Imprimir acórdão
Processo n.º 674/07
1.ª Secção
Relator: Conselheiro José Borges Soeiro
Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I – Relatório
1. Por despacho de fls. 607 e seguinte, exarado a 4 de Maio de 2007, pelo Exmo.
Juiz do Tribunal de Trabalho de Setúbal no processo em que foi vítima de
acidente de trabalho A., com os sinais dos autos, foi decidido:
a) recusar a aplicação, por violação do artigo 59.º, n.º 1, alínea f), da
Constituição da República Portuguesa, do segmento da Base XXII, n.º 2, da Lei
n.º 2127, de 3 de Agosto de 1965, na parte em que consagra um prazo preclusivo
de 10 anos contados a partir da data da fixação inicial da pensão, para a
revisão da pensão devida ao sinistrado por acidente de trabalho;
b) conceder ao sinistrado A., uma prestação suplementar devida por assistência
de terceira pessoa, com efeitos a partir de 3 de Abril de 2007, correspondente a
25% da pensão anual e vitalícia que actualmente lhe tem estado a ser paga, com
fundamento na Base XVIII da citada Lei.
Para assim concluir, o Tribunal considerou que a mencionada vítima sofreu um
acidente de trabalho em 15 de Julho de 1967, “tendo sido fixado em auto de
conciliação datado de 26.04.1968 o dever da Seguradora B. pagar uma pensão anual
e vitalícia e reparar ou substituir a prótese sempre que necessário. O processo
sofreu diversas vicissitudes, sendo que em 14.11.1978 realizou-se o último exame
de revisão, fixando a IPP em 0,977.”
Em 3 de Abril de 2007 o sinistrado requereu a sua submissão a exame médico de
revisão, salientando necessitar de todos os apoios necessários a uma boa
assistência médica, incluindo o apoio de uma terceira pessoa.
Realizado o exame médico, entendeu-se manter a anterior IPP de 0,977, mas
pronunciou-se no sentido de o sinistrado necessitar do apoio de uma terceira
pessoa, durante o período de 12 horas, para o ajudar nas suas actividades da
vida corrente.
2. Notificados do resultado desse exame, quer o sinistrado, quer a Seguradora
B., S. A. nada requereram.
E, assim, o Tribunal decidiu pela forma expressa supra, atentando a que “apesar
do sinistrado manter as mesmas sequelas, as mesmas agravaram-se com o
envelhecimento, limitando-o nas suas actividades diárias e obrigando ao apoio de
terceira pessoa. Deste modo, apesar de manter-se a mesma IPP, o sinistrado tem
direito à prestação suplementar prevista na Base XVIII n.º 1 da Lei n.º 2127,
correspondente a 25% da pensão actualmente atribuída”.
O Exmo. Magistrado do Ministério Público veio, ao abrigo do disposto nos artigos
70.º, n.º 1, alínea a), e 75.º-A, da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (Lei do
Tribunal Constitucional) interpor recurso do aludido despacho para este
Tribunal.
Concluiu a sua alegação pela seguinte forma:
“1º
Não viola os princípios da igualdade e do direito à justa reparação do
trabalhador sinistrado, previsto no artigo 59.º, n.º 1, alínea f) da
Constituição da República Portuguesa, a norma constante do n.º 2 da Base XXII da
Lei n.º 2127, interpretada no sentido de operar a preclusão da revisão da pensão
devida ao sinistrado por acidente laboral, fundada em agravamento superveniente
das lesões sofridas, sempre que – entre a data em que ocorreu a última revisão
da incapacidade e aquela em que é formulada nova pretensão – tenha decorrido o
prazo prescricional geral de 20 anos, estabelecido na lei civil.
2º
Termos em que deverá proceder o presente recurso, em consonância com o juízo de
não inconstitucionalidade da dimensão normativa relevante para o caso dos
autos.”
Não foram produzidas contra-alegações.
3. Por despacho do Relator de 12 de Dezembro de 2007, foi o Recorrente
notificado para se pronunciar face à “eventualidade de o Tribunal vir a não
conhecer do objecto do recurso de constitucionalidade pelo facto de a Base
declarada inconstitucional na decisão recorrida não se prefigurar como ‘ratio
decidendi’, mas sim como ‘obiter dictum’, já que a norma aplicada foi uma outra
(Base XVIII, n.º 1, da Lei n.º 2127, de 3 de Agosto de 1965) e, assim, a questão
de constitucionalidade se afigurar como instrumental […].”
O Exmo. Procurador-Geral-Adjunto veio, então, pronunciar-se no sentido de se
manter o interesse processual na pronúncia quanto à questão de
constitucionalidade suscitada na medida em que, face à decisão recorrida, “se
não fosse o juízo de inconstitucionalidade formulado quanto à norma que prevê o
prazo prescricional de 10 anos, contados da data inicial da pensão, não seria
possível outorgar ao sinistrado o direito à prestação suplementar que lhe foi
conferido, com base no agravamento das sequelas do acidente com o
envelhecimento.”
Decidindo.
II – Fundamentação
Questão Prévia
4. Sendo o recurso interposto ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea a), da Lei
do Tribunal Constitucional, impõe-se desde logo verificar se se encontram
preenchidos os pressupostos que permitem o seu efectivo conhecimento – recusa de
aplicação de norma que constitui a ratio decidendi da decisão recorrida.
Assim, se o juízo de inconstitucionalidade tiver o mero significado de obiter
dictum dictum ou, ainda, de um argumento ad ostentationem, não influindo no
sentido final da decisão, falha o interesse processual no recurso de
constitucionalidade atento o seu carácter instrumental.
Nos presentes autos, o Exmo. Juiz a quo afirmou desaplicar a norma prevista na
Base XXII, n.º 2, do diploma citado, considerando, na sequência da
jurisprudência constitucional citada, que o prazo absolutamente preclusivo de 10
anos [após a data da fixação da pensão] para a dedução de pedidos de revisão de
pensões com fundamento, nomeadamente, em agravamento das lesões, seria
inconstitucional por violação do direito fundamental dos trabalhadores a serem
reparados quando vítimas de acidente de trabalho.
Esta “desaplicação” (ou recusa de aplicação) da norma não fundamenta, no
entanto, a concessão do apoio na forma de assistência por terceira pessoa, nos
termos da Base XVIII, desde logo por não se ter provado o agravamento das
lesões.
Assim, a aplicação da Base XVIII, n.º 1, – que constitui a ratio decidendi do
despacho recorrido – ocorre directamente e não, como sustenta o Ministério
Público, na sequência do juízo de inconstitucionalidade formulado relativamente
à Base XXII.
Destarte, a “desaplicação”, por inconstitucionalidade, da Base XXII não traduz,
na decisão recorrida, o respectivo critério normativo decisivo, pressuposto
essencial ao seu conhecimento como objecto do presente recurso de
constitucionalidade.
5. Face à natureza instrumental do recurso de constitucionalidade, e não
revestindo a questão sub specie constitutionis qualquer utilidade nos autos,
conclui-se pela não existência de interesse processual no recurso interposto.
III – Decisão
Nestes termos, face ao exposto, acordam, na 1.ª Secção do Tribunal
Constitucional, em não conhecer do objecto de recurso.
Não são devidas custas.
Lisboa, 19 de Fevereiro de 2008
José Borges Soeiro
Maria João Antunes
Carlos Pamplona de Oliveira
Gil Galvão
Rui Manuel Moura Ramos