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Processo n.º 728/07
2ª Secção
Relator: Conselheiro Joaquim de Sousa Ribeiro
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal Judicial da Comarca de Felgueiras, em
que é recorrente o Ministério Público e recorridos, A. e B., foi interposto
recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade, ao abrigo da alínea a)
do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), da sentença
daquele Tribunal, de 06.03.2007, na parte em que recusou a aplicação das normas
constantes do Decreto-Lei n.º 63/85, de 14 de Março, com fundamento em
inconstitucionalidade orgânica.
2. Resulta dos autos que o Ministério Público deduziu acusação contra A. e B.,
imputando-lhes a prática, em co- autoria material, de um crime de usurpação de
obra artística previsto e punido pelos artigos 195.° e 197.° do Decreto-Lei n.º
63/85, de 14 de Março, que aprovou o Código do Direito de Autor e dos Direitos
Conexos, com as alterações posteriores, e de um crime de aproveitamento de obra
contrafeita ou usurpada previsto no artigo 199.° do mesmo diploma.
Realizado o julgamento e produzida a prova, foi proferida sentença que recusou a
aplicação do Decreto-Lei n.° 63/85, com fundamento em inconstitucionalidade
orgânica, e apreciou a conduta das arguidas à luz do diploma anterior, por essa
via repristinando o Decreto-Lei n.° 46 980, de 27 de Abril de 1966,
absolvendo-as.
3. Nesta sentença, de que vem interposto o presente recurso, pode ler-se o
seguinte, na parte que aqui releva:
«1.[…] Por requerimento de fls. 102 veio a arguida A., arguida nos presentes
autos, invocar a inconstitucionalidade orgânica do Decreto Lei n.° 63/85, de 14
de Março.
Para tanto alegou, em síntese, que a aprovação desse diploma pelo Conselho de
Ministros ocorreu um dia após a cessação da vigência da lei de autorização
legislativa.
Cumpre apreciar e decidir:
A argumentação de inconstitucionalidade, trazida à colação, refere-se à
publicação do referido DL 63/85, de 14 de Março, para além do prazo fixado em
Lei de autorização legislativa.
Tendo em conta o tipo de diploma legal − Decreto-Lei − verifica-se que a sua
proveniência orgânica é o Governo.
Nos termos do art. 168.°, n.° 1 d) da CRP vigente - Reserva relativa de
competência legislativa - 1 - É da exclusiva competência da Assembleia da
República legislar sobre as seguintes matérias, salvo autorização ao Governo:
(…) d) Regime Geral de punição das infracções disciplinares, bem como dos actos
ilícitos de mera ordenação social e do respectivo processo; (…) 2- As leis de
autorização legislativa devem definir o objecto, o sentido, a extensão e a
duração da autorização, a qual pode ser prorrogada. 3- As autorizações
legislativas não podem ser utilizadas mais de uma vez, sem prejuízo da sua
execução parcelada. 4- As autorizações caducam com a demissão do Governo a que
tiverem sido concedidas, com o termo da legislatura ou com a dissolução da
Assembleia da República. 5- As autorizações concedidas ao Governo na lei do
Orçamento observam o disposto no presente artigo e, quando incidam sobre matéria
fiscal, só caducam no termo do ano económico a que respeitam.”
Tal significa que o Governo, para poder legislar sobre tais matérias, porque da
reserva relativa da AR, tem que se ver munido da respectiva autorização
legislativa e observar a mesma nos seus estritos preceitos e limitações, tais
quais aquelas que genericamente o próprio corpo do art. da CRP fixa.
Com inobservância dessas regras cai-se no âmbito da inconstitucionalidade
orgânica.
No caso o diploma em causa é o DL 63/85, de 14 de Março, o qual surgiu por via
da LAL 25/84, de 13 de Julho.
Esta, no seu art. 3.°, refere: “A autorização legislativa concedida pela
presente lei tem a duração de 180 dias.”
A LAL em causa foi publicada em 13-07-1984.
Assim, sendo a publicação de 13-07-1984, a entrada em vigor da LAL é de
14-07-1984.
Concedido o período de 180 dias, o mesmo terminou em 09-01- 85.
O DL 63/85 foi aprovado em Conselho de Ministros em 10 de Janeiro de 1985, e
publicado em 14 de Março de 1985.
Com a aprovação em Conselho de Ministros do DL 63/85, ou seja, para além do
prazo de duração da LAL, praticou-se uma inconstitucionalidade orgânica, dado
que esse mesmo DL foi aprovado em Conselho de Ministros em data posterior ao
terminus do prazo concedido na respectiva LAL.
É este o raciocínio que se tem que fazer e que conduzirá à procedência da
questão suscitada.
[…]
Em termos jurisprudenciais, a posição que tem prevalecido é aquela que dá relevo
à aprovação do DL em sede de CM, antes do terminus do prazo fixado na LAL.
Quer o TC, quer as Relações têm sufragado tal entendimento.
[…]
Face ao expendido, sustentado na opinião doutrinal e jurisprudencial supra
referida, entendemos que o DL 63/85, de 14 de Março padece de um vício de
inconstitucionalidade orgânica.
Termos em que procede a questão prévia suscitada pela arguida A..
******
A instância mantém-se válida e regular, nada obstando ao conhecimento do mérito
da causa.
*
2. - Fundamentação.
2.1. - Factos provados com relevância para a decisão da causa:
1.- Em 28 de Outubro de 2005, pelas 15h40m, as arguidas eram sócias-gerentes do
estabelecimento comercial de restauração e bebidas denominado ‘C.”, sito na
Avenida da …, Lixa, Felgueiras.
2.- Nessa data e hora, dentro do estabelecimento “C.” estava a ser difundida,
através de um leitor de Cd´s, a música titulada “Just The Way You Are”, do álbum
“Live in Paris” de Diana Krall.
3.- Junto dessa aparelhagem de som encontravam-se quatro Cd’s, um deles da marca
“TDK- R80”, sem qualquer inscrição, um Cd “TDK—R74”, sem qualquer inscrição, um
Cd marca “Mmore”, com a inscrição “Nova Era DJ6 Cdi”, e um Cd marca “Memorex”,
com a inscrição “Hip Hop”.
4- Nestes Cd´s encontrava-se as músicas, “In The Flesh” e “Goodbye Cruel World”,
gravadas dos respectivos originais.
5.- Em 28 de Outubro de 2005, as arguidas tinham autorização da Sociedade
Portuguesa de Autores para difundir a música titulada “Just The Way You Are”, do
álbum “Live in Paris” de Diana Krall, no seu estabelecimento comercial.
2.- As arguidas não têm antecedentes criminais.
2.2.- Factos não provados com relevância para a decisão da causa:
- Em 28 de Outubro de 2005, as arguidas difundiram no estabelecimento comercial
denominado “C.” as músicas gravadas nos quatro Cd’s, um deles da marca
“TDk—R80”, sem qualquer inscrição, um Cd “TDK—R74”, sem qualquer inscrição, um
Cd marca “Mmore”, com a inscrição “Nova Era DJ6 Cdi”, e um Cd marca “Memorex”,
com a inscrição “Hip Hop”.
- As arguidas agiram de forma livre, deliberada e conscientemente, com intenção
com o propósito de difundirem música em público, bem sabendo que não tinham
autorização dos seus autores ou representantes.
- As arguidas tinham perfeito conhecimento da falta de requisitos dos quatro
Cd’s para poderem ser difundidos perante o público e de que a sua origem era
ilegal, procurando, assim, tirar proveitos dessa situação.
- As arguidas sabiam que a sua conduta era proibida e punida por lei.
2.3.- Motivação do tribunal
O Tribunal formou a sua convicção no conjunto da prova produzida na audiência de
julgamento, apreciada à luz das regras de experiência comum e de normalidade,
designadamente, na conjugação das declarações da arguida B. com os depoimentos
das testemunhas C. e D. e o teor do documento da SPA de fls. 112.
O documento de fls. 112 foi determinante para o Tribunal apurar que as arguidas
tinham autorização para difundirem música no seu estabelecimento por parte da
SPA, nomeadamente, o Cd da cantora “Diana Krall”.
Por sua vez, no que diz respeito à difusão dos 4 Cd´s gravados e apreendidos
junto do leitor de Cd´s do bar em causa, o tribunal, em face da prova produzida
ficou com sérias dúvidas de que as arguidas difundiram a musica gravada nesses
Cd´s, pelo que respondeu negativamente a essa matéria.
Com efeito, relativamente a este aspecto em concreto, a prova produzida
resume-se às declarações da arguida B., a qual referiu, de um modo claro e
objectivo, que esses Cd´s pertencem a um cliente que lhe tinha pedido para os
difundir, o que foi negado por ela.
Assim, em face deste quadro probatório e por força do Principio Constitucional
in dubio pro reo, o Tribunal entendeu dar como não provado que esses Cd´s foram
difundidos no estabelecimento explorado pelas arguidas.
3. - Enquadramento jurídico-penal.
3.1. - Apurados e assentes que estão os factos cumpre agora fazer o seu
enquadramento jurídico - penal.
No presente caso, as arguidas vêm acusados da prática de um crime de usurpação,
previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 195.°, n.° 1, l49.° e
184.°, todos dos Código do Direito de Autor e Direitos Conexos, aprovado pelo
Dec. Lei n.º 63/85, de 14/03, com as alterações introduzidas pelas Leis n.°s
45/85, de 17/09 e 114/91, de 03/09, e pelos Dec.-Leis n.°s 332/97, de 27/11 e
334/97, de 27/11.
E também de um crime de aproveitamento de obra contrafeita, p. e p. pelo artigo
199.°, do Código de Direitos de Autor.
Conforme resulta do despacho supra, o Tribunal entendeu que o Código do Direito
de Autor e Direitos Conexos, aprovado pelo Dec. Lei n.° 63/85, de 14/03, é
inconstitucional, por isso não pode apreciar a conduta das arguidas à luz desse
diploma legal, mas sim do decreto Lei que foi substituído por esse diploma, ou
seja, o Dec. Lei n.° 46980, de 17 de Abril de 1966.
E à luz dessa legislação, que também tutela a obra intelectual (literária,
científica ou artística) entendemos que a conduta das arguida não merece
qualquer censurabilidade.
Vejamos porquê:
Nos termos do disposto nos artigos 137.°, l38.°, 140.°, l90.°, l92.°, e 197.°,
n.° 1, do Dec. Lei 46980, de 27 de Abril de 1966, a usurpação de direitos de
autor é crime (público), cabendo aos respectivos autores a pena de prisão até um
ano e multa correspondente, elevada ao dobro em caso de reincidência, se o facto
objecto da infracção não constituir crime punido com pena mais grave pelo Código
Penal ou por qualquer outra lei.
Com efeito, estabelece o artigo 137.°, n.° 3, do Dec. Lei 46980, de 27 de Abril
de 1966, que a transmissão em público de obra gravada ou registada carece de
autorização do autor os dos seus sucessores.
Por sua vez, determina o artigo 190.°, do mencionado diploma, que todo aquele
que, sem a devida autorização do respectivo autor, utilizar ou explorar por
qualquer das formas previstas nesta lei uma obra alheia incorre nas penas nela
cominadas, sendo além disso responsável civilmente pelos prejuízos a que der
causa.
Por último, prescreve, o artigo l97.°, n.° 1, do referido diploma legal, que a
usurpação referida nos artigo anterior é crime público, cabendo aos respectivos
autores a pena de prisão até um ano e multa correspondente, elevada ao dobro em
caso de reincidência, se o facto objecto da infracção não constituir crime
punido com pena mais grave pelo Código Penal ou por qualquer outra lei.
São elementos, assim, constitutivos do tipo:
- a utilização de uma obra: sendo suficiente a mera actividade, e não a
verificação de qualquer resultado (trata-se de um crime formal) a inexistência
de autorização para esse efeito.
- em local público.
Ora, no caso sub iudice, constata-se que a Sociedade Portuguesa de Autores
detinha o direito de autorizar a difusão do Cd da “Diana Krall”, competindo-lhe,
por conseguinte, conceder a indispensável autorização a quem pretendesse
proceder à difusão sonora pública do mesmo.
Por outro lado, também resulta da matéria de facto assente que a SPA deu essa
autorização às arguidas.
Nestes termos, impõe-se a absolvição das arguidas pela prática do crime de
usurpação, p. e p. pelos artigos 137.°, 138.°, 140.°, 190.°, e 197.°, n.° 1, do
Dec. Lei 46980, de 27 de Abril de 1966.
Por razões diferentes, uma vez que a legislação supra referida não censura a
difusão e o aproveitamento de obra contrafeita ou usurpada, não podem as
arguidas ser penalizadas por esse eventual aproveitamento, que no caso, até nem
existiu.
5. - Decisão
Assim, em face do exposto, decide-se:
5.1.- Julgar inconstitucional o Dec. Lei n.° 63/85, de 14/03.
5.2.- Absolver a arguida A. da prática de um crime de usurpação, p. e p. pelos
artigos 137.°, 138.°, 140.°, 190.°, 192.°, e 197.°, n.° 1, do Dec. Lei 46980, de
27 de Abril de 1966.
5.3.- Absolver a arguida B. da prática de um crime de usurpação, p. e p. pelos
artigos 137.°, 138.°, 140.°, 190.°, 192.°, e 197.°, n.° 1, do Dec. Lei 46980, de
27 de Abril de 1966.»
4. O Ministério Público alegou, concluindo da forma seguinte:
«1º
Não foi aplicada pela decisão recorrida qualquer norma da versão originária do
Decreto-Lei n.° 63/85, de 14 de Março, que carecesse de prévia autorização
parlamentar validamente expressa, por se reportar a matérias relativas a
definição de crimes e de penas.
2°
A desaplicação operada reporta-se a normas que foram introduzidas por actos
legislativos da própria Assembleia da República — casos dos artigos 195.°, 197.°
e 199.° - ou não o tendo sido, não dizem respeito a matérias que implicassem
prévia credencial parlamentar.
3°
Termos em que deverá proceder o presente recurso, não se confirmando o juízo de
inconstitucionalidade orgânica da decisão recorrida.»
As recorridas não apresentaram contra-alegações.
Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
II − Fundamentação
A) Delimitação do objecto do recurso
5. Previamente ao conhecimento do objecto do recurso, impõe-se clarificar dois
aspectos atinentes ao mesmo.
Em primeiro lugar, verifica-se que, nos presentes autos, vem questionada a
inconstitucionalidade orgânica da globalidade do Decreto-Lei n.º 63/85, de 14 de
Março, diploma que aprovou o Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos,
posteriormente alterado pela Lei n.º 45/85, de 17 de Setembro, pela Lei n.º
114/91, de 3 de Setembro, pelo Decreto-Lei n.º 332/97, de 27 de Novembro, pelo
Decreto-Lei n.º 334/97, de 27 de Novembro, pela Lei n.º 50/2004, de 24 de
Agosto, e pela Lei n.º 24/2006, de 30 de Junho.
Na verdade, como salienta o Ministério Público, na sentença recorrida afirma-se,
genericamente, a inconstitucionalidade do referido Decreto-Lei n.º 63/85, sem
qualquer referência específica às normas desaplicadas com fundamento na dita
inconstitucionalidade.
No entanto, da leitura da decisão recorrida resulta que o Tribunal a quo apenas
recusou a aplicação das normas do Código do Direito de Autor que prevêem os
crimes de que vêm acusadas as arguidas, pois estas eram as únicas normas do
Código que, no contexto da decisão, o Tribunal teria aplicado, caso não tivesse
formulado o juízo de inconstitucionalidade orgânica. Ou seja, a sentença
desaplicou os artigos 195.º e 197.º do Código do Direito de Autor, que prevêem e
punem o crime de usurpação e o artigo 199.º do mesmo Código, que prevê e pune o
crime de aproveitamento de obra contrafeita ou usurpada.
Embora a sentença mencione também (no respectivo ponto 3.1.) os artigos 149.º e
184.º do mesmo Código, o certo é que se trata de uma mera alusão a preceitos
que, de qualquer forma, não versam sobre matéria criminal, pelo que lhes seria
inaplicável o juízo de inconstitucionalidade em que se apoiou a decisão
recorrida.
Impõe-se, assim, delimitar o objecto do presente recurso de constitucionalidade
às normas efectivamente desaplicadas pela decisão recorrida com fundamento em
inconstitucionalidade orgânica, i.e., às normas dos artigos 195.º, 197.º e 199.º
do Código do Direito de Autor, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 63/85, com as
alterações posteriores.
Poderá questionar-se se o objecto do recurso deve abranger a última das normas
citadas, dado que o tribunal a quo entendeu, em face da matéria de facto
considerada provada, não ter existido aproveitamento de obra contrafeita ou
usurpada. Nesse entendimento, a inaplicabilidade da norma ao caso manter-se-á,
mesmo perante uma eventual decisão de não inconstitucionalidade, por não estar
verificada a respectiva previsão. O provimento do recurso não alterará, assim,
neste ponto, o sentido da decisão recorrida, por força desse fundamento
alternativo.
Mesmo assim, o presente recurso de constitucionalidade não se apresenta
certificadamente inútil, nessa parte, pois, em face dos poderes de cognição das
relações (artigo 428.º do Código de Processo Penal), fica sempre em aberto a
possibilidade de um juízo noutro sentido, em sede de recurso, quanto à matéria
de facto a valorar à luz do quadro legal aplicável.
A utilidade processual da decisão da questão de constitucionalidade, num caso
análogo ao dos autos, foi defendida no acórdão n.º 256/2004
(www.tribunalconstitucional.pt). Não se ignorando a posição contrária assumida
no acórdão n.º 113/2006, é também essa a posição que aqui se perfilha.
Pelo que cumpre conhecer do objecto do recurso, tal como acima ficou delimitado.
B) Apreciação da constitucionalidade orgânica dos artigos 195.º, 197.º e 199.º
do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos
A decisão recorrida julgou inconstitucional o “Decreto-Lei n.º 63/85, de 14 de
Março”, tendo considerado que este diploma versava matéria da reserva relativa
da Assembleia da República e que, tendo sido emitido ao abrigo de autorização
legislativa conferida pela Lei n.º 25/84, de 13 de Julho, fora aprovado um dia
após o prazo daquela autorização. Isto porque a aprovação do diploma em Conselho
de Ministros (momento relevante para aferir da tempestividade) ocorreu em 10 de
Janeiro de 1985 e o prazo de 180 dias, concedido na autorização legislativa,
terminara em 9 de Janeiro desse ano.
Como vimos, as normas cuja aplicação foi efectivamente recusada, em consequência
deste juízo de inconstitucionalidade orgânica, foram os artigos 195.º, 197.º e
199.º do Código do Direito de Autor, nos quais se prevê e pune os crimes de que
vinham acusadas as arguidas.
É inequívoco que tais normas, que definem crimes e fixam penas, se inserem na
reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, de
acordo com o disposto no artigo 165.º, n.º 1, alínea c), da Constituição.
Mas como bem salienta o Ministério Público nas suas alegações, nenhuma daquelas
normas advém da versão originária do Código do Direito de Autor e dos Direitos
Conexos, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 63/85, ao abrigo da citada lei de
autorização legislativa.
De facto, na versão originária do Código, constante do Decreto-Lei n.º 63/85, o
crime de usurpação estava previsto no artigo 203.º e o de aproveitamento no
artigo 204.º Poucos meses depois da sua entrada em vigor, este diploma foi
profundamente alterado pela Lei n.º 45/85, de 17 de Setembro, e depois pela Lei
n.º 114/91, de 3 de Setembro, nos seguintes termos, no que ao caso importa:
i) O artigo 82.º da Lei n.º 45/85 substituiu o artigo 203.º, dando-lhe uma nova
redacção e nova numeração, passando a constituir o artigo 195.º;
ii) O artigo 83.º da Lei n.º 45/85 aditou um novo artigo 197.º;
iii) O artigo 84.º da Lei n.º 45/85 substituiu o artigo 204.º, dando-lhe uma
nova redacção e nova numeração, passando a constituir o artigo 199.º
iv) Por último, a redacção do artigo 197.º foi alterada pela Lei n.º 114/91.
Estando em causa factos ocorridos em Outubro de 2005, como resulta da matéria de
facto dada como provada na decisão recorrida, é evidente que a versão do Código
do Direito de Autor e dos Direitos Conexos que foi aplicada é a resultante das
alterações operadas pelas citadas Leis n.ºs 45/85 e 114/91. É desta primeira lei
que, além do mais, emerge a numeração dos preceitos citados na decisão
recorrida.
Assim sendo, é manifesto que as normas dos artigos 195.º, 197.º e 199.º do
Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos, sendo resultado das
alterações ao mesmo operadas pela Lei n.º 45/85 (e, quanto ao artigo 197.º,
também pela Lei n.º 114/91), são insusceptíveis de padecer do vício de
inconstitucionalidade orgânica, por ultrapassagem do prazo da autorização
legislativa concedida pela Lei n.º 25/84, que a decisão recorrida imputa ao
Decreto-Lei n.º 63/85, de 14 de Março.
III − Decisão
Pelo exposto, decide-se:
a) Não julgar organicamente inconstitucionais os
artigos 195.º, 197.º e 199.º do Código do Direito de Autor e dos Direitos
Conexos, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 63/85, de 14 de Março, com as alterações
introduzidas pelas Leis n.º 45/85, de 17 de Setembro, e n.º 114/91, de 3 de
Setembro;
b) Conceder provimento ao recurso, ordenando-se a
reforma da sentença recorrida em conformidade com o presente juízo de
constitucionalidade.
Lisboa, 23 de Janeiro de 2008
Joaquim de Sousa Ribeiro
Mário José de Araújo Torres
Benjamim Rodrigues
João Cura Mariano
Rui Manuel Moura Ramos