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Processo n.º 883/07
1ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Pamplona de Oliveira
Acordam em Conferência na 1ª Secção do Tribunal Constitucional
Relatório
1.1. A fls. 467 dos presentes autos foi proferida a seguinte decisão
sumária:
1. Por acórdão de 21 de Setembro de 2006 da Relação de Guimarães
foi, no essencial, mantida a decisão proferida pelo 3.º Juízo Cível do Tribunal
Judicial de Guimarães que julgou procedente o incidente da qualificação da
insolvência culposa da A., LDA., declarando B. afectado pela qualificação e, em
consequência, inabilitado pelo período de 4 anos e inibido, por igual período,
de praticar determinados actos.
No recurso interposto para a Relação, o recorrente A. formulara, no que ora
interessa considerar, as seguintes conclusões:
“(…) 1. Estabelece o artigo 186.º/1 CIRE que “A insolvência é culposa quando a
situação tiver sido criada ou agravada em consequência da actuação, dolosa ou
com culpa grave, do devedor, ou dos seus administradores, de direito ou de
facto, nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência.”
2. A matéria de facto a corrigir de acordo com o respeito pela prova produzida
nos termos acima enunciados não pode razoavelmente sustentar uma tal conclusão,
nem de resto há lugar, em todo o caso, a qualquer dos factos genericamente
enumerados no nº 2 desse artigo;
3. Mesmo que houvesse lugar à verificação das previsões do nº 2 ou 3 do art.º
186º CIRE — e não há — jamais se poderiam estender valorações de lei nova a
infracções (jamais concedendo) materialmente ocorridas antes da sua entrada em
vigor e esse sempre seria o caso de toda a vida comercial da sociedade anterior
a Setembro de 2004, que a senhora juiz aqui vem ponderar e jamais se poderia
proceder a uma tal valoração, uma aplicação retroactiva da Lei a factos
ocorridos antes da sua entrada em vigor, pelo excelente motivo de que o
principio da não retroactividade das leis (e não só das leis penais) é principio
recebido pela Constituição Portuguesa não só do Direito Internacional, por
declaração expressa do art.º 8º CRP que recebe e integra normas e princípios,
como também pelo principio da segurança jurídica, também com sede constitucional
e a cuja luz uma tal aplicação é radicalmente contrária, sem falar já do alarme
social e económico que uma tal aplicação pode gerar;
4. De resto a expressão do nº 2 em cujos termos se considera “sempre culposa a
insolvência”, em conjugação com o grau de generalidade (mais do que de
abstracção) das pretensas situações de facto que seguidamente descreve (e são
verdadeiros conceitos indeterminados a preencher pela simples opinião e, até
pela opinião de um leigo, como a senhora juiz chamou a si própria) é
materialmente inconstitucional, desde logo por não haver, nem poder haver, culpa
com declaração judicial imune à prova, ou independente dela (ainda que o seu
ónus se mostre invertido pela presunção) porque a tanto se opõe, justamente e
desde logo, também, o principio da tutela jurisdicional efectiva, a proibição da
falta de defesa que sempre seria (como todo o direito o é) a eleição de qualquer
culpado-inocente, por quaisquer eríneas negras, no quadro de uma qualquer
tragédia,
Por outro lado,
5. Na medida em que o incidente de qualificação demonstra probatoriamente que o
gerente é outro e não aquele em cuja pessoa se pretendeu citar a sociedade
comercial, com isto se obteve uma qualificação inesperada de todo o processo
falimentar, que surge agora como radicalmente ilegalizado pela ausência
substancial de defesa em processo, da sociedade como de todos os interesses que
nesse âmbito foram lesados, sendo certo que a violação do processo equitativo
trazido ao art.º 200 da CRP e bem assim a violação do princípio da tutela
jurisdicional efectiva surgem com clamorosa evidência à luz das exigências do
Direito
6. O procedimento de qualificação, na medida em que se traduz na imputação de
factos aptos a gerar a sanção do art.º 2 e 3 não pode deixar de revestir uma
estrutura clara, onde se proponha claramente a sanção a aplicar, onde se
invoquem especificadamente as normas e os factos pessoais pelos quais as pessoas
passíveis de serem afectadas pela qualificação possam aperceber-se da gravidade
do que se lhe imputa, dos riscos processuais que o debate e a prova implicam
para eles, e uma tal disciplina não se mostra minimamente respeitada neste
procedimento, que acolheu um relatório completamente confuso tanto para o homem
comum como (confessadamente) para o julgador, sem imputação de factos claros,
sem invocação bastante de normas e sem, sobretudo, sem proposta clara de decisão
o que sempre gerará, em alguma medida, a falta de defesa pela imprecisão a que
condena a resposta e pelo arbítrio que funcionalmente viabiliza... Há pois
também aqui a violação da tutela jurisdicional efectiva, também aqui há violação
da equidade em processo e também aqui não pode deixar de se julgar a sentença
afectada pelo vício do procedimento que coroa e protege;
7. É materialmente inconstitucional o disposto no art.º 188º CTRE na medida em
que permita a interpretação apta a viabilizar um procedimento alheio à equidade
em processo e ao principio da tutela jurisdicional efectiva, sobretudo em
conjugação com o disposto no art.º 186º/2/3 e ainda com o disposto no art. 189º
CIRE também ele ferido autonomamente pela violação do princípio da
proporcionalidade sendo ainda certo que a inibição da capacidade civil (e não
apenas a proibição do exercício da actividade comercial) e o seu registo, mesmo
que decretadas sem o grau de arbítrio funcionalmente permitido, sempre
traduziriam ultraje ao principio da proporcionalidade e mais traduzindo ultraje
à integridade moral dos cidadãos porque, no nosso direito a inabilitação e
interdição se formularam para proteger e jamais para punir... (…)”.
2. O recorrente recorreu de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, mas
esse Tribunal decidiu não conhecer do recurso.
A. recorreu então do acórdão da Relação para o Tribunal Constitucional, ao
abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização,
Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional – LTC (Lei n.º 28/82, de 15
de Novembro, alterada pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro), nos seguintes
termos:
“1. O art. 3º/1 (CIRE) e bem assim os art. 18º/1, 23/1, 28º em conjugação com o
186º CIRE e 36º/c, art. 189/l/b/cd/ e nº 3 e art. 186º/2 e nº 3/a CIRE em
conjugação com o art. 9º/1/a da L. nº 32/04 a tudo acrescendo a precarização do
recurso na interpretação em cujos termos o art. 14º/1 CIRE estabeleceria a
interdição de recurso para o STJ no horizonte de uma acção sobre o estado das
pessoas como é necessariamente a admissão de uma inabilitação que assim se
discriminaria negativamente cortando-lhe os meios de defesa que têm de caber a
todas as inabilitações, assim,
2. As disposições invocadas e analisadas nas e aliás, aplicadas ao caso ou
conformadas na recusa da tomada de conhecimento do recurso traduzem conjugada e
isoladamente violação plural da Constituição da República, como alegado,
contrariando designadamente os art. º 2º e 3º/2/2, art. 9º/b/c/d; art. 12º, 13º,
14º (e 8º e 16º), 18º/2, 20º/4/5, 25º/1/2; 44º/1/2; e 61º/1
3. A arguição das normas violadoras e violadas fez-se seja no Recurso para o
Tribunal da Relação de Guimarães, como nas alegações de Recurso para o Supremo
Tribunal de Justiça e ainda na arguição de nulidade/reclamação diante da Secção
do Supremo Tribunal de Justiça.
4. A tudo acresce — muito embora se tenha já tido a extraordinária surpresa de
ver o Venerando Tribunal Constitucional dizer qualquer coisa que equivale a
dizer que nada tem a ver com a aplicação do Tratado Instituidor, como ainda que
nada tem a ver com a disciplina da interpretação do Tratado Instituidor (1)...
Que mais novidades nos trará o progresso, não é? — que aqui está presente uma
questão prejudicial de Direito Comunitário
5. A esta questão o Supremo Tribunal de Justiça entende dever escapar pela
arguição da inadmissibilidade do recurso,
6. Em profunda discordância com os Venerandos Conselheiros, sublinhamos em todo
o caso a presença de uma decisão por onde não perpassa qualquer sombra de
acrimónia no texto e isso nos tempos que correm (que são os da mais desbragada
selvajaria, segundo tudo indica) tal disciplina e cortesia não pode deixar de
nos merecer a vénia cortês de homem livre e, vénia prestada,
7. Enunciamos a nossa discordância porque nesse texto se faz primar uma
interpretação meramente doutrinária — e do Doutor Labareda, imagine-se, sempre o
progresso, portanto…— sobre a constância do entendimento jurisprudencial do
Tribunal de Justiça em cujos termos ao primado do Direito Comunitário no Direito
Interno não pode caber oposição das disposições ordinárias da Ordem Interna e
menos ainda, por evidente pressuposto, as considerações menos que lacunares do
Doutor Labareda que, definitivamente, entre os seus muitos méritos não pode
contar com os de uma sensibilidade bem informada no plano do Direito
Comunitário, como nos planos do Direito Público genericamente falando e,
concretamente pensando, em matéria de Direitos Fundamentais q.e.d.,
8. E a esta questão — a questão prejudicial de Direito Comunitário — já o
Tribunal Constitucional, ainda que noutros autos, nos deu a extraordinária
resposta acima focada, talvez na pressa de recusar o conhecimento do Recurso,
recusa que é modo de financiamento da própria instituição, como se sabe, de
acordo com a infeliz (para dizer o mínimo) disciplina das custas naquele
Venerando Tribunal que não poderia (aos olhos do homem comum que nós somos)
deixar de funcionar como estímulo intelectual (irresistível?) às recusas de
conhecimento nas quais e entretanto parece ter-se especializado este Venerando
Tribunal Constitucional que tem funcionado — nisso e por isso — como um
propiciador das violações materiais de Direitos Fundamentais escorando-se nos
critérios da formalidade (no sentido da forma sem a ideia, como gostava de
escrever o José Rivera que deveria ter sido o mestre jurista da V geração
Integralista e morreu prematuramente como todos os que nesta terra brilham com
excessiva intensidade)
9. Avaliando pelas recusas (lucrativas, parece) de tomada de conhecimento dos
recursos, o Estado (aqui tomado como comunidade política organizada) teria
deixado de estar interessado no apuramento material da violação dos Direitos
Fundamentais — compreendendo os fixados por Tratado e não obstante o primado dos
tratados na ordem interna estatuído no art. 8º CRP — do qual imagina (e decreta)
poder escapar por considerações formalistas em cujos termos se pode dispensar de
tomar conhecimento e de proteger os direitos que não podem por nenhum modo ser
violados, porque a seus olhos quase ninguém conseguiria formular com suficiente
precisão a violação dos Direitos Fundamentais pela norma impugnada...
10. E depois desse “ostinato” formalista, cobra em custas e contente consigo
próprio, a taxa máxima de 20 UCs que a Lei faz fonte de receita directa daquele
(venerando) Tribunal... Eis a República, a Democracia e o Estado de Direito tal
como no-los oferece o percurso (por assim dizer) reflexivo, que vai da R. de S.
Bento ao Palácio Ratton,
11. Desde já se arguí a inconstitucionalidade material da interpretação em cujos
termos o recurso para o Tribunal Constitucional e a reclamação para a
Conferência da decisão sumária do Relator possam tomar-se, sem demonstração
decisória específica, como incidentes anómalos e taxar-se, sem qualquer
fundamentação suficiente, até vinte unidades de conta e em proveito do
financiamento do Tribunal, devendo esta interpretação destas normas (o art. 16º
CCJ e o art. 47º/1/l da Lei de Funcionamento e Processo) julgar-se não apenas
violadora mas insultante relativamente ao princípio da equidade em processo e
independência do Tribunal (nenhum Tribunal pode ter interesse pecuniário próprio
num dissídio) traduzindo esta interpretação a violação material do disposto nos
art.ºs 2º e 3º CRP (disciplina do Estado de Direito) e art. 20º CRP (equidade em
processo e independência do Tribunal);
12. Nunca seria aliás aceitável — nem por um simples critério estético quanto à
conduta própria — vitimizar um cidadão porque requereu, ou puni-lo
pecuniariamente por ter recorrido, para mais no interesse do próprio órgão
decisor que recolhe directamente os proventos da condenação como financiamento e
com base, não na ausência apurada de fundamento material do recurso, mas com um
fundamento artificioso, de mera formalidade, indiferente aos Direitos
Fundamentais de cuja violação se trataria e que o órgão especificadamente
incumbido desta específica protecção e vigilância se dispensa de indagar!...
(urge uma antologia de tais coisas para debate político geral, não há dúvida);
13. Não espanta que o legislador ordinário se atreva à publicação de verdadeiros
insultos ao legado civilizacional comum (como é o caso do CIRE, nas citadas
disposições)... Dir-se-ia que conta com a passividade do Palácio Ratton,
dir-se-ia que essa passividade é dado politicamente adquirido, como se a (neste
caso aberrante) acção legislativa do Governo e a inviabilização material da sua
discussão à luz da Ciência do Direito, pudessem decorrer da mesma maioria
parlamentar... (Era exactamente isto que nos faltava, não?)
14. Não conseguiríamos, mesmo que o tentássemos, enunciar o que nos parece aqui
mais ofuscantemente brilhante... Mas reservaremos para melhor oportunidade os
qualificativos que modestamente entendemos deverem caber ao caso (e que não
prescindimos de aplicar em tempo próprio);
Por ora e pacientemente insistimos
Questão Prejudicial de Direito Europeu
15. A distinção entre os residentes e os não residentes, submetendo os primeiros
a um regime de absoluto terror e indecoroso arbítrio, prevendo seis sanções para
a mesma conduta, como a fixação de residência, (o registo civil da insolvência e
até do simples requerimento de insolvência para particulares), o registo civil
da inabilitação punitiva, a inabilitação punitiva, a proibição de exercício do
comércio, a proibição de integrar administrações ou gerências de sociedades
comerciais, a proibição de integrar administrações de fundações, proibição de
integração dos quadros da função pública, perda de quaisquer créditos sobre a
sociedade insolvente — sanções que se hão de aplicar em quando pretensamente se
verifiquem os conceitos indeterminados das al.s 186º/2 CIRE (venda de
mercadorias abaixo do preço de custo independentemente das circunstâncias, risco
comercial independentemente do áleas dos diversos negócios — como se pudesse
ilegitimar-se o risco no comércio — termos em que, por exemplo, a simples
determinação em manter as exportações para os USA em contexto da forte
valorização do Euro face ao Dólar, corresponderia, sem mais, à al.g); e um
administrador que mandasse os filhos à escola num carro da empresa incorreria na
al. f), enquanto a al. a) permitiria todos os equívocos relativamente a bens de
equipamento deteriorados de acordo com o uso normal e prudente;
16. Esta distinção — entre residentes e não residentes — face ao terror da
qualificação, aliás accionável pelo simples facto de se não ter requerido a
falência quando o decisor entender que devia ter sido requerida (o administrador
confrontado com um incumprimento pontual das obrigações empresariais deve,
parece, requerer a insolvência sem esperar o próprio pagamento dos créditos que
a sociedade detenha sobre terceiros), sob pena de presunção de culpa grave (como
se a culpa grave pudesse presumir-se) nos termos conjugados do 18º/1 e 186º/3/a
CIRE
17. E é particularmente repugnante admitir que a insolvência a requerer (sob
gravíssimo constrangimento) possa afinal ser meramente iminente (definida como
está, i.e. como impossibilidade de cumprimento pontual da generalidade das
obrigações pendentes) mas dando ao respectivo requerimento (sob constrangimento)
o valor de um reconhecimento livre (!) de uma confissão em processo (!) nos
termos do 22º/3/a CIRE
18. E isto no quadro em que, como se alegou, o administrador de insolvência pode
ser um delinquente, desde que os credores o indiquem (!) condição suficiente
para que o decisor o nomeie, tendo este administrador de insolvência um regime
todo peculiar em cujos termos a sua responsabilidade prescreve (!) em dois anos
contados da cessação das suas funções (!) termos em que a sonegação de
informações pode revelar-se altamente compensadora (!)
19. Ora um tal quadro, aliado ao regime de normalidade do processo particular,
i.e. do processo contra não residentes, traduz objectivamente um atentado à
Liberdade de Estabelecimento no Território Português o qual, além de constituir,
com toda a probabilidade, um atentado contra a economia portuguesa, traduz
objectivamente uma enunciação de riscos e de arbítrios aos quais os residentes
estão sujeitos e de que estão isentos os não residentes, correspondendo isto a
dizer que não é prudente estabelecer no território mais do que simples
delegações comerciais de actividade económica sedeada no exterior e isto é
objectivamente um atentado contra a liberdade de estabelecimento, além de
constituir tratamento ultrajantemente discriminatório para os cidadãos nacionais
que assim vêm a sua cidadania equiparada a um ferrete de servidão, devendo,
também por isso, pôr-se ao abrigo da protecção de qualquer outro Estado Soberano
da União Europeia
20. E sendo embora verdade que a liberdade de estabelecimento se encontra
protegida por modo tal que é substancialmente a liberdade de estabelecimento de
não nacionais (porque às altas partes não terá parecido plausível a suicidária
atitude de lesar as próprias empresas nacionais, como aqui ocorre) a verdade é
que o repouso na imaginária desprotecção dos nacionais – no CIRE tratados como
meros servos da gleba, submetidos ao mais brutal arbítrio, libertado como uma
labareda – choca com a disciplina da concorrência, além de chocar,
evidentemente, com os Direitos Fundamentais integrados no Tratado de Roma, –
entre os quais estão, naturalmente, os direitos de residir no próprio país, como
o direito de lhe cruzar as fronteiras e de ai regressar.
21. Estabelece, em todo o caso, o art. 87º/1 do Tratado de Roma que “Salvo
disposição em contrário do presente Tratado, são incompatíveis com o mercado
comum, na medido em que afectem as trocas comerciais entre os Estados-Membros,
os auxílios concedidos pelos Estados ou provenientes de recursos estatais,
independentemente da forma que assumam, que falseiem ou ameacem falsear a
concorrência, favorecendo certas empresas ou certas produções.”
22. Trata-se aqui claramente do favorecimento de actividades económicas não
sedeadas no território português, pelo terror lançado sobre a sedeação em
território nacional.
23. Sobre as questões prejudiciais de Direito Europeu, estabelece o Tratado de
Roma:
O Tribunal de Justiça é competente para decidir, a título prejudicial:
Sobre a interpretação do presente Tratado;
Sobre a validade e a interpretação dos actos adoptados pelas instituições da
Comunidade e pelo BCE;
Sobre a interpretação dos estatutos dos organismos criados por acto do Conselho,
desde que estes estatutos o prevejam.
Sempre que uma questão desta natureza seja suscitada perante qualquer órgão
jurisdicional de um dos Estados-Membros, esse órgão pode, se considerar que uma
decisão sobre essa questão é necessária ao julgamento da causa, pedir ao
Tribunal de Justiça que sobre ela se pronuncie.
Sempre que uma questão desta natureza seja suscitada em processo pendente
perante um órgão jurisdicional nacional cujas decisões não sejam susceptíveis de
recurso judicial previsto no direito interno, esse órgão é obrigado a submeter a
questão ao Tribunal de Justiça.”
Afigurando-se ao Tribunal ser imprecisa a delimitação do âmbito do recurso,
foram solicitados ao recorrente os seguintes esclarecimentos:
Nos termos do artigo 75º-A n. 5 da Lei do Tribunal Constitucional, convido o
recorrente a, em 10 dias, indicar de forma clara e perceptível o exacto sentido
da interpretação normativa cuja conformidade constitucional pretende questionar,
uma vez que, para efeito do recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º
da LTC, se revela insuficiente – com vista a identificar o objecto do recurso –
a mera indicação de um conjunto de normas cujo sentido concreto não vem
especificado.
O recorrente respondeu:
Perante o convite de V. Exa e a recusa de prorrogação do prazo em face da
vastidão das questões passíveis de explicitação especificada, resta-nos reiterar
a enunciação sintética — e a nosso modesto olhar suficiente — formalizada na
interposição do recurso, aliás, uma tal especificação à qual alude o convite não
seria nunca materialmente possível sem a forma de uma alegação preliminar,
porque a indicação sintética e especificada está já claramente feita e caso
fitasse clareza a tal explicitação, o Ex.mo Conselheiro Relator deveria
fazer-nos o subido favor de no-la explicitar, porque não vemos a falta de
clareza que tome necessário ou útil tal convite, embora vejamos, naturalmente, a
possibilidade de demonstrar a enunciação e isso (não menos naturalmente)
traduziria uma alegação antecipada (a nosso modesto olhar), assim,
O objecto do recurso comporta:
1. O art. 3º/I (CIRE) e bem assim os art 18º/1, 23/1, 28º em conjugação com o
186º CIRE e 36º/c, art. 189/1/b/cd/ e n.º 3 e art. 186º/2 e nº 3/a CIRE em
conjugação com o art. 9º/1/a da L. nº 32/04 a tudo acrescendo a precarização do
recurso na interpretação em cujos termos o art. 14º/l CIRE estabeleceria a
interdição de recurso para o STJ no horizonte de uma acção sobre o estado das
pessoas como é necessariamente a admissão de uma inabilitação, que assim se
discriminaria negativamente cortando-lhe os meios de defesa que têm de caber a
todas as inabilitações, assim,
2. As disposições invocadas e analisadas nas alegações e aliás, aplicadas ao
caso ou conformadas na recusa da tomada de conhecimento do recurso traduzem
conjugada e isoladamente violação plural da Constituição da República, como
alegado, contrariando designadamente os art. º 2º e 3 º/2/2, artº9º/b/c/d; artº
12º, 13º, 14º (e 8º e 16º), 18º/2, 20º/4/5, 25º/1/2; 44º/1/2; e 61º/1.
3. A arguição das normas violadoras e violadas fez-se seja no Recurso para o
Tribunal da relação de Guimarães, como nas alegações de Recurso para o Supremo
Tribunal de Justiça e ainda na arguição de nulidade/reclamação diante da Secção
do Supremo Tribunal de Justiça
Por outro lado,
4. O conjunto das normas impugnadas e acima especificadas, como se havia já
feito na interposição do recurso exige uma ponderação à luz da aplicação do
Tratado Instituidor da Comunidade Europeia — que é Direito Constitucional dos
Estados da União — e que, em Portugal, ao menos em teoria até pronúncia
sancionatória do Tribunal de Justiça, está claramente integrado por força do
art. 8.º CRP, seja quanto às normas, seja quanto aos princípios competindo a
qualquer tribunal da República a sua aplicação, ou, em caso de dúvida, a remessa
a título prejudicial para o Tribunal de Justiça das Comunidades
5. Ora sobre a questão prejudicial de Direito Comunitário, também nos parece
clara a formulação já feita, assim,
6. A distinção entre os residentes e os não residentes, submetendo os primeiros
a um regime de absoluto terror e indecoroso arbítrio, prevendo seis sanções para
a mesma conduta, como afixação de residência, (o registo civil da insolvência e
até do simples requerimento de insolvência para particulares), o registo civil
da inabilitação punitiva, a inabilitação punitiva a proibição de exercício do
comércio, a proibição de integrar administrações ou gerências de sociedades
comerciais, a proibição de integrar administrações de fundações, proibição de
integração dos quadros da função pública, perda de quaisquer créditos sobre a
sociedade insolvente - sanções que se hão de aplicar quando pretensamente se
verifiquem os conceitos indeterminados das al.s 186º/2 CIRE (venda de
mercadorias abaixo do preço de custo independentemente das circunstâncias, risco
comercial independentemente do áleas dos diversos negócios — como se pudesse
ilegitimar-se o risco no comércio — termos em que, por exemplo, a simples
determinação em manter as exportações para os USA em contexto da forte
valorização do Euro face ao Dólar, corresponderia, sem mais, à al. g); e uma
administrador que mandasse os filhos à escola num carro da empresa incorreria na
al. f), enquanto a al. a) permitiria todos os equívocos relativamente a bens de
equipamento deteriorados de acordo com o uso normal e prudente;
7. Esta distinção — entre residentes e não residentes — face ao terror da
qualificação, aliás accionável pelo simples facto de se não ter requerido a
falência quando o decisor entender que devia ter sido requerida (o administrador
confrontado com um incumprimento pontual das obrigações empresariais deve,
parece, requerer a insolvência sem esperar o próprio pagamento dos créditos que
a sociedade detenha sobre terceiros), sob pena de presunção de culpa grave (como
se a culpa grave pudesse presumir-se) nos termos conjugados do 18º/l e 186º/3/a
CIRE
8. E é particularmente repugnante admitir que a insolvência a requerer (sob
gravíssimo constrangimento) possa afinal ser meramente iminente (definida como
está, i.e. como impossibilidade de cumprimento pontual da generalidade das
obrigações pendentes) mas dando ao respectivo requerimento (sob constrangimento)
o valor de um reconhecimento livre (!) de uma confissão em processo (!) nos
termos do 22º13/ a CIRE.
9. E isto no quadro em que, como se alegou, o administrador de insolvência pode
ser um delinquente, desde que os credores o indiquem (!) condição suficiente
para que o decisor o nomeie, tendo este administrador de insolvência um regime
todo peculiar em cujos termos a sua responsabilidade prescreve (?) em dois anos
contados da cessação das suas funções (i) termos em que a sonegação de
informações pode revelar-se altamente compensadora (!)
10. Ora um tal quadro, aliado ao regime de normalidade do processo particular,
i.e. do processo contra não residentes, traduz objectivamente um atentado à
Liberdade de Estabelecimento no Território Português o qual, além de constitui
com toda a probabilidade, um atentado contra a economia portuguesa, traduz
objectivamente uma enunciação de riscos e de arbítrios aos quais os residentes
estão sujeitos e de que estão isentos os não residentes, correspondendo isto a
dizer que não é prudente estabelecer no território mais do que simples
delegações comerciais de actividade económica sedeada no exterior e isto é
objectivamente um atentado contra a liberdade de estabelecimento, além de
constituir tratamento ultrajantemente discriminatório para os cidadãos nacionais
que assim vêm a sua cidadania equiparada a um ferrete de servidão, devendo,
também por isso, pôr-se ao abrigo da protecção de qualquer outro Estado Soberano
da União Europeia
11. E sendo embora verdade que a liberdade de estabelecimento se encontra
protegida por modo tal que é substancialmente a liberdade de estabelecimento de
não nacionais (porque às altas partes não teria parecido plausível a suicidária
atitude de lesar as próprias empresas nacionais, como aqui ocorre) a verdade é
que o repouso na imaginária desprotecção dos nacionais — no CIRE tratados como
meros servos da gleba, submetidos ao mais brutal arbítrio, libertado como uma
labareda — choca com a disciplina da concorrência, além de chocar,
evidentemente, com os Direitos Fundamentais integrados no Tratado de Roma, —
entre os quais estão, naturalmente, os direitos de residir no próprio país, como
o direito de lhe cruzar as fronteiras e de aí regressar.
12. Estabelece, em todo o caso, o art. 87º/1 do Tratado de Roma que “Salvo
disposição em contrário do presente Tratado, são incompatíveis com o mercado
comum, na medida em que afectem as trocas comerciais entre os Estados-Membros,
os auxílios concedidos pelos Estados ou provenientes de recursos estatais,
independentemente da forma que assumam, que falseiem ou ameacem falsear a
concorrência, favorecendo cenas empresas ou cenas produções”
13. Trata-se aqui claramente do favorecimento de actividades económicas não
sedeadas no território português, pelo tenor lançado sobre a sedeação em
território nacional
14. O Supremo Tribunal de Justiça diz-nos, no essencial, que isso seriam temas a
tratar, sim, mas se o recurso fosse admissível e como não o é são temas que se
dispensa de conhecer, todavia,
15. O Direitos Fundamentais são aqueles que não podem ser violados e se o
objecto do recurso comporta justamente a discussão de uma discriminação entre
inabilitados que é inadmissível, (em cujos termos e nestes casos uma acção sobre
o estado das pessoas ficaria privada de exame pelo STJ) sobretudo no contexto da
grande discriminação entre as insolvências de residentes (assim tratados) e
insolvências de não residentes (a tais barbaridades imunes), isto não é matéria
passível de ser ignorada (nem pelo STJ nem pelo Tribunal Constitucional) não
apenas em razão das exigências em contrário das normas constitucionais já
invocadas, mas também por exigência directa do tratado Instituidor ao qual não
podem tão simplesmente opor-se quaisquer normas de direito interno e isto
explicitado
16. Sublinhamos a arguição de inconstitucionalidade da norma em cujos termos o
Tribunal Constitucional tem interesse directo nas custas fixadas em caso de
recusa de conhecimento do recurso — ou em caso de decaimento — porque tal norma
faz da aplicação de qualquer critério normativo de fixação de custas uma ocasião
de suspeição quanto ao interesse directo da estrutura organizacional decisora
quanto ao desfecho decisório e isso, evidentemente, não pode simplesmente ser
assim
17. Estando a existência do Tribunal Constitucional já ferida pelo debate
político aberto quanto à razoabilidade da sua extinção — que sempre poderia
contar com o argumento de força inequívoca traduzido nessa norma associada à
longa lista de recusas de conhecimento de recursos — parece prudente dar ao
Tribunal a possibilidade de se pronunciar quanto a tal aspecto, querendo-o,
mesmo com risco de suscitar acrimónias que (por hipótese) não seja materialmente
possível deixar de expressar, por menos que possam expressar-se em nome do povo
(também por hipótese) nas ao abrigo das liberdades de estilo que os decisores
têm gozado nos tribunais portugueses
18. Fica portanto arguida a inconstitucionalidade da interpretação de qualquer
disposição do CCJ a aplicar no quadro do disposto no art. 47º/b/1 da Lei de
Funcionamento e Processo), por incompatibilidade com o princípio da equidade em
processo e independência do Tribunal (nenhum Tribunal pode ter interesse
pecuniário próprio num dissídio) traduzindo esta interpretação a violação
material do disposto nos art.ºs 2º e 3º CRP (disciplina do Estado de Direito) e
art. 20º CRP (equidade em processo e independência do Tribunal) e não vale dizer
(mesmo que o recorrente fique sem meios de reagir internamente) que o art.
47º/b/1 não é norma aplicada na decisão de fixação de custas, pelo óptimo motivo
de que tal norma é o quadro da qualquer fixação de custas que por ocorrer em tal
quadro faz qualquer norma invocada para tanto entrar em conflito com a
disciplina do Estado de Direito e a Independência do Tribunal
19. Nisto se saldando os esclarecimentos que nos são possíveis face ás arguições
formuladas.
3. É pressuposto do recurso de constitucionalidade interposto ao abrigo da
alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC que o objecto do recurso consista em
norma aplicada na decisão recorrida 'cuja inconstitucionalidade haja sido
suscitada durante o processo'. A questão de constitucionalidade deve, portanto,
caracterizar-se por ser normativa e deve ser suscitada previamente perante o
tribunal recorrido de modo a que ele dela deva conhecer antes de este ter
proferido a decisão final.
Ora, de acordo com as alegações de recurso que o recorrente apresentou perante a
Relação de Guimarães, só relativamente a normas inscritas nos artigos 186.º n.ºs
2 e 3, 188.º e 189.º do CIRE foram suscitadas questões de inconstitucionalidade.
Torna-se, assim, impossível sindicar um bloco normativo que o recorrente
identifica como 'o art. 3º/1 (CIRE) e bem assim os art. 18º/1, 23/1, 28º em
conjugação com o 186º CIRE e 36º/c, art. 189/l/b/cd/ e nº 3 e art. 186º/2 e nº
3/a CIRE em conjugação com o art. 9º/1/a da L. nº 32/04 a tudo acrescendo a
precarização do recurso na interpretação em cujos termos o art. 14º/1 CIRE
estabeleceria a interdição de recurso para o STJ no horizonte de uma acção sobre
o estado das pessoas como é necessariamente a admissão de uma inabilitação que
assim se discriminaria negativamente cortando-lhe os meios de defesa que têm de
caber a todas as inabilitações', pois não está enunciado, 'de forma clara e
perceptível o exacto sentido da interpretação normativa cuja conformidade
constitucional pretende questionar'. Na verdade, para efeito do recurso previsto
na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC, é insuficiente a 'mera indicação de
um conjunto de normas cujo sentido concreto não vem especificado.'
Assim, ao insistir, na parte essencial da sua resposta ao convite formulado, em
delimitar o recurso por forma a não concretizar o contudo substantivo da norma
ou normas impugnadas, dizendo que o objecto do recurso consiste n'O art. 3º/I
(CIRE) e bem assim os art 18º/1, 23/1, 28º em conjugação com o 186º CIRE e
36º/c, art. 189/1/b/cd/ e n.º 3 e art. 186º/2 e nº 3/a CIRE em conjugação com o
art. 9º/1/a da L. nº 32/04 a tudo acrescendo a precarização do recurso na
interpretação em cujos termos o art. 14º/l CIRE estabeleceria a interdição de
recurso para o STJ no horizonte de uma acção sobre o estado das pessoas como é
necessariamente a admissão de uma inabilitação, que assim se discriminaria
negativamente cortando-lhe os meios de defesa que têm de caber a todas as
inabilitações', o recorrente impede que o Tribunal conheça do recurso, pois não
identifica o seu objecto, isto é, não enuncia a norma alegadamente desconforme
com a Constituição indicando o preceito legal em que a mesma se contém.
Não estão, em suma, reunidos os pressupostos que habilitam o Tribunal a conhecer
do recurso, razão pela qual fica prejudicado o conhecimento de qualquer outra
matéria relacionada o seu objecto.
4. Suscita o recorrente, na aludida resposta, a seguinte questão:
Fica portanto arguida a inconstitucionalidade da interpretação de qualquer
disposição do CCJ a aplicar no quadro do disposto no art. 47º/b/1 da Lei de
Funcionamento e Processo, por incompatibilidade com o princípio da equidade em
processo e independência do Tribunal (nenhum Tribunal pode ter interesse
pecuniário próprio num dissídio) traduzindo esta interpretação a violação
material do disposto nos art.ºs 2º e 3º CRP (disciplina do Estado de Direito) e
art. 20º CRP (equidade em processo e independência do Tribunal) e não vale dizer
(mesmo que o recorrente fique sem meios de reagir internamente) que o art.
47º/b/1 não é norma aplicada na decisão de fixação de custas, pelo óptimo motivo
de que tal norma é o quadro da qualquer fixação de custas que por ocorrer em tal
quadro faz qualquer norma invocada para tanto entrar em conflito com a
disciplina do Estado de Direito e a Independência do Tribunal.
Contudo, na fixação de custas, o Tribunal Constitucional não se rege pelo
disposto no artigo 47º/b/1 da Lei de Funcionamento e Processo. Não é, portanto,
aplicada nesta decisão a norma acusada de inconstitucional pelo recorrente.
5. Em face do exposto, e nos termos do artigo 78.º-A da LTC, não se toma
conhecimento do objecto do recurso de constitucionalidade interposto. Custas
pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 7 UC.
1.2. O recorrente contesta a decisão, alegando:
Reclamando para a conferência, diz-se:
Na douta decisão sumária de 14 páginas, gasta o Ex.mo Relator onze páginas e
meia a reproduzir as posições do recorrente, acrescentando-lhes, essencialmente,
que não tendo a questão da pretensa inadmissibilidade do recurso sido suscitada
junto do Tribunal que o aceitou (a Relação de Guimarães) se vê impedido de
examinar a questão (1) por ela apenas haver sido formulada, em arguição de
nulidade, reagindo à decisão do tribunal que assumiu tal posição (o Supremo
tribunal de Justiça), e
Não obstante reproduzir, ainda que em corpo reduzido e ao longo de onze páginas
as posições assumidas pelo recorrente, escapa-lhe, parece, a razão de ser do
recurso que lhe parece — segundo tudo indica — circunscrever-se à simples
reprodução dos números das normas em referência, não obstante ter citado, senão
reproduzido, perto de duas dezenas de páginas das posições onde o recorrente
deixa bem explicito — ao olhos do declaratário médio — o sentido da impugnação
e, também, a incompatibilidade de tais normas com o Direito Comunitário
directamente aplicável, obrigatoriamente aplicável — sob pena de (nova) violação
do Tratado Instituidor, cuja aplicabilidade está sustentada no Primado dessas
normas (às quais nenhuma outra pode opor-se no plano nacional) e cuja eficácia
directa e invocabilidade pelos cidadãos é uma evidência.
Acrescenta a decisão sumária que o Tribunal não aplica a norma invocada em sede
de taxação em custas, motivo pelo qual entende poder tornear a violação do
princípio da independência do Tribunal, claramente violado pela apropriação
directa das verbas cobradas, claramente violado, também, pela contradição
clamorosa com a referência estruturante dos Direitos Fundamentais, em cujos
termos tais direitos não podem ser violados nem a sua violação pode ser
consentida sob a especiosa invocação de formalidades (que são — como acima se
viu — absolutas vacuidades, para não empregar expressão que, embora mais exacta,
certamente seria tomada por pouco cortês), sobretudo quando radicam em textos de
Direito Internacional ou/e Comunitário,
Ora, nesta moldura, o Tribunal Constitucional aplica uma disciplina (que o texto
da decisão sumária nem quer dizer em que norma se funda) em cujos termos pela
recusa de tomada de conhecimento do recurso, a estrutura decisória tem interesse
pecuniário directo (solução normativa cuja indignidade material é gritante e
seguramente não contribui para o prestígio do órgão, aliás tão abalado que a sua
extinção é hoje matéria de agenda do debate político partidário e a anulação do
seu regime de custas é matéria de debate público nas eleições para a Ordem dos
Advogados...
Motivo pelo qual não pode propriamente dizer que as repulsivas lógicas
subjacentes a tais disposições normativas sejam, tenham sido ou possam ser
socialmente aceites, ou, sequer, politicamente toleradas, sendo certo que também
não são juridicamente admissíveis, por motivos que já foram expostos com
suficiente clareza do ponto de vista de declaratário médio, como a Senhora
Comissária da Concorrência não deixará de reconhecer em Bruxelas, como o
Tribunal do Luxemburgo provavelmente declarará e como o Tribunal Europeu dos
Direitos do Homem porventura sublinhará, coisa que normalmente não tem
consequências para os decisores, motivo pelo qual o Estado Português é
permanentemente condenado nas instâncias Internacionais (Tribunal Europeu e ONU)
sem que nada se altere, já que tem faltado às vítimas a paciência de vir
responsabilizar os decisores pelas decisões declaradas contra direito;
Damos neste lugar por integralmente reproduzidas todas as arguições
sectorialmente citadas na decisão instrutória, poupando, por cortesia, o
desconforto de aqui as reproduzir integralmente, como é uso fazer o decisor...
E com o alcance do que fica dito, arguímos a nulidade da decisão sumária, que é
decisão contra Direito, traduzindo violação da Convenção Europeia dos Direitos
do Homem e das normas citadas do Tratado Instituidor cuja aplicação vem sendo
obstinadamente recusada,
Reclamando a reapreciação da questão e impugnando a fixação de custas por
inconstitucionalidade da disciplina que lhe subjaz nos termos referidos
Em todo o caso juntaremos apoio judiciário a fim de libertar o Tribunal da
incómoda situação, não do interesse directo na recusa de decisão da questão (que
isso não está ao nosso alcance) mas pelo menos do incómodo que certamente
resultará da evidencia da prática vitimadora que resulta da aplicação a um
insolvente de custas completamente desproporcionadas e até com algum matiz de
acrimónia (que todavia pode resultar de uma apreciação meramente subjectiva do
destinatário), custas, sublinha-se, por não conhecer, por não decidir, em
síntese por nada fazer (descontadas as fórmulas de minuta decisória e as onze
páginas de reprodução das posições do recorrente),
Requer portanto o reconhecimento da nulidade da (por assim dizer) decisão (mas
sem hesitar) sumária.
1.3. Sobre esta reclamação o representante do Ministério Público neste
Tribunal diz o seguinte:
Através da reclamação ora apresentada, limita-se o reclamante a reiterar as suas
posições, sem que ponha em crise, de modo concludente, o teor da decisão
reclamada, no que concerne à evidente falta dos pressupostos de admissibilidade
do recurso interposto.
Pelo que deverá tal decisão ser inteiramente confirmada.
Fundamentos
2. Radicou a decisão sumária em reclamação no entendimento constante
deste Tribunal de que cabe ao recorrente o ónus de enunciar a norma ou normas
que pretende impugnar, assim identificando com precisão o âmbito do recurso.
Constatou-se, porém, que o mesmo recorrente pretendeu identificar o objecto do
recurso através de uma menção global e genérica a determinados preceitos legais
– 'o art. 3º/I (CIRE) e bem assim os art 18º/1, 23/1, 28º em conjugação com o
186º CIRE e 36º/c, art. 189/1/b/cd/ e n.º 3 e art. 186º/2 e nº 3/a CIRE em
conjugação com o art. 9º/1/a da L. nº 32/04 a tudo acrescendo a precarização do
recurso na interpretação em cujos termos o art. 14º/l CIRE estabeleceria a
interdição de recurso para o STJ no horizonte de uma acção sobre o estado das
pessoas como é necessariamente a admissão de uma inabilitação, que assim se
discriminaria negativamente cortando-lhe os meios de defesa que têm de caber a
todas as inabilitações' –, apesar de ter suscitado questões de
inconstitucionalidade, no decorrer do processo, unicamente quanto a normas
inscritas nos artigos 186.º n.ºs 2 e 3, 188.º e 189.º do CIRE. Entendeu-se, por
isso, que o recurso interposto para este Tribunal não poderia ser conhecido em
virtude de o recorrente não ter identificado convenientemente o seu objecto, não
enunciando – apesar de para tal ter sido expressamente advertido no despacho de
fls. 447 – a norma aplicada na decisão recorrida, alegadamente desconforme com a
Constituição.
Tal entendimento, pelas razões enunciadas na decisão reclamada, é inteiramente
de manter.
O mesmo se diga quanto à questão suscitada a propósito do disposto do invocado
«artigo 47º/b/1 da Lei de Funcionamento e Processo» usado, na opinião do
recorrente, para fixar as custas, o que, todavia, se não verifica.
Decisão
3. Nestes termos, improcedendo a reclamação, decide-se manter a decisão
reclamada.
Custas pelo reclamante, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficie,
fixando-se a taxa de justiça em 20 UC.
Lisboa, 13 de Fevereiro de 2008
Carlos Pamplona de Oliveira
Maria João Antunes
Gil Galvão