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Processo n.º 1087/07
3ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha
Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I - Relatório
A., preso preventivamente à ordem do Processo n° 547/04 da 3ª Vara Criminal de
Lisboa, veio requerer, perante o Supremo Tribunal de Justiça, ao abrigo do
disposto nos artigos 31° da Constituição da República Portuguesa (CRP) e 222º do
Código de Processo Penal (CPP), a providência de habeas corpus, alegando, em
síntese, o seguinte:
1. Foi inicialmente detido e constituído arguido, em 17 de Janeiro de 2005, e
colocado em prisão preventiva, no dia imediato, após o primeiro interrogatório
judicial, encontrando-se nessa situação, ininterruptamente, desde essa data.
2. Foi pronunciado pelo crime de adesão a associação criminosa previsto e punido
pelo artigo 299º, n.º 2, do Código Penal.
3. Ainda na fase de inquérito, o procedimento foi considerado de excepcional
complexidade, nos termos e para os efeitos do n.º 3 do artigo 215º do Código de
Processo Penal.
4. Com a entrada em vigor da Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, o prazo máximo de
prisão preventiva para a situação considerada (tendo em conta que o arguido foi
pronunciado por um dos crimes a que se refere o n.º 2 do artigo 215º do Código
de Processo Penal e o procedimento é de excepcional complexidade) foi reduzido
para 2 anos e 6 meses, pelo que, tendo-se esgotado esse prazo no dia 18 de Julho
de 2007, o requerente devia ter sido libertado em 15 de Setembro seguinte, data
em que entrou em vigor a nova lei.
5. No requerimento de abertura de instrução, o requerente arguiu, além do mais,
a invalidade de um despacho proferido, em sede de inquérito, pelo magistrado do
Ministério Público.
6. Na decisão instrutória, o juiz de instrução criminal considerou essa arguição
como intempestiva, por entender que devia ter sido apresentada no prazo de 3
dias a seguir à notificação da acusação, nos termos do artigo 123º, n.º 1, do
CPP.
7. Essa decisão foi mantida, em recurso, por acórdão do Tribunal da Relação de
Lisboa, pelo que o requerente impugnou o julgado perante o Tribunal
Constitucional, solicitando que fosse apreciada, designadamente, a
inconstitucionalidade da norma do artigo 123º, n.º 1, do CPP.
8. Pelo acórdão n.º 42/2007, o Tribunal Constitucional julgou inconstitucional,
por violação do artigo 32º, nº 1, da Constituição, a referida norma do artigo
123º, n.º 1, do CPP, interpretada no sentido de consagrar o prazo de 3 dias para
arguir irregularidades contados da notificação da acusação em processos de
especial complexidade e grande dimensão, sem atender à natureza da
irregularidade e à objectiva inexigibilidade da respectiva arguição.
9. O Tribunal da Relação de Lisboa, através do seu acórdão de 8 de Maio de 2007,
veio então a reformar a decisão recorrida, considerando sanadas as
irregularidades suscitadas, por entender que, não obstante a exiguidade do prazo
de 3 dias previsto na norma do n.º 1 do artigo 123º do CPP, tinha já decorrido,
no momento da arguição, o prazo geral de 10 dias, que era suficiente para a
invocação de tais irregularidades.
10. Dessa decisão, o requerente interpôs um novo recurso para o Tribunal
Constitucional, com fundamento em violação de caso julgado constitucional, que,
pelo acórdão nº 650/2007, foi julgado improcedente.
11. À data da entrada em vigor, em 15 de Setembro de 2007, da Lei n° 48/2007
de 29 de Agosto, não se encontrava pendente qualquer recurso no Tribunal
Constitucional e as decisões por este proferidas já há muito que haviam
transitado em julgado.
12. Os recursos para o Tribunal Constitucional foram interlocutórios e não
interpostos da decisão final e nenhum deles suspendeu, interrompeu ou protelou
os termos do processo.
13. Assim, não existia razão para, por efeito desses recursos, se proceder ao
prolongamento do prazo de prisão preventiva pelo período de 6 meses, a que se
refere o n.º 3 do artigo 215º do CPP .
14. Nestes termos, é inconstitucional por violação dos artigos 27º, 28º, n.º 2,
e 18º, n.º 2, da CRP, a actual norma do n.º 5 do artigo 215º do CPP, quando
interpretada no sentido de que todo o qualquer recurso interposto para o
Tribunal Constitucional – interlocutório ou de decisão final – no decorrer de um
processo crime à ordem do qual se encontra o arguido em situação de prisão
preventiva determina necessariamente um acréscimo de 6 meses nos prazos
referidos nas alíneas c) e d) do n.º 1 desse artigos, bem como nos
correspondentemente previstos nos n.º 2 e 3 desse artigo, mesmo que tal recurso
não tenha determinado efectivamente a suspensão ou retardamento do processo.
O Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 10 de Outubro de 2007, indeferiu a
petição de habeas corpus, por considerar que o prolongamento de 6 meses no prazo
de prisão preventiva, se tiver havido recurso para o Tribunal Constitucional,
previsto no actual n.º 5 do artigo 215º do CPP, opera independentemente de se
tratar de recurso interlocutório ou de decisão final, pelo que, sendo aplicável,
no caso, o prazo de 2 anos e 6 meses, por efeito das disposições conjugadas do
artigo 215º, n.ºs 1, alínea c), 2 e 3, do CPP, esse prazo foi acrescido de 6
meses, em virtude dos recursos interpostos para o Tribunal Constitucional, em
conformidade com o n.º 5 desse artigo, e, assim, o termo da prisão preventiva só
ocorre, se não houver entretanto decisão final, em 18 de Janeiro de 2008.
Desse acórdão, o arguido veio interpor recurso para o Tribunal Constitucional,
ao abrigo da alínea b) do n° 1 do art. 70° da Lei do Tribunal Constitucional,
invocando pretender ver apreciada a constitucionalidade da norma do artigo 215°,
n° 5 do CPP, na redacção que lhe foi dada pela Lei n° 48/2007 de 29 de Agosto
(correspondente à do n.º 4 desse artigo na redacção anterior), interpretada no
sentido de que todo e qualquer recurso para o Tribunal Constitucional -
interlocutório ou da decisão final, com efeito suspensivo do processo ou
meramente efeito devolutivo - interposto no decorrer de um processo crime à
ordem do qual se encontra(m) arguido(s) em situação de prisão preventiva,
determina sempre e necessariamente um acréscimo de 6 meses aos prazos referidos
nas alíneas c) e d) do n° 1 do aludido artigo 215°, mesmo que tal recurso não
tenha determinado a suspensão e ou sequer, o retardamento de tal processo.
A inconstitucionalidade fora suscitada no requerimento de habeas corpus
formulado perante o Supremo Tribunal de Justiça.
Admitido o recurso, o recorrente apresentou as suas alegações em que formulou as
seguintes conclusões:
1ª. Nos termos do n° 5 do artigo 215º do CPP, na sua actual redacção, os prazos
referidos nas alíneas c) e d) do n° 1, bem como os correspondentemente referidos
nos n.ºs 2 e 3, sao acrescentados de 6 meses se tiver havido recurso para o
Tribunal Constitucional ou se o processo tiver sido suspenso para julgamento em
outro tribunal de questão prejudicial.
2ª São três, portanto, as situações previstas na lei que podem justificar uma
prorrogação por mais 6 meses, dos prazos da prisão preventiva.
3ª Isso acontecerá, desde logo, quando o processo tiver sido suspenso para
julgamento em outro tribunal de questão prejudicial - o que se compreende.
4ª E acontecerá também, nos termos conjugados do nº 5 do artigo 215º com a
alínea d) do seu n.º 1, quando tenha sido interposto recurso para o Tribunal
Constitucional, após ter sido proferida decisão de condenação em 1ª instância -
o que, de igual modo, se admite. Com efeito,
5ª Neste caso, o recurso para o Tribunal Constitucional assume natureza não
extraordinária e, tendo sempre efeito suspensivo, impede o trânsito em julgado
da decisão condenatória (cfr. acórdão do TC n° 1166/99, de 20 de Novembro de
1996, e n.º 524/97, de 14 de Julho de 1997).
6ª Quando, porém, o recurso para o Tribunal Constitucional é intertocutório e
não da decisão final, quando, nos termos conjugados do nº 5 do artigo 215º e da
alínea c) do nº 1 da mesma norma legal, é interposto antes de proferida decisão
de condenação em 1ª instância, poderá ou não ter efeitos suspensivos do
processo.
7ª Sendo que, salvo devido respeito por diferente opinião, só se justificará uma
prorrogação do prazo da prisão preventiva quando a sua admissão se traduza numa
efectiva suspensão dos termos do mesmo.
8ª O que não acontece quando, como no caso em apreço, o recurso para o Tribunal
Constitucional é admitido e mandado subir imediatamente, em separado, e com
efeito meramente devolutivo.
9ª Nesta situação, a prorrogação do prazo da prisão preventiva por mais 6 meses
constituiria (constitui), como parece evidente, uma restrição desnecessária,
inadequada e desproporcional ao direito fundamental que é a liberdade. Assim,
10ª Afigura-se materialmente inconstitucional, por violação, designadamente, do
disposto nos artigos 27º, 28º, n° 2, e 18º, n° 2, da CRP, a norma do artigo 21º,
n° 5, do Código de Processo Penal, na redacção da Lei nº 48/2007, de 29 de
Agosto, interpretada no sentido de que todo e qualquer recurso interposto para o
Tribunal Constitucional - interlocutório ou da decisão final, - no decorrer de
um processo crime à ordem do qual se encontra(m) arguido(s) em situação de
prisão preventiva determina necessariamente um acréscimo de 6 meses aos prazos
referidos nas alíneas c) e d) do nº 1, bem como aos correspondentemente
referidos nos n.ºs 2 e 3 daquela norma, mesmo que tal recurso não tenha
efectivamente determinado a suspensão e/ou, sequer, o retardamento de tal
processo.
O Exmo Magistrado do Ministério Público contra-alegou, concluindo do seguinte
modo:
1. Não é inconstitucional a norma do n° 5 do artigo 215° do Código de Processo
Penal quando interpretada no sentido de que todo e qualquer recurso interposto
para o Tribunal Constitucional é fundamento para o acréscimo de 6 meses no prazo
máximo de prisão preventiva, sendo certo que tal determina necessariamente
vicissitudes processuais e temporais que justificam, não inconstitucionalizando,
a interpretação normativa tal como foi seguida e aplicada.
2. Termos em que não deverá proceder o recurso.
Vem o processo à conferência sem vistos, dado o seu carácter urgente.
Cumpre apreciar e decidir.
II - Fundamentação
O recorrente encontra-se em prisão preventiva, desde 18 de Janeiro de 2005, à
ordem do Processo n° 547/04 da 3ª Vara Criminal de Lisboa, no qual se encontra
pronunciado pelo crime de adesão a associação criminosa previsto e punido pelo
artigo 299º, n.º 2, do Código Penal.
Ainda na fase de inquérito, o procedimento foi considerado de excepcional
complexidade, nos termos e para os efeitos do n.º 3 do artigo 215º do Código de
Processo Penal.
Por outro lado, o recorrente interpôs, no decurso do processo, dois recursos
para o Tribunal Constitucional: um, tendo por objecto a decisão instrutória, com
fundamento na inconstitucionalidade da norma do artigo 123º, n.º 1, do CPP,
quando fixa um prazo de três dias para a arguição de irregularidades,
independentemente da natureza da iregularidade ou complexidade dos autos; outro,
na sequência da procedência desse recurso, incidindo sobre o acórdão do Tribunal
da Relação que procedeu à reforma da decisão recorrida, neste caso, por alegada
violação de caso julgado constitucional.
O processo ainda se encontra em fase de julgamento, que decorre desde 1 de
Fevereiro de 2007, pelo que ainda não foi proferida decisão final, absolutória
ou condenatória.
O artigo 215º do CPP fixa os prazos de duração máxima da prisão preventiva,
fazendo-os depender de diversos factores, que convirá desde já tomar em
consideração.
Na sua redacção actual, introduzida pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, o
preceito dispõe:
1 - A prisão preventiva extingue-se quando, desde o seu início, tiverem
decorrido:
a) Quatro meses sem que tenha sido deduzida acusação;
b) Oito meses sem que, havendo lugar a instrução, tenha sido proferida decisão
instrutória;
c) Um ano e dois meses sem que tenha havido condenação em 1.ª instância;
d) Um ano e seis meses sem que tenha havido condenação com trânsito em julgado.
2 - Os prazos referidos no número anterior são elevados, respectivamente, para 6
meses, 10 meses, 1 ano e 6 meses e 2 anos, em casos de terrorismo, criminalidade
violenta ou altamente organizada, ou quando se proceder por crime punível com
pena de prisão de máximo superior a 8 anos, ou por crime:
a) Previsto no artigo 299.º, no n.º 1 do artigo 318.º, nos artigos 319.º, 326.º,
331.º ou no n.º 1 do artigo 333.º do Código Penal e nos artigos 30.º, 79.º e
80.º do Código de Justiça Militar, aprovado pela Lei n.º 100/2003, de 15 de
Novembro (uma vez que os artigos 312.º e 315.º do Código Penal foram revogados
pela Lei n.º 100/2003, de 15 de Novembro, que os substituiu pelos indicados
artigos 30.º, 79.º e 80.º);
b) De furto de veículos ou de falsificação de documentos a eles respeitantes ou
de elementos identificadores de veículos;
c) De falsificação de moeda, títulos de crédito, valores selados, selos e
equiparados ou da respectiva passagem;
d) De burla, insolvência dolosa, administração danosa do sector público ou
cooperativo, falsificação, corrupção, peculato ou de participação económica em
negócio;
e) De branqueamento de vantagens de proveniência ilícita;
f) De fraude na obtenção ou desvio de subsídio, subvenção ou crédito;
g) Abrangido por convenção sobre segurança da navegação aérea ou marítima.
3 - Os prazos referidos no n.º 1 são elevados, respectivamente, para um ano, um
ano e quatro meses, dois anos e seis meses e três anos e quatro meses, quando o
procedimento for por um dos crimes referidos no número anterior e se revelar de
excepcional complexidade, devido, nomeadamente, ao número de arguidos ou de
ofendidos ou ao carácter altamente organizado do crime.
4 - A excepcional complexidade a que se refere o presente artigo apenas pode ser
declarada durante a 1.ª instância, por despacho fundamentado, oficiosamente ou a
requerimento do Ministério Público, ouvidos o arguido e o assistente.
5 - Os prazos referidos nas alíneas c) e d) do n.º 1, bem como os
correspondentemente referidos nos n.ºs 2 e 3, são acrescentados de seis meses se
tiver havido recurso para o Tribunal Constitucional ou se o processo penal tiver
sido suspenso para julgamento em outro tribunal de questão prejudicial.
6 - No caso de o arguido ter sido condenado a pena de prisão em 1.ª instância e
a sentença condenatória ter sido confirmada em sede de recurso ordinário, o
prazo máximo da prisão preventiva eleva-se para metade da pena que tiver sido
fixada.
7 - A existência de vários processos contra o arguido por crimes praticados
antes de lhe ter sido aplicada a prisão preventiva não permite exceder os prazos
previstos nos números anteriores.
8 - Na contagem dos prazos de duração máxima da prisão preventiva são incluídos
os períodos em que o arguido tiver estado sujeito a obrigação de permanência na
habitação.
A nova redacção reduziu os prazos de prisão preventiva para cada uma das
situações elencadas no n.º 1, sendo que, para a situação considerada nos autos –
aquela em que ainda não tenha havido condenação em primeira instância, a que se
reporta a alínea c) desse número -. o prazo geral passou a ser de um ano e dois
meses. Manteve-se, no entanto, a possibilidade de elevação do prazo em função de
três diferentes factores: a específica natureza crime pelo qual o arguido se
encontra indiciado (quando se trate de qualquer dos tipos legais identificados
no n.º 2); o reconhecimento da excepcional complexidade do procedimento quando
se refira a qualquer desses crimes (n.º 3); a interposição de recurso para o
Tribunal Constitucional (n.º 5).
Por interferência de cada um dessas eventualidades, o prazo máximo de prisão
preventiva, quando não tenha havido ainda condenação em primeira instância,
passa a ser de um ano e seis meses (quando se trate de qualquer dos crimes de
catálogo mencionados no n.º 2 do artigo 215º), eleva-se para dois anos e seis
meses se cumulativamente for declarada a excepcional complexidade do
procedimento, a que acrescem seis meses se entretanto for interposto recurso
para o Tribunal Constitucional ou se o processo penal tiver sido suspenso para
julgamento em outro tribunal de questão prejudicial.
O novo regime processual resultante da Lei n.º 48/2007 é imediatamente
aplicável, por ser mais favorável ao arguido, pelo que o recorrente, por se
encontrar abrangido pela situação prevista nas disposições conjugadas da alínea
c) do n.º 1, alínea a) do n.º 2, e n.ºs 3 e 5, do artigo 215º, passou a
encontrar-se sujeito ao prazo limite de prisão preventiva de três anos.
E foi esse o entendimento sufragado pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça,
ora recorrido, que indeferiu a petição de habeas corpus.
O recorrente sustenta, no entanto, que a prorrogação do prazo máximo de prisão
preventiva, por efeito da interposição de um recurso de constitucionalidade,
deve ter lugar apenas quando tal recurso tenha sido interposto de decisão
condenatória proferida em primeira instância, ou, tratando-se de um recurso de
despacho meramente interlocutório, quando este tenha um efeito suspensivo do
processo. Isso porque só em qualquer desses casos é que o recurso para o
Tribunal Constitucional produz um prolongamento dos termos do processo, ou
porque impede o trânsito em julgado da decisão condenatória ou porque gera uma
efectiva suspensão do processo, que torna justificável o acréscimo de um novo
período temporal ao limite máximo da prisão preventiva.
Qualquer outra interpretação – argumenta o recorrente – é materialmente
inconstitucional por constituir uma restrição desnecessária, inadequada e
desproporcional ao direito fundamental à liberdade, e acarreta uma violação do
disposto nos artigos 27º, 28º, n° 2, e 18º, n° 2, da CRP.
É esta a questão de constitucionalidade que cabe apreciar.
Como é sabido, o direito à liberdade admite as restrições que se encontram
previstas nos n.ºs 2 e 3 do artigo 27º da Constituição, entre as quais se conta
a detenção ou prisão preventiva por fortes indícios de prática de crime doloso a
que corresponda pena de prisão cujo limite máximo seja superior a tês anos.
Constituindo as restrições ao direito à liberdade restrições a um direito
fundamental integrante da categoria de direitos, liberdades e garantias, estão
sujeitas às regras do artigo 18º, n.ºs 2 e 3, da Constituição, o que quer dizer
que «só podem ser estabelecidas para proteger direitos ou interesses
constitucionalmente protegidos, devendo limitar-se ao necessário para os
proteger» (nestes precisos termos, Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição
da República Portuguesa Anotada, 4ª edição revista, I vol., Coimbra, pág. 479).
Por outro lado, como decorre do artigo 28º, n.º 4, do texto constitucional, «[a]
prisão preventiva está sujeita aos prazos estabelecidos na lei», o que significa
que não pode deixar de ser temporalmente limitada de acordo com a sua natureza.
Cabendo à lei a fixação dos prazos de prisão preventiva, como resulta desse
preceito, dispõe o legislador ordinário, nessa matéria, de uma relativa margem
de liberdade de conformação, ainda que deva respeitar o princípio da
proporcionalidade (idem, pág. 490; no mesmo sentido, Jorge Miranda/Rui Medeiros,
Constituição Portuguesa Anotada, I tomo, Coimbra, 2005, pág. 321; entre outros,
o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 246/99).
Segundo o regime do citado artigo 215º do Código de Processo Penal, o prazo de
duração da prisão preventiva conta-se sempre do seu início e não pode exceder
certos limites (acumulados) que se reportam a quatro marcos processuais: 1.º -
dedução da acusação; 2.º – prolação de decisão instrutória quando tenha havido
instrução; 3.º – condenação em 1.ª instância; 4.º – trânsito em julgado da
condenação. Aos prazos fixados para cada uma dessas fases processuais
aplicam-se, consoante os casos, três diferentes regimes: o normal (4 meses, 8
meses, 1 ano e 2 meses e 1 ano e 6 meses); o especial, em que se atende à
gravidade dos crimes (6 meses, 10 meses, 1 ano e 6 meses e 2 anos); e o
excepcional, quando a essa gravidade dos crimes acresce a excepcional
complexidade do procedimento (1 ano, 1 ano e 4 meses, 2 anos e 6 meses e 3 anos
e 4 meses) – n.ºs 1, 2 e 3 do artigo 215.º do CPP.
A ideia central do sistema é a de fazer coincidir, ao menos tendencialmente, a
duração máxima (acumulada) de prisão preventiva com o termo das sucessivas fases
processuais. Os prazos de 4 meses, 8 meses e 1 ano de limite máximo de prisão
preventiva até dedução de acusação correspondem são indicativos da duração do
inquérito em cada um dos circunstancialismos definidos no artigo 215º, n.º 1,
alínea a), e n.ºs 2 e 3 (cfr. artigo 276.º, n.º 1, primeira parte, e n.º 2,
alíneas a) e c)). O acréscimo de 4 meses ao limite máximo de prisão preventiva,
em todas as situações, até prolação da decisão instrutória, toma em atenção os
prazos máximos de 2 e 3 meses para conclusão da instrução, que só se inicia com
o requerimento para abertura de instrução, a apresentar no prazo de 20 dias a
contar da notificação da acusação e a que acresce o prazo de 10 dias para
prolação do despacho de pronúncia (cfr. artigos 306.º, n.ºs 1, 2 e 3, 287.º, n.º
1, e 307.º, n.º 3, todos do CPP). É dentro desta lógica que se fixou o
prolongamento da duração máxima da prisão preventiva por mais 6 meses, 10 meses
e 22 meses, tempo estimado como eventualmente necessário para conclusão do
julgamento em 1.ª instância, e por mais 4 meses, 6 meses e 10 meses, tempo
estimado para conclusão das fases de recursos até se atingir o trânsito em
julgado (sobre estes aspectos, o acórdão do Tribunal Constitucional n.º
404/2005).
Como se verifica, os prazos de duração máxima de prisão preventiva são
pré-determinados segundo a fase processual, a gravidade do tipo legal de crime e
a complexidade do procedimento.
Diferentemente, por efeito do disposto no n.º 5 do artigo 215º do CPP, a lei não
pré-determina o prazo total de prisão preventiva a considerar quando tenha sido
interposto um recurso para o Tribunal Constitucional, mas estabelece um
acréscimo de 6 meses, quando tenha havido esse recurso, aos prazos previstos nas
alíneas c) e d) do n.º 1 desse artigo e aos correspondentemente referidos nos
n.ºs 2 e 3.
Note-se que a norma não distingue entre recursos de decisão condenatória ou
recursos de decisão interlocutória, nem quanto ao efeito e regime de subida do
recurso, limitando-se a fixar um acréscimo temporal único sempre que tenha
havido recurso para o Tribunal Constitucional, o que significa que o legislador
ponderou esse prazo como sendo o suficiente para resolver, em processo de
fiscalização concreta, as questões de constitucionalidade, independentemente da
fase processual em que se suscitem e das vicissitudes ou complexidade do
processado.
Estimando a lei um prazo que, consoante as circunstâncias do caso, se entende
adequado para que, em processo penal com réu preso, seja proferida decisão
final e sejam apreciados os recursos admissíveis na ordem jurisdicional comum –
e considerando esse como o prazo razoável para a duração da prisão preventiva -,
o acréscimo de 6 meses a esse limite temporal, decorrente da interposição de
recurso para o Tribunal Constitucional, visa suprir o retardamento processual
que sempre resulta da utilização desse meio recursório, que, por vezes, tem um
mero intuito dilatório.
E sublinhe-se que o prazo acrescido é único independentemente das circunstâncias
do caso, e independentemente de ter sido interposto um ou vários recursos de
constitucionalidade.
No caso vertente, o recorrente interpôs recurso para o Tribunal Constitucional
da decisão instrutória, com fundamento na inconstitucionalidade da norma do
artigo 123º, n.º 1, do CPP quando interpretada no sentido de consagrar um prazo
de três dias para a arguição de invalidades em processos de especial
complexidade, assim como a inconstitucionalidade da norma do artigo 2º, nº 2, da
Lei nº 5/2002, de 11 de Janeiro, na medida em que permite ao Ministério Público
a prolação de decisão a determinar o levantamento do sigilo bancário.
Tendo sido concedido parcial provimento ao recurso e declarada a
inconstitucionalidade da primeira das normas indicadas, pelo acórdão do Tribunal
Constitucional n.º 42/2007, de 23 de Janeiro de 2007, o recorrente interpôs um
outro recurso de constitucionalidade agora referente ao acórdão do Tribunal da
Relação de 8 de Maio de 2007, que, na sequência daquele julgamento de
inconstitucionalidade, procedeu à reforma da decisão recorrida.
Este recurso, que tinha como fundamento a alegada violação de caso julgado
constitucional, foi julgado improcedente por decisão sumária, que foi
confirmada, em reclamação para a conferência, pelo acórdão n.º 441/2007, de 13
de Agosto de 2007.
O presente recurso é já o terceiro recurso de constitucionalidade interposto
pelo recorrente, num momento em que não foi ainda proferida decisão final de
julgamento em primeira instância (apesar da celeridade que o recorrente
reconhece ter sido imprimida ao processo – cfr. n.º 48 das alegações de
recurso), e que incide agora sobre o acórdão do Supremo Tribuanl de Justiça que
indeferiu um pedido de habeas corpus.
Como se viu, o acréscimo do prazo de prisão preventiva por efeito de
interposição de recurso para o Tribunal Constitucional tem como objectivo
contrariar a dilação que decorre do simples facto de ter sido interposto um
recurso desse tipo, visto que essa é uma consequência que se encontra desligada
de qualquer outra específica vicissitude processual, e, designadamente, do
eventual efeito suspensivo dos termos do processo.
Se se tratar de um recurso de constitucionalidade que incida sobre a decisão
condenatória proferida, em sede de recurso, pelo tribunal da relação ou pelo
Supremo Tribunal de Justiça, naturalmente que esse recurso vai impedir que a
condenação transite em julgado, determinando um protelamento da resolução do
processo. Mas o recurso interposto de qualquer decisão interlocutória, como seja
a decisão instrutória ou a decisão sobre um incidente processual, mesmo que deva
subir em separado e não produza efeito suspensivo do processo (artigos 406º e
408º do CPP), implica sempre um retardamento processual que resulta da
tramitação e expedição do recurso, da necessária prolação do despacho de
admissão do recurso e da fixação do respectivo efeito e regime de subida, e que
obriga, subindo o recurso em separado, a que o juiz averigue se o mesmo se
mostra instruído com todos so elementos necessários à boa decisão da causa,
determinando, se for caso disso, a extracção e junção de certidão das
pertinentes peças processuais (artigo 414º do CPP). Nestes termos, o recurso
desencadeia sempre uma actividade processual autónoma que perturba o andamento
do processo e que, em maior ou menor medida, poderá retardar a prolação da
decisão final.
Mas, para além de tudo isso, o aditamento do prazo de seis meses ao limite
máximo aplicável de prisão preventiva, sempre que seja introduzido em juízo um
recurso de constitucionalidade, destina-se a permitir que esse recurso seja
decidido no Tribunal Constitucional e que, em consequência, os tribunais de
instância possam reformar, em conformidade com o juízo de constitucionalidade
que tenha sido adoptado, a decisão recorrida.
Esse é o prazo que o legislador considerou, em abstracto, como sendo suficiente
para a apreciação, pelo tribunal competente, da questão de constitucionalidade
suscitada e para a eventual subsequente reformulação do processado ou prolação
de uma nova decisão, independentemente do circunstancialismo concreto que seja
aplicável ao caso. Trata-se de um prazo que é considerado normalmente adequado
para solucionar todas as questões que são supervenientemente colocadas por via
do recurso de constitucionalidade, independentemente das consequências práticas
que ele tenha produzido no desenvolvimento do processo. Sendo, por isso, também,
indiferente, do ponto de vista da finalidade da lei, que o recurso tenha ou não
determinado a suspensão dos termos do processo ou um efectivo atraso na sua
prossecução.
Nestes termos, o acréscimo do prazo de prisão preventiva previsto no n.º 5 do
artigo 215º do CPP mostra-se justificado, segundo a razão de ser da lei, não
apenas pelo eventual protelamento do trânsito em julgado da decisão
condenatória, mas também pela possível demora produzida na emissão de uma
decisão em primeira instância. Ou seja, a prorrogação do prazo de prisão
preventiva é legitimada pelo potencial efeito dilatório do recurso de
constitucionalidade, quer porque com a interposição desse recurso se evitou que
o processo chegasse ao seu termo com o trânsito em julgado da decisão
condenatória, quer porque esse recurso se poderá repercutir de algum modo no
julgamento da causa.
É, por outro lado, irrelevante que se não encontre já pendente o recurso para o
Tribunal Constitucional quando opera a dilação ao prazo máximo de prisão
preventiva aplicável por força das disposições conjugadas da alínea c) do n.º 1
e dos n.ºs 2 e 3 do artigo 215º. Justamente porque o aumento do prazo se destina
a suprir o efeito negativo que a interposição do recurso poderá vir a gerar
relativamente a qualquer das fases do processo, segundo o momento processual em
que o recurso seja interposto, e deverá reflectir-se necessariamente no cômputo
global do prazo de prisão preventiva.
Reconhecendo-se ao legislador, como se deixou vincado, uma certa margem de
conformação quanto à fixação dos prazos de prisão preventiva, por efeito do
disposto no artigo 28º, n.º 4, da Constituição, não parece que o acréscimo de
seis meses ao limite máximo da prisão preventiva por via da interposição de
recurso para o Tribunal Constitucional, tal como prevê o n.º 5 do artigo 215º do
CPP, represente uma restrição desproporcionada ou excessiva em relação aos fins
que se pretendem obter. Isso porque – como se anotou -, essa prorrogação do
prazo é aplicável por uma única vez, ainda que o interessado – como é o caso –
tenha interposto mais do que um recurso de constitucionalidade. E também porque
se traduz num acréscimo temporal que se mostra ser ajustado às possíveis
incidências processuais que poderão resultar da interposição de um recurso desse
tipo.
Não se verifica, pois, qualquer violação do disposto nos artigos 27º, 28º, n° 2,
e 18º, n° 2, da CRP, por efeito da interpretação dada à referida norma do artigo
215º, n° 5, do Código de Processo Penal.
III – Decisão
Em face do exposto, acordam em negar provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 25 unidades de conta
Lisboa, 4 de Janeiro de 2008
Carlos Fernandes Cadilha
Maria Lúcia Amaral
Vítor Gomes
Ana Maria Guerra Martins
Gil Galvão