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Processo n.º 874/06
3ª Secção
Relator: Conselheiro Vítor Gomes
Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I- Relatório
1. A., Companhia de Seguros S.A. (seguradora) requereu, no processo
de acidente de trabalho que correu termos no Tribunal do Trabalho de Bragança a
remição da pensão anual e vitalícia de €1.221,55, actualizável nos termos em que
o forem as pensões do regime geral da segurança social, atribuída a B., em
consequência de um acidente de trabalho ocorrido em 11/10/2005 de que resultou
ficar o sinistrado afectado por uma IPP de 30%.
O sinistrado, notificado com a advertência de que o seu silêncio
seria interpretado como oposição à remição, nada disse.
O pedido da seguradora foi indeferido por despacho (fls. 103 e
segs.) que conclui nos seguintes termos:
“(…)
3. Contudo, tal como vem sendo entendido pelo Tribunal Constitucional
relativamente às pensões emergentes de incapacidades parciais permanentes
superiores a 30%, fixadas antes da entrada em vigor do novo regime reparatório
dos acidentes de trabalho, também neste caso de pensões resultantes de
incapacidade parcial igual a 30% as normas dos artigos 56º nº 1 al. a) e 74º do
D.L. 143/99 de 30/4 estão feridas de inconstitucionalidade por violação do
direito à justa reparação por acidente de trabalho ou doença profissional,
consagrado no art. 59º nº 1 al. f) da Constituição, quando interpretadas no
sentido de imporem a remição obrigatória total dessas pensões vitalícias,
independentemente da vontade do pensionista.
(…)
4. Os ensinamentos resultantes da jurisprudência constitucional citada, embora
se refiram ao artigo 74º do D.L. 143/99 de 3 0/4, valem igualmente para o art.
56º nº 1 al. a) quando interpretado no sentido de impor a remição obrigatória
total, isto é independentemente da vontade do titular, de pensões atribuídas por
incapacidades parciais permanentes superiores a 30%, na medida em que, ao impor
uma limitação ao direito do sinistrado poder optar, nestes casos, ou pela
remição, ou, antes, pelo recebimento da sua pensão sob a forma de renda anual,
tal interpretação põe em causa o principio constitucional do direito à justa
reparação por acidente de trabalho ou doença profissional estabelecido no art.
59º nº 1 al. f) da Constituição.
E valem, igualmente para os casos em que a incapacidade é igual a 30%, pois que
é a própria lei ordinária (arts. 17° nº 1 al. c) e 33º da Lei 100/99 de 13/9 e
56º n° 1 als. a) e b), a contrario e nº 2 do D.L. 143/99 de 30/4), que equipara
uma tal desvalorização às situações de incapacidades superiores a 30%, ao
estabelecer as mesmas condições de remição, quer obrigatória, quer facultativa,
não se vislumbrando razão material bastante para distinguir entre aquela e estas
no que respeita à conformidade constitucional das citadas disposições legais em
matéria de remição de pensões. Com efeito, quer num caso como no outro estão em
causa situações de maior gravidade, em que o coeficiente de incapacidade importa
já uma efectiva e acentuada diminuição da capacidade de ganho.
Assim, também nos casos de pensões emergentes de incapacidade parcial permanente
igual a 30% o direito constitucional à justa reparação dos danos emergentes de
acidente de trabalho postula que, à semelhança do que sucede para os sinistrados
afectados de IPP superior a 30%, seja o titular da pensão, no seu livre
arbítrio, a decidir qual a forma de reparação que melhor lhe convém, isto é, a
optar entre o recebimento da sua pensão em duodécimos e o recebimento de um
capital de remição, ponderando os riscos inerentes à sua aplicação.
Conclui-se, pois, que a interpretação do art. 56º n° 1 al. a) D.L. 143/99 de
30/4 no sentido de impor a remição obrigatória total, isto é independentemente
da vontade do titular, de pensões vitalícias atribuídas a sinistrados por
incapacidade parcial permanente igual a 30%, põe em causa o princípio
constitucional do direito à justa reparação por acidente de trabalho ou doença
profissional estabelecido no art. 59º nº 1 al. f) da Constituição, na medida em
que impõe uma limitação ao direito do beneficiário-pensionista poder optar, ou
pela remição, ou, antes, pelo recebimento da sua pensão sob a forma de renda
anual.
Foi esta a razão, não expressa na sentença homologatória de fls. 44, que levou à
condenação da R. seguradora e da entidade patronal nos exactos termos da
conciliação consignada no auto de fls. 38 e segs., sem qualquer referência à
remição obrigatória da pensão.
5. Pelo exposto, considerando a oposição tácita do sinistrado nestes autos à
remição da sua pensão, decide-se não aplicar, por inconstitucional, por violação
do art. 59º nº 1 al f) da Constituição, as normas resultantes dos arts. 56º n° 1
al. a) e 74º do D.L. 143/99 de 30/4, quando interpretadas no sentido de impor a
remição obrigatória total, isto é independentemente da vontade do titular, de
pensões atribuídas por incapacidades parciais permanentes iguais a 30% e,
consequentemente, indeferir a requerida remição obrigatória da pensão fixada
nestes autos ao sinistrado B..”
2. O Ministério Público interpôs recurso deste despacho para o
Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º e da
alínea a) do n.º 1 e do n.º 3 do artigo 72.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro
(LTC).
Prosseguindo o recurso, apenas o Ministério Público alegou.
Sustenta o Exmo. Procurador-Geral Adjunto que as especificidades do caso (ser a
incapacidade igual a 30% e tratar-se de acidente laboral já ocorrido na vigência
do Decreto-Lei n.º 143/99) não justificam que o Tribunal se afaste da sua
jurisprudência anterior em matéria de remição de pensões.
E conclui nos seguintes termos:
“1- É inconstitucional, por violação do disposto no artigo 59.º, n.º 1, alínea
f) da Constituição, o regime normativo constante dos artigos 56,º, n.º 1, alínea
a) e 74.º do Decreto-Lei n.º 143/99, de 30 de Abril, interpretados no sentido de
impor a remição obrigatória, independentemente da vontade do titular, de pensões
atribuídas por incapacidades parciais permanentes iguais (ou superiores) a 30%.
2- Termos em que deverá confirmar-se o juízo de inconstitucionalidade material
formulado pela decisão recorrida.”
B- Fundamentação
3. Recordemos brevemente, na estrita medida do necessário à
definição (e melhor compreensão) do objecto do recurso, o regime jurídico de
remição obrigatória de pensões por acidentes de trabalho actualmente vigente, de
onde foram extraídas as normas desaplicadas (Note-se que está em curso o
processo legislativo de regulamentação dos artigos 281.º a 312.º do Código do
Trabalho, iniciado com a Proposta de Lei n.º 88/X/1, tendente à substituição do
actual regime, que foi já objecto de aprovação na generalidade – cfr. Diário da
Assembleia da República - I Série, n.º 44/X/2, de 2 de Fevereiro de 2007).
A Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, alargando o âmbito de aplicação
da remição de pensões que decorria da anterior Lei de Acidentes de Trabalho,
estabeleceu a obrigatoriedade de substituição das prestações que forem devidas
por reparação de acidente de trabalho, no caso de incapacidade permanente
parcial inferior a 30%, por um capital de remição – artigo 17.º, n.º 1, alínea
d). Além disso, o artigo 33.º, n.º 1, da mesma Lei considera ainda
'obrigatoriamente remidas as pensões vitalícias de reduzido montante, nos termos
que vierem a ser regulamentados.'
O artigo 42.º da Lei define o regime de produção de efeitos,
estabelecendo o seguinte:
«1 - Esta lei produz efeitos à data da entrada em vigor do decreto-lei que a
regulamentar e será aplicável:
a) Aos acidentes de trabalho que ocorrerem após aquela entrada em vigor;
(...)
2 - O diploma regulamentar referido no número anterior estabelecerá o regime
transitório, a aplicar:
a) À remição de pensões em pagamento, à data da sua entrada em vigor, e que
digam respeito a incapacidades permanentes inferiores a 30 % ou a pensões
vitalícias de reduzido montante e às remições previstas no artigo 33, n. 2;
(...).»
A Lei n.º 100/97 foi regulamentada pelo Decreto-Lei n.º 143/99, de
30 de Abril, interessando reter, no que à remição de pensões concerne, o que
dispõem os artigos 56.º e 74.º.
A primeira dessas disposições regulamenta propriamente o
estabelecido nos citados artigos 17.º, n.º 1, alínea d), e 33.º da Lei n.º
100/97, estipulando as condições de remição das pensões anuais nos seguintes
termos:
«1. São obrigatoriamente remidas as pensões anuais:
a) Devidas a sinistrados e a beneficiários legais de pensões vitalícias que não
sejam superiores a seis vezes a remuneração mínima mensal garantida mais elevada
à data da fixação da pensão;
b) Devidas a sinistrados, independentemente do valor da pensão anual, por
incapacidade permanente e parcial inferior a 30%.»
Assinale-se que a alínea b) reproduz praticamente o disposto no
artigo 17.º, n.º 1, alínea d) da Lei, esclarecendo, apenas que a remição da
pensão, desde que se verifique a situação de incapacidade permanente e parcial
inferior a 30%, não está dependente do montante da pensão que tiver sido fixado.
E que a alínea a) concretiza o regime de remição resultante do artigo 33.º, n.º
1 da Lei, especificando o que se entende por pensões vitalícias de reduzido
montante.
Finalmente, o artigo 74.º (com a redacção que lhe foi dada pelo
Decreto-Lei n.º 382-A/99, de 22 de Setembro) estabelece um regime transitório de
remição das pensões, calendarizado de acordo com os montantes anuais que aí se
encontram estipulados. De notar que o Supremo Tribunal de Justiça, pelo acórdão
de uniformização de jurisprudência de 6.11.2002, publicado no Diário da
República, I Série-A, de 18 de Dezembro de 2002, decidiu que o regime
transitório do artigo 74.º não era aplicável às pensões devidas por acidentes de
trabalho ocorridos a partir de 1.1.2000, ou seja, na vigência da Lei n.º 100/97.
E, por outro lado, que é jurisprudência uniforme do mesmo Supremo Tribunal a de
que, para decidir da obrigatoriedade, ou não, da remição de determinada pensão,
resultante de acidente ocorrido antes de 1.1.2000, não basta atender às datas e
valores constantes do quadro referido no artigo 74.º, havendo que articular a
previsão deste preceito com aqueles que fixam as condições substantivas da
remição obrigatória, designadamente o disposto no artigo 33.º, n.º 1, da Lei n.º
100/97 e no artigo 56.º, n.º 1, alínea a) do Decreto-Lei n.º 143/99 (Cfr.
acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 27 de Janeiro de 2005, Proc. 3587/04,
in www.dgsi.pt/jstj).
4. Sucede que, apesar de se tratar de acidente ocorrido em 11 de
Outubro de 2004, já no domínio do novo regime jurídico de acidentes de trabalho
e de nenhum dos sujeitos processuais fazer referência ao regime transitório
constante do artigo 74.º como interessando à solução do incidente provocado pelo
requerimento de fls. 92, na afirmação que imediatamente antecede o indeferimento
da pretensão da seguradora tal como a entendeu, a decisão recorrida concluiu
pela recusa de aplicação por inconstitucionalidade das “normas resultantes dos
artigos 56.º n.º 1 alínea a) e 74.º do Decreto Lei n.º 143/99”. Em conformidade
com esta pronúncia expressa, quer o requerimento de interposição do recurso,
quer as alegações do Ministério Público, fazerem referência a esse mesmo
conjunto normativo.
Assim, não competindo ao Tribunal Constitucional interferir na
determinação do direito ordinário aplicável ao caso e não havendo elementos
textuais inequívocos de que a referência a este último preceito constitua lapso
de escrita, considerar-se-á o objecto do recurso como vem formalmente definido.
Todavia, não pode deixar de ter‑se presente que a dimensão normativa sob
apreciação de constitucionalidade, necessariamente delimitada pela situação
subjacente à decisão recorrida como é inerente à intervenção do Tribunal
mediante recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade, não respeita à
remição de 'pensões em pagamento' à data da entrada em vigor do novo regime
infortunístico, mas ao próprio regime de remição obrigatória das designadas
'pensões vitalícias de reduzido montante' constante da alínea a) do n.º 1 do
artigo 56.º do Decreto-Lei n.º 143/99.
5. É abundante a jurisprudência do Tribunal sobre a questão da
remição obrigatória de 'pensões de reduzido montante' no domínio do regime de
reparação de acidentes de trabalho instituído pela Lei n.º 100/97 e do
Decreto-Lei n.º 143/90, tendo por objecto a alínea a) do n.º 1 do artigo 56.º e
o artigo 74.º deste último diploma, embora versando sobre dimensões normativas
não exactamente coincidentes com que no presente recurso está em apreciação. Sem
preocupações de exaustão e omitindo numerosas decisões sumárias que fazem
aplicação, remetem ou reproduzem acórdãos anteriores do Tribunal, o panorama
desta jurisprudência, nas suas principais cambiantes, pode ver-se nos seguintes
arestos (todos disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt) :
- Acórdãos n.ºs 322/2006 e 323/2006, que julgaram inconstitucional a
norma do artigo 56º, nº 1, alínea a), quando interpretada no sentido de impor,
independentemente da vontade do trabalhador, a remição total de pensões cujo
montante não seja superior a seis vezes a remuneração mínima mensal garantida
mais elevada à data da sua fixação, atribuídas em consequência de acidentes de
trabalho de que resultou uma incapacidade parcial permanente superior a 30% e
ocorridos anteriormente à data da sua entrada em vigor;
- Acórdãos n.ºs 457/2006, 491/2006, 492/2006, 493/2006, 516/2006,
519/2006, 520/2006 e 611/2006, que julgaram inconstitucional a norma do artigo
56º, nº 1, alínea a), interpretada no sentido de impor a remição obrigatória de
pensões devidas por acidentes de trabalho, ocorridos anteriormente à data da
entrada em vigor desse diploma, de que haja resultado a morte do sinistrado, que
não sejam superiores a seis vezes a remuneração mínima mensal garantida mais
elevada à data da fixação da pensão, opondo-se o beneficiário à remição;
- Acórdãos n.ºs 529/2006 e 533/2006, que julgaram inconstitucional a
norma do artigo 56º, nº 1, alínea a), interpretada no sentido de impor a remição
obrigatória de pensões vitalícias de montante anual inicial não superior a seis
vezes a remuneração mínima mensal garantida mais elevada à data da fixação da
pensão, atribuídas ao cônjuge do trabalhador sinistrado, por acidente de
trabalho de que resultou a morte deste, e fixadas em momento anterior ao da
entrada em vigor desta norma;
- Acórdãos n.ºs 577/2006 e 578/2006, que decidiram pela
inconstitucionalidade da norma do artigo 56º, nº 1, alínea a), interpretada no
sentido de impor a remição obrigatória total, isto é, independentemente da
vontade do titular, de pensões atribuídas por incapacidades parciais permanentes
superiores a 30% ou por morte;
- Acórdão n.º 521/2006, que decidiu julgar inconstitucional a norma
resultante dos artigos 56º, nº 1, alínea a), e 74º, quando interpretados no
sentido de imporem, independentemente da vontade do trabalhador, a remição total
de pensões cujo montante não seja superior a seis vezes a remuneração mínima
mensal garantida mais elevada à data da sua fixação, atribuídas por
incapacidades parciais permanentes iguais a 30%, resultantes de acidente
ocorridos anteriormente à data da entrada em vigor daquela Lei;
- Acórdão n.º 292/2006, que julgou inconstitucional o conjunto normativo
constante do nº 1 do artigo 33º da Lei nº 100/97, de 13 de Setembro, e da alínea
a) do nº 1 do artigo 56º do Decreto-Lei nº 143/99, de 30 de Abril, quando
interpretados no sentido de imporem, independentemente da vontade do
trabalhador, a remição total de pensões cujo montante não seja superior a seis
vezes a remuneração mínima mensal garantida mais elevada à data da sua fixação,
atribuídas em consequência de acidentes de trabalho de que resultou uma
incapacidade parcial permanente de 30% e ocorridos anteriormente à data da
entrada em vigor daquela Lei;
- Acórdão n.º 468/2002, que julgou inconstitucional a norma do artigo
74º, na redacção dada pelo Decreto-Lei nº 382-A/99, de 22 de Setembro, na
interpretação segundo a qual aquele preceito é aplicável à remição das pensões
previstas na alínea d) do nº 1 do artigo 17º e no artigo 33º, ambos da Lei nº
100/97, de 13 de Setembro;
- Acórdão n.º 34/2006, que declarou a inconstitucionalidade, com força
obrigatória geral, da norma do artigo 74º, na redacção dada pelo Decreto-Lei nº
382-A/99, de 22 de Setembro, interpretada no sentido de impor a remição
obrigatória total de pensões vitalícias atribuídas por incapacidades parciais
permanentes nos casos em que estas excedam 30%.
- Acórdão n.º 438/2006, que julgou inconstitucional a norma do artigo
74º, na redacção dada pelo Decreto-Lei nº 382-A/99, de 22 de Setembro,
interpretada no sentido de impor a remição obrigatória total de pensões
vitalícias atribuídas por morte, opondo-se o titular à remição, pretendida pela
seguradora;
- Acórdão n.º 268/2007, que julgou inconstitucional a norma do artigo
74º, na redacção dada pelo Decreto-Lei nº 382-A/99, de 22 de Setembro,
interpretada no sentido de impor a remição obrigatória total de pensões
vitalícias atribuídas por morte, opondo-se o titular à remição.
6. Desde logo, importa notar que a circunstância de se tratar de
acidente ocorrido e de pensão fixada já ao abrigo do novo regime afasta a
hipótese de confronto da dimensão normativa agora em apreciação com o princípio
constitucional da confiança, ínsito no princípio do Estado de Direito (artigo
2.º da Constituição), que foi invocado, em alguns desses acórdãos (ou expresso
em declaração de voto de alguns juízes), em conjugação com o direito dos
trabalhadores vítimas de acidente de trabalho ou doença profissional (alínea f)
do n.º 1 do artigo 59.º da Constituição) para fundar o juízo de
inconstitucionalidade a que então se chegou sobre a remição de pensões que
haviam sido fixadas ao abrigo do quadro normativo anterior e agora tornadas
susceptíveis de remissão obrigatória (cfr. acórdão n.º 322/06, 323/06 e
438/2006, e declarações de voto apostas aos acórdãos n.º 204/06, 519/06 e
611/06).
Deve, todavia, notar-se que no presente processo foi homologado, por sentença
(fls. 44) o acordo constante do auto de conciliação de que resultou a atribuição
ao sinistrado de uma pensão anual e vitalícia, actualizável nos termos em que o
forem as pensões do regime geral da segurança social. Só posteriormente ao
trânsito em julgado da fixação da pensão veio a seguradora sustentar que a
pensão era “obrigatoriamente remível” (requerimento de fls. 93), provocando o
incidente que culminou no despacho agora recorrido.
Assim, a questão nuclear do presente recurso é a da conformidade com o
artigo 59.º, n.º 1, alínea f), da Constituição – que consagra o direito dos
trabalhadores à justa reparação dos danos emergentes de acidentes laborais –, da
norma da alínea a) do n.º 1 do artigo 56.º do Decreto-Lei n.º 143/99, de 30 de
Abril, quando interpretado no sentido de impor a remição obrigatória,
independentemente da vontade do trabalhador sinistrado, de pensões inicialmente
fixadas em regime de pensão anual vitalícia, por incapacidades parciais
permanentes iguais ou superiores a 30%.
7. Quanto a este parâmetro constitucional, o fio condutor da jurisprudência do
Tribunal em matéria de remição das pensões de reduzido montante foi posto em
evidência no acórdão n.º 292/2006, que recaiu sobre uma decisão igualmente de
recusa de aplicação da alínea a) do n.º 1 do artigo 56.º do Decreto-Lei n.º
143/99 e consequente indeferimento do pedido de remição obrigatória, numa
situação em que o titular da pensão era o trabalhador sinistrado (e não um
“beneficiário legal”), afectado de uma IPP de 30%, do seguinte modo (embora
tendo como realidade subjacente, que acabou reflectida na fórmula decisória do
acórdão, um acidente anterior à entrada em vigor do novo regime):
'5.1. Da jurisprudência tirada pelo Tribunal Constitucional em matéria de
apreciação da conformidade ou desconformidade com a Constituição relativamente à
remição de pensões devidas por infortúnios laborais retira-se que tem, numa
primeira linha, sido dado relevo à tutela da autonomia da vontade do trabalhador
vítima de acidente laboral ou de doença profissional que lhe impôs uma
diminuição acentuada da sua capacidade para o trabalho, pois somente ele poderá
ponderar se é do seu interesse continuar a perceber determinado quantitativo
vitalício representativo daquela pensão ou se, pelo contrário, a perda da sua
capacidade de ganho pode ser compensada com um capital ou um eventual rendimento
do capital decorrente da remição. E isto desde que a pensão que tenha sido
atribuída seja representativa do asseguramento de um rendimento susceptível de
garantir uma existência minimamente condigna.
Outrotanto, e ainda segundo aquela jurisprudência, não sucede se em causa se
colocarem situações de acidentes de trabalho ou doenças profissionais que não
demandaram acentuada perda de capacidade de trabalho.
É que, em tais situações, o lesado pode ainda desempenhar o seu labor e a
compensação pelo infortúnio que sofreu – ponderando os consabidamente diminutos
montantes das pensões atribuídas nesses casos, a natural degradação valorativa
da moeda e a sempre tendencial elevação dos custos – facilmente poderá, ao ser a
pensão vitalícia «transformada», pela remição num dado capital, ser considerável
como uma «justa reparação» ancorada no direito que é conferido pela alínea f) do
nº 1 do artigo 59º da Constituição.
Neste ponto, tem cabimento a citação do que se escreveu no Acórdão deste
Tribunal nº 302/99 (in Diário da República, II Série, de 16 de Julho de 1999),
quando aí se considerou que a consagração da remição impositivamente decretada
tem a ver com a circunstância de a perda da capacidade de trabalho não ter sido
“por demais acentuada, o que o mesmo é dizer que o acidente de trabalho não
implicou a futura continuação do desempenho do labor por parte do trabalhador”,
permitindo que “a compensação correspondente à pensão que lhe foi fixada – e
sabido que é que, de uma banda, o montante das pensões é de pouco relevo e, de
outra, que o quantitativo fixado se degrada com o passar do tempo – possa ser
‘transformada’ em capital, a fim de ser aplicada em finalidades económicas
porventura mais úteis e rentáveis que a mera percepção de uma ‘renda’ anual cujo
quantitativo não pode permitir a subsistência condigna a quem quer que seja”.
E, por isso, se escreveu no Acórdão nº 468/02, (publicado no indicado jornal
oficial, II Série, de 4 de Janeiro de 2003), que nas situações de acidentes de
trabalho e doenças profissionais que implicaram uma incapacidade permanente para
o trabalho inferior a 30%, o que se prescreve no acima transcrito artº 33º da
Lei nº 100/97 traduz uma forma como o legislador desejou que, “atentas as
circunstâncias, se efectivasse o direito dos trabalhadores a serem justamente
reparados do infortúnio laboral que sofreram, o que significa que veio consagrar
um direito que, na sua óptica, para as ditas circunstâncias, concretizava a
justa reparação” a que alude a alínea f), do nº 1 do artigo 59º da Lei
Fundamental.
Daí que se tenha entendido – considerando que, teleologicamente, a imposição da
remição das pensões nessas circunstâncias, se justifica com base no raciocínio
segundo o qual a privação de futuras e eventuais actualizações dos respectivos
quantitativos (que, como é facto notório incarecido de demonstração, a
experiência revela serem de mui pequena monta) – a remição obrigatoriamente
imposta ainda se inclui (como «contrapartida» da perda da capacidade de trabalho
e, logo, de ganho do trabalhador) no conceito de «justa reparação».
Também o Tribunal Constitucional tem trilhado a senda de, como «excepção» ao
relevo da tutela da autonomia da vontade do trabalhador, a par das situações de
menos acentuada incapacidade permanente para o trabalho, ter como não
conflituante com a Lei Fundamental, os casos em que, independentemente dessa
incapacidade, o montante da pensão é de tal sorte diminuto que não pode ser tido
como apto para, de um modo mínimo, assegurar uma condigna subsistência do
lesado.
Porém, quanto a este último particular, como já se disse, colocavam-se situações
em que o trabalhador era já falecido e, por conseguinte, nem sequer era
equacionável a ponderação da sua vontade.
6. Como se viu, a situação sub iudicio cura da pretensão de remição de uma
pensão atribuída por um acidente de trabalho do qual resultou para o trabalhador
uma incapacidade permanente para o trabalho de 30%.
Neste conspecto, a corte argumentativa que conduziu à declaração de
inconstitucionalidade com força obrigatória geral vertida no Acórdão nº 34/2006,
poderia não ser globalmente transponível para o caso em apreço, já que se não
trata de uma incapacidade parcial permanente superior a 30%.
Ainda assim, mesmo nesta perspectiva, não se vá sem dizer que o raciocínio que
formou o «fio condutor» daquele aresto foi o de, porque a pensão, nas situações
de “acidentes de trabalho ou doenças profissionais cuja gravidade seja de tal
sorte que vá acentuadamente diminuir a capacidade laboral do trabalhador e,
reflexamente, a possibilidade de auferir um salário condigno com ao menos, a sua
digna subsistência” [constituindo, pois, a pensão um “complemento à parca (e por
vezes nula) remuneração que aufere em consequência da reduzida capacidade de
trabalho”) e porque “a aplicação de um capital – ainda que no momento em que
essa intenção é formulada se apresente como um investimento adequado, porquanto
proporcionador de um rendimento mais satisfatório do que o correspondente à
percepção da pensão anual – é sempre alguma coisa que, em virtude de ser
aleatória, comporta riscos”, haveria que se atender, por forma a ser respeitado
direito consagrado na alínea f) do nº 1 do artigo 59º da Constituição, à vontade
expressa pelo trabalhador e não a uma “imposição do risco do capital a receber”,
a qual “limitaria o direito dos trabalhadores a uma justa reparação, quando
vítimas de acidente de trabalho ou doença profissional”.
Ora, reportando-se a situação em espécie a um acidente de trabalho de que
resultou uma incapacidade parcial permanente de 30%, não se poderá desconsiderar
a circunstância de a lei ordinária, como deflui das disposições combinadas dos
artigos 33º da Lei nº 100/97 e 56º, nº 1, alínea b), do Decreto-Lei nº 143/99,
entender que as incapacidade parciais permanentes não muito acentuadas são
aquelas que se situam numa percentagem inferior a 30%.
E, nesse contexto, poder-se-ia enveredar por um raciocínio semelhante ao que foi
prosseguido no Acórdão 34/2006.
6.1. [ ….]
Vale isto por dizer que a pergunta cabida para a solução da questão é a de saber
se ofende aquele normativo a remição imposta pela alínea a) do nº 1 do artº 56º
do Decreto-Lei nº 143/99, se em causa estiver uma pensão de valor não superior a
seis vezes a remuneração mínima mensal mais elevada à data da sua fixação,
atribuída por um acidente de trabalho ou doença profissional que acarretou uma
incapacidade parcial permanente não inferior a 30%, opondo-se a tanto o
trabalhador.
Ora, estando em causa um direito constitucionalmente conferido aos
trabalhadores, e porque se não trata de um infortúnio laboral de que redundou
uma perda de capacidade laboral inferior a 30%, não obstante o montante da
pensão (tido por reduzido pelo legislador ordinário), entende-se, com a entidade
recorrente, que a dimensão normativa daquele preceito que agora se analisa, ao
não devolver ao trabalhador “a sua livre opção sobre o modo como pretende ser
ressarcido” das consequências da incapacidade que o afecta (que o próprio
legislador ordinário considera não serem de pequena monta, justamente por não
ser inferior a 30%) deixa de privilegiar “em última análise, o valor ‘autonomia’
da vontade que, em regra, deverá funcionar como parâmetro fundamental nesta
sede.»
8. O cerne do juízo de inconstitucionalidade radica na consideração de que,
relativamente a pensões por incapacidades susceptíveis de afectar
significativamente a capacidade de ganho do sinistrado – não interessa agora
saber se e em que termos este entendimento é extensível a situações em que o
titular da pensão seja um “beneficiário legal” (cfr., todavia, acórdãos n.ºs
529/2006 e 533/2006) –, pelo menos quando se trate de pensões vitalícias já
atribuídas, a imposição da remição contra vontade do titular, atendendo à maior
aleatoriedade dos proventos da aplicação do capital por comparação com o
recebimento regular de uma pensão susceptível de actualização, não assegura a
justa reparação constitucionalmente imposta pela alínea f) do n.º 1 do artigo
59.º da Constituição. O sinistrado, afectado em grau significativo na sua
capacidade de ganho, não deve ser privado da possibilidade de optar, consoante a
avaliação que faça das vantagens e desvantagens, por continuar a receber uma
pensão vitalícia actualizável que lhe foi inicialmente fixada, sendo obrigado a
receber um capital, com o inerente risco de aplicação.
Obviamente, que esta ponderação não é afectada pela circunstância de a
incapacidade ser igual (e não superior) a 30% porque, como se disse no acórdão
que vimos seguindo, “não se poderá desconsiderar a circunstância de a lei
ordinária, como deflui das disposições combinadas dos artigos 33.º da Lei nº
100/97 e 56.º, n.º 1, alínea b), do Decreto-Lei nº 143/99, entender que as
incapacidade parciais permanentes não muito acentuadas são aquelas que se situam
numa percentagem inferior a 30%”.
III- Decisão
Pelo exposto, decide-se:
a) Julgar inconstitucional, por violação do disposto no artigo 59.º,
n.º 1, alínea f), da Constituição, o conjunto normativo constante dos artigos
56,º, n.º 1, alínea a) e 74.º do Decreto-Lei n.º 143/99, de 30 de Abril,
interpretado no sentido de impor a remição obrigatória, independentemente da
vontade do trabalhador sinistrado, de pensões atribuídas em consequência de
acidentes de trabalho de que resulte incapacidade parcial permanente igual (ou
superior) a 30%;
b) Consequentemente, negar provimento ao recurso.
Lisboa, 5 de Março de 2002
Vítor Gomes
Ana Maria Guerra Martins
Carlos Fernandes Cadilha
Gil Galvão