Imprimir acórdão
Processo n.º 1073/07
3ª Secção
Relator: Conselheiro Vítor Gomes
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
1. A O relator proferiu a seguinte decisão, ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.º-A
da LTC:
“1. Por acórdão de 27 de Setembro de 2007, o Tribunal da Relação de Coimbra
negou provimento a recurso interposto pelo Banco recorrente de sentença do
Tribunal de Trabalho de Coimbra que julgara parcialmente improcedente impugnação
de decisão da Inspecção-Geral do Trabalho que condenara o recorrente pela
prática da contra-ordenação prevista no n.º 1 do artigo 456.º do Regulamento do
Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 35/2004, de 29 de Julho.
O recorrente interpôs recurso deste acórdão para o Tribunal Constitucional, ao
abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC.
2. Embora no requerimento de interposição se identifique o objecto do recurso
como consistindo na apreciação da constitucionalidade do citado artigo 456.º,
sem qualquer restrição ou especificação, resulta das alegações da recorrente
perante o Tribunal da Relação – lugar onde a questão foi suscitada, nessa medida
abrindo a via de recurso para o Tribunal Constitucional – que aquilo que se
questiona é a norma do n.º 1 desse artigo 456.º, a que se imputa violação do n.º
1 do artigo 26.º e do n.º 4 do artigo 35.º da Constituição.
Trata-se de questão que o Tribunal apreciou recentemente, pelo acórdão n.º
555/2007, disponível em www.tribunalconstitucional.pt, nos seguintes termos:
“4. A questão de constitucionalidade que se coloca, no caso em apreço, é a de
saber se a norma constante do nº 1 do artigo 456° do Regulamento do Código do
Trabalho, aprovado pela Lei n° 35/04, quando interpretada no sentido de o mapa
do quadro de pessoal, ali mencionado, dever conter os dados referidos na
Portaria n° 785/2000, (DR - 1 Série B, nº 217, de 19 de Setembro), é ou não
contrária ao direito à reserva da intimidade da vida privada consagrado no
artigo 26°, nº 1, da CRP e à proibição de acesso a dados pessoais de terceiros,
salvo em casos excepcionais previstos na lei constante do artigo 35°, n.º 4, da
CRP.
É o seguinte o teor do nº 1 do artigo 456º do Regulamento do Código do Trabalho:
«1- Na data do envio, o empregador afixa, por forma visível, cópia do mapa
apresentado, incluindo os casos de rectificação ou substituição, ou
disponibiliza a consulta, no caso de apresentação por meio informático, nos
locais de trabalho, durante um período de 30 dias, a fim de que o trabalhador
interessado possa reclamar, por escrito, directamente ou através do respectivo
sindicato, das irregularidades detectadas.»
De acordo com a Portaria 785/2000, de 19 de Setembro, os modelos dos mapas de
quadro de pessoal, devem conter, para além de dados referentes ao empregador, o
nome, a categoria profissional, a profissão, a situação profissional, as
habilitações, o número de Segurança Social, as datas de nascimento, de admissão
na empresa, da última promoção, as remunerações pagas, designadamente a
remuneração base, as diuturnidades, as prestações regulares e irregulares e as
horas extraordinárias dos trabalhadores.
A) Da eventual violação do artigo 26º, nº 1, CRP (direito à reserva da
intimidade da vida privada)
5. Comecemos, então, por averiguar se a inclusão destes dados no mapa de quadro
de pessoal viola o direito à reserva da intimidade da vida privada do
trabalhador.
O Tribunal Constitucional já teve ocasião de se debruçar sobre o direito à
intimidade da vida privada (ver Acórdãos n.ºs 128/92, 319/95 e 355/97,
disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt). Especificamente sobre a
relevância deste direito nas relações laborais trataram os Acórdãos n.ºs
368/2002 e 306/2003 (também disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt),
tendo-se neste último procedido a uma síntese das principais ideias-força da
linha argumentativa da jurisprudência constitucional que aqui se reproduz:
« (…) 1) O direito à reserva da intimidade da vida privada, entre outros
direitos pessoais, está previsto no artigo 26.º da CRP, sendo caracterizável
como o direito a uma esfera própria inviolável, onde ninguém deve poder penetrar
sem autorização do respectivo titular, ou, noutra formulação, como o direito que
toda a pessoa tem a que permaneçam desconhecidos determinados aspectos da sua
vida, assim como a controlar o conhecimento que terceiros tenham dela;
2) Este direito analisa‑se principalmente em dois direitos menores: o direito a
impedir o acesso de estranhos a informações sobre a vida privada e familiar e o
direito a que ninguém divulgue as informações que tenha sobre a vida privada e
familiar de outrem, nestas se incluindo obviamente os elementos respeitantes à
saúde;
3) No caso então em apreço, muito embora a efectivação dos testes ou exames
pressupusesse a aceitação do trabalhador, a verdade é que a respectiva
realização constituía, para o candidato, um ónus relativamente à obtenção do
emprego ou, para o trabalhador, um verdadeiro dever jurídico de que podia
depender a própria manutenção da relação laboral;
4) Mas o aludido direito não é absoluto em todos os casos e relativamente a
todos os domínios e mesmo a submissão juridicamente obrigatória a exames ou
testes clínicos – constituindo uma intromissão na vida privada, na medida em que
aqueles se destinam a recolher dados relativos à saúde, os quais integram
necessariamente dados relativos à vida privada – pode, em certos casos e
condições, ser tida como admissível, tendo em conta a necessidade de
harmonização do direito à intimidade da vida privada com outros direitos ou
interesses legítimos constitucionalmente reconhecidos (v. g., a protecção da
saúde pública ou a realização da justiça), desde que respeitado o princípio da
proporcionalidade;
5) No âmbito das relações laborais, tem-se por certo que o direito à protecção
da saúde, a todos reconhecido no artigo 64.º, n.º 1, da CRP, bem como o dever de
defender e promover a saúde, consignado no mesmo preceito constitucional, não
podem deixar de credenciar suficientemente a obrigação para o trabalhador de se
sujeitar, desde logo, aos exames médicos necessários e adequados para assegurar
– tendo em conta a natureza e o modo de prestação do trabalho e sempre dentro de
critérios de razoabilidade – que ele não representa um risco para terceiros:
por exemplo, para minimizar os riscos de acidentes de trabalho de que outros
trabalhadores ou o público possam vir a ser vítimas, em função de deficiente
prestação por motivo de doença no exercício de uma actividade perigosa; ou para
evitar situações de contágio para os restantes trabalhadores ou para terceiros,
propiciadas pelo exercício da actividade profissional do trabalhador;
6) Impõe-se é que a obrigatoriedade dessa sujeição se não revele, pela natureza
e finalidade do exame de saúde, como abusiva, discriminatória ou arbitrária;
7) No caso então em análise, o exame de saúde destinava‑se exclusivamente a
“verificar a aptidão física e psíquica do trabalhador para o exercício da sua
profissão, bem como a repercussão do trabalho e das suas condições na saúde do
trabalhador”;
8) Embora reconhecendo que o fim a que os exames clínicos estavam legalmente
adstritos podia, na prática e em determinados casos, ser obstáculo franqueável
na detecção de situações patogénicas que nada tenham a ver com a aptidão física
ou psíquica do trabalhador para o exercício actual da sua profissão, nem com os
efeitos das condições do trabalho na saúde do trabalhador, ponderou‑se que o
médico do trabalho estava vinculado, nos exames a que procedia ou mandava
proceder, ao aludido objectivo legal, o que implicava, necessariamente, que ele
se confinasse a um exame limitado e perfeitamente balizado por aquele objectivo,
devendo ater‑se ao estritamente necessário, adequado e proporcionado à
verificação de alterações na saúde do trabalhador causadas pelo exercício da sua
actividade profissional e à determinação da aptidão ou inaptidão física ou
psíquica do trabalhador para o exercício das funções correspondentes à
respectiva categoria profissional, bem como ao seu estado de saúde presente;
9) Devendo tais restrições respeitar, desde logo, o preceituado no artigo 18.º,
n.º 2, da CRP – isto é, que se encontrem expressamente previstas na Constituição
e que se limitem ao necessário para salvaguardar outros interesses
constitucionalmente protegidos –, recorrendo ao preceituado nas disposições
combinadas dos artigos 59.º, n.ºs 1, alínea c), e 2, alínea c), e 64.º, n.º 1,
da CRP, deverá admitir‑se que a obrigatoriedade de sujeição a exame médico
possa radicar na própria necessidade de verificar que a prestação de trabalho
decorra sem risco para o próprio trabalhador e para terceiros;
10) Mas, nesta perspectiva, o que inequivocamente se exige é que esse exame se
contenha no estritamente necessário, adequado e proporcionado à verificação de
alterações na saúde do trabalhador causadas pelo exercício da sua actividade
profissional e à determinação da aptidão ou inaptidão física ou psíquica do
trabalhador para o exercício das funções inerentes à correspondente categoria
profissional, para defesa da sua própria saúde, ou seja, é constitucionalmente
imposto que o exame de saúde obrigatório se adeque, com precisão, ao fim
prosseguido;
11) O mesmo vale para questionários e testes relativos a aspectos incluídos na
vida privada do trabalhador: a utilização destes meios – abrangendo os testes
sobre a saúde do trabalhador – deve ser limitada aos casos em que seja
necessária para protecção de interesses de segurança de terceiros (assim, por
exemplo, testes de estabilidade emocional de um piloto de avião) ou do próprio
trabalhador, ou de outro interesse público relevante, e apenas se se mostrarem
realmente adequados aos objectivos prosseguidos;
12) Nesta conformidade, considerando que os exames de saúde previstos no
Decreto‑Lei n.º 26/94 estavam exclusivamente direccionados ao fim de prevenção
dos riscos profissionais e à prevenção de saúde dos trabalhadores, entendeu o
Tribunal Constitucional não se poder concluir que se tivesse instituído uma
sistemática e global devassa da reserva da vida privada constitucionalmente
censurável, e, por isso, não julgou inconstitucionais as normas então
impugnadas.»
Ao contrário do que sucedeu no Acórdão n.º 368/02, no Acórdão n.º 306/03, o
Tribunal Constitucional considerou inconstitucional o pedido de informações por
parte do empregador relativas à saúde ou ao estado de gravidez, ainda que
“particulares exigências inerentes à natureza da actividade profissional o
justifiquem”, uma vez que se autorizava uma excessiva intromissão na esfera
privada do trabalhador ou do candidato ao emprego, dado não ser esse o meio
menos intrusivo para saber se o trabalhador está ou não apto para o emprego.
Na verdade, a reserva da intimidade da vida privada assume uma importante
dimensão no âmbito das relações jurídico-laborais, uma vez que a
disponibilização da força de trabalho a favor de outrem implica sempre algum
envolvimento, senão mesmo restrição, da personalidade do trabalhador no vínculo
contratual (este é um ponto pacífico na doutrina juslaboralista portuguesa –
ver, por exemplo, ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, O respeito pela esfera privada do
trabalhador, in ANTÓNIO MOREIRA, I Congresso Nacional de Direito do Trabalho,
Coimbra, 1998; LUÍS M. T. MENEZES LEITÃO, A protecção dos dados pessoais no
contrato de trabalho, in Centro de Estudos Judiciários, A Reforma do Código do
Trabalho, Coimbra, 2004, p. 124; JOSÉ JOÃO ABRANTES, O novo Código do Trabalho e
os direitos de personalidade do trabalhador, in Centro de Estudos Judiciários,
A Reforma do Código do Trabalho, Coimbra, 2004, p. 149; MARIA DO ROSÁRIO PALMA
RAMALHO, Direito do Trabalho – Parte II - Situações Laborais Individuais,
Coimbra, 2006, p. 363).
Assim sendo, a recolha de informações relativas à vida privada do trabalhador
deve obedecer a um procedimento justo de recolha dessas informações e à
observância estrita do princípio da proibição do excesso, na sua tripla vertente
da necessidade, adequação e proporcionalidade stricto sensu (neste sentido,
GOMES CANOTILHO / VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada –
Artigos 1º a 107º, Coimbra, 2007, p. 468).
O direito à reserva da intimidade da vida privada deve ser entendido, de modo a
nele incluir os aspectos ligados à esfera íntima, à esfera pessoal e ainda à
vida familiar do trabalhador, o que, naturalmente vai ter implicações na
execução do contrato de trabalho (neste sentido, MARIA DO ROSÁRIO PALMA RAMALHO,
Direito do Trabalho, cit, p. 364).
« (…) Este direito veda as ingerências do empregador em aspectos da vida privada
do trabalhador não directamente relevantes para a actividade laboral por ele
exercida (…). Este direito determina a proibição de certas formas de controlo da
actividade do trabalhador na empresa, que a evolução da tecnologia moderna veio
(…) facilitar, como o controlo à distância (…). Este direito torna, em
princípio, irrelevantes para o contrato de trabalho, como para a sua cessação as
condutas extra-laborais do trabalhador, a menos que possa ser estabelecida uma
conexão relevante objectiva entre aquelas condutas pessoais e o contrato de
trabalho.» (MARIA DO ROSÁRIO PALMA RAMALHO, Direito do Trabalho, cit, pgs. 364 e
365).
Voltando ao caso concreto em apreço: os dados dos modelos dos mapas de quadro de
pessoal dividem-se em duas categorias: por um lado, os que se relacionam com a
identificação do trabalhador (nome, número de Segurança Social e data de
nascimento) e, por outro lado, os que dizem respeito à relação jurídico-laboral
propriamente dita (todos os outros).
É certo que se trata de dados que dizem respeito à pessoa, mas à pessoa situada
no espaço laboral e que derivam, com excepção do nome e da data de nascimento,
do facto de existir a relação jurídico-laboral. Acresce ainda que todos os
dados mencionados se relacionam com aspectos relevantes da e para a relação
laboral e se encontram directamente relacionados com ela. Já assim não seria se
se publicitassem na empresa dados relativos, por exemplo, às convicções
políticas e religiosas do trabalhador, à sua orientação sexual, ou a certos
aspectos do seu estado de saúde, como seja a seropositividade.
Ao contrário destes últimos, que se devem inquestionavelmente enquadrar no
âmbito de protecção do direito à reserva da intimidade da vida privada – por se
incluirem na esfera íntima inviolável onde ninguém pode penetrar sem autorização
do respectivo titular – alguns dados dos modelos do quadro de pessoal estão fora
do âmbito de protecção da vida privada, por serem do conhecimento público,
podendo ser livremente divulgados, como é o caso do nome ou data de nascimento
que constam do bilhete de identidade e do registo civil de todos os cidadãos que
é, por natureza, público.
Quanto a outro tipo de dados, como, por exemplo, as remunerações, as
habilitações profissionais e as promoções é questionável a sua inclusão no
âmbito de protecção do direito à intimidade da vida privada. Mas ainda que assim
se não entendesse, a exigência da sua publicação não é constitucionalmente
censurável, visto que a sua divulgação visa a realização de um bem
constitucionalmente tutelado e que é a garantia da não discriminação do
trabalhador.
A) Da eventual violação do artigo 35º, nº 4, CRP (proibição de acesso a dados
pessoais de terceiros)
6. Aqui chegados importa analisar se, como entende o juiz a quo, a inclusão no
mapa do quadro de pessoal dos dados referidos na Portaria n° 785/2000 é
contrária ao artigo 35°, nº 4, da CRP.
O artigo 35º da CRP consagra a protecção dos cidadãos contra a recolha e o
tratamento abusivo de dados informatizados de natureza pessoal, encontrando-se
intimamente relacionado com vários outros direitos, liberdades e garantias, como
sejam, o desenvolvimento da personalidade, a dignidade da pessoa humana e a
intimidade da vida privada.
Como referem JORGE MIRANDA e RUI MEDEIROS, o direito consagrado no artigo 35º
“permite que o indivíduo negue informação pessoal ou que se oponha à sua recolha
e tratamento. Está em causa a reserva da intimidade da vida privada, a tutela do
direito de estar só, de não revelar factos relativos a uma esfera íntima da
vida, e que só a ela dizem respeito, independentemente dos factos ou elementos
em apreço levados à praça pública poderem ser em concreto muito bem valorados”.
(Constituição Portuguesa Anotada, Coimbra, 2005, tomo I, p. 380).
Como vimos, no caso em apreço, os dados em referência ou não relevam do direito
à reserva da intimidade da vida privada ou, na medida em que relevam, visam a
prossecução de um interesse constitucionalmente relevante que é o de garantir
aos trabalhadores a não discriminação no seio da empresa.”
Mantém-se este entendimento, que não é abalado por nenhum dos argumentos que a
recorrente aduziu quando suscitou a inconstitucionalidade perante o tribunal da
causa, pelo que se justifica decisão imediata de não provimento do recurso, ao
abrigo do n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC.
3. Decisão
Nestes termos, decide-se negar provimento ao recurso e condenar o Banco
recorrente nas custas, com 8 (oito) UC,s de taxa de justiça.”
2. O recorrente reclama desta decisão, ao abrigo do n.º 3 do artigo
78.º-A da LTC.
Alega que a questão não pode ser considerada simples, em síntese, pelo seguinte:
- A situação jurídica em questão nem se apresenta simples, uma vez que (i) é o
próprio Tribunal Constitucional a admitir, ainda na pronúncia de um juízo de não
inconstitucionalidade, o teor questionável da norma em questão, em função da
protecção dos valores que enformam a tutela do direito à intimidade da vida
privada – sendo certo que não são apenas estes os interesses em questão quando
se invoca a Constituição da República Portuguesa o mesmo domínio – como (ii) não
existe jurisprudência uniforme neste domínio. Pelo contrário, existe já a
pronúncia de órgão de soberania, que, a exemplo do Tribunal Constitucional,
administra justiça em nome do povo, no sentido da inconstitucionalidade do
disposto no n.º 1 do art. 456.º da Lei n.º 35/2004.
- O primeiro fundamento para a desconformidade constitucional da norma do n.º 1
do art. 456.º da Lei nº 35/2004 prende-se inequivocamente com violação do
direito à reserva da intimidade da vida privada e familiar de cada trabalhador,
tal como consagrado no artigo 26.º, n.º 1, da Constituição da República
Portuguesa, repousando o segundo fundamento na violação de regras
constitucionais atinentes à protecção de dados pessoais consoante o disposto no
artigo 35.º, n.º 4 da Lei Fundamental.
- O Tribunal Constitucional reconheceu (acórdão n.º 442/07) que o
direito à reserva da vida privada e familiar compreende o direito de subtrair ao
conhecimento público factos e comportamentos reveladores do modo de ser do
sujeito na condução da sua vida privada, o que também no presente recurso se
discute. E existe doutrina que reconhece que as normas em questão violam a
protecção constitucional da reserva da vida privada e familiar e dos dados
pessoais.
O Ministério Público respondeu que a argumentação do reclamante “em
nada abala os fundamentos da decisão reclamada e da corrente jurisprudencial que
lhe subjaz – nada trazendo de inovatório, relativamente ao já decidido sobre a
matéria por este Tribunal Constitucional”.
3. Convém começar por esclarecer o que parece ser um equívoco de
leitura do acórdão n.º 555/2007 por parte do recorrente. O que o Tribunal
afirmou ser questionável foi que alguns dos dados incluídos nos mapas do quadro
de pessoal fossem susceptíveis de pertencer ao domínio de ponderação da reserva
da intimidade da vida privada, não que fosse duvidosa ou problemática a solução
de não considerar esse direito violado pela inclusão de tais dados nos referidos
mapas. A dúvida é, portanto, de sentido inverso ao que conviria à argumentação
do recorrente. Recai sobre a possibilidade de certos dados serem, pela inclusão
nos mapas do pessoal “candidatos positivos” à violação dos direitos fundamentais
em causa, não sobre a improcedência da questão de constitucionalidade.
4. O n.º 1 do artigo 78.º da LTC não exige que haja jurisprudência reiterada
para que os recursos de fiscalização concreta de constitucionalidade possam ser
decididos por decisão liminar do relator. Transpondo o que se disse no acórdão
n.º 530/07, o critério decisório fixado pelo n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC é bem
menos exigente do que o pretendido pelo reclamante. Por força desta disposição,
pode ser proferida decisão sumária se o Relator entender que “a questão a
decidir é simples, designadamente por a mesma já ter sido objecto de decisão
anterior do Tribunal ou por ser manifestamente infundada”. Resulta evidente que
o legislador apenas exige que tenha havido decisão anterior – e nem sequer
decisões anteriores, note-se – que tenha apreciado o objecto daquele recurso.
Isto significa que, sempre que haja paralelismo de situações, o relator nem
sequer carece de verificar se há unanimidade de decisões, bastando-se o
legislador com a existência de uma decisão anterior sobre o objecto daquele
recurso. Sendo previsível que na formação que há-de intervir no julgamento do
recurso, face a recente jurisprudência, prevalecerá o sentido da decisão e a
fundamentação que o relator perfilha, não se justifica que o recurso prossiga. O
mecanismo da reclamação e, se for o caso, a intervenção do Plenário por oposição
de julgados, assegurarão o resto.
Ora, não trazendo o recorrente argumentação que, no essencial, não tenha sido
ponderada pelo acórdão n.º 555/2007, tendo este sido proferido, por unanimidade,
nesta mesma Secção e com a sua actual composição, e não existindo jurisprudência
divergente no Tribunal Constitucional, não se vislumbram razões que justifiquem
que o recurso prossiga para alegações. Confirma-se, pois, a decisão de
improcedência do recurso pelas razões a que a decisão reclamada aderiu.
5. Decisão
Pelo exposto, confirma-se a decisão reclamada e indefere-se a
reclamação.
Custas pelo recorrente, com 20 (vinte) UC.s de taxa de justiça.
Lisboa, 8 de Janeiro de 2008
Vítor Gomes
Ana Maria Guerra Martins
Gil Galvão