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Processo n.º 171/08
2ª Secção
Relator: Conselheiro João Cura Mariano
Acordam, em conferência, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
Relatório
A. interpôs recurso no processo n.º 1451/04.7 SILSB, do 1º Juízo do Tribunal de
Pequena Instância Criminal de Lisboa, da sentença proferida em 7.6.2005 e
depositada em 31.03.2006.
Por despacho de 31-5-2006 o recurso não foi admitido por ter sido considerado
intempestivo.
Em 19.07.2006, o arguido deduziu reclamação contra o despacho que rejeitou o
recurso.
Em 26-6-2007 foi proferido despacho que julgou deserto o recurso e extinta a
instância de recurso nos termos do nº 3, do artigo 80.º, do C.C.J., com
fundamento no facto do arguido não ter procedido ao pagamento da taxa de justiça
devida, nem mesmo depois de notificado para o fazer com o legal acréscimo, nos
termos do n.º 2, do referido dispositivo.
Em 2-11-2007, a Vice-Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa, apreciando a
reclamação apresentada, proferiu decisão nos seguintes termos:
“1. A., no processo n.º 1451/04.7 SILSB do 1º Juízo do Tribunal de Pequena
Instância Criminal de Lisboa veio, em 19.07.2006, deduzir reclamação contra o
despacho que rejeitou o recurso da sentença proferida em 7.6.2005 e depositada
em 31.03.2006 (fls. 137 deste apenso) por o considerar intempestivo, conforme
despacho de 31.05.2006.
2. O processamento do presente incidente tem levantado algumas dúvidas sobre
qual o requerimento que se encontra por apreciar.
Afigura-se que foi suscitada reclamação acerca do despacho que não recebeu o
recurso por intempestividade do mesmo conforme resultará do despacho de fls. 114
a 116 (datada de 26.06.2006 ou 26.06.2007 pois a data ainda não foi devidamente
rectificada no local próprio do processo). Nesse mesmo despacho se afirma que
antes de determinar a subida dos autos se determinou a notificação do arguido
para pagar a taxa de justiça devida face ao indeferimento do pedido de apoio
judiciário (cfr. Despacho de 4.9.2006 – fls. 99), pelo que, não tendo o arguido
procedido à respectiva autoliquidação nem mesmo depois de notificado para o
fazer com o legal acréscimo nos termos do art.º 80º, n.º 2 CCJ, se julgou
deserto o recurso e extinta a instância de recurso nos termos do n.º 3 do
referido preceito legal.
Em síntese, o reclamante invoca que o arguido apenas foi notificado por carta
expedida com data de 6.4.2006 mas não tendo o distribuidor postal escrito no
envelope qualquer data pelo que se terá de presumir que a notificação foi feita
em 18.4.2006, 1º dia útil seguinte a férias judiciais pelo que o prazo
terminaria em 3 de Maio e mesmo que terminasse no dia anterior seria de aplicar
o disposto no art.º 145º n,ºs 5, 6 e 7 CPC.
Resulta dos autos que o distribuidor postal depositou a carta para notificação
no dia 10-04-2006 conforme declaração de depósito aposta no respectivo talão
(cfr. fls. 68 dos autos).
E resulta do envelope junto pelo reclamante que não foi aposta naquele a
referência à data do depósito, o que seria susceptível de comprometer a
regularidade da notificação se esta não se tivesse de considerar sanada por
falta de invocação atempada nos termos do art.º 123º CPP. A sua invocação em
sede de reclamação e no momento em que o foi não é susceptível de produzir
efeitos pelo que a notificação se considera efectuada no 5º dia posterior à data
de depósito constante do talão de fls. 68 e referenciada pelo distribuidor
postal.
O 5º dia posterior foi o dia 15 que por corresponder a um sábado se transfere
para dia 17, pelo que o prazo terminou a 2.5.2006 (e o recurso foi interposto em
3.5.2006), podendo o recorrente praticar o acto embora sujeito ao cumprimento
do art.º 145º, n.º 6 CPC uma vez que não se apresentou para pagar multa nos
termos do n.º 5 do mesmo preceito.
3. Porém, tendo sido notificado para pagar taxa de justiça devida pela
interposição de recurso, nos termos e com a cominação do art.º 80º, n.º 2 CCJ,
não o fez, tendo sido julgado deserto o recurso nos termos do art.º 80º, n.º 3
CCJ, conforme despacho de 26.06.2007, despacho sobre o qual não recaiu recurso
ou reclamação fls. 125 deste apenso).
Aliás, o despacho que considerar sem efeito ou deserto, por falta de pagamento
de taxa de justiça, o recurso, sendo susceptível de recurso, não cabe na
previsão do referido artigo 405.º, ou seja, não devendo ser impugnado, por via
de reclamação, para o presidente do tribunal superior, mas através de recurso1.
4. Como tal, a eventual admissibilidade do recurso, apreciada em 2., está
prejudicada pela extinção da instância de recurso determinada pelo despacho de
26.06.2007, o que leva a que se não conheça do objecto da presente reclamação
por inutilidade superveniente da mesma.”.
O arguido recorreu desta decisão para o Tribunal Constitucional, nos termos da
alínea b), do artigo 70.º, da LTC, “para apreciação da inconstitucionalidade da
interpretação que foi dada ao artigo 80º nºs 2 e 3 do C.C.J., que contraria o nº
1 do artigo 26º e nºs 1 e 5 do artigo 32º todos da Constituição”.
A Vice-Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa proferiu despacho de não
admissão do recurso, com a seguinte fundamentação:
“Salvo o devido respeito por melhor entendimento, a decisão de 02.11.2007 não
procedeu a qualquer interpretação do disposto no art.º 80º, n.ºs 2 e 3 CCJ.
Limitou-se a, perante a decisão sob reclamação que essa sim efectuou tal
interpretação e concluiu pela deserção do recurso, a constatar que a decisão de
que se pretendia reclamar seria susceptível de recurso e não de reclamação.
Pelas razões indicadas no despacho referido se determinou que se não conheceria
do objecto da reclamação.
Por essa razão afigura-se que não será de admitir o recurso interposto para o
Tribunal Constitucional com vista à pretendida discussão, uma vez que a decisão
em que alegadamente, no entender do recorrente, terá sido efectuada a
interpretação inconstitucional não contém tal interpretação que apenas foi feita
pelo tribunal de 1ª instância ao decidir julgar deserto o recurso. No âmbito da
decisão de 2.11.2007 apenas se concluiu, perante tal decisão, que não se
conhecia do objecto da reclamação pelas razões nele explanadas mas que não a
dita interpretação legal que o recorrente pretende sindicar do ponto de vista
constitucional.
Por tal razão, não admito o recurso interposto para o Tribunal Constitucional,
uma vez que pela decisão de que se pretende recorrer não foi aplicada a norma
cuja inconstitucionalidade se pretende ver apreciada (art.ºs 70º n.º 1 b) e 76º
da Lei do TC)”.
O recorrente reclamou “da não admissão do Recurso para o Tribunal Constitucional
pois, salvo o devido respeito, parece-lhe que o recurso no fundo não foi
admitido na Primeira Instância por falta de pagamento do imposto de justiça,
decisão esta que lhe parece implicar uma interpretação inconstitucional dos nºs
1 a 3 do artigo 80º do C. C. J., por contrariar o nº 1 do artigo 26º e os nºs 1
e 5 do artigo 32º, todos da Constituição.”
O Ministério Público pronunciou-se sobre a reclamação apresentada, nos seguintes
termos:
“A presente reclamação é manifestamente improcedente.
Na verdade, a “ratio decidendi” do despacho reclamado não é integrada pela norma
indicada pelo reclamante, mas antes pela que consta do art. 405º do CPP,
interpretada nos termos de o procedimento de reclamação, aí previsto, não ser o
meio processual idóneo para impugnar a decisão que haja julgado deserto o
recurso interposto pelo interessado.”
*
Fundamentação
O recorrente pretende que seja apreciada a constitucionalidade da interpretação
que foi dada ao artigo 80.º, n.º 2 e 3, do C.C.J..
Quanto ao recurso interposto com base na alínea b), do nº 1, do artigo 70º, da
LTC, importa começar por recordar que no sistema português de fiscalização de
constitucionalidade, a competência atribuída ao Tribunal Constitucional
cinge‑se ao controlo da inconstitucionalidade normativa, ou seja, das questões
de desconformidade constitucional imputada a normas jurídicas ou a
interpretações normativas, hipótese em que o recorrente deve indicar, com
clareza e precisão, qual o sentido da interpretação que reputa
inconstitucional, e já não das questões de inconstitucionalidade imputadas
directamente a decisões judiciais, em si mesmas consideradas.
Por outro lado, a admissibilidade deste recurso depende da verificação
cumulativa dos requisitos de a questão de inconstitucionalidade haver sido
suscitada «durante o processo», «de modo processualmente adequado perante o
tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a
dela conhecer» (n.º 2, do artigo 72.º, da LTC), e de a decisão recorrida ter
feito aplicação, como sua ratio decidendi, das dimensões normativas arguidas de
inconstitucionais pelo recorrente.
A decisão recorrida é o despacho da Vice-Presidente do Tribunal da Relação de
Lisboa proferido em 2-11-2007.
Esse despacho não conheceu da reclamação da decisão da 1ª instância de não
admissão de recurso interposto, por ter considerado que a eventual
admissibilidade deste estava prejudicada pela extinção da instância de recurso
determinada pelo despacho de 26.06.2007, o qual não era susceptível de
reclamação.
Se é certo que este último despacho fundamentou a sua decisão no disposto no
referido artigo 80.º, n.º 2 e 3, do C.C.J., já o despacho recorrido, que decidiu
a reclamação apresentada, ao considerar que aquele primeiro despacho não era
susceptível de reclamação, julgou a sua apreciação prejudicada, pelo que não se
pronunciou sobre a aplicação do referido dispositivo.
A norma indicada pelo recorrente não integrou, pois, a ratio decidendi da
decisão recorrida, pelo que faltando este pressuposto essencial ao conhecimento
do recurso constitucional deve ser indeferida a reclamação apresentada.
*
Decisão
Pelo exposto, indefere-se a reclamação apresentada por A., da decisão da
Vice-Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa que não admitiu o recurso
interposto por aquele para o Tribunal Constitucional.
*
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta,
ponderados os critérios referidos no artigo 9.º, nº 1, do Decreto-Lei nº 303/98,
de 7 de Outubro (artigo 7.º, do mesmo diploma).
*
Lisboa, 4 de Março de 2008
João Cura Mariano
Mário José de Araújo Torres
Rui Manuel Moura Ramos
1 Cfr. Salvador da Costa, Código das Custas Judiciais, Anotado e Comentado, 7.ª
Edição, Almedina, Coimbra, 2004, p. 383-384, e Acórdão da Relação do Porto, de
17 de Fevereiro de 1993, Colectânea de Jurisprudência, Ano XVIII, Tomo I, p.
252.