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Processo n.º 97/08
3ª Secção
Relatora: Conselheira Ana Guerra Martins
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I – RELATÓRIO
1. Nos presentes autos, o Ministério Público reclama (fls. 29 a 34), ao abrigo
do n.º 1 do artigo 77º da LTC, do despacho da Ex.ma Senhora Juíza do Tribunal de
Pequena Instância Criminal do Porto que rejeitou recurso de
inconstitucionalidade para o Tribunal Constitucional (fls. 22 e 23), interposto
ao abrigo do artigo 280º, n.º 1, alínea a), n.º 2 alínea a), n.º 3, da CRP, e
dos artigos 70º, n.º 1, alínea a) e c) e 72º, n.º 3, ambos da LTC, com
fundamento na ausência de desaplicação, explícita ou implícita, da norma
constante do n.º 2 do artigo 289º do Código de Processo Penal [de ora em diante,
apenas CPP], com fundamento em inconstitucionalidade ou em ilegalidade.
2. Através da sua reclamação, o Ministério Público junto do tribunal “a quo”
aduziu os seguintes fundamentos a favor da revisão daquela decisão de não
admissão do recurso:
“Alega o/a Mmo/a Juiz a quo no douto despacho ora reclamado, por referência ao
anteriormente citado art°. 70°, da Lei 28/82, de 15 de Novembro, além do mais
que infra se analisará “Ora da análise dos preceitos em causa, não se vislumbra
que a decisão em causa nos autos, admita recurso para o tribunal Constitucional,
atendendo a que não se subsume a qualquer das alíneas supra referidas.” (sic).
Salvo o devido respeito, conforme aliás expressamente consta do requerimento de
interposição de recurso ora indeferido, a situação sub judice subsume-se à
previsão das al.s a) e/ou c), do citado art°. 70°, se bem que nas respectivas
actuais redacções e não nas citadas pelo/a Mmo/a Juiz a quo, sendo a redacção
actual daquela al. c) “Que recusem a aplicação de norma constante de acto
legislativo com fundamento na sua ilegalidade por violação de lei com valor
reforçado;”.
Com efeito, da leitura integral do douto despacho judicial recorrido e da
respectiva integração na antecedente tramitação processual que conduziu à
prolacção do mesmo, parece-nos inegável que consubstancia este, de facto, a
recusa de aplicação da norma constante do n°. 2, do art°. 389°, do CPP, -
constante de acto legislativo (L. 48/2007, de 29 de Agosto – 15ª. Alteração ao
Código de Processo Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n°. 78/87, de 17 de
Fevereiro) -, por inconstitucionalidade e/ou ilegalidade.
De facto, tendo o MP, nos termos do douto despacho exarado a fls. 8, verificados
que se mostravam os pressupostos dos art°.s 381°, nº. 1, al. a), e 387°, n°. 1,
do CPP, determinado, nos termos do disposto na 2ª. parte, do n°. 2, do art°.
382°, do CPP, a apresentação do “…/... expediente, ao M°. Juiz de Turno para os
efeitos do art°. 387, n° 2, alínea a) do código de Processo Penal, ...
/...”(sic) e tendo este - Mmo/a Juiz de turno -, com os fundamentos de facto e
de direito que constam do douto despacho judicial de fls. 9 determinado “.../...
que o arguido seja notificado para comparecer no próximo dia 29/10/2007, pelas
10 horas, no Tribunal competente afim de aí ser julgado em processo sumário,
art. 387 n° 2, alínea a) do C.P.P.” (sic) e tendo ainda o MP, entretanto e
atento o despacho judicial de fls. 12 - “Atento a promoção e o despacho
meramente formal de adiamento proferido no TIC, (art° 387°, n°2, alínea a) do
C.P.P.) vão os autos ao M.P. para os fins tidos por convenientes,
respectivamente apresentação da acusação.” (sic) -, nos termos consignados a
fls. 13, reservado para o início da audiência de discussão e julgamento, o
eventual uso da faculdade prevista no n°. 2, do art°. 389°, do CPP, a decisão
judicial entretanto recorrida, ao decidir “.../... , determino a remessa dos
presentes autos ao Ministério Público para tramitação sob outra forma
processual.” (sic), não só nega a aplicação daquela disposição legal,
expressamente invocada pelo MP, (ou antes, a possibilidade do exercício, pelo
MP, da faculdade p. na mesma), como fundamenta tal posição, alegando, além do
mais que, “É certo que no auto de notícia constam alguns factos.
Todavia, tais factos, por si só não constituem qualquer crime,
… /… - o dolo - constitui elemento típico dos ilícitos criminais, .../… . O
mesmo sucede quanto à negligência, ... / … .
Tal elemento subjectivo deverá constar da acusação e/ou do auto de notícia -
.../… .
Do expediente ora em análise não consta qualquer um desses elementos (dolo ou
negligência).
De tal expediente também não se retira a indicação das disposições legais
aplicáveis a chamada qualificação jurídica dos factos, …/… .” (sic), concluindo
com a alegação de que “Está em causa a natureza acusatória do processo penal,
além das garantias de defesa do arguido e o princípio da vinculação temática do
tribunal” (sic).
Ora, não sendo obviamente de exigir fórmulas sacramentais para afirmar
princípios, parece-nos que outra coisa não fez o/a Mmo/a Juiz a quo que não
tenha sido recusar a aplicação, in casu, da norma legal expressamente invocada
pelo MP, (n°. 2, do art°. 389°, do CPP), por entender que tal aplicação,
faltando no auto de notícia, “o elemento subjectivo” e “a chamada qualificação
jurídica dos factos”, seria inconstitucional, por violação dos, aliás
expressamente citados e assim invocados, princípios constitucionais da
estrutura/natureza acusatória do processo penal e das garantias de defesa do
arguido - art°. 32°, n°.s 1 e 5, da CRP - e/ou ilegal, por violação do,
igualmente expressamente citado e invocado, princípio da vinculação temática do
tribunal - art°.s 358°, 359° e 379°, n°. 1, al. b), do CPP.
Mais alega o/a Mmo/a Juiz a quo no douto despacho ora reclamado, “Requisito de
admissibilidade do recurso, nos termos do art° 70º ali a), é a da existência da
recusa de aplicação de uma norma com fundamento na sua inconstitucionalidade.
Ora, isso não acontece, nem explicita nem implicitamente no despacho em causa
nos autos, .../... .”
De facto, nos termos da citada al.a), do n°. 1, do art°. 70°, da Lei 28/82, de
15 de Novembro, ao abrigo da qual, também, mas não só, foi interposto o recurso
ora indeferido, o requisito de admissibilidade do recurso é efectivamente a
existência de recusa de aplicação de qualquer norma, com fundamento em
inconstitucionalidade.
Contudo, nos termos da al. c), do n°. 1, do mesmo preceito legal, ao abrigo da
qual foi ainda, interposto o recurso em causa, o requisito de admissibilidade do
recurso é a existência de recusa de aplicação de norma constante de acto
legislativo com fundamento na sua ilegalidade por violação de lei com valor
reforçado.
Ora, a expressa invocação, no despacho recorrido, dos supra referenciados
princípios constitucionais da estrutura/natureza acusatória do processo penal e
das garantias de defesa do arguido e do princípio legal da vinculação temática
do tribunal, resulta inequívoca e inegavelmente do respectivo texto, supra
transcrito, mormente do supra citado segmento da respectiva parte final -“Está
em causa a natureza acusatória do processo penal, além das garantias de defesa
do arguido e o princípio da vinculação temática do tribunal.” (sic, com
sublinhado nosso).
Face ao exposto, não pode naturalmente concordar-se com a, além de
infundamentada, estranha conclusão, constante do despacho em reclamação, no
sentido de que, no mesmo “não acontece, nem explicita nem implicitamente.../
/...” (sic) a recusa de aplicação de uma norma com fundamento na sua
inconstitucionalidade, pois que, manifestamente tal acontece, relativamente à
norma constante do nº. 2, do art°. 389°, do CPP, com fundamento, aliás
explícito, e portanto, claro e inegável, na respectiva inconstitucionalidade
e/ou, na respectiva ilegalidade, por violação dos princípios citados, o que,
sendo certo que a norma em referência consta de acto legislativo, também pode
fundamentar a admissibilidade do recurso, ora indeferido.
Assim sendo, parece-nos forçoso concluir que a decisão em referência não só
admite recurso, para o Tribunal Constitucional, nos termos das supra citadas
al.s a) e/ou c), do n°. 1, do art°. 70°, da Lei 28/82, de 15 de Novembro, como é
o mesmo, aliás, para o MP, atento o prescrito no n°. 3, do art°. 72°, da citada
Lei, até obrigatório, por a norma cuja aplicação se mostra recusada, constar de
acto legislativo (L. 48/2007, de 29 de Agosto, conforme supra já referido).
Concluindo, o que o/a Mmo/a Juiz fez, no/a douto/a despacho/decisão recorrido/a,
ao decidir “.../..., determino a remessa dos presentes autos ao Ministério
Público para tramitação sob outra forma processual.” (sic), não realizando o
requerido pelo MP, nos termos legais e aliás, anteriormente, judicialmente
determinado, - tendo sido o/a arguido/a e o/a/s agente/s autuante/s de tal
despacho notificado/a/s (cfr. fls. 10) - julgamento do/a arguido/a, em processo
sumário e nem sequer iniciando a audiência, cujo início, note-se, havia sido,
oportuna e anteriormente, judicialmente adiado, nos termos do disposto na al.a),
do n°. 2, do art°. 387°, do CPP, - sem cuidar aqui sequer da questão da eventual
violação do princípio do caso julgado formal, na medida em que se pronunciou o/a
Mmo/a juiz a quo, sobre questão já ultrapassada/processualmente precludida e
relativamente à qual se encontrava esgotado; o poder jurisdicional com a
prolacção do anterior despacho judicial, supra citado, que procedeu ao adiamento
do início da audiência de julgamento em processo sumário - foi manifestamente
recusar a aplicação da norma constante do n°. 2, do art°. 389°, do CPP, com
fundamento em inconstitucionalidade e/ou na sua ilegalidade, por permitir a
realização do julgamento em processo sumário, nos casos em que o MP, não tendo
deduzido acusação, reserva para o início da audiência, a faculdade de substituir
a apresentação da acusação pela leitura do auto de notícia da autoridade que
tiver procedido à detenção, quando deste “ não consta qualquer um desses
elementos (dolo ou negligência).” (sic) e “.../... não se retira a indicação das
disposições legais aplicáveis, a chamada qualificação jurídica dos factos,
.../…” (sic).
Face ao exposto, o interposto recurso, requerendo a apreciação da
constitucionalidade e legalidade da norma constante do n°. 2 do art°. 389°,do
CPP, deveria ter sido admitido, pelo que, não o tendo sido, o MP apresenta a
presente reclamação, sendo as ora expostas, as razões que justificam a admissão
daquele.”
3. Por sua vez, em sede de vista, o Procurador-Geral-Adjunto neste Tribunal
(fls. 47 a 49) pronunciou-se no sentido da improcedência da reclamação ora em
apreço, nos seguintes termos:
“Importa notar liminarmente que – sendo o recurso, interposto pelo Ministério
Público e rejeitado no Tribunal “a quo”, – exclusivamente fundado na alínea a)
do n° 1 do artigo 70.º da Lei 28/82, apenas poderá reportar-se à recusa de
aplicação da norma identificada no respectivo requerimento de interposição – e
não a quaisquer outros preceitos legais, eventualmente aplicados no despacho
reclamado, já que tal implicaria a ampliação do respectivo objecto de modo a
incluir estes últimos, bem como a invocação, como base recursória, da alínea b)
daquele artigo 70.°, n.º 1, o que se afigura inviável face à regra de que a
delimitação do objecto do recurso decorre irremediavelmente (no que se refere ao
seu máximo âmbito) do teor daquele requerimento.
A sorte da presente reclamação dependerá, deste modo, da determinação da
existência de uma “verdadeira” recusa de aplicação normativa, reportada ao
artigo 389.°, n.º 2 , do Código de Processo Penal fundada em violação dos
princípios constitucionais da estrutura acusatória do processo penal e das
garantias de defesa.
Qual a interpretação normativa feita pelo juiz “a quo” de tal preceito legal?
A nosso ver, considerou-se ser inviável a substituição da apresentação de
acusação pelo Ministério Público em processo sumário pela simples leitura do
auto de notícia, no início da audiência, sem qualquer “aditamento”, num caso em
que o referido auto omitiria elementos essenciais a qualquer acusação, nos
planos fáctico (estruturantes do elemento subjectivo do crime imputado ao
arguido), da qualificação jurídica (especificação das disposições legais
aplicáveis) e probatório (indicação das provas que fundamentam tal imputação ao
arguido).
É feita, no despacho reclamado, a seguinte leitura da norma constante do artigo
389.°, n.° 2, do Código de Processo Penal:
Em processo sumário, pode o Ministério Público substituir a apresentação da
acusação pela leitura do auto de notícia da autoridade que tiver procedido à
detenção, salvo se de tal auto não constarem todos os elementos – fácticos, de
qualificação jurídica e probatório – que obrigatoriamente – por força das
disposições gerais – devem constar de qualquer acusação.
Ou seja: não se considerou inviável, de modo genérico, a actuação processual ali
consentida ao Ministério Público, procedendo-se antes a uma leitura conjugada de
tal preceito legal com as disposições que regulam os requisitos da acusação, só
consentindo a “substituição” da acusação pela leitura do auto quando este
satisfaça minimamente tais requisitos gerais.
Procedeu, deste modo, o despacho recorrido a uma leitura conjugada da norma que
integra o objecto do presente recurso (a do artigo 389.°, n.° 2, do Código de
Processo Penal) com outras disposições que regem sobre os requisitos da acusação
(artigo 283.°, n.° 3, e 311.º, n.° 2 e 3 do Código de Processo Penal) para
concluir que a possibilidade de mera leitura do auto de notícia, no início da
audiência, pressupõe a suficiência deste, na óptica das exigências formuladas
por aqueles preceitos legais.
Sendo duvidosa a definição da precisa “linha de fronteira” entre a verdadeira
“recusa de aplicação” normativa, enquadrável na alínea a) do n.° 1 do artigo
70.º da Lei do Tribunal Constitucional, e a mera interpretação de preceitos
legais “em conformidade com a Constituição” (cf., v.g., os Acórdãos nos 170/85,
425/89, 137/89, 636/94 e 1020/96) afigura-se que – no caso dos autos – o juízo
de inaplicabilidade de certa interpretação que – a ser feito – violaria
determinados princípios constitucionais se não fundou “única ou primacialmente”
(para utilizar a expressão de Rui Medeiros – A Decisão de Inconstitucionalidade,
pg. 331 e segs) no princípio da interpretação conforme à Lei Fundamental, mas
não desempenhando “o apelo à Constituição (princípio do acusatório e das
garantias de defesa) em sede hermenêutica, uma função de apoio ou de confirmação
de um sentido da norma já sugerido pelos restantes elementos de interpretação”
(cf. ainda o Acórdão n.º 285/02)
Assim, por se afigurar que o Tribunal “a quo”, no despacho recorrido, se limitou
a proceder a uma leitura conjugada de diversos regimes processuais penais,
referentes aos requisitos da acusação, articulando-os com a possibilidade de
mera “leitura” pelo Ministério Público do auto de notícia no início da audiência
em processo sumário, não será a circunstância de se considerar que a
imperatividade de tal aplicação conjugada dos regimes legais decorre dos
princípios constitucionais do acusatório e das garantias de defesa que traduz a
ocorrência de uma verdadeira “recusa de aplicação normativa”, enquadrável no
tipo recursório previsto na alínea a) do nº 1 do artigo 70.º da Lei 28/82.”
Cumpre apreciar e decidir.
II - FUNDAMENTAÇÃO
4. Começando pelo recurso interposto ao abrigo da alínea c) do n.º 1 do artigo
70º da LTC, desde já se evidencia a manifesta improcedência da reclamação.
Aquele tipo de recurso pressupõe sempre uma desaplicação de norma com fundamento
na sua contradição com outro comando paramétrico constante de lei de valor
reforçado (cfr. n.º 3 do artigo 112º da CRP), o que – manifestamente – não
sucede nos presentes autos. Em parte alguma, a decisão alvo de recurso de
inconstitucionalidade afirmou, implícita ou explicitamente, que a norma
constante do n.º 2 do artigo 389º do CPP contraria uma norma constante de uma
lei de valor reforçado.
Deste modo, não se verifica qualquer fundamento para rever a decisão reclamada,
no que concerne à não admissão do recurso interposto ao abrigo da alínea c) do
n.º 1 do artigo 70º da LTC.
5. Quanto ao recurso fundado na alínea a) do n.º 1 do artigo 70º da LTC, importa
verificar se a decisão recorrida desaplicou, efectivamente, explícita ou
implicitamente, a norma constante do n.º 2 do artigo 389º do CPP, com fundamento
na sua inconstitucionalidade.
Uma coisa é certa: a decisão recorrida não desaplicou expressamente a norma
constante do n.º 2 do artigo 389º do CPP, nem sequer lhe fez qualquer referência
específica. Quanto à desaplicação implícita, como bem nota o Ex.mo Senhor
Procurador-Geral Adjunto, sérias dúvidas – senão fundadas certezas – se
suscitam.
Com efeito, a decisão recorrida não chega a negar em parte alguma que o
Ministério Público possa substituir a apresentação da acusação pela mera leitura
do auto de notícia, desde que daquele constem factos suficientemente reveladores
do preenchimento dos elementos de um tipo de crime, por parte do arguido. Assim,
não se trata propriamente de uma desaplicação de determinada interpretação
normativa do n.º 2 do artigo 389º do CPP, mas antes de uma interpretação daquela
norma em conformidade com os demais preceitos legais que regulam a dedução da
acusação e a tramitação do processo penal sob a forma sumária. Para efeitos de
subsunção ao conceito de “substituir a apresentação da acusação pela leitura do
auto de notícia”, a decisão recorrida entendeu que apenas aí se incluem os autos
de notícia que preencham, ainda que de modo rudimentar, os requisitos da
acusação [em especial, da alínea b) do n.º 3 do artigo 283º do CPP],
designadamente aqueles que permitem evidenciar o preenchimento do tipo
subjectivo de ilícito.
Por outro lado, ainda que os princípios gerais do Direito Processual Penal não
possam deixar de fazer eco da própria Ideia de Constituição Penal – razão pela
qual, aquele ramo do Direito é frequentemente apelidado de “Direito
Constitucional Concretizado” –, não é menos verdade que em parte alguma da
decisão recorrida se fez apelo à Lei Fundamental para justificar a interpretação
normativa adoptada. Pelo contrário, a interpretação feita da norma constante do
n.º 2 do artigo 389º do CPP teve exclusivamente em conta a necessidade de
interpretação dentro do sistema infra-constitucional, conforme resulta do
seguinte excerto:
“É condição da realização de julgamento em processo sumário e desta forma de
processo especial a existência de um crime concreto e devidamente identificado,
com indicação dos respectivos factos integradores (objectivos e subjectivos) e
de todas as disposições legais aplicáveis.” (fls. 17)
A circunstância de a decisão recorrida ter tido em conta “a natureza acusatória
do processo penal, além das garantias de defesa do arguido e o princípio da
vinculação temática do tribunal” não significa, necessariamente, uma
fundamentação em normas ou princípios constitucionais, visto que aqueles
princípios são simultaneamente princípios próprios do processo penal, que
vigorariam ainda que não expressamente previstos na Lei Fundamental.
Este entendimento corresponde, aliás, ao já anterior e reiteradamente decidido
por este Tribunal, relativamente a despachos idênticos ao despacho em apreço nos
presentes autos, através dos Acórdãos n.º 8/2008, n.º 12/2008, n.º 16/2008, n.º
31/2008, n.º 48/2008, n.º 49/2008, n.º 56/2008, n.º 58/2008, n.º 60/2008, n.º
61/2008 e n.º 65/2008, todos disponíveis em
http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos).
Em suma, entende-se que a decisão recorrida não desaplicou efectivamente a norma
impugnada pelo recorrente, antes tendo procedido a uma interpretação daquela em
conformidade com outras normas de Direito infra-constitucional, designadamente
aquelas que regulam os requisitos da acusação e a tramitação processual sob a
forma sumária. Razão pela qual não se julgam procedentes os argumentos que visam
colocar em crise a decisão ora reclamada.
III – DECISÃO
Nestes termos, e ao abrigo do disposto no do n.º 3 do artigo 77º da Lei n.º
28/82, de 15 de Novembro, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 13-A/98, de
26 de Fevereiro, e pelos fundamentos expostos, decide-se indeferir a decisão
reclamada.
Sem custas, por não serem legalmente devidas.
Lisboa, 20 de Fevereiro de 2008
Ana Maria Guerra Martins
Vítor Gomes
Gil Galvão