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Processo nº 690/2007
3ª Secção
Relatora: Conselheira Maria Lúcia Amaral
Acordam, em Conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I
Relatório
1. Em 18 de Outubro de 2007 foi proferida decisão sumária em que se decidiu não
tomar conhecimento do objecto do recurso interposto para este Tribunal por A.,
melhor identificado nos autos. Tal decisão sumária assentou nos seguintes
fundamentos:
3. Analisados os autos, conclui-se que é de proferir decisão sumária ao abrigo
do disposto no n.º 1 do artigo 78.º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (Lei
do Tribunal Constitucional).
Sustenta o recorrente que o presente recurso de constitucionalidade é interposto
ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de
Novembro, alterada pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro (Lei do Tribunal
Constitucional), e que a questão de constitucionalidade foi previamente
suscitada.
Como muito bem se sabe – e como inúmeras vezes tem sido repetido por este
Tribunal – através deste tipo de recursos [previstos, antes do mais, pela alínea
b) do n.º 1 do artigo 280.º da Constituição] só pode o Tribunal Constitucional
conhecer de questões relativas à constitucionalidade de normas. As decisões
judiciais, em si mesmas consideradas, não são em direito português objecto de
controlo de constitucionalidade. Daí que, para o Tribunal Constitucional, surja
naturalmente como um dado a norma de direito infra-constitucional que é
questionada no recurso. Como se disse no Acórdão n.º 44/85, “saber se a norma
era ou não aplicável ao caso, ou se foi ou não bem aplicada – isso é da
competência dos tribunais comuns, e não do Tribunal Constitucional.” (Acórdãos
do Tribunal Constitucional, vol. 5, 1985, p. 408).
A exigência de prévia suscitação da questão de constitucionalidade (prévia em
relação à prolação da decisão recorrida) faz assim todo o sentido no quadro dos
pressupostos do recurso de constitucionalidade. Tratando-se este de um recurso
que incide sobre normas e não sobre decisões, lógico é que se pressuponha que o
tribunal a quo, de cuja decisão se recorre, tenha nessa mesma decisão aplicado a
norma cuja constitucionalidade se questiona, pelo que tal questionamento terá
que ter sido feito pelo próprio recorrente durante o processo, isto é, antes da
prolação das decisão recorrida.
4. No presente caso, verifica-se que o recorrente não suscitou “durante o
processo” (alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional)
qualquer questão de constitucionalidade normativa referida ao artigo 410.º do
Código de Processo Penal; e que não se encontra na decisão do tribunal a quo
qualquer interpretação insólita, inesperada ou imprevisível da norma contida no
mesmo artigo, interpretação essa que poderia justificar tal falta de suscitação
da questão de constitucionalidade.
Com efeito, quer na motivação do recurso interposto para o Tribunal da Relação
de Lisboa, quer na motivação do recurso dirigido ao Supremo Tribunal de Justiça,
o recorrente limita-se a concluir, no primeiro caso, que “o(O) tribunal «a quo»
cometeu erro notório na apreciação da prova, no que concerne à matéria vertida
no n.º 13 dos Factos Provados, o que constitui fundamento de recurso, nos termos
do disposto no art.º 410.º, n.º 2, do C.P.P.” (Conclusão I a fl. 1138) e, no
segundo caso, que “o(O) afastamento das regras das presunções naturais integra o
vício de erro notório na apreciação da prova, previsto no artigo 410.º, n.º 2,
alínea c), do CPP.” (Conclusão 25 a fl. 1309).
Ora, a invocação da existência de erro notório na apreciação da prova, previsto
no artigo 410.º, n.º 2, alínea c), do Código de Processo Penal, nas decisões
proferidas nos autos não substitui naturalmente o ónus, a cargo do recorrente
(n.º 2 do artigo 72.º da Lei do Tribunal Constitucional), de suscitar a
inconstitucionalidade de uma norma contida naquele preceito, susceptível de vir
a ser apreciada num recurso de constitucionalidade.
Como este Tribunal tem afirmado repetidamente, nada obsta a que seja questionada
apenas uma certa interpretação ou dimensão normativa de um determinado preceito.
Porém, nesses casos, o recorrente tem o ónus de indicar, de modo claro e
perceptível, perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida,
a exacta dimensão normativa do preceito que entende não dever ser aplicada
por ser incompatível com a Constituição. Como se disse, entre muitos outros,
no Acórdão n.º 21/2006 (também ele disponível no sítio da Internet
www.tribunalconstitucional.pt), “identificar uma interpretação normativa é, no
mínimo, indicar com precisão o sentido dado à norma, para que o Tribunal, se
vier a julgar inconstitucional essa mesma norma – entendida nesse preciso
sentido –, possa enunciar, na decisão que proferir, de modo que todos os
operadores jurídicos disso fiquem cientes, qual a interpretação que não pode ser
adoptada, por ser incompatível com a Constituição”.
5. No requerimento de recurso de constitucionalidade o recorrente limitou-se a
impugnar a constitucionalidade da norma do artigo 410.º do Código de Processo
Penal, “com a interpretação que lhe foi aplicada na decisão recorrida”, pelo que
o que fez foi, antes, suscitar a inconstitucionalidade da decisão, sem referir a
desconformidade constitucional a uma interpretação desse artigo, devidamente
enunciada, que reputava inconstitucional.
Tal modo de invocação de desconformidade constitucional, sem se individualizar
de forma clara a interpretação normativa que pretende ver apreciada, não
configura uma forma adequada, por perceptível, de suscitação da questão de
constitucionalidade.
Note-se que se trata de um problema central do recurso de constitucionalidade: o
da definição do respectivo objecto, em termos de o Tribunal Constitucional ter
competência para o julgar. Está fora do âmbito do recurso de constitucionalidade
a averiguação, pelo Tribunal Constitucional, da forma como o acórdão recorrido
terá interpretado o artigo 410.º do Código de Processo Penal; isso equivaleria a
que lhe incumbiria a ele, Tribunal Constitucional, definir o objecto do recurso
que julga.
Falta, pois, um pressuposto indispensável ao conhecimento do objecto do recurso,
o qual já não poderia ser suprido mediante qualquer convite para aperfeiçoamento
do requerimento de recurso: não foi suscitada durante o processo, nos termos
exigidos pela alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal
Constitucional, a inconstitucionalidade da norma que o recorrente pretende seja
apreciada pelo Tribunal Constitucional.
Nestes termos, decide-se não conhecer do objecto do recurso.
2. Notificado desta decisão, o recorrente veio dela reclamar para a conferência
ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 78.º-A da Lei do Tribunal
Constitucional, através de requerimento com o seguinte teor:
1º
O recorrente foi notificado da douta decisão singular, proferida pela Exma.
Senhora Relatora, da qual se considera prejudicado.
2°
Pretende o recorrente que com o presente recurso fosse apreciada a
inconstitucionalidade da seguinte norma:
– Pretende-se ver apreciada inconstitucionalidade da norma do artigo 410° do
CPP, com a interpretação que lhe foi aplicada na decisão recorrida;
– Tal norma viola Princípio do In dubio pro reo, consagrado no artigo 32° da
Constituição.
– A questão da inconstitucionalidade foi suscitada nos autos, nas motivações de
recurso apresentadas pelo recorrente para o Tribunal da Relação de Lisboa, nas
motivações de recurso apresentadas pelo recorrente para o Supremo Tribunal de
Justiça.
3°
Entendeu a Exma. Juíza Conselheira Relatora não tomar conhecimento do objecto do
recurso.
4º
O recorrente não concorda com tal decisão, pois entende que se encontram
preenchidos os pressupostos de admissibilidade do recurso.
5º
Entendemos assim que deverá ser apreciada a inconstitucionalidade da norma
referida, como solicitado no requerimento de interposição do recurso, uma vez
que por diversas vezes foi levantada a questão de inconstitucionalidade da
aplicação da norma, por violação do artigo 32° da CRP.
Em vista do processo, o Ministério Público junto do Tribunal Constitucional
pronunciou-se pela manifesta improcedência da reclamação. “Na verdade a
argumentação da reclamante em nada abala os fundamentos da decisão reclamada, no
que toca à evidente inverificação dos pressupostos do recurso interposto.”
Cumpre apreciar e decidir.
II
Fundamentos
3. A presente reclamação foi deduzida sem que o reclamante tenha cumprido o
ónus de fundamentar as razões da dissidência quanto à decisão reclamada.
Na verdade, o reclamante limita-se a dizer que “não concorda com tal decisão,
pois entende que se encontram preenchidos os pressupostos de admissibilidade do
recurso” e “assim que deverá ser apreciada a inconstitucionalidade da norma
referida, como solicitado no requerimento de interposição do recurso, uma vez
que por diversas vezes foi levantada a questão de inconstitucionalidade da
aplicação da norma, por violação do artigo 32.º da CRP”, sem, todavia, adiantar
o que quer que seja que possa infirmar o que, quanto à não verificação deste
pressuposto do recurso interposto, se expõe na decisão reclamada.
A fundamentação desta decisão – no sentido de não ter sido cumprida a exigência
de suscitação prévia e processualmente adequada da inconstitucionalidade da
norma que se pretende submeter à apreciação sub specie constitutionis – mantém,
pois, inteira validade.
A decisão sumária de não conhecimento do objecto recurso deve, assim, ser
confirmada, e a presente reclamação desatendida, por não se basear em quaisquer
fundamentos que ponham em causa aquela decisão – fundamentos esses que, aliás, o
Tribunal não vislumbra.
III
Decisão
Pelos fundamentos expostos, decide-se inferir a presente reclamação e confirmar
a decisão sumária de não conhecimento do objecto recurso, bem como condenar o
reclamante em custas, com 20 (vinte) unidades de conta de taxa de justiça.
Lisboa, 4 de Janeiro de 2008
Maria Lúcia Amaral
Carlos Fernandes Cadilha
Gil Galvão