Imprimir acórdão
Processo nº 114/08
1ª Secção
Relatora: Conselheira Maria João Antunes
Acordam, em conferência, na 1ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que é
recorrente A. e recorrido o Ministério Público, foi interposto recurso para o
Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei de
Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), do
acórdão daquele Tribunal de 2 de Janeiro de 2008, para apreciação da
inconstitucionalidade da norma do artigo 720º, nº 2, do Código de Processo Civil
(por via do artigo 4º do Código de Processo Penal).
2. Em 31 de Janeiro de 2008 foi proferida decisão sumária, ao abrigo do disposto
no nº 1 do artigo 78º-A da LTC, pela qual se entendeu não tomar conhecimento do
objecto do recurso, com o seguinte fundamento:
«Conforme jurisprudência reiterada e uniforme do Tribunal Constitucional,
constitui requisito do recurso de constitucionalidade previsto na alínea b) do
nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional a aplicação pelo tribunal
recorrido, como ratio decidendi, da norma cuja constitucionalidade é questionada
pelo recorrente. Esta exigência resulta do facto de só nesse caso a decisão da
questão de constitucionalidade poder reflectir-se utilmente no processo, o que
tem a ver com o carácter instrumental do recurso de constitucionalidade
interposto (cf., entre muitos outros, Acórdão nº 497/99, disponível em
www.tribunalconstitucional.pt).
O Supremo Tribunal de Justiça decidiu indeferir o pedido de habeas corpus
aplicando, exclusivamente, o artigo 222º, nº 2, do Código de Processo Penal,
constituindo as normas que se extraem desta disposição legal o fundamento da
decisão recorrida. Depois de interpretar o que se dispõe neste artigo do Código
de Processo Penal, o Supremo Tribunal de Justiça concluiu que é manifesto que no
caso em apreço faleciam em absoluto quaisquer um dos pressupostos de que a lei
adjectiva faz depender a procedência da providência requerida. Ou seja, a
decisão que indefere o pedido de habeas corpus não interpreta e aplica qualquer
norma extraída do artigo 720º, nº 2, do Código de Processo Civil.
De resto, encontrando-se o recorrente a “cumprir pena à ordem do processo 521/95
pendente na Vara de Competência Mista de Setúbal”, segundo informação que
constituiu, nas palavras do acórdão recorrido, “antecedente lógico da decisão”,
seria de todo estranho o apelo àquele artigo do Código de Processo Civil, o qual
foi aplicado no processo que deu origem ao acórdão do Supremo Tribunal de
Justiça de 4 de Outubro de 2007.
É certo que a decisão recorrida se refere, de forma expressa, a este acórdão,
mas apenas na hipótese de o arguido ser colocado à ordem do autos que deram
origem aos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de Julho de 2007 e de 4
de Outubro de 2007.
Não se podendo dar como verificado o requisito da aplicação pelo tribunal
recorrido, como ratio decidendi, da norma cuja constitucionalidade é questionada
pelo recorrente, justifica-se a prolação da presente decisão (artigo 78º-A, nº
1, da LTC)».
3. Notificado desta decisão, o recorrente vem agora requerer a revogação da
decisão sumária e, consequentemente, a sua notificação para apresentar
alegações, ao abrigo do nº 3 do artigo 78º-A da LTC e nos seguintes termos:
«1) Fundamenta a douta decisão sumária que: encontrando-se o recorrente a
“cumprir pena à ordem do processo 521/95 pendente na Vara de Competência Mista
de Setúbal”, segundo informação que constitui, nas palavras acórdão recorrido,
“antecedente lógica da decisão”, seria de todo estranho o apelo àquele artigo do
Código de processo Civil, o qual foi aplicado no processo que deu origem ao
acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de Outubro de 2007.” – e mais
entende –
2) “ É certo que a decisão recorrida se refere, de forma expressa, a este
acórdão, mas apenas na hipótese de o arguido se colocado à ordem dos autos que
deram origem aos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de Julho de 2007 e
de 4 de Outubro de2007.”.
3) Ora com o devido respeito que aliás é muito, a douta decisão sumária parte do
pressuposto (a que a decisão recorrida do STJ não é alheia), que o recorrente se
encontrava em cumprimento de pena à ordem do processo n° 521/95 das Varas Mistas
de Setúbal, o que já vimos que não é verdade e que existiu uma informação falsa.
4) Em todo o caso, também não convém esquecer que a decisão recorrida refere
«... a referência nuclear de que a decisão condenatória proferida transitou em
julgado o que lhe confere força executiva … » - o sublinhado é nosso -.
5) Assim sendo, e porque final não se tratou de mera “hipótese” nas em que
efectivamente o arguido continua preso por se ter aplicado também (e unicamente)
o artigo 720º nº 2 como “ratio decidendi”, e não o cumprimento de pena à ordem
do dito processo nº 52/95 conforme documento que se junta, por douto acórdão de
14 de Dezembro de 2007, no qual se declara extinta «a responsabilidade criminal
do arguido nos presentes autos» e consequentemente foram passados mandados de
julgamento e ligamento do arguido à ordem do processo comum colectivo n°
121/99.0 TBABF do 2º Juízo do T.J. Albufeira.
6) Donde com o devido respeito, se extrai com limpidez que a decisão do STJ
indeferiu a providência peticionada através da aplicação e interpretação do
artigo 720° n° 2 do CPC aplicável ao processo penal, mesmo no caso de
possibilidade de interposição de recurso para este Venerando Tribunal.
7) No fundo e com a seriedade e verdade que a todos se nos impõe, a presente
decisão não atendeu a todos os factos constantes na decisão do acórdão do STJ,
provavelmente por tais também não se encontrarem aí bem explícitos.
8) Agora, com o devido respeito por outra opinião, mas seguramente douta, é
incontornável a ratio decidendi que indeferiu a petição de Habeas Corpus, não
foi nem poderia ser, como se viu o facto de estar a cumprir pena à ordem de
outro processo, mas também, (e não foi “mera hipótese”) o ter aceitado como
válida a aplicação e interpretação que se faz artigo 720º n° 2 do CPC ao
processo penal, mesmo no caso de possibi1idade de recurso para o tribunal
Constitucional... e nada mais».
4. Notificado do teor da reclamação, o Ministério Público pronunciou-se pela
forma seguinte:
«1º
A presente reclamação é manifestamente improcedente.
2°
Na verdade a argumentação do reclamante – que no essencial, se limita a invocar
a prestação, no processo-base, de “informações falsas” e controverter as
“contingências processuais” que nele se teriam verificado –, em nada abala os
fundamentos da decisão reclamada, no que se refere à evidente inverificação dos
pressupostos do recurso».
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
Nos presentes autos decidiu-se, ao abrigo do disposto no artigo 78º-A, nº 1, da
LTC, não tomar conhecimento do objecto do recurso, com fundamento na não
aplicação pelo tribunal recorrido, como ratio decidendi, da norma cuja
apreciação foi requerida pelo então recorrente – norma do artigo 720º, nº 2, do
Código de Processo Civil.
Pretendendo contrariar o decidido, o reclamante sustenta, por um lado, que a
decisão sumária parte do “pressuposto (…) que o recorrente se encontrava em
cumprimento de pena à ordem do processo nº 521/95, das Varas Mistas de Setúbal”,
o que, em seu entender, “não é verdade”, tendo existido “uma informação falsa”;
e, por outro, que, de facto, “foi aplicado também (e unicamente) o artigo 720º
nº 2 como «ratio decidendi»”.
Diferentemente do sustentado, a decisão reclamada não parte – nem poderia partir
– do pressuposto de que o recorrente se encontrava em cumprimento de pena à
ordem de um processo distinto daquele em que teve aplicação o artigo 720º, nº 2,
do Código de Processo Civil. A decisão sumária foi proferida, exclusivamente,
por decorrer do acórdão recorrido que o pedido de habeas corpus havia sido
indeferido por aplicação do artigo 222º, nº 2, do Código de Processo Penal.
Deste acórdão resulta claramente que o “antecedente lógico da decisão” –
indeferimento do pedido por aplicação do nº 2 do artigo 222º do Código de
Processo Penal – foi a informação constante dos autos que o reclamante considera
“falsa”. Por isso, pretende com a presente reclamação pôr em causa o antecedente
em que assentou a decisão do Supremo Tribunal de Justiça, mas tal extravasa os
poderes deste Tribunal. No âmbito do recurso de constitucionalidade interposto
ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da LTC, ao Tribunal Constitucional
cabe averiguar se foi ou não aplicada, como ratio decidendi, a norma que é
objecto do recurso, não lhe competindo, de todo, averiguar se a informação que
esteve na base do decidido é ou não “falsa”.
De facto, a norma que o então recorrente indicou no requerimento de interposição
de recurso não foi aplicada, como razão de decidir, no acórdão do Supremo
Tribunal de Justiça que indeferiu o pedido de habeas corpus. Nesta decisão pode
ler-se, entre o mais, que:
«(…) é manifesto que, no caso vertente, falecem em absoluto quaisquer um dos
pressupostos de que a lei adjectiva [artigo 222º, nº 2, do Código de Processo
Penal] faz depender a procedência da providência requerida. Na verdade, conforme
a informação prestada nos termos do artigo 223 do Código de Processo Penal e que
constitui antecedente lógico da decisão a emitir, o arguido encontra-se a
cumprir pena á ordem do processo 521/95 pendente na Vara de Competência Mista de
Setúbal.
Afirma o requerente que tal pena se encontra extinta. Porém, tal afirmação
colide em absoluto com a informação prestada.
Mesmo que assim não fosse, e admitindo por hipótese que o arguido era colocado á
ordem dos presentes autos, não pode deixar de se salientar a referência nuclear
de que a decisão condenatória proferida transitou em julgado o que lhe confere
força executiva, face ao disposto no artigo 467 do diploma citado
Verdadeiramente o que o requerente pretende colocar em causa é a exequibilidade
da decisão condenatória proferida, considerando que o recurso por si interposto
para o Tribunal Constitucional relativamente ao segmento da decisão de 4 de
Outubro (que visava resposta ao pedido de esclarecimento) que proclamava a
determinação da aplicabilidade do disposto no artigo 720 do Código de Processo
Civil ao caso vertente, teria, por aplicação do artigo 78 da Lei do Tribunal
Constitucional, efeito suspensivo (…)» (sublinhado aditado).
Resta, pois, concluir pela confirmação da decisão de não conhecimento do objecto
do recurso.
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência,
confirmar a decisão reclamada no sentido do não conhecimento do objecto do
recurso.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de
conta.
Lisboa, 20 de Fevereiro de 2008
Maria João Antunes
Carlos Pamplona de Oliveira
Gil Galvão