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Processo n.º 876/07
2ª Secção
Relator: Conselheiro João Cura Mariano
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
Relatório
A “A., Limitada” deduziu oposição à acção executiva que contra si pendia no 1.º
Juízo do Tribunal Judicial de Olhão, com o nº 481/06.9TBOLH-A.
Sobre o referido articulado da Executada recaiu um despacho judicial manuscrito
que indeferiu liminarmente a referida oposição à execução, com fundamento na sua
extemporaneidade.
Estando em prazo para recorrer desta decisão, a Executada veio requerer a
repetição da notificação da mesma, por meio de cópia dactilografada, alegando
para o efeito a “manifesta ilegibilidade do dito despacho que não permite à
Executada apreender integralmente o conteúdo do mesmo”.
Sobre este requerimento, recaiu novo despacho judicial indeferindo esta última
pretensão da Executada, fundamentando-se para esse efeito que “o despacho se
mostra perfeitamente legível”.
Uma vez recebida a notificação deste último despacho, a Executada veio interpor
recurso de agravo da decisão que indeferiu liminarmente a oposição à execução.
Foi então proferido novo despacho judicial de não admissão do referido recurso
de agravo, com fundamento na respectiva extemporaneidade, tendo a Executada
reclamado dessa decisão para o Presidente do Tribunal da Relação de Évora.
A reclamação foi indeferida mediante decisão proferida em 20-6-2007, com o
seguinte teor, na parte que ora releva:
« (…) Antecipando a resposta a dar à questão que reclama solução, dir-se-á que o
entendimento da reclamante não pode ser acolhido.
Com efeito, tendo sido notificada do despacho recorrido, ou seja, o despacho de
fls. 73/74 (despacho esse que, como se referiu, lhe indeferiu a oposição que
deduziu à execução), por carta registada, expedida em 22FEV07, dirigida para o
escritório da sua Ilustre Mandatária, a notificação daquele despacho presume-se
efectuada, no dia 26FEV07, 10 dia útil seguinte ao terceiro dia posterior ao do
registo (art.º 254º, 1 e 3 do CPC).
Sendo de dez dias o prazo para interposição do recurso, tal prazo expirou em
8MAR07.
Interposto em 19ABR07, o recurso não poderia ser admitido, por manifestamente
extemporâneo.
Alega, porém, a Reclamante que, tendo solicitado, ao abrigo do disposto no art.º
259.º do C.P.C, a “repetição da notificação do despacho de fls. 73 e 74”, com
cópia dactilografada daquele despacho, o prazo para interposição do recurso
conta-se a partir da notificação do despacho que indeferiu o pedido daquela
cópia.
Não colhe, salvo o devido respeito, a argumentação pela Reclamante aduzida em
apoio da sua tese, aliás douta.
É inquestionável que o art.º 259º do CPC confere às partes o direito a cópia ou
fotocópia legível da decisão notificada e dos respectivos fundamentos bem como é
pacífico que, deferido o pedido de cópia dactilografada do despacho ilegível, o
prazo para interposição de recurso desse despacho se conta a partir da data da
entrega dessa cópia.
Só que, in casu, o pedido de cópia dactilografada foi indeferido. Dai que a
executada devesse impugnar o despacho que indeferiu esse pedido, por meio de
recurso, e não o despacho do qual pediu (sem êxito) cópia dactilografada. Caso o
recurso interposto do despacho que indeferiu o pedido de cópia dactilografada
fosse bem sucedido, o prazo de interposição de recurso do despacho de fls.
73/74 começaria a correr a partir da data da entrega da cópia dactilografada.
Suscitada a questão da ilegibilidade do despacho recorrido, urgia, previamente,
decidir tal questão, por via de recurso.
A argumentação pela reclamante aduzida não prima, salvo o devido respeito, pela
coerência.
Na verdade, com fundamento na sua “manifesta ilegibilidade”, a executada, ora
reclamante, requereu cópia dactilografada do despacho de fls. 73/74 (ou seja, o
despacho recorrido). Notificada do despacho que lhe indeferiu o pedido de cópia
dactilografada, interpõe recurso do despacho alegadamente ilegível, como se o
indeferimento do pedido de cópia dactilografada tivesse o condão de tornar
legível o que antes, na óptica da reclamante, era ilegível.
O acolhimento do entendimento da reclamante (segundo o qual o prazo para
interposição do recurso do despacho de fls.73/74 se conta a partir da data da
notificação do despacho de indeferimento do pedido de cópia dactilografada)
abriria a porta à utilização do pedido de cópia dactilografada para, de forma
hábil, se obter a prorrogação de um prazo legal improrrogável.
Não tendo a ora reclamante impugnado o despacho que lhe indeferiu o pedido de
cópia dactilografada, carece de fundamento a alegação de violação do seu
invocado direito de acesso aos tribunais, a que o art.º 20º da Lei Fundamental
confere dignidade constitucional, ou de qualquer outro direito
constitucionalmente reconhecido.
Face ao exposto, indefere-se a reclamação.»
A Executada interpôs então recurso desta decisão para o Tribunal Constitucional,
ao abrigo do disposto na alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da Lei da
Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC),
suscitando a inconstitucionalidade, por violação do disposto no artigo 20.º da
Constituição da República Portuguesa, das normas contidas nos artigos 259.º e
254.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, quando interpretadas no sentido de
que caso seja indeferido o requerimento de envio de cópia legível de uma decisão
manuscrita anteriormente notificada, o prazo para interpor recurso desta última
decisão começa a correr, sem quaisquer interrupções ou suspensões, a partir da
data da sua primeira notificação.
A Recorrente apresentou alegações, culminando as mesmas com a formulação das
seguintes conclusões:
«I – O artigo 20.º, nº 1, da Constituição estabelece que a todos é assegurado o
acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses
legítimos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios
económicos. Este preceito consagra dois direitos fundamentais distintos, embora
estreitamente conexos: (i) o direito de acesso ao direito e; (ii) o direito de
acesso aos tribunais.
II – O primeiro é, mais amplo do que o segundo, já que engloba também o direito
à informação e consulta jurídicas e ao patrocínio judiciário (cfr. o nº 2 do
artigo 20.º da Lei Fundamental) e apresenta-se, frequentes vezes, como um
pressuposto do segundo: o recurso a um tribunal com a finalidade de obter dele
uma decisão jurídica sobre uma questão juridicamente relevante (direito de
acesso aos tribunais ou direito à protecção jurídica através dos tribunais)
pressupõe logicamente um correcto conhecimento dos direitos e deveres por parte
dos seus titulares (direito de acesso ao direito).
III – O direito de acesso aos tribunais ou à tutela jurisdicional, condensado no
artigo 20.º, nº 1, da Lei Fundamental, implica a garantia de uma protecção
jurisdicional eficaz ou de uma tutela judicial efectiva e desdobra-se, por isso,
em três momentos distintos: (i) primeiro, no direito de acesso a “tribunais”
para defesa de um direito ou de um interesse legítimo, isto é, um direito de
acesso à “Justiça”, a órgãos jurisdicionais, ou, o que é mesmo, a órgãos
independentes e imparciais (artigo 206º da Constituição) e cujos titulares
gozam das prerrogativas da inamobilidade e da irresponsabilidade pelas suas
decisões (artigo 218º, nºs 1 e 2, da Lei Fundamental); (ii) segundo, uma vez
concretizado o acesso a um tribunal, no direito de obter uma solução num prazo
razoável; (iii) terceiro, uma vez ditada a sentença, no direito à execução das
decisões dos tribunais ou no direito à efectividade das sentenças.
IV – O direito de acesso aos tribunais é, entre o mais, um direito a uma solução
jurídica dos conflitos, a que se deve chegar em prazo razoável e com observância
de garantias de imparcialidade e independência.
V – É manifesto que no conteúdo do direito fundamental de acesso aos Tribunais
vai implicado, já que constitui um seu corolário, o direito que assiste às
partes de um processo judicial de conhecerem efectivamente as decisões que lhes
digam respeito.
VI – A norma do artigo 259.º do Código de Processo Civil constitui precisamente
uma concretização desse direito, ao estatuir que ao notificado deve ser enviada
ou entregue cópia ou fotocópia legível das decisões judiciais e dos respectivos
fundamentos, para tal bastará apenas que a letra do autor da decisão judicial
ofereça sérias dificuldades de leitura a um destinatário normal e comummente
diligente, em termos de a interpretação do manuscrito lhe exigir um esforço
desproporcionado ou um dispêndio de tempo significativo.
VII – Entende a Recorrente, que o prazo para a interposição do recurso da
decisão cujo despacho se alegou ilegível conta-se a partir da decisão quanto à
(i)legibilidade do referido despacho, porquanto a não ser assim violar-se-ia o
princípio consagrado no artigo 20.º da C. R. P.
VIII – A não ser assim, no limite, correr-se-ia o risco de o particular se
coibir de solicitar cópia dactilografada de qualquer despacho, por duas razões:
(i) poder “perder” o prazo de recurso da decisão de que se pretende obter cópia
dactilografada; caso a cópia dactilografada fosse indeferida, e (ii) por razões
de possível “arrastamento” do processo que poderá ser oposto aos interesses do
particular não pretender recorrer do despacho de indeferimento da entrega de
cópia dactilografada.
IX – Entende a Recorrente que a única interpretação da lei de processo civil
conforme à constituição da República Portuguesa (artigo 20.º) é a de que o
pedido de cópia dactilografada de um despacho tem o mesmo efeito do pedido de
rectificação, aclaração ou reforma da sentença constante do artigo 686.º do C.
P. C. e por isso o pedido de rectificação, aclaração ou reforma de decisão,
formulado por qualquer das partes, determina a suspensão do prazo para recurso,
o qual só começará a correr de novo, após notificação proferida desse
requerimento.
X – A interpretação dada aos artigos 259.º e 254.º, n.º 3 do C. P. C., pela
Decisão recorrida, no sentido de que caso o pedido de cópia legível seja
indeferido o prazo para reagir contra o despacho/decisão primeiramente
notificada corre da data da primeira notificação é inconstitucional, por
violação do artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa, por clara
violação do direito de acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos
direitos e interesses legalmente protegidos.
Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso e ser julgada
inconstitucional o artigo 259.º do C. P. C. na interpretação dada pela Decisão
do Tribunal da Relação de Évora.»
O Exequente não apresentou contra-alegações.
*
Fundamentação
1. Do objecto do recurso
Nos termos do disposto no artigo 280.º, n.º 1, alínea b), da C.R.P., e no artigo
70.º, n.º 1, alínea b), da LTC, cabe recurso para o Tribunal Constitucional das
decisões dos tribunais que 'apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido
suscitada durante o processo'.
O recorrente pretende submeter à apreciação do Tribunal Constitucional a questão
da inconstitucionalidade, por violação do disposto no artigo 20.º da C.R.P., das
normas contidas nos artigos 259.º e 254.º, n.º 3, do C.P.C., quando
interpretadas no sentido de que caso seja indeferido o requerimento de envio de
cópia legível de uma decisão manuscrita anteriormente notificada, o prazo para
interpor recurso desta última decisão começa a correr, sem quaisquer
interrupções ou suspensões, a partir da data da sua primeira notificação.
Esta foi efectivamente a interpretação normativa adoptada pelo Tribunal a quo
como ratio decidendi na decisão recorrida, após a Recorrente ter suscitado
adequadamente a respectiva inconstitucionalidade material.
Assim sendo, o presente recurso terá por objecto a questão da
inconstitucionalidade da referida interpretação normativa, não competindo a este
Tribunal pronunciar-se nem sobre a correcção do despacho de indeferimento do
requerimento de entrega de cópia legível, nem sobre o mérito da interpretação
seguida pela decisão recorrida, no plano infraconstitucional.
2. Da questão da constitucionalidade da interpretação normativa dos artigos
259.º e 254.º, n.º 3, do Código de Processo Civil
As normas constantes do Código de Processo Civil que foram chamadas à colação na
decisão recorrida foram as seguintes:
“Artigo 254.º
(…)
1. Os mandatários são notificados carta registada, dirigida para o seu
escritório ou para o domicílio escolhido, podendo também ser notificados
pessoalmente pelo funcionário quando se encontrem no tribunal.
(…)
3. A notificação postal presume-se feita no terceiro dia posterior ao do
registo, ou no primeiro dia útil seguinte a esse quando o não seja.
(…)
Artigo 259.º
Quando se notifiquem despachos, sentenças ou acórdãos, deve enviar-se ou
entregar-se cópia ou fotocópia legível da decisão e dos fundamentos.”
No caso concreto, a aplicação das referidas normas adjectivas ocorreu por causa
da pretensa ilegibilidade de uma decisão judicial manuscrita que foi notificada
via postal ao mandatário da Recorrente.
O Tribunal de primeira instância entendeu que a decisão era perfeitamente
legível, tendo recusado a repetição da notificação com cópia dactilografada
requerida pelo Recorrente.
Notificado deste indeferimento, o Recorrente interpôs então recurso da decisão
cuja ilegibilidade havia invocado, o qual não foi admitido com o fundamento de,
entretanto, ter sido ultrapassado o prazo legal de interposição.
O Presidente do Tribunal da Relação de Évora confirmou essa decisão, entendendo
que, caso seja indeferido o requerimento de envio de cópia legível de uma
decisão manuscrita anteriormente notificada, o prazo para interpor recurso desta
última decisão começa a correr, sem quaisquer interrupções ou suspensões, a
partir da data da sua primeira notificação.
Naturalmente, o parâmetro constitucional à luz do qual há-de avaliar-se a
constitucionalidade da interpretação normativa questionada é o artigo 20.º, da
C.R.P., que no seu n.º 4 exige que a tramitação dos processos judiciais seja
equitativa, devendo o legislador ordinário criar os mecanismos processuais
necessários a que as partes tenham uma efectiva possibilidade de sustentarem e
demonstrarem as suas posições no processo.
Assim, apesar de em processo civil não estar constitucionalmente assegurado um
direito ao recurso das decisões judiciais, nos casos em que o legislador
ordinário o prevê, devem as normas processuais que o regulamentam garantir que
previamente o recorrente tenha a possibilidade de analisar e avaliar
criteriosamente o sentido e os fundamentos da decisão recorrida, de forma a
permitir-lhe um exercício consciente, fundado e eficaz desse seu direito.
Na verdade, só o conhecimento do conteúdo da decisão e do raciocínio
argumentativo que lhe subjaz permite a formação consciente da vontade de
recorrer, pelo que o início do decurso de um prazo peremptório para a
interposição do recurso só pode ocorrer a partir do momento em que seja exigível
às partes esse conhecimento (vide, neste sentido, o acórdão do Tribunal
Constitucional n.º 384/98, em “Acórdãos do Tribunal Constitucional”, 40.º vol.,
pág. 349).
Condição básica desse conhecimento é que a cópia da decisão judicial facultada
às partes seja legível, como exige o acima transcrito art.º 259.º, do C.P.C..
Contudo, há que admitir, em abstracto, que essa exigência pode não ser observada
por diversas razões, entre as quais avulta a ilegibilidade ou difícil
legibilidade da caligrafia do juiz que proferiu uma decisão manuscrita.
Por isso, se a ilegibilidade da decisão manuscrita vier a ser reconhecida
judicialmente na sequência de requerimento formulado nesse sentido, é hoje
consensual - tendo sido esse, aliás, o entendimento manifestado pelo despacho
recorrido - que o prazo de interposição de recurso só se contará a partir do
momento em que o recorrente pôde aceder à cópia legível daquela decisão, sob
pena de violação do art. 20.º da C.R.P. (vide Acórdão do Tribunal Constitucional
n.º 148/2001, publicado em Diário da República, 2.ª Série, de 9 de Maio de
2001). É óbvio que, nestes casos, só com o acesso à cópia legível as partes
puderam tomar conhecimento do conteúdo da decisão, pelo que só nesse momento é
exigível que iniciem o processo de ponderação da sua vontade de recorrer.
Mas, apesar da legibilidade das decisões manuscritas dever ser avaliada na
óptica dos seus destinatários e não na do juiz, sob pena de
inconstitucionalidade, como decidiu o acórdão do Tribunal Constitucional n.º
444/91 (publicado em “Acórdãos do Tribunal Constitucional”, 20.º vol., pág.
495), isso não obsta, como se refere na fundamentação deste mesmo aresto, “…a
que o juiz possa, em casos pontuais, — e decerto excepcionais — indeferir o
requerimento de envio ou entrega de nova cópia ou fotocópia de uma decisão
judicial quando for patente ou manifesta a perceptibilidade ou legibilidade da
anterior (e isto aplicar-se-á sobretudo aos casos de despachos judiciais de
muito reduzida dimensão) e não se lhe oferecer quaisquer dúvidas de que a parte
apenas pretendeu com aquele a utilização de um expediente meramente dilatório ou
o recurso a um instrumento de chicana”.
Defende o recorrente que quando ocorre um indeferimento de entrega de nova cópia
dactilografada da decisão manuscrita, o direito ao recurso efectivo só estará
assegurado se o prazo para a sua interposição se iniciar com a notificação desse
indeferimento e não com a primeira notificação da decisão manuscrita.
Nestes casos, não tendo sido reconhecido, por decisão transitada em julgado, que
a cópia entregue às partes era ilegível, não é possível dizer que com a sua
notificação as partes não estivessem em condições de ponderar a sua discordância
da decisão e a sua intenção de dela recorrer, uma vez que foi reconhecida a sua
perceptibilidade.
Invoca, contudo, o recorrente que a articulação do regime do pedido de entrega
de cópia legível com o da interposição de recurso, efectuada pela interpretação
normativa questionada, coíbe as partes de utilizarem o primeiro daqueles meios
de reacção, por receio de perda do prazo de recurso e por não pretender recorrer
do despacho de indeferimento por ter interesse na celeridade do processo, e
aponta como exemplo de solução conforme à Constituição o regime de articulação
com o direito ao recurso estabelecido no Código de Processo Civil para a
tramitação dos incidentes de rectificação, aclaração ou reforma da sentença.
O facto das partes não recorrerem do despacho de indeferimento do pedido de
entrega de cópia legível, por terem interesse na celeridade do processo, resulta
de uma opção estratégica e não de qualquer limitação aos direitos das partes
imposta pela lei processual, pelo que não é razão que lhe retire equidade.
Já quanto à alegada inibição de utilização do incidente de entrega de cópia
legível das decisões judiciais, por receio de perda do direito ao recurso
destas, cumpre analisar o apontado regime estabelecido no C.P.C. para a
articulação dos incidentes de rectificação, reforma e aclaração das sentenças,
com o direito ao recurso destas.
Relativamente a esses incidentes, o C.P.C. dispõe o seguinte:
“Artigo 667º
Rectificação de erros materiais
1 – Se a sentença omitir o nome das partes, for omissa quanto a custas, ou
contiver erros de escrita ou de cálculo ou quaisquer inexactidões devidas a
outra omissão ou lapso manifesto, pode ser corrigida por simples despacho, a
requerimento de qualquer das partes ou por iniciativa do juiz.
…
Artigo 669º
Esclarecimento ou reforma da sentença
1 – Pode qualquer das partes requerer no tribunal que proferiu a sentença:
a) o esclarecimento de alguma obscuridade ou ambiguidade que ela contenha;
b) a sua reforma quanto a custas e multa.
2 – É ainda lícito a qualquer das partes requerer a reforma da sentença quando:
a) Tenha ocorrido manifesto lapso do juiz na determinação da norma aplicável ou
na qualificação jurídica dos factos;
b) Constem do processo documentos ou quaisquer elementos que, só por si,
impliquem necessariamente decisão diversa da proferida e que o juiz, por lapso
manifesto, não haja tomado em consideração.
…
Artigo 670º
Processamento subsequente
1 – Arguida alguma das nulidades previstas nas alíneas b) a e) do nº 1 do artigo
668º ou pedida a aclaração da sentença ou a sua reforma, nos termos do artigo
anterior, a secretaria, independentemente de despacho, notificará a parte
contrária para responder e depois se decidirá.
2 – Do despacho que indeferir o requerimento de rectificação, esclarecimento ou
reforma não cabe recurso. A decisão que deferir considera-se complemento e parte
integrante da sentença.
3 – Se alguma das partes tiver requerido a rectificação ou aclaração da
sentença, o prazo para arguir nulidades ou pedir a reforma só começa a correr
depois de notificada a decisão proferida sobre esse requerimento.
…
Artigo 686º
Interposição do recurso, quando haja rectificação, aclaração ou reforma da
sentença
1 – Se alguma das partes requerer a rectificação, aclaração ou reforma da
sentença, nos termos do artigo 667º e do nº 1 do artigo 669º, o prazo para o
recurso só comece a correr depois de notificada a decisão proferida sobre o
requerimento.
2 – Estando já interposto recurso da primitiva sentença ou despacho ao tempo em
que, a requerimento da parte contrária, é proferida nova decisão, rectificando,
esclarecendo ou reformando a primeira, o recurso fica tendo por objecto a nova
decisão; mas é lícito ao recorrente alargar ou restringir o âmbito do recurso em
conformidade com a alteração que a sentença ou despacho tiver sofrido.”
Nestas situações, o legislador ordinário, admitindo que as decisões judiciais
possam sofrer de lapsos, obscuridades ou ambiguidades, que deturpem ou não
permitam a compreensão do seu sentido e fundamentação, permite que as partes
requeiram a superação dessas anomalias, através da sua correcção pelo tribunal.
De modo a articular esta faculdade com a regra que determina que o prazo de
interposição de recurso das decisões judiciais se inicia com a notificação
destas (art.º 685.º, do C.P.C.), estabeleceu-se que, se alguma das partes
requerer a rectificação, aclaração ou reforma da sentença, o prazo para o
recurso só começa a correr depois de notificada a decisão proferida sobre esse
requerimento (art.º 686.º, nº 1, do C.P.C.). Permite-se, assim, que as partes só
ponderem a sua intenção de recorrer, após a decisão definitiva de deferimento ou
indeferimento dos referidos incidentes de correcção de lapsos ou de
esclarecimento da decisão, podendo utilizar estes meios sem receio de perda do
direito ao recurso. Mas, procurando evitar que esta interrupção do prazo de
recurso possa provocar um atraso significativo do termo do processo,
consagrou-se a irrecorribilidade das decisões desses incidentes, de modo a que
estes tenham um desfecho rápido (art.º 670.º, n.º 2, do C.P.C.).
Apesar de se revelar que esta solução da lei processual ordinária cumpre as
exigências constitucionais de um processo equitativo, assegurando que as partes
só estão obrigados a ponderar a sua intenção de ocorrer quando lhes é exigível
um conhecimento inequívoco da decisão judicial e sua fundamentação e que a
articulação dos diversos meios de reacção às decisões judiciais consagrados na
lei não inviabiliza a utilização de qualquer uma delas, isso não significa que
ela seja promovida a parâmetro constitucional, ferindo de inconstitucionalidade
outras soluções normativas adoptadas em questões aparentadas.
Se é verdade que a possibilidade de ser requerida a aclaração das decisões
judiciais persegue fins idênticos à previsão de formulação de pedido de entrega
de cópia legível, pois ambas visam assegurar o direito ao conhecimento
inequívoco dessas decisões pelos interessados, enquanto a primeira respeita à
compreensão do texto da decisão, a segunda reporta-se à sua legibilidade, com a
interpretação que resulta da fundamentação do citado acórdão n.º 444/91, deste
Tribunal
Pode dizer-se que esta diferença faz toda a diferença.
Compreende-se que, relativamente ao pedido de aclaração, atenta a
admissibilidade de entendimentos legítimos diferentes sobre a inteligibilidade
duma decisão, se considere justificado o estado de incerteza jurídica sobre o
desfecho deste incidente para que o início do prazo de recurso só se inicie após
a notificação da respectiva decisão, mesmo que esta seja de indeferimento. Só
assim se garantirá a possibilidade das partes utilizarem os dois meios de
reacção, sem o risco de se inviabilizar o exercício do direito ao recurso, o que
poria em causa a possibilidade efectiva dos dois meios de reacção poderem ser
exercidos (foi nesta lógica que os Acórdãos do Tribunal Constitucional n.º
485/2000, em “Acórdãos do Tribunal Constitucional”, 48.º vol., pág. 401, e
56/2003, em “Acórdãos do Tribunal Constitucional”, 55.º vol., pág. 363 julgaram
inconstitucional a norma constante do art.º 686.º, nº 1, do C.P.C., interpretada
no sentido de o diferimento do início da contagem do prazo aí previsto, quando
exista pedido de aclaração, se aplicar apenas à interposição de recursos, e não
à arguição de nulidades).
Já quanto ao pedido de entrega de cópia legível de decisões judiciais, devendo
ocorrer o seu indeferimento, nos termos da fundamentação do citado acórdão nº
444/91, do Tribunal Constitucional, isto é, somente quando for patente ou
manifesta a legibilidade da decisão, “não oferecendo dúvidas que a parte apenas
pretendeu com ele a utilização de um expediente meramente dilatório ou o recurso
a um instrumento de chicana”, não se justifica a consideração de qualquer estado
de incerteza jurídica quanto ao desfecho daquele incidente que mereça a
interrupção do início do prazo para ser interposto recurso.
O princípio do processo equitativo basta-se aqui com a exigência de construção
pelo legislador de um sistema de articulação do exercício do direito à entrega
de cópia legível com o do direito ao recurso, que permita o exercício de ambos,
nos casos de deferimento do primeiro.
Quando a legibilidade é indiscutível, motivando o indeferimento do requerimento,
não há necessidade de compatibilizar o exercício daqueles meios de reacção às
decisões judiciais, uma vez que a eventual perda do direito de recurso
resultará, não do exercício legítimo do direito à entrega de cópia legível, mas
sim da utilização indevida de um instrumento meramente dilatório ou de
“chicana”, o que não merece ser tutelado.
Daí que não viole o direito a um processo equitativo a interpretação das normas
contidas nos artigos 259.º e 254.º, n.º 3, do C.P.C., no sentido de que caso
seja indeferido o requerimento de envio de cópia legível de uma decisão
manuscrita, o prazo para interpor recurso desta última decisão começa a correr a
partir da data da sua notificação.
No mesmo sentido decidiu o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 585/2006
(disponível no site www.tribunalconstitucional.pt).
*
Decisão
Pelo exposto, acorda-se em negar provimento ao recurso interposto por “A.,
Limitada”, da decisão do Presidente do Tribunal da Relação de Évora de
20-6-2007.
*
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 25 unidades de conta,
tendo em consideração os critérios do artigo 9.º, do D.L. n.º 303/98, de 7 de
Outubro (art.º 6 do mesmo diploma).
Lisboa, 11 de Dezembro de 2007
João Cura Mariano
Joaquim Sousa Ribeiro
Mário José de Araújo Torres
Benjamim Rodrigues
Rui Manuel Moura Ramos