Imprimir acórdão
Processo n.º 1033/07
3ª Secção
Relator: Conselheiro Vítor Gomes
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
1. A. LDª reclama, ao abrigo do n.º 4 do artigo 76.º e do artigo
77.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (LTC), do despacho do relator no
Tribunal da Relação de Coimbra, de 25 de Setembro de 2007, que não admitiu, por
considerá-lo intempestivo, o recurso que interpôs para o Tribunal Constitucional
do acórdão de 24 de Abril de 2007, proferido num processo de expropriação
litigiosa em que é expropriante a Universidade de Coimbra.
Em síntese, a reclamante alega que o recurso de constitucionalidade
foi interposto em tempo porque, nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 75.º da LTC,
o prazo respectivo só começou a correr quando se tornou definitiva a decisão que
não admitiu um recurso para uniformização de jurisprudência que interpôs do
mesmo acórdão para o Supremo Tribunal de Justiça, ou seja, com o esgotamento do
prazo para reclamar desse outro despacho de não admissão.
O Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu o seguinte parecer:
“Poderá efectivamente entender-se que o recurso de constitucionalidade foi
tempestivamente interposto, já que não o precludia o facto de a reclamante não
ter utilizado o meio impugnatório “ordinário” que, em abstracto, seria adequado
para questionar o despacho de não admissão do recurso interposto para o STJ
(art. 70.º, n.ºs 3 e 4, da Lei n.º 28/82).
Não se verificando, porém, os pressupostos de admissibilidade do recurso
dirigido a este Tribunal Constitucional, a presente reclamação deverá ser
indeferida.
Na verdade, no recurso tipificado na alínea b) do n.º 1 do art. 70.º da referida
lei cabe ao recorrente ónus de suscitar, durante o processo e em termos
processualmente adequados, a questão da específica inconstitucionalidade
normativa que pretende submeter ao TC, devendo colocá-la à apreciação do
Tribunal “a quo”, em “termos de este estar obrigado a dela conhecer” (art. 72.º,
n.º 2): sendo evidente que são as conclusões da alegação da parte que delimitam
o elenco das questões que o tribunal de recurso deve necessariamente apreciar,
tal requisito implica que a dita questão de constitucionalidade nelas seja
expressamente mencionada e referida.
No caso dos autos, as conclusões da alegação apresentada pela recorrente são
totalmente omissas sobre a dita questão – o que levou naturalmente a Relação, no
acórdão recorrido, a não se pronunciar sobre tal matéria.
Acresce que a argumentação – vagamente expendida pela recorrente a fls. 1064 –
não traduz sequer suscitação adequada de uma questão de inconstitucionalidade
normativa reportada ao art. 59.º do RPDM (não decorrendo obviamente dos
princípios constitucionais da igualdade e da justa indemnização a resposta à
questão que se traduz em saber se, em certo caso concreto, o índice de
construção aplicável deverá ser de 0,635 ou de 0,45).
Aliás, percorrido o acórdão recorrido, verifica-se que a opção da Relação por um
daqueles “índices” nada teve a ver com a “rigidez” de tal critério, mas antes
com o facto de ser ter entendido até o estabelecido pelo PDM à data da
declaração de utilidade pública – o que implica que não foi aplicado, como
“ratio decidendi”, a interpretação normativa, aliás deficientemente, indicada
pela recorrente na sua alegação de recurso.”
A reclamante sustenta, em resposta, que suscitou a questão de
constitucionalidade que quer ver apreciada em contra-alegações ao recurso da
expropriante.
2. Para decisão das questões que cumpre apreciar no âmbito da presente
reclamação, são relevantes as ocorrências processuais seguintes:
a) No processo de expropriação litigiosa de que a presente reclamação emerge,
foi proferida sentença a fixar a indemnização global de €2.382.364,60 pela
parcela de terreno expropriada;
b) Dessa sentença recorreram para o Tribunal da Relação de Coimbra a
expropriante e a expropriada, pedindo a fixação do montante de indemnização em
€1.301.597,10 e €4.251.579,80, respectivamente;
c) A expropriada (ora recorrente) sustentou, em contra-alegação ao
recurso da expropriante, o seguinte:
“d) – Sobre as conclusões 24ª, 25ª, 26ª, 27ª e 28ª, que versam sobre o índice de
construção a considerar para os mesmos fins, dúvidas não subsistem de que é o de
0,635 porquanto (e aqui a apelante pede vénia para reproduzir as razões que
invocou nas alegações de recurso da decisão arbitral):
“1º - É o índice efectivamente aplicado pela UC na edificação do designado Pólo
III – Pólo das Ciências da Saúde – conforme resulta sobejamente da prova
documental e testemunhal.
2º- O artigo 59° do RPDM não estipula obrigatoriamente a aplicação do índice
0,45 às zonas destinadas a equipamento.
O que a citada norma regulamentar dispõe é que o índice médio de utilização para
a cidade de Coimbra é de 0,45, incluindo as zonas para equipamento, podendo tal
índice aumentar ou mesmo diminuir consoante os critérios ou factores de
apreciação de um projecto em concreto (a chamada envolvente). – Certidão junta
emitida pela CMC em 17/01/2006
3º - Ainda que não houvesse Plano de Pormenor para o Pólo III, era viável a
aplicação do índice 0,635 para a zona e, concretamente, para a parcela
expropriada, à luz do PDM
4º - A utilização do índice 0,635 poderia ser consentida pela CMC à própria
sociedade expropriada, desde que o projecto apresentado (para uma Igreja, uma
piscina pavilhões desportivos e de lazer, etc.) satisfizesse os demais
requisitos do PDM.
5º - Á circunstância de o PP do Pólo III não estar ainda plenamente em vigor
(não obstante aprovado em reunião de Câmara) à data da DUP, em nada influi na
aplicação do índice 0,45, do índice 0,635 ou de qualquer outro.
6º - Servindo-se a UC da aplicação do índice de utilização de 0,635 (aumentando
portanto a ocupação do solo expropriado), sem que daí advenha violação do PDM –
se houvesse, as obras teriam de ser embargadas e não o foram – e, pretendendo
pagar uma indemnização com base no índice 0,45, tal viola o princípio da
Igualdade que ‘não permite que particulares colocados numa situação idêntica
recebam indemnizações quantitativamente diversas (…)” – Prof Alves Correia,
estudo citado, RLJ, ano 132, pág. 233.
A observância do princípio da igualdade dos cidadãos perante os encargos
públicos – acrescenta o ilustre Professor – exige que a expropriação s/a
acompanhada de uma indemnização integral ou de uma compensação total do dano
infligido ao expropriado.
Ora, se à sociedade expropriada, poderia ser abstractamente consentido, pelo PDM
utilizar um índice de 0,635, à data da DUP, é este índice – e não o de 0,45 –
que deve ser levado em conta, porquanto, em termos de valor de mercado, o valor
do bem expropriado depende, também, naturalmente, do índice de utilização
autorizado (quando mais alto, mais valor de mercado).
7º - Aliás, a norma do artigo 59° do RPDM de Coimbra é inconstitucional por
violação dos princípios da justiça, de igualdade e de proporcionalidade, quando
interpretado – como fiz’eram os senhores 4 peritos – no sentido de que é
obrigatório e rígido o índice de 0,45 às zonas de equipamento.
Não pode pois a UC pretender pagar a indemnização com base num índice de
construção 0,45 – que não é rígido nem vinculativo pelo PDM de Coimbra – quando
utiliza em média o índice de 0,635, sendo que o índice utilizado em concreto na
parcela expropriada à sociedade A., Lda. é bem superior, na ordem de 1,150.
Basta, aliás, passar junto à circular interna que bordeja os Hospitais da UC
(HUC) para ver (pois o facto é público e notório) as construções gigantescas que
a UC está construindo na parcela expropriada destinadas, nomeadamente, à
Faculdade de Medicina e de Farmácia, Biblioteca, etc.
A certidão emitida pela CM de Coimbra em 17 de Janeiro de 2006 refere, aliás, a
aprovação dos projectos de arquitectura respeitantes a diversas valências do
Pólo III, com um índice de ocupação de 0,635.”
d) Por acórdão de 24 de Abril de 2007, o Tribunal da Relação de
Coimbra negou provimento da expropriada e concedeu provimento ao recurso da
expropriante.
e) Quanto à questão do “índice de utilização” o acórdão disse:
“2. O índice de utilização (0,635 ou 0,45).
A data da DUP, a parcela expropriada estava inserida no perímetro urbano e em
zona classificada como “zona de equipamento”, sendo-lhe atribuído o índice de
construção de 0,45 no PDM de Coimbra.
O Plano de Pormenor do Pólo III da Expropriante (Universidade de Coimbra), não
aprovado naquela data, virá a atribuir à parcela um índice de construção de
0,635.
Perante o que começámos por expender, resulta evidente que só pode ser
considerado e, por isso, aplicado ao cálculo da indemnização o índice de
construção estabelecido pelo PDM (0,45) para a data da DUP.
Por um lado, o valor da parcela deve ser calculado por referência construção que
nele seria possível efectuar se não tivesse sido sujeito a expropriação, num
aproveitamento económico normal, de acordo com as leis e regulamentos em vigor,
naquela data.
Ora, e em segundo lugar, se não tivesse ocorrido a expropriação, o seu destino
efectivo ou possível numa utilização económica normal nunca seria,
evidentemente, a construção para a qual foi declarada a sua utilidade pública (o
Pólo da Ciências da Saúde da Universidade).
A justeza da indemnização não é ponderada pela medida do benefício alcançado
pela entidade expropriante, não podendo, designadamente, tomar-se em
consideração a mais-valia originada pela própria expropriação, nem, sequer,
quanto ao índice de ocupação do solo permitido em função dessa entidade e dos
fins que prossegue, e só relevam as circunstâncias, condições e factores
existentes no momento a que se reporta o cálculo da indemnização, não as de
verificação posterior e, muito menos eventual.
Assim, salvo o devido respeito, não faz sentido invocar uma ocupação do solo que
apenas à Expropriante seria consentida, pois só esta pode prosseguir e
concretizar os fins para a que lhe foi adjudicada a parcela expropriada e todos
os terrenos envolventes.”
f) Por acórdão de 12 de Junho de 2007, o Tribunal da Relação de
Coimbra indeferiu um pedido de reforma do acórdão de 24 de Abril e 2007
apresentado pela expropriada;
g) Por requerimento de 27 de Junho de 2007, a expropriada interpôs
recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, com fundamento nos artigos 686.º,
n.º 1, 678.º, n.º 4, 687.º, n.º 1, 721.º e 723.º do CPC, invocando oposição
entre o acórdão recorrido e um acórdão do Tribunal da Relação do Porto.
h) Em 18 de Julho de 2007, foi proferido despacho de não admissão do
recurso para o Supremo Tribunal de justiça;
i) Notificado à recorrente por carta registada de 20 de Julho de
2007;
j) Por requerimento de 10 de Setembro de 2007, a expropriada
interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º
1 do artigo 70.º da LTC, mediante requerimento do seguinte teor:
“1º - No seu douto acórdão de 24/04/07 – já transitado e do qual foi interposto
recurso de Revista para o STJ, mas não admitido com fundamento em
irrecorribilidade da decisão – o TRC aplicou, como forma de cálculo do valor da
indemnização da parcela expropriada, o índice de construção de 0,45 previsto no
artigo 59º do Regulamento do Plano Director Municipal (PDM), publicado no D.R.,
I Série, nº 94, de 22/04/94.
2º - A interpretação dada pelo TRC ao citado normativo atenta claramente contra
a Constituição da Republica Portuguesa (CRP), nomeadamente, o seu artigo 62º, nº
2, segundo o qual “a requisição e a expropriação por utilidade pública só podem
ser efectuados com base na lei e mediante o pagamento de justa indemnização
(sublinhado nosso)
3º - A própria norma em apreço do Regulamento do PDM é, em si mesma,
inconstitucional por violação do citado comando da Lei Fundamental Portuguesa,
e, ainda, dos princípios da justiça, da igualdade e da proporcionalidade, quando
interpretada no sentido – como o fez o TRC – de que o índice de construção 0,45
é rigidamente aplicável às zonas do equipamento, independentemente dos índices
que em concreto estejam – ou já foram – aplicados pela entidade expropriante.
4º - A inconstitucionalidade do referido preceito foi levantada, aliás, de forma
processualmente adequada, pela ora recorrente na peça “Alegações e
Contra‑Alegações de Apelação” que apresentou nos autos supra referenciados.
5º - De resto, a aplicação ao caso em apreço de um índice de 0,45 – quando o
índice de construção efectivo é de 0,65 – viola igualmente o princípio de que a
justa indemnização deve corresponder ao valor real e corrente do bem de acordo
com o seu destino efectivo ou possível numa utilização económica normal, por
imposição do artigo 23°, n°1, do Código de Expropriações, ou o princípio de que
“o valor do solo apto para a construção calcula-se por referência à construção
que nele será possível efectuar se não tivesse sujeito a expropriação, num
aproveitamento normal (...)’, acolhido pelo artigo 26º, nº 1, do CE.
6º - Pelas razões expostas, dúvidas não restam de que o artigo 59º do RPDM de
Coimbra viola o artigo 62º, nº 2 da CRP e os preceitos referenciados do CE,
sendo, por via disso, inconstitucional, não obstante ter sido aplicado pelo
TRC.”
l) Depois de audição das partes sobre a questão, foi proferido o
despacho de 25 de Setembro de 2007 [despacho reclamado] do seguinte teor:
“Esgotou-se o prazo de 10 dias contados a partir da notificação da não admissão
do recurso para o STJ em 3/9/07.
A interposição do recurso para o TC em 10/9/07 é largamente extemporânea.
É claro que a requerente poderia ter reclamado ou praticado qualquer outro acto
que, eventualmente, se possa invocar. Mas o que conta é o que sucedeu
efectivamente e nenhum acto foi praticado.
Perante o exposto, não admito o recurso.”
3. A primeira questão que importa decidir é a da tempestividade do recurso
porque foi esse o fundamento do despacho reclamado. Questão que se analisa em
saber se, quando da mesma decisão se tenha interposto recurso ordinário que não
seja admitido, o prazo para interpor recurso para o Tribunal Constitucional se
conta a partir da notificação do despacho de não admissão desse outro recurso
(entendimento do despacho reclamado) ou, antes, do termo do prazo para usar o
meio impugnatório que dele caiba e não tenha sido utilizado (entendimento da
reclamante).
Relativamente ao início do prazo de interposição de recurso para o Tribunal
Constitucional, dispõe o n.º 2, do artigo75.º, da LTC:
“Interposto recurso ordinário, mesmo que para uniformização de jurisprudência,
que não seja admitido com fundamento em irrecorribilidade da decisão, o prazo
para recorrer para o Tribunal Constitucional conta-se do momento em que se torna
definitiva a decisão que não admite recurso”.
Desta norma resulta que o termo inicial do prazo do recurso de
constitucionalidade da decisão cujo recurso ordinário (recurso para
uniformização de jurisprudência incluído) não tenha sido admitido não coincide
com a notificação do despacho de não admissão desse recurso, mas com o momento
em que tal despacho se torne definitivo. Ora, uma decisão que não admita um
recurso só se torna definitiva quando transita em julgado (cfr. artigo 677.º do
CPC), isto é, quando se tenha esgotado ou já não seja susceptível do meio de
impugnação legalmente previsto, que seria a reclamação para o presidente do
tribunal superior prevista no artigo 688.º do CPC.
Assim sendo, não pode manter-se o fundamento de não admissão do recurso de
constitucionalidade adoptado pelo despacho reclamado. Com efeito, a não admissão
do recurso de revista só se tornou definitiva em 3 de Setembro de 2007, quando
expirou o prazo de reclamação do despacho de 18 de Julho de 2007, pelo que, ao
interpor em 10 de Setembro de 2007 recurso para o Tribunal Constitucional do
acórdão sobre o qual não foi admitido aquele recurso, a recorrente respeitou o
prazo previsto no n.º 1 do artigo 75.º da LTC. É certo que a recorrente não
reclamou desse despacho, mas a lei manda atender à definitividade da decisão de
não admissão do recurso ordinário que tenha sido interposto e esta tanto se
alcança pela sua confirmação no meio impugnatório abstractamente idóneo como
pelo seu não uso (cfr. n.ºs 3 e 4 do artigo 70.º da LTC).
4. Acontece, porém, que nas reclamações de decisão de não admissão
de recurso de constitucionalidade, os poderes de cognição do Tribunal
Constitucional não estão limitados à apreciação da correcção do fundamento da
decisão reclamada, devendo estender a sua investigação a outras causas de
inadmissibilidade do recurso, atenta a regra do n.º 4 do artigo 77.º da LTC,
segundo a qual a decisão (do Tribunal Constitucional) que revogue o despacho de
indeferimento faz caso julgado quanto à admissibilidade do recurso.
Assim, cumpre averiguar se estão reunidos os demais pressupostos e
requisitos do recurso de constitucionalidade interposto.
5. Importa começar por ter presente que, tratando‑se de recurso
interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, a sua
admissibilidade depende de a questão de inconstitucionalidade haver sido
suscitada “durante o processo”, “de modo processualmente adequado perante o
tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a
dela conhecer” (n.º 2 do artigo 72.º da LTC), e de a decisão recorrida ter feito
aplicação, como sua ratio decidendi, das dimensões normativas arguidas de
inconstitucionais pelo recorrente.
E que, quando questione a conformidade constitucional de uma determinada
interpretação normativa, deve o recorrente explicitar o sentido atribuído ao
preceito (ou bloco legal) em causa de que se extrai a norma que se considera
inconstitucional e que pretende ver apreciado no âmbito do recurso de
constitucionalidade. Como se afirmou, por exemplo, no Acórdão n.º 367/94
(Diário da República, II Série, n.º 207, de 7 de Setembro de 1994, pág. 9341; e
Acórdãos do Tribunal Constitucional, 28.º vol., pág. 147): “Ao questionar‑se a
compatibilidade de uma dada interpretação de certo preceito legal com a
Constituição, há‑de indicar‑se um sentido que seja possível referir ao teor
verbal do preceito em causa. Mais ainda: esse sentido (essa dimensão normativa)
do preceito há‑de ser enunciado de forma que, no caso de vir a ser julgado
inconstitucional, o Tribunal o possa apresentar na sua decisão em termos de
tanto os destinatários desta como, em geral, os operadores do direito ficarem a
saber, sem margem para dúvidas, qual o sentido com que o preceito em causa não
deve ser aplicado, por, deste modo, afrontar a Constituição”. Por estas razões,
não constitui modo adequado de identificação da interpretação normativa que se
reputa inconstitucional o uso de expressões como “na interpretação feita pela
decisão recorrida”, ou similares, pois tal implicaria que o Tribunal
Constitucional se iria substituir aos recorrentes na identificação do objecto do
recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade (cf. Acórdão n.º
60/2004, em www.tribunalconstitucional.pt).
6. Constitui, pois, ónus do recorrente indicar de modo preciso a
norma que constitui objecto do recurso de constitucionalidade. Essa norma é, de
acordo com o requerimento de interposição, a do artigo 59.º do Regulamento do
Plano Director Municipal de Coimbra, que a recorrente diz ter sido interpretada
pelo acórdão recorrido no sentido de que o índice de construção 0,45 é
rigidamente aplicável às zonas de equipamento, independentemente dos índices
que, em concreto, “estejam – ou já foram – aplicados pela entidade
expropriante”.
Discutiu-se, efectivamente, no processo, sendo uma das questões
colocadas ao Tribunal da Relação, qual o índice de construção a considerar para
determinar a potencialidade edificativa da parcela e, consequentemente, o valor
do solo por referência à construção que nele seria possível efectuar, num
aproveitamento económico normal. A expropriante, reagindo contra a decisão de
1.ª instância, sustentou no seu recurso que deveria ser considerado o índice de
construção de 0,45 previsto no Regulamento do PDM de Coimbra à data da
declaração de utilidade pública da expropriação e não o de 0,635, adoptado pela
sentença recorrida e previsto no “Plano de Pormenor do Pólo III” da Universidade
de Coimbra, mas ainda não aprovado àquela data.
Sucede que do acórdão recorrido resulta, em especial da passagem que se
transcreveu [cfr. supra 2.e)] e também do acórdão que recaiu sobre o pedido de
reforma (fls. 1119 - 1122) que aquilo que operou como ratio decidendi da
determinação do “índice de construção” a utilizar no cálculo da aptidão
edificativa da parcela por parte do acórdão recorrido não foi uma norma extraída
do artigo 59.º do RPDM, decorrente da maior ou menor “rigidez” na interpretação
desse preceito regulamentar do instrumento de planeamento urbanístico, mas o
entendimento de que o valor da parcela deve ser calculado por referência à
construção que nele seria possível efectuar se não tivesse sido sujeito à
expropriação, num aproveitamento económico normal, de acordo com as leis e
regulamentos em vigor na data da declaração de utilidade pública da
expropriação. O critério normativo da opção por um ou outro índice foi extraído
do n.º 1 (2.ª parte) e da alínea a) do n.º 2 do artigo 23.º e do n.º 1 do artigo
26.º do Código das Expropriações e não do artigo 59.º do RPDM.
Assim, mesmo que se considerasse modo adequado de suscitar uma questão de
constitucionalidade normativa a referência à desconformidade do artigo 59.º do
RPDM nos termos sumários que constam das contra-alegações da recorrente a fls.
1064 v., o recurso não pode ser admitido por não ser extraída dessa norma a
ratio decidendi do acórdão recorrido para decisão da controvérsia sobre a
determinação da capacidade edificativa a considerar no cálculo da indemnização
por expropriação. O que relevou para dirimir a controvérsia sobre a determinação
do valor da parcela expropriada em função do índice de construção para ela
permitida não foi uma determinada interpretação ou sentido da norma do PDM
relativamente à qual se suscite qualquer problema de validade constitucional da
limitação ao aproveitamento do solo para construção que dela decorre enquanto
instrumento de planeamento urbanístico, mas a norma do Código das Expropriações
em função da qual se faz a determinação das condições de facto e direito
relevantes para o cálculo da indemnização. Norma esta, aliás, cuja aplicação era
previsível porque nela se baseava o recurso da expropriante, que veio a ser
acolhido.
7. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a reclamação e condenar a
reclamante nas custas, fixando a taxa de justiça em 20 (vinte) UCs.
Lisboa, 9 de Janeiro de 2008
Vítor Gomes
Ana Maria Guerra Martins
Gil Galvão