Como não se pode dar como verificado o requisito da suscitação prévia e de forma
adequada da questão de constitucionalidade, justifica-se a prolação da presente
decisão (artigo 78º-A, nº 1, da LTC)».
3. Desta decisão vem agora a recorrente reclamar para a conferência, alegando
que:
«1 - Assentou-se na douta decisão reclamada que “não se pode dar como verificado
o requisito da suscitação prévia de forma adequada da questão de
constitucionalidade” unicamente porque a recorrente suscitando “a
inconstitucionalidade de uma determinada interpretação de certa (ou de certas)
normas jurídicas” não teria cumprido o ónus de identificar essa interpretação
“em termos de o tribunal, no caso de a vir julgar inconstitucional, a poder
enunciar na decisão”.
Mas com o devido respeito, só uma leitura parcial dos requerimentos apresentados
pela recorrente, à volta da suscitação da questão de (in)constitucionalidade
relacionada com o direito de recorrer para o STJ em matéria penal, e uma postura
demasiado rígida e formalista podem conduzir àquela decisão.
2 - Com efeito, e recordando a sequência processual desses requerimentos, sendo
forçosa uma leitura conjugada dos mesmos, o que a recorrente pretendeu ab initio
é que fosse admitido o recurso ordinário para o STJ do Ac. do TRE de 27.3.2007
e, para tanto enunciou claramente um critério normativo que a ser adoptado,
ofenderia a CRP. Isto porque a interpretar-se e aplicar-se mecanicamente a al.
f) do n° 1 do art. 400º do CPP (na redacção de reforma de 1995) com o seu teor
literal, estar-se-ia a violar a CRP (arts. 32°,1; 20º,1; 13°,1; l8°,2; 29°,4, e
2° da CRP), na medida em que se verificava uma descriminação desproporcionada e
materialmente infundada para os arguidos condenados, em situação de molduras
penais dos crimes individualmente considerados, quando são inferiores a 8 anos
de prisão ou quando são superiores a este limite. E mais, sustentou a recorrente
no requerimento de interposição do recurso ordinário para o STJ, que esse
recurso sempre seria admissível in casu, essencialmente porque a aplicação da
lei mais favorável ao arguido sempre a iria contemplar, como resulta da segunda
parte desse requerimento.
3 - A contrario, o critério normativo que a recorrente deixou implícito é o de
que sempre seria admissível o recurso interposto para o STJ interpretando e
aplicando a citada al. f) do n°1 do art. 400 do CPP no sentido mais favorável á
recorrente e em conformidade com os comandos constitucionais que enunciou.
Facilmente se alcança que defendendo o direito de recorrer para o STJ a
recorrente quis significar que não podia ser discriminada por ter sido condenada
numa pena de 3 anos, inferior ao tal limite de 8 anos.
4 - Depois na resposta ao Parecer do MP junto do STJ manteve a mesma posição e
aditou o art. 50 n° 2 do CPP, porque isso resultava desse Parecer.
5 - O douto Ac. ora recorrido do STJ enuncia claramente que em causa “está a
interpretação do art. 400º, 1 do CPP, chamando à colação a alteração recente da
Lei 48/2007 de 29 de Agosto e a norma do n° 2 do art. 5º do CPP para firmar o
entendimento de que in casu “o limite máximo concretamente possível situar-se-á
sempre nos 8 anos, sendo esse o limite máximo da pena aplicável”, e que, por
isso não seria “recorrível a decisão que se pretende impugnar “atendendo à
“penalidade a considerar para efeitos de recorribilidade”.
Tal significa que o STJ, fazendo uma interpretação e aplicação automáticas e
literais da norma da al. f), n° 1 do art. 400 do CPP (redacção anterior) acolheu
o critério normativo que a recorrente caracterizou como ofensa da CRP e não o
propugnado pela recorrente.
Se no Ac. recorrido não é feita uma apreciação da questão da
(in)constitucionalidade suscitada pela recorrente quanto àquele critério
normativo – a única norma constitucional identificada é a do art. 29° n° 4 - é
porque se entendeu (sem margem para duvidas) que é conforme à Lei Fundamental o
regime dos recursos penais, contra o entendimento da recorrente.
Não pode porém ser a recorrente prejudicada por uma pronúncia incompleta do Ac.
Recorrido quanto à matéria jurídico constitucional. Por isso no requerimento de
interposição do recurso voltou a recorrente a enunciar a questão da
(in)constitucionalidade nos mesmos termos dos requerimentos anteriores, dando-os
por inteiramente reproduzidos.
6 - Aliás o TRE (Despacho de fls. 215) entendeu a alegação da recorrente quanto
à violação do princípio constitucional (em forma de norma jurídica) do direito
do arguido a ver-lhe aplicada a lei mais favorável, declarando que por essa
razão a lei aplicável seria a do tempo dos actos (moldura penal até 10 anos de
prisão).
7 - Também o STJ no acórdão de indeferimento entendeu as duas dimensões da
fundamentação da recorrente (fls. ) mas em sentido contrário ao pretendido pela
recorrente».
4. Notificado desta reclamação, o Ministério Público junto deste Tribunal
pronunciou-se nos termos seguintes:
«1º
A presente reclamação é manifestamente improcedente.
2º
Na verdade – não tendo o recorrente obviamente logrado delinear uma específica e
particular dimensão normativa do preceito legal questionado – o recurso só
poderia ser reportado à norma na sua estrita literalidade ou objectividade.
3º
O que conduziria obviamente a julgar tal recurso como manifestamente infundado,
face à reiterada jurisprudência que considera não estar incluído no “direito ao
recurso” num irrestrito acesso ao Supremo Tribunal de Justiça».
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
Pela decisão agora reclamada, este Tribunal decidiu, ao abrigo do disposto no nº
1 do artigo 78º-A da LTC, não tomar conhecimento do objecto do recurso, com
fundamento na falta de suscitação prévia e de forma adequada da questão de
constitucionalidade (artigos 70º, nº 1, alínea b) e 72º, nº 2, da LTC) reportada
aos artigos 400º, nº 1, alínea f), e 5º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Penal e
6º, nº 1, da Lei nº 59/98, de 25 de Agosto, interpretados no sentido de que a
pena máxima aplicável referida naquela alínea f) é, no caso de sucessão de leis
no tempo, a prevista na lei que cominar a moldura com o limite mais baixo (cf.
requerimento de interposição de recurso a fl. 1236 e ss.).
Este Tribunal decidiu não tomar conhecimento do objecto do recurso por aquela
razão e não, por conseguinte, com fundamento na não aplicação pelo tribunal
recorrido, como ratio decidendi, da norma cuja constitucionalidade pretendia ser
questionada. Nem, tão-pouco, por ter entendido que a pronúncia do tribunal
recorrido quanto à matéria jurídico-constitucional havia sido incompleta. Aliás,
este Tribunal tem entendido que, se for colocada ao tribunal recorrido uma
questão de inconstitucionalidade de forma atempada e adequada, ela é apreciada
pelo Tribunal Constitucional, ainda que aquele tribunal o não tenha feito (cf.,
entre outros, Acórdãos nº 318/90 e 361/2006, disponíveis em
www.tribunalconstitucional.pt).
Pretendendo contrariar a decisão sumária proferida, designadamente na parte em
que conclui no sentido de, durante o processo, a recorrente não ter identificado
qualquer interpretação normativa dos artigos 400º, nº 1, alínea f), e 5º, nº 2
do Código de Processo Penal e 6º da Lei nº 59/98, de 25 de Agosto, a reclamante
sustenta que deixou implícito o critério normativo que pretendia questionar,
quer quando interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça quer quando
respondeu à questão prévia da irrecorribilidade do acórdão do Tribunal da
Relação de Évora.
Se, por um lado, é manifesto que continua a não identificar a interpretação
normativa que pretendia questionar, quando explicita que, “a contrario, o
critério normativo (…) é o de que sempre seria admissível o recurso interposto
para o STJ interpretando e aplicando a citada al. f) do nº 1 do 400º do CPP no
sentido mais favorável à recorrente e em conformidade com os comandos
constitucionais que enunciou”, identificando afinal o critério normativo que tem
por correcto; por outro, o requisito da suscitação prévia e de forma adequada da
questão de constitucionalidade (artigos 70º, nº 1, alínea b), e 72º, nº 2, da
LTC) não pode dar-se como verificado perante a identificação implícita de
determinada interpretação normativa, cometendo-se ao tribunal recorrido a tarefa
de alcançar o que o recorrente terá querido questionar do ponto de vista
jurídico-constitucional.
Este Tribunal tem entendido, que «o cumprimento do ónus a que se refere o artigo
72º, n.º 2, da Lei do Tribunal Constitucional não se basta, com efeito, com a
mera afirmação, perante o tribunal recorrido, de que certa interpretação
normativa, não concretizada, é inconstitucional, pois que tal não traduz a
invocação de uma verdadeira questão de inconstitucionalidade: o preceito vai
mais longe, impondo ao recorrente a delimitação dessa questão, de forma a
possibilitar ao tribunal recorrido a sua cabal compreensão e, portanto, a sua
efectiva decisão» (Acórdão do Tribunal Constitucional nº 361/2006, disponível em
www.tribunalconstitucional.pt).
Impõe-se, assim, indeferir a presente reclamação e, consequentemente, confirmar
a decisão de não conhecimento do objecto do recurso de constitucionalidade
interposto.
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência,
confirmar a decisão reclamada.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de
conta.
Lisboa, 23 de Janeiro de 2008
Maria João Antunes
Carlos Pamplona de Oliveira
Gil Galvão