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Processo n.º 261/07
3ª Secção
Relator: Conselheiro Vítor Gomes
Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. A. requereu a concessão de apoio judiciário, na modalidade de
dispensa de pagamento de taxa de justiça e de nomeação e pagamento de honorários
de patrono, a fim de se constituir assistente num processo de inquérito, pedido
esse que foi indeferido pelos serviços da Segurança Social.
O requerente impugnou a decisão administrativa de indeferimento no Tribunal
Judicial da Comarca de Loures (4.º Juízo Criminal), mas sem sucesso.
Seguidamente, interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa que, por
acórdão de 31 de Outubro de 2006, lhe negou provimento.
2. No recurso, o requerente sustentou, além do mais, que o pedido de apoio
judiciário deveria considerar-se já tacitamente deferido no momento em que foi
proferido o acto expresso de indeferimento.
Sobre essa questão, a Relação disse o seguinte:
“(…)
Ora o que se passa é que nem a decisão recorrida, nem o recorrente, têm o
entendimento correcto da situação referente a partir de quando ao abrigo do
art.º 1.º da Portaria n.º 1085-A/04 se deve considerar suspenso o prazo de 30
dias para o deferimento tácito do pedido de protecção jurídica constante do
art.º 25.º, n.º 1 e 2, da Lei n.º 34/04.
Como também nem a decisão recorrida, nem o recorrente, têm o entendimento
correcto da situação referente a partir de quando e de que acto se deve
considerar que o prazo de 30 dias para o deferimento tácito do pedido de
protecção jurídica constante do art.º 25.º, n.º 1 e 2, da Lei n.º 34/04 retoma o
seu curso após ao requerente do apoio judiciário ter sido, nos termos do art.º
1.º da Portaria n.º 1085-A/04, comunicado que faltam documentos para a decisão
do requerimento.
O art.º 1.º da Portaria n.º 1085-A/04 estabelece o seguinte:
«1. Com o requerimento de protecção jurídica devem ser juntos os documentos
referidos nos artigos 3.º, 4.º, 14.º e 15.º da presente portaria.
«2. o requerente deve juntar ainda, com o requerimento de protecção jurídica,
outros documentos comprovativos das declarações prestadas, incluindo documentos
de identificação pessoal do requerente e do respectivo agregado familiar, no
caso de se tratar de pessoa singular, ou, tratando-se de pessoa colectiva ou
equiparada, cópia do pacto social actualizado, no caso das sociedades, e outros
documentos de identificação do requerente e respectivos representantes legais,
se existirem.
«3. Sem prejuízo do pedido de apresentação de provas a que haja lugar nos termos
da lei, a falta de entrega dos documentos referidos nos números anteriores
suspende o prazo de produção do deferimento tácito do pedido de protecção
jurídica.»
Ora os documentos que o oficio da Segurança Social de 7 de Fevereiro de 2005
pediu são os referidos nos art.º 3.º, n.º 2 al.ª a) e 14.º da Portaria n.º 1
085-A/04. Logo, dos referidos no n.º 1 do art.º 1.º deste diploma legal.
E, recordando, o que é que estipula o n.º 3 desse art.º 1.?
Que «a falta de entrega dos documentos referidos nos números anteriores suspende
o prazo de produção do deferimento tácito do pedido de protecção jurídica».
E suspende esse prazo independentemente da prolação de qualquer despacho ou da
emissão de qualquer oficio a avisar o requerente do apoio judiciário para a sua
falta, operando ope legis e não se pondo pois qualquer questão de quando é que o
requerente se deve ter por notificado ou não desse despacho ou desse oficio para
que se dê a suspensão.
Isto é, no caso dos autos, tendo o requerente e ora recorrente A. requerido
protecção jurídica em 19-1-2005 sem ter junto com o requerimento os documentos
exigidos pelo n.º 1 do art.º 1.º da mencionada Portaria, logo nesse próprio dia
ficou por isso mesmo suspenso o prazo de produção do deferimento tácito do
pedido de protecção jurídica.
Mas isso não significa que a Segurança Social fique muda e queda perante tal
omissão da junção daqueles documentos. A 1ª parte do n.º 3 do referido art.º 1.º
impõe-lhe que peça ao requerente a apresentação das provas em falta, acto
administrativo que a Segurança Social deve fazer em 8 dias, como manda o art.º
69.º do Código de Procedimento Administrativo, para o qual remete o art.º 37.º
da Lei n.º 39/04, de 29-7, e por isso é que a Segurança Social lhe enviou o tal
oficio datado de 7 de Fevereiro de 2005.
Mas se, por hipótese, a Segurança Social não o fizer em 8 dias mas em 8 meses, o
prazo de produção do deferimento tácito do pedido de protecção jurídica continua
suspenso desde lá atrás, enquanto o requerente não juntar os documentos. Daí que
o art.º 38.º da Lei n.º 39/04, que estabelece que aos prazos processuais
previstos nessa lei se aplicam as disposições da lei processual civil (e através
do qual o recorrente pretende ver aplicado o efeito dos art.º 255.º, n.º 1 e
254.º, n.° 3, do Código de Processo Civil), não tenha nada que ver com o assunto
que vimos tratando e que é antes o das causas de suspensão de um prazo – no
caso, o prazo de produção do deferimento tácito do pedido de protecção jurídica.
O que nos leva directamente à 2ª parte da questão, a referente a estabelecer a
partir de quando e de que acto se deve considerar que o prazo de 30 dias para o
deferimento tácito do pedido de protecção jurídica constante do art.º 25.º, n.º
1 e 2, da Lei n.º 34/04 retoma o seu curso. Ora esse momento só pode ser aquele
em que o requerente do apoio judiciário entrega os documentos em falta ou aquele
em que a Segurança Social deles declara a final prescindir.
No caso dos autos, como nem o requerente os juntou, nem a Segurança Social
declarou no processo deles a final prescindir, isso quer dizer que o prazo de
produção do deferimento tácito do pedido de protecção jurídica continuou
suspenso nos termos do art.º l., n.º 3, da aludida Portaria e estava ainda
suspenso quando aquela entidade administrativa deu a decisão final, não tendo
havido sequer oportunidade para que a realização da audiência escrita do
requerente para a qual ele foi convidado a fls. 63 do presente processado
tivesse operado outra suspensão do mesmo prazo, agora a estipulada no art.º
100.º, n.º 3, do Código de Procedimento Administrativo.
Em conclusão: não ocorreu nos presentes autos o deferimento tácito do
requerimento de concessão do apoio judiciário, por decurso do prazo de 30 dias
estabelecido no art.º 25.º, n.º 1 e 2, da Lei n.º 34/04.”
3. O recorrente interpôs recurso deste acórdão para o Tribunal Constitucional,
ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de
Novembro (LTC), suscitando diversas questões.
O relator (fls. 149) ordenou o prosseguimento do processo, mas delimitando o
recurso à questão de constitucionalidade da “norma do n.º 3 do artigo 1.º da
Portaria n.º 1085-B/2004, de 31 de Agosto, na interpretação de que a falta de
entrega, conjuntamente com o requerimento de protecção jurídica, dos documentos
referidos na alínea a) do n.º 2 do artigo 3.º e no artigo 14.º da mesma
Portaria, suspende ope legis o decurso do prazo de produção do deferimento
tácito do pedido, independentemente da prolação de despacho ou de notificação do
requerente para suprir a falta”.
Apresentaram alegações o recorrente e o Ministério Público.
O recorrente remata as suas alegações com as seguintes conclusões:
“1.ª As notificações da autoridade administrativa consideram-se efectuadas ao
interessado no terceiro dia seguinte à sua remessa postal, ou no dia útil
seguinte se aquele o não for, segundo as regras dos art.ºs 254.º, n.º 2, e
255.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi art.º 38.º da Lei n.º
34/2004, de 29 de Julho.
2.ª Só então se suspende o prazo peremptório imposto no n.º 1 do art.º 25.º da
aludida Lei n.º 34/2004, o qual reinicia o seu curso com a prática do acto para
que o interessado foi convocado, por entrega nos serviços da administração ou
remessa postal.
3.ª O dispositivo do n.º 3 do art.º 1.º da Portaria n.º 1085-A/2004, de 31 de
Agosto, não contém a virtualidade de impor uma suspensão automática ope legis a
manter-se até final do procedimento administrativo se incumprida, total ou
parcialmente, a exigência da autoridade administrativa para prática de acto,
designadamente a entrega de documentos cuja indispensabilidade não esteja
especificadamente prevista na lei ou seja de obtenção impossível
4.ª Tampouco essa suspensão se mantém até ao final do prazo para a prática desse
acto, reiniciando-se logo que o interessado alegue e demonstre sumariamente, em
especial por emanência de lei expressa, ser tal acto dispensado, dispensável,
inexigível ou impossível por esvaziamento do objecto, segundo a regra da alínea
b) do n.º 1 do art.º 284.º da mesma lei adjectiva civil, devidamente conjugado
com o dispositivo da alínea b) do n.º 2 do art.º 89.º do Código de Procedimento
Administrativo.
5.ª Como é o caso das certidões fiscais relativas a actividade profissional
independente e a sociedades onde o requerente e/ou o seu agregado familiar
detenham participações sociais iguais ou superiores a 10% do capital social,
exigidas nos art.ºs 4.º, n.º 2, 8.º, n.º 5, e 14º da referida portaria
reguladora, se tiverem sido comprovadas as respectivas cessações de actividades,
caso em que inexiste obrigações declarativas acessórias de acordo com o expresso
em sede do Código do Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Singulares, do Código
do Rendimento sobre as Pessoas Colectivas, e do Código do Imposto sobre o Valor
Acrescentado.
6.ª Como o é também quando o titular societário não é gerente e, por isso,
carece de legitimidade activa para requerer certidões fiscais por força do
disposto nos artºs 252.º, n.ºs 1 e 5, do Código das Sociedades Comerciais e
art.º 15.º da Lei Geral Tributária.
7.ª Ao que acresce que a economia comum não se presume, tampouco a comunhão de
mesa e habitação, como dita o art.º 2.º da Lei n.º 6/2000, de 11 de Maio, e os
filhos maiores, com rendimentos próprios, gozam de independência total, e de
personalidades e capacidades próprias segundo as regras dos art.ºs 66.º e 67.º
do Código Civil, e art.ºs 15.º e 16.º da Lei Geral Tributária, em absoluta
submissão ao imperativo constitucional do art.º 26.º da lei fundamental, pelo
que a entrega de elementos sobre o seu rendimento depende inteiramente da sua
vontade, devendo ser chamados pela administração a intervir como interessados,
querendo, como previsto no art.º 90.º, n.º 1, do Código de Procedimento
Administrativo e demais normas conexas.
8.ª Por todo este conjunto de factores relevantes existe nestes casos, também
ope legis, impossibilidade prática de cumprir a determinação administrativa, por
imposições legais peremptórias que tornam o acto dispensável como emerge do
disposto no já referido art.º 89.º, n.º 2, alínea b), do Código de Procedimento
Administrativo, aplicável em razão do art.º 37.º da Lei n.º 34/2004.
9.ª Por isso o sábio legislador previu, de resto, tais excepções à regra em
causa ao transpor para a lei solução alternativa para o necessário cômputo da
renda financeira implícita, por via da aplicação do valor nominal das
participações sociais em causa conforme está expresso a final do n.º 5 do art.º
10.° da Portaria n.º 1 085-A/2004.
10.ª Que no que tange ao rendimento efectivo do requerente e seu agregado
familiar se basta com a declaração fiscal de rendimentos a qual é presumida de
verdadeira por força do n.º 1 do art.º 75.º da Lei Geral Tributária.
11.ª E para que nada falhasse e, por essa via, se cerceassem os direitos do
cidadão sempre ficou também em forma de lei, o artº 20.º, nº 2, da Lei n.º
34/2004, a possibilidade de, em caso de fundadas dúvidas, se socorrer a
autoridade administrativa de uma comissão técnica avaliadora da invocada
situação de insuficiência de meios económicos do interessado.
12.ª Destarte, se adapta a norma arguida de inconstitucionalidade interpretativa
- e com ela as leis aplicáveis, as supra referidas e as demais que as
complementam numa subsidiariedade legislativa concatenada - de forma a garantir
ao cidadão o direito a um processo célere e equitativo que lhe garanta em tempo
útil o acesso ao direito e aos tribunais de modo a defender em tempo útil tais
direitos e impedir a sua violação.
13.ª Pelo que a interpretação dada à norma contida no nº 3 do art.º 1.º da
Portaria n.º 1085-A/2004, de 31 de Agosto, está ferida de inconstitucionalidade
porque incorrectamente entendida e aplicada ao considerar uma radical percepção
sobre a suspensão do prazo para a decisão administrativa ope legis e ad aeternum
em caso de falta de documentos exigidos na lei ou pela autoridade administrativa
mesmo se estes inexistem por força de outras disposições legais, são de obtenção
impossível ou extremamente demorada ou não estão no âmbito exclusivo da sua
vontade, tese aquela que deverá ser considerada como violadora dos imperativos
dos n.ºs 1, 4 e 5 do artº 20.º da Constituição da República Portuguesa.
15.ª Tendo-se por correcta a que faz reiniciar o prazo suspenso com a
notificação da autoridade administrativa para a prática do acto pretensamente em
falta quando o interessado fizer saber dessas excepções à lei que dispensem,
cerceiem ou impossibilitem a prática do acto, procedendo-se então segundo as
regras alternativas previstas na própria lei de protecção jurídica, sua Portaria
Regulamentadora e demais legislação aplicável, mormente o Código de Procedimento
Administrativo.
16.ª Devendo, em conformidade, ser declarada a inconstitucionalidade da aludida
norma do artigo 1.º, n.º 3, da Portaria n.º 1085-A/2004, de 31 de Agosto, na
interpretação dada de que o prazo para a decisão administrativa se suspende ope
legis em face da falta de entrega da documentação exigida pela administração
mesmo se sem fundamento legal bastante nem objecto probatório, por violar os
imperativos do n.ºs 1, 4 e 5 do artigo 20.º da Constituição da República
Portuguesa, o que se requer.”
O Ministério Público contrapõe que não se afigura excessivo que quem
alega insuficiência económica tenha o ónus de apresentar logo determinados
documentos comprovativos dessa situação, não tendo a suspensão do prazo inerente
à falta da apresentação consequências irremediáveis para quem busca protecção
jurídica, mas tão só que o simples decurso do prazo de 30 dias não implique a
concessão do benefício. E concluiu nos seguintes termos:
“1.º Não é inconstitucional a norma do nº 3 do artigo 1º da Portaria nº
1085‑A/04, de 31 de Agosto, interpretada no sentido de que a falta de entrega,
conjuntamente com o requerimento de protecção jurídica, dos documento aludidos
na alínea a) do nº 2 do artigo 3º e no artigo 14º da mesma Portaria suspende ope
legis o decurso do prazo de produção do deferimento tácito do pedido,
independentemente de despacho ou de notificação do requerente para suprir a
falta.
2.º Termos em que não deverá proceder o presente recurso.”
II. Fundamentos
4. O âmbito do recurso de fiscalização concreta de
constitucionalidade é definido pelo requerimento de interposição.
Posteriormente, pode ser restringido, mas não ampliado (v., por exemplo,
Acórdãos n.ºs 634/94, 20/97 e 243/97, publicados, respectivamente, no Diário da
República, II Série, de 31 de Janeiro de 1995 e de 1 de Março de 1997 e nos
Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 36º, pp. 609-614). Além disso, o
objecto assim definido a instância de parte, sofre as delimitações que
porventura resultem do despacho de admissão ou do exame preliminar e se
consolidem.
Sucede que, apesar de abrirem com o reconhecimento da delimitação
operada pelo despacho do relator a fls. 149 e segs., as alegações do recorrente
versam sobre diversíssimas questões, as mais delas nem sequer constituindo
questões de constitucionalidade e, de todo o modo, sempre exorbitando do objecto
do recurso como ficou definido por aquele despacho, que não foi objecto de
impugnação. Não pode conhecer-se dessa matéria, pelo que, em conformidade com
aquela delimitação e com os poderes cognitivos do Tribunal, se irá apreciar a
questão de conformidade com os n.ºs 1, 4 e 5 do artigo 20.º da Constituição da
norma do n.º 3 do artigo 1.º da Portaria n.º 1085-B/2004, de 31 de Agosto, na
interpretação de que a falta de entrega, conjuntamente com o requerimento de
protecção jurídica, dos documentos referidos na alínea a) do n.º 2 do artigo 3.º
e no artigo 14.º da mesma Portaria, suspende ope legis o decurso do prazo de
produção do deferimento tácito do pedido, independentemente da prolação de
despacho ou de notificação do requerente para suprir a falta.
Importa ainda deixar claro que, tal como a questão é posta ao
Tribunal, o que cumpre confrontar com a Constituição é a repercussão na formação
do deferimento tácito, segundo a interpretação normativa adoptada pelo tribunal
a quo, da falta de instrução do requerimento com os documentos probatórios que
legalmente o devem acompanhar, e não a exigência de apresentação dos referidos
documentos ou de alguns deles, aspecto relativamente ao qual ficou decidido que
o recurso de constitucionalidade não pode prosseguir, por não ter sido
oportunamente suscitada, de modo processualmente adequado, a respectiva questão
de constitucionalidade.
5. O artigo 25.º, n.º1, da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho (serão
deste diploma legal todas as disposições legais doravante citadas sem outra
referência), fixa o prazo de 30 dias para conclusão e decisão do procedimento
administrativo respeitante ao pedido de protecção jurídica, pretensão esta cuja
apreciação, mesmo na modalidade de apoio judiciário, passou competir aos
serviços de segurança social desde a desjudicialização que neste domínio foi
operada pela Lei n.º 30-E/2000, de 20 de Dezembro. Decorrido esse prazo,
considera-se deferido o pedido de pretensão de protecção jurídica formulado
(artigo 25.º, n.º 2).
O legislador enveredou, neste domínio, pelo regime de deferimento
tácito, isto é, por atribuir um efeito jurídico positivo (de assentimento) ao
silêncio administrativo, concedendo ao requerente o benefício correspondente à
sua pretensão, verificado que seja o decurso do lapso temporal legalmente fixado
sem que o órgão com dever legal de decidir se tenha pronunciado expressamente.
Além disso, estabeleceu um prazo consideravelmente mais curto do que o prazo
geral de produção de deferimento tácito, que é de 90 dias a contar da formulação
do pedido ou da apresentação do processo para esse efeito (cfr. n.º 2 do artigo
108.º do Código do Procedimento Administrativo). Quer a valoração positiva do
silêncio administrativo, quer o encurtamento do prazo, são soluções ordenadas a
assegurar, no plano procedimental, maior celeridade e mais intensa protecção à
garantia de que o acesso à justiça não seja denegado por insuficência de meios
económicos.
Ora, um dos problemas que tem sentido colocar, no âmbito do regime
geral dos requisitos de formação do deferimento tácito é o de saber se esse
efeito é afastado pela falta de qualquer elemento essencial para apreciação do
pedido e se nessa categoria cabe a falta de um documento cuja junção constitua
ónus do requerente e que seja exigido por lei para a instrução do requerimento.
Independentemente da resposta que em geral se dê a este problema (cfr. joão
tiago silveira, O Deferimento Tácito, pág. 168), quanto ao procedimento relativo
ao pedido de protecção jurídica a questão é objecto de regime especial, estando
expressamente resolvida pelo n.º 3 do artigo 1.º da Portaria n.º 1085‑A/84, de
31 de Agosto, editada ao abrigo do disposto no n.º 5 do artigo 8.º da Lei n.º
34/2004.
Efectivamente, o artigo 1.º da Portaria 1085-A/2004 estabelece o
seguinte (itálico aditado quanto à norma impugnada):
“Apresentação de documentos
1 - Com o requerimento de protecção jurídica devem ser juntos os documentos
referidos nos artigos 3.º a 5.º e 14.º e 15.º da presente portaria.
2 - O requerente deve juntar ainda, com o requerimento de protecção jurídica,
outros documentos comprovativos das declarações prestadas, incluindo documentos
de identificação pessoal do requerente e do respectivo agregado familiar, no
caso de se tratar de pessoa singular, ou, tratando-se de pessoa colectiva ou
equiparada, cópia do pacto social actualizado, no caso das sociedades, e outros
documentos de identificação do requerente e respectivos representantes legais,
se existirem.
3 - Sem prejuízo do pedido de apresentação de provas a que haja lugar nos termos
da lei, a falta de entrega dos documentos referidos nos números anteriores
suspende o prazo de produção do deferimento tácito do pedido de protecção
jurídica.”
Na interpretação que lhe é dada pela decisão recorrida – e, é bom
repeti-lo, esse é o sentido normativo cuja inconstitucionalidade cumpre apreciar
–, resulta desta disposição que, não cumprindo o requerente o ónus que o n.º 1
do mesmo preceito lhe impõe, de acompanhar o requerimento de protecção jurídica
com os elementos de prova da insuficiência económica que a lei (rectius o
regulamento) taxativamente exige, o prazo de deferimento tácito fica automática
e imediatamente suspenso. Independentemente de qualquer acto da Administração a
advertir ou convidar o requerente do apoio judiciário para suprir a falta, o
prazo para a decisão final não corre – nem sequer se inicia – enquanto os
documentos não forem juntos ou a Administração declare deles prescindir.
[Assinale-se que este regime sofreu alterações com a Lei 47/2007, de
28 de Agosto, que entrarão em vigor em 1 de Janeiro de 2008, sendo aditado à Lei
24/2004 um artigo 8.º-B, que passará a dispor que, se não forem entregues com o
requerimento de protecção jurídica os elementos de instrução legalmente
exigidos, os serviços da segurança social notificam o interessado para que este
os apresente no prazo de 10 dias, suspendendo-se o prazo para a formação de acto
tácito. No termo desse prazo, se o interessado não tiver procedido à
apresentação de todos os elementos de prova necessários, o requerimento é
indeferido. Passará a estar expressamente estabelecida, com efeitos
cominatórios, uma notificação para completar a instrução nestas circunstâncias].
6. Segundo o recorrente, na aludida interpretação, a norma do n.º 3
do artigo 1.º da Portaria n.º 1085-A/2004 violaria o disposto nos n.ºs 1, 4 e 5
do artigo 20.º da Constituição.
Trata-se de questão de constitucionalidade com fortes semelhanças
com aquela que foi apreciada pelo Tribunal no acórdão n.º 364/2004,publicado no
Diário da República, II Série, de 30 de Junho de 2004.
Nesse acórdão, em recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade também
protagonizado pelo ora recorrente, o Tribunal concluiu que não violava os n.ºs
1, 4 e 5 do artigo 20.º da Constituição a norma então constante do n.º 1 do
artigo 26.º da Lei n.º 30-E/2000, de 20 de Dezembro, na interpretação segundo a
qual a «o prazo peremptório ali previsto, suspenso após a notificação prevista
no artigo 24.º da referida Lei e até à sua resposta ou preclusão do prazo para a
mesma, só pode ser contado após a disponibilização à entidade administrativa de
todos os elementos necessários e suficientes à sua apreciação, considerados
[n]estes os que tenham sido carreados em função do aludido artigo 24.º, não se
produzindo assim o deferimento tácito».
As considerações que justificaram essa decisão são em larga parte transponíveis
para o confronto da norma agora em causa com os mesmos preceitos
constitucionais, pelo que se retomam, nos seus traços essenciais.
7. A proibição de denegação de justiça por insuficiência de meios
económicos, que acompanha expressamente a garantia de acesso ao direito e aos
tribunais (n.º1 do artigo 20.º da Constituição), assegurando que esta se não
quede por uma garantia meramente formal, impõe ao Estado um dever de prestação a
favor daqueles cuja situação económica lhes não permita custear as despesas
inerentes ao exercício do direito de acesso à via judiciária. Tratando-se de uma
prestação positiva que apenas deve ser realizada a favor de quem precise dela,
dado nada impor que a justiça seja gratuita (cfr. j.j. gomes canotilho e vital
moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 4ª edição, Vol. I, pag.
411), não pode a respectiva previsão constitucional deixar de ser lida no
sentido de que a sua concessão seja necessariamente precedida de um acto de
avaliação daquela insuficiência económica para suportar as despesas da lide.
Como já se deixou dito, a competência para essa avaliação está hoje atribuída à
Administração (artigo 20.º da Lei 34/2004), que decide em conclusão de um
procedimento administrativo especial em que ao interessado – que pode requerer
por si ou através de advogado, advogado estagiário ou solicitador e, ainda,
socorrer-se de representação pelo Ministério Público (cfr. artigo 19.º da Lei
34/2004) – incumbe instruir o requerimento com os documentos relativos aos
rendimentos e activos (próprios ou de elementos do respectivo agregado familiar)
que a Portaria 1085‑B/2004, de 31 de Agosto, alterada pela Portaria n.º
288/2005, de 21 de Março, especifica.
A Administração aprecia a ocorrência da situação de insuficiência económica
alegada, em face dos elementos probatórios que o requerente junte e dos
esclarecimentos complementares que oficiosamente solicite ou obtenha e extrai
daí as consequências inerentes quanto à concessão, modalidade e extensão do
benefício de apoio judiciário pretendido. Apreciação a que, salvo situações
excepcionais (cfr. n.º 2 do artigo 20.º da Lei 34/2004), os serviços da
Segurança Social procedem por aplicação de critérios tarificados no Anexo à Lei
34/2004 e quantificados nos artigos 6.º a 13.º da Portaria n.º 1085-B/2004,
tendentes a eliminar a subjectividade da apreciação administrativa.
Esta decisão tem a Administração de tomá-la no prazo de 30 dias subsequentes à
formulação do pedido, sob pena de ocorrer o deferimento tácito a que alude o n.º
2 do artigo 25.º da Lei n.º 34/2004. Mas, de acordo com a norma questionada, com
o sentido cuja verificação de conformidade à Constituição é deferida ao Tribunal
em recurso de fiscalização concreta, este efeito não se verifica se o pedido não
estiver devidamente instruído com os elementos cuja junção com o requerimento
inicial o regulamento expressamente impõe. E, de acordo com a mesma
interpretação – e isto é o que diferencia a presente situação daquela que foi
apreciada no acórdão n.º 364/2004 –, independentemente de despacho a advertir o
interessado para a necessidade de juntar os elementos em falta. O acórdão
recorrido reconhece a existência de um dever de a Administração notificar o
requerente para suprir a falta, mas afirma que não é dessa notificação que
resulta a suspensão do prazo de produção do deferimento tácito e que o
incumprimento pontual de tal dever de colaboração com o particular não interfere
com tal suspensão.
8. A norma assim interpretada não colide com qualquer das normas ou
princípios constitucionais que o recorrente invoca.
8.1. Em primeiro lugar, este regime de suspensão do prazo de
formação do deferimento tácito no âmbito do procedimento de apreciação do pedido
de protecção jurídica não viola a proibição de denegação de justiça por
insuficiência de meios económicos, consagrada no n.º 1 do artigo 20.º da
Constituição.
É certo que não basta para cumprir este imperativo constitucional a
mera existência do instituto do apoio judiciário no nosso ordenamento; impõe-se
que a sua modelação seja adequada, tanto nos pressupostos de atribuição e nas
prestações em que se analisa, como no procedimento a permitir o acesso aos
tribunais por parte daqueles que carecem dos meios económicos suficientes para
suportar os encargos que são inerentes à instauração e desenvolvimento de um
processo judicial, designadamente custas e honorários forenses (assistência
judiciária e patrocínio judiciário). Todavia, nem a imposição legal ou
regulamentar de que o pedido de protecção jurídica seja instruído com
determinados elementos destinados a provar a insuficiência económica colide com
esse direito, nem a consequência que a norma em causa, na interpretação
adoptada, comina para o seu incumprimento (não correr o prazo para o deferimento
tácito) se apresenta como inadequada ou excessiva.
Tratando-se de uma pretensão a uma prestação positiva do Estado (o pagamento das
despesas de patrocínio) e à exoneração ou modificação de encargos (as custas e
demais encargos processuais) a que os utentes da justiça estão geralmente
sujeitos, nada tem de desrazoável que o interessado seja onerado com a prova dos
respectivos pressupostos, aliás de acordo com o princípio geral de que àquele
que invocar um direito cabe fazer a prova dos respectivos factos constitutivos
(cfr. artigo 342.º do Código Civil).
O efeito cominado pela norma em causa consiste, apenas, em não se
considerar o pedido tacitamente deferido enquanto o interessado não tiver criado
as condições para que a Administração possa apreciar a justeza da sua pretensão,
não o de denegar-lhe o benefício se ocorrer uma situação de demonstrada
insuficiência económica.
Aliás, apesar de se aceitar que a opção pelo regime do deferimento
tácito para o pedido de protecção jurídica não decidido no prazo legal cumpre o
objectivo de conferir melhor protecção constitucional ao acesso ao direito e aos
tribunais, eliminando entraves que pudessem advir da inércia administrativa, não
pode considerar-se essa opção legislativa como constitucionalmente imposta (a
única solução legítima) para garantir que a justiça não seja denegada por
insuficiência de meios económicos, seja pelos princípios fundamentais da
actividade administrativa (artigo 266.º e n.º 4 do artigo 267.º da CRP), seja em
decorrência do complexo de direitos consagrados no artigo 20.º da CRP.
O legislador optou pela cominação do deferimento tácito como meio de compelir a
Administração a decidir dentro do prazo e por reputar essa via mais capaz de
oferecer protecção à posição do particular sem necessidade de intermediação do
juiz. Porém, a especial exigência de celeridade procedimental não é incompatível
com valoração diversa do silêncio administrativo, desde que ao interessado sejam
facultados meios contenciosos que permitam fazer apreciar jurisdicionalmente a
sua pretensão, com alcance e com efeitos que não comprometam a efectividade
prática do direito de acesso aos tribunais, pelo que a opção por um ou outro
sistema cabe na discricionariedade legislativa.
8.2. Também não procede a argumentação com que o recorrente tenta
convencer de que a norma em causa é susceptível de violar os n.ºs 4 e 5 do
artigo 20.º da Constituição.
Estas normas constitucionais contemplam, no seu dispositivo
imediato, procedimentos judiciais e não procedimentos administrativos.
Admite-se, todavia, que a protecção concedida por tais normas constitucionais se
estenda aos procedimentos administrativos que, pela sua directa relação com os
processos judiciais, possam comprometer o direito à decisão da causa em prazo
razoável e o direito ao processo equitativo (n.º 4 do artigo 20.º da CRP) ou a
efectividade da tutela judicial na defesa dos direitos liberdades e garantias
pessoais (n.º 5 do artigo 20.º da CRP). Nesta perspectiva, o procedimento
relativo ao apoio judiciário integra-se nesta categoria de procedimentos
administrativos cuja organização e estrutura podem contender com tais direitos
relativos ao processo judicial, dos quais é instrumental.
Todavia, nem com esta extensão pode imputar-se à solução normativa
em análise a violação de qualquer destas normas constitucionais, porque delas
decorre a obrigação de o legislador adoptar soluções processuais e
organizatórias que permitam realizar os referidos direitos, mas não que o
interessado deva ser protegido contra as consequências das próprias opções,
quando estas se traduzam no incumprimento de ónus procedimentais racionalmente
fundados. Ora, o retardamento da decisão do procedimento e, reflexamente, da
decisão judicial no processo em que se pretende beneficiar de apoio judiciário,
é aqui consequência da actuação do requerente ao não facultar à Administração os
elementos necessários à apreciação da pretensão de apoio judiciário directamente
estabelecidos pela lei (Recorda-se que, face à delimitação do objecto do
recurso, não está em consideração a conformidade constitucional das normas que
fixam os documentos a apresentar).
8.3. E não é exacto que a interpretação normativa questionada, ao
não subordinar a suspensão do prazo de formação de deferimento tácito a prévio
convite ou advertência ao requerente do apoio judiciário para completar a
instrução do requerimento, o deixe ad aeternum em situação de incerteza ou na
dependência irremediável da inércia da Administração, o que poderia conduzir a
um juízo de violação do princípio do procedimento equitativo.
Com efeito, o acórdão recorrido reconheceu que os serviços da
Segurança Social tem o dever de notificar o interessado para a falta de
determinados elementos, estabelecendo até esse prazo em 8 dias. Perante isso, o
requerente poderá completar a instrução do pedido, se acatar as razões da
Administração, ou impugnar a decisão subsequente de indeferimento, se discordar
da exigência. Foi, aliás, o que no caso sucedeu, pelo que este argumento do
recorrente não corresponde à dimensão normativa efectivamente aplicada pela
decisão recorrida na solução da questão controvertida.
É certo que o acórdão refere que o incumprimento do prazo, seja qual
for a sua expressão não tem quaisquer consequências neste domínio ('…se, por
hipótese, a Segurança Social não o fizer em 8 dias mas em 8 meses, o prazo de
produção do deferimento tácito do pedido de protecção jurídica continua suspenso
desde lá atrás, enquanto o requerente não juntar os documentos'). Porém, esta
afirmação é meramente conjectural, não correspondendo à dimensão normativa
efectivamente aplicada. Na verdade, segundo a matéria de facto que o acórdão
recorrido deu como provada, os serviços da Segurança Social advertiram o
requerente para a insuficiência da instrução, não no prazo de 8 dias, mas
seguramente antes de decorrido o prazo de 30 dias, já que o pedido de apoio
judiciário foi formulado em 19 de Janeiro de 2005 e a notificação ao recorrente
para completar a instrução consta de ofício de 7 de Fevereiro de 2005, vindo o
pedido a ser indeferido em 1 de Março de 2005. No total, com notificação para
completar a instrução e audição prévia do requerente, menos de um mês e meio até
à decisão final. Foi esta a situação que o acórdão apreciou, pelo que aquela
afirmação não integra a dimensão normativa que constitui a sua ratio decidendi
na solução da questão controvertida, retirando objecto à alegação do recorrente
de que a interpretação normativa acolhida implica a suspensão intolerável do
prazo para decisão administrativa.
9. Decisão
Pelo exposto, decide-se negar provimento ao recurso e condenar o
recorrente nas custas, fixando a taxa de justiça em 25 (vinte e cinco) unidades
de conta.
Lisboa, 19 de Dezembro de 2007
Vítor Gomes
Carlos Fernandes Cadilha
Ana Maria Guerra Martins
Maria Lúcia Amaral
Gil Galvão