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Processo n.º 927/07
3ª Secção
Relatora: Conselheira Ana Guerra Martins
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I – RELATÓRIO
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, em que é
recorrente A. e recorrido o B., a Relatora proferiu a seguinte decisão sumária:
«I – RELATÓRIO
1. Nos presentes autos, em que figura como recorrente A. e como recorrido B.,
vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, a primeira “não se conformando com o
douto Acórdão, proferido no dia 6 de Fevereiro de 2007 (…), vem, nos termos dos
arts. 75.º-A, 75.º, nº. 1 e 72º., nº. 1, alínea b) da Lei nº. 28/82 (…),
interpor, mediante o presente requerimento, recurso para o Tribunal
Constitucional, ao abrigo do artº. 70º., da Lei mencionada” (fls. 153).
2. Perante a ausência de indicação de qual a alínea do artigo 70º da LTC ao
abrigo da qual o recurso foi interposto, bem como de quais as normas reputadas
de inconstitucionais ou de ilegais, o juiz do tribunal “a quo” proferiu o
seguinte despacho (fls. 160), ao abrigo do n.º 5 do artigo 75º-A da LTC:
“Notifique o Requerente para, em dez dias, vir aos autos proceder ao cumprimento
do disposto no art. 75º-A, n.º 1, da Lei n.º 28/82, de 15/11 (indicação da
alínea ao abrigo da qual o recurso é interposto e a norma cuja
inconstitucionalidade ou ilegalidade se pretende que o Tribunal aprecie”.
Respondendo ao convite formulado, a recorrente veio, simultaneamente, esclarecer
que pretendia recorrer ao abrigo da alínea g) do n.º 1 do artigo 70º da LTC, mas
deixou implícito no seu requerimento de aperfeiçoamento (fls. 163 a 165) que
entendia que determinada interpretação normativa – por si não concretamente
especificada [“a interpretação das normas (…) acolhida na decisão recorrida” –
fls. 163] – teria sido aplicada pelo tribunal “a quo” em sentido contrário a
normas e princípios constitucionais. Acresce ainda que, através do referido
requerimento de aperfeiçoamento, a recorrente limita-se a referir alguns
acórdãos do Tribunal Constitucional, em alegado apoio da sua posição, sem
identificar expressamente qual dos Acórdãos teria julgado inconstitucional ou
ilegal as normas aplicadas no sentido interpretado pela decisão recorrida.
3. Visto que as dúvidas quanto à modalidade de recurso interposto não foram
dissipadas e que, a ter sido interposto ao abrigo da alínea g) do n.º 1 do
artigo 70º da LTC, o despacho proferido pelo tribunal “a quo” (fls. 160) não
havia convidado a recorrente a indicar a decisão do Tribunal Constitucional que,
com anterioridade, julgou inconstitucional ou ilegal a norma aplicada pela
decisão recorrida, a Relatora junto deste Tribunal dirigiu convite à recorrente
para que procedesse a tais esclarecimentos (fls. 174). Ainda que convidada, a
recorrente persistiu em afirmar que uma determinada interpretação, “acolhida na
decisão recorrida” (fls. 177 e 180) – mas que não especifica –, das normas
conjugadas do artigo 492º, n.º 1 do CPC e dos artigos 5º, n.º 1, alínea b), 7º,
n.º 4, 8º e 19º do Decreto-Lei n.º 272/2001, de 13 de Outubro, já teria sido
anteriormente julgada inconstitucional pelo Tribunal Constitucional, mais
concretamente, através do Acórdão n.º 122/2002.
Cumpre apreciar e decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO
4. Apesar de o n.º 1 do artigo 76º da LTC conferir ao tribunal recorrido – in
casu, o Tribunal da Relação de Lisboa – o poder de apreciar a admissão de
recurso, essa decisão não vincula o Tribunal Constitucional, conforme resulta do
n.º 3 do mesmo preceito legal, pelo que, antes de mais, cumpre apreciar se estão
preenchidos todos os pressupostos de admissibilidade do recurso previstos nos
artigos 75º-A e 76º, nº 2, da LTC.
5. Em primeiro lugar, esclareça-se que nenhuma das considerações tecidas no
requerimento de aperfeiçoamento (fls. 176 a 183) acerca da correcta aplicação
(ou incorrecta, na perspectiva da recorrente) do Direito infra-constitucional
pela conservadora do Registo Civil ou pelas decisões jurisdicionais que
conheceram dos actos e omissões por ela praticados constituem objecto
processualmente admissível deste recurso. Assim é porque o Tribunal
Constitucional não funciona como instância de recurso ordinário, apenas aferindo
da compatibilidade com a Constituição de normas ou interpretações normativas
efectivamente aplicadas por decisões jurisdicionais.
6. Em segundo lugar, porque a recorrente optou por apenas recorrer para este
Tribunal ao abrigo da alínea g) do n.º 1 do artigo 70º da LTC, apenas se impõe
verificar se a decisão recorrida aplicou norma (ou interpretação normativa) já
julgada inconstitucional.
Apesar de convidada a aperfeiçoar o seu requerimento de recurso, a recorrente
persistiu em alegar uma (alegada) contradição entre jurisprudência deste
Tribunal e uma dada – mas não especificada – interpretação normativa decorrente
da conjugação entre o artigo 492º, n.º 1 do CPC e os artigos 5º, n.º 1, alínea
b), 7º, n.º 4, 8º e 19º do Decreto-Lei n.º 272/2001, de 13 de Outubro. Na medida
em que a recorrente persiste em definir tal interpretação normativa por mera
remissão para a sentença recorrida (“acolhida na decisão recorrida”), sem que
especifique qual a interpretação que reputa inconstitucional, o Tribunal
Constitucional não pode conhecer dessa contradição.
7. Acresce ainda que, mesmo que se admitisse estar em causa a contradição entre
as normas reputadas de inconstitucionais (e não uma determinada interpretação
das mesmas), seria forçoso concluir que a jurisprudência invocada pela
recorrente nunca apreciou especificamente aquelas normas.
Começando pelo Acórdão n.º 122/2002, de 14 de Março de 2003, desde logo se
constata que o mesmo não julgou inconstitucional qualquer norma, e muito menos a
norma resultante da conjugação do artigo 492º, n.º 1 do CPC e dos artigos 5º,
n.º 1, alínea b), 7º, n.º 4, 8º e 19º do Decreto-Lei n.º 272/2001, de 13 de
Outubro. Pelo contrário, aquele aresto limitou-se a apreciar a
constitucionalidade de determinada interpretação da norma constante do n.º 2 do
artigo 690º-A do CPC, tendo concluído pela sua não inconstitucionalidade no caso
concreto então em apreço. A inserção, a fls. 182, do trecho “e a tramitação
processual na Conservatória, ex vi do artº. 19º., do D.L. nº. 272/2001, de 13 de
Outubro, rectificado pela Declaração nº. 20 – AR/2001, de 30 de Novembro,
publicada no D.R. nº 278, I Série A, 3º Suplemento, distribuído em 8 de Janeiro
de 2002 (…) é da inteira lavra do mandatário da recorrente e, ainda que
destrinçável por não se encontrar redigido em itálico, é apto a induzir em erro
um leitor menos atento. Com efeito, aquele trecho não consta do texto original
do Acórdão n.º 122/2002, que não abordou qualquer questão relativa à
inconstitucionalidade das normas ora em apreço.
O mesmo se diga quanto aos Acórdãos n.º 404/87, de 29 de Julho de 1987, n.º
86/88, 13 de Abril de 1988, n.º 222/90, de 20 de Junho de 1990, e n.º 223/95, de
26 de Abril de 1994, que apesar de versarem sobre o princípio da tutela
jurisdicional efectiva, não julgaram inconstitucionais as normas colocadas em
crise pela recorrente. Aliás, tal impossibilidade prática decorre da própria
natureza das coisas, visto não poderem ter julgado inconstitucionais normas que,
à data do seu proferimento, ainda nem sequer se encontravam em vigor.
Recorde-se, a este propósito, que as normas ora reputadas de inconstitucionais
apenas entraram em vigor em 01 de Janeiro de 2002, por força do artigo 22º do
Decreto-Lei n.º 272/2001.
Mais se refira que as normas reputadas de inconstitucionais pela recorrente não
foram alvo de qualquer juízo de inconstitucionalidade por qualquer outro acórdão
deste Tribunal pelo que não se verificam os pressupostos para conhecimento de
recurso interposto ao abrigo da alínea g) do n.º 1 do artigo 70º da LTC.
III. DECISÃO
Nestes termos, e ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78º-A da
Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º
13-A/98, de 26 de Fevereiro, e pelos fundamentos expostos, decide-se não
conhecer do objecto do recurso.
Custas devidas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 7
UC´s, nos termos do n.º 2 do artigo 6º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de
Outubro.»
2. Inconformada com esta decisão, vem a recorrente reclamar, para a conferência,
contra a não admissão do recurso, com os fundamentos que de ora em diante se
sintetizam:
«3º
II— Razões que justificam a admissão do recurso.
Sustenta-se, no despacho reclamado que:
(…)
Cremos, contudo, e com toda a consideração, não ser de acolher tal entendimento.
(…)
A ilustre Conservadora da Conservatória do Registo Civil de Queluz, in casu, ao
não proceder à prévia audição das partes, ao não promover, oficiosamente, as
diligências necessárias e adequadas à efectivação da regular notificação da
requerente, ora reclamante da oposição do requerido (arts. 7º nº 4 e 8°., do
D.L. no. 272/2001, de 13 de Outubro, rectificado pela Declaração nº. 20 –
AR/2001, de 30 de Novembro, publicada no D.R. nº 278, 1 Série A, 3°. Suplemento,
distribuído em 8 de Janeiro de 2002, violou, com a sua conduta, inegavelmente, o
direito à tutela judicial efectiva, sob o ponto de vista da limitação do direito
de defesa, consagrado no art°. 20º., da Constituição, que se verifica sobretudo,
quanto à não observância das normas processuais e de princípios gerais de
processo, acarretando, a impossibilidade, de a ora reclamante, exercer o seu
direito de alegar, da resultando prejuízos efectivos para os seus interesses.
Em conformidade, com o estatuído na Constituição da República Portuguesa, é,
inquestionável, que, as regras do processo, em geral, não podem ser indiferentes
ao texto constitucional de que decorrem implicitamente, quanto à sua conformação
e organização, determinadas exigências impreteríveis, que são directo corolário
da ideia de Estado de direito democrático e, neste domínio, é particularmente
significativo o direito à protecção jurídica consagrado no art° 20°., da
Constituição da República Portuguesa, no qual se consagra o acesso ao direito e
aos tribunais, que, para além de instrumentos da defesa dos direitos e
interesses legítimos dos cidadãos, é também elemento integrante do princípio
material da igualdade e do próprio princípio democrático, pois que este não pode
deixar de exigir a democratização do direito.
Há-de, ainda, assinalar-se, como parte daquele conteúdo conceitual «a proibição
da “indefesa”, que consiste na privação ou limitação do direito de defesa do
particular perante os órgãos judicias junto dos quais se discutem questões que
lhe dizem respeito.
A violação do direito à tutela judicial efectiva, sob o ponto de vista da
limitação do direito de defesa, verificar-se-á sobretudo quando a não
observância de normas processuais ou de princípios gerais de processo acarreta a
impossibilidade de o particular exercer o seu direito de alegar, daí resultando
prejuízos efectivos para os seus interesses» (cf Gomes Canotilho e Vital
Moreira, in Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª Ed.ª, Coimbra,
1993, págs. 163 e 164, e Fundamentos da Constituição, Coimbra, 1991, págs. 82 e
83).
Entendimento, similar, tem vindo a ser definido pela jurisprudência do Tribunal
Constitucional, que tem caracterizado o direito de acesso aos tribunais como
sendo, entre o mais, um direito a uma solução jurídica dos conflitos, a que se
deve chegar em prazo razoável e com observância de garantias de imparcialidade e
independência, possibilitando-se, designadamente, um correcto funcionamento das
regras do contraditório, em termos de cada uma das partes poder deduzir as suas
razões (de facto e de direito), oferecer as suas provas, controlar as provas do
adversário e discretear sobre o valor e resultado de umas e outras (cfr. os
Acórdãos do Tribunal Constitucional nºs. 404/87, 86/88 e 222/90, in Diário da
República, 2ª. série, de, respectivamente, 21 de Dezembro de 1987, 22 de Agosto
de 1988 e 17 de Setembro de 1990).
A violação do direito à tutela judicial efectiva, sob o ponto de vista da
limitação do direito de defesa, verificar-se-á, sobretudo, quando a não
observância de normas processuais ou de princípios gerais de processo acarreta a
impossibilidade de o particular exercer o seu direito de alegar, daí resultando
prejuízos efectivos para os seus interesses (cfr. Acórdão nº. 223/95 do Tribunal
Constitucional, in Diário da República, 2ª série, de 27 de Junho de 1995).
Assim, no Acórdão nº. 122/2002, in Diário da República, 2ª série, da 29 de Maio
de 2002, escreveu-se:
“[…],
Daí que o processo, todo o processo - aqui se incluindo, obviamente, o processo
civil -, tenha de obedecer a determinadas formalidades que, eles mesmas, não
podem deixar de ser consideradas, numa certa perspectiva, como constituindo,
inclusivamente, factores ou meios de segurança quer para as partes quer para o
próprio tribunal.
As formalidades processuais ou, se se quiser, os formalismos, os ritualismos, os
estabelecimentos de prazos, os requisitos de apresentação das peças processuais
e os efeitos cominatórios são, pois, algo de inerente ao próprio processo”.
Pelo sucintamente exposto, deverá ser julgada procedente a presente reclamação
e, consequentemente, ser revogado o despacho reclamado, substituindo-se por
outro que determine a admissibilidade do aludido recurso.
(…)»
3. Notificado para se pronunciar sobre a referida reclamação, o recorrido, sem
que estivesse devidamente representado por Advogado, conforme impõe o n.º 1 do
artigo 83º da LTC, veio juntar aos autos um documento de pronúncia, que não
produz quaisquer efeitos processuais nos presentes autos, inclusivamente, por
ter sido extemporaneamente apresentado, em 07 de Janeiro de 2008.
Cumpre apreciar e decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO
4. O ora reclamante limita-se a reproduzir as considerações já anteriormente
tecidas, quer perante o tribunal recorrido, quer perante este Tribunal, através
de requerimento de aperfeiçoamento do recurso (fls. 176 a 183), a maior parte
delas relativas à interpretação do Direito infra-constitucional que aquela
reputa de mais idónea. Ora, tais questões não constituem objecto de decisão por
parte deste Tribunal, que apenas dispõe de poderes para sindicar a
constitucionalidade de normas jurídicas.
Ao longo da sua reclamação, o reclamante persiste em invocar, de forma vaga e
sem qualquer conexão concreta ao caso em apreço nos presentes autos,
considerações genéricas sobre o direito fundamental à tutela jurisdicional
efectiva, extraídas de diversa jurisprudência deste Tribunal.
Manifestamente, a reclamante não está ciente de que, tendo interposto recurso ao
abrigo da alínea g) do n.º 1 do artigo 70º da LTC [e não da alínea b) do mesmo
preceito legal], apenas lhe competia demonstrar a subsistência de jurisprudência
anterior deste Tribunal que houvesse julgado inconstitucional a interpretação
normativa que aquela reputa de aplicada pela decisão recorrida. Ora, a
reclamante limita-se a tecer considerações generalizadoras sobre a pretensa
inconstitucionalidade da referida interpretação normativa, sem que – por uma vez
que seja – identifica um acórdão deste Tribunal que a tenha reputado de
inconstitucional.
Não o tendo feito – pela simples razão de que tal jurisprudência não existe –, a
reclamante não logrou colocar em crise a bondade da decisão reclamada, pelo que
não se justifica a reponderação do sentido da decisão reclamada.
III – DECISÃO
Pelos fundamentos supra expostos, e ao abrigo do disposto no do n.º 3 do artigo
78º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na redacção que lhe foi dada pela Lei
n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro, decide-se indeferir a presente reclamação.
Custas devidas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC’s, nos
termos do artigo 7º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de Outubro.
Lisboa, 22 de Janeiro de 2008
Ana Maria Guerra Martins
Vítor Gomes
Gil Galvão