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Processo n.º 977/07
2ª Secção
Relator: Conselheiro Joaquim de Sousa Ribeiro
Acordam, em conferência, na 2ª secção do Tribunal Constitucional
I - Relatório
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos
do Tribunal da Relação de Évora, em que é recorrente A. e recorrido o Ministério
Público, o relator proferiu decisão sumária de não conhecimento do objecto do
recurso, nos termos seguintes:
«1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Évora, em que é
recorrente A. e recorrido o MINISTÉRIO PÚBLICO, vem interposto recurso para o
Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei
da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC).
Compulsados os autos, apura-se o seguinte:
− A. foi condenado como autor material de um crime de roubo, na forma tentada,
p. e p. pelos artigos 210.º, n.º 1, 22.º, 23.º e 73.º, todos do Código Penal, na
pena de vinte meses de prisão, por decisão do Círculo Judicial de Portimão de
02.02.2007.
− Inconformado com a decisão, o arguido interpôs recurso para o Tribunal da
Relação de Évora, que, por acórdão de 17.07.2007, negou provimento ao recurso.
− Novamente inconformado, o arguido interpôs recurso para o Supremo Tribunal de
Justiça, o qual não foi admitido por despacho de 25.09.2007 proferido pelo
Relator no Tribunal da Relação de Évora, com o seguinte teor:
«Compulsados os autos verifica-se que o aqui recorrente A. foi condenado como
autor material de um crime de roubo na forma tentada, p. e p. pelos arts. 210.º,
n.º 1, 22.º, 23.º e 73.º, do Cód. Penal, na pena de 20 (vinte) meses de prisão.
Por acórdão deste Tribunal, prolatado a 17 de Julho de 2007, foi negado
provimento ao recurso, confirmando-se o acórdão recorrido.
Face a tal, não é admissível recurso para o S.T.J., quer no âmbito do anterior
Cód. Proc. Pen. (cfr. arts. 400.º, n.º 1, al. f) e 432.º, al. b), “a contrario
sensu”), quer no âmbito do Cód. Proc. Pen. Em vigor, aprovado pela Lei n.º
48/2007, de 29-08 (cfr. arts. 400.º, al. f) e 432.º, al. b), “a contrario
sensu”).
Termos são em que não se admite o recurso interposto a fls. 227 dos autos. […]».
− Este despacho foi notificado ao arguido por carta registada enviada em
26.09.2007 (cfr. cota lavrada a fls. 267 verso dos autos);
− O requerimento de interposição do presente recurso foi remetido ao Tribunal da
Relação de Évora por fax de 09.10.2007 (cfr. fls. 268 dos autos).
2. O presente recurso de constitucionalidade vem interposto nos termos
seguintes:
«A. não se conformando com o Acórdão proferido pelos Juízes-Desembargadores que
compõem o Tribunal da Relação de Évora, 1.ª Secção, em 17 de Julho de 2007 e,
posteriormente, do despacho de inadmissibilidade do recurso para o Supremo
Tribunal de Justiça, datado de 25 de Setembro de 2007, vem apresentar, ao abrigo
dos artigos 70.º, n.° 1, alínea b) e n.° 2, 71.°, n.° 1, 72.°, n.° 1, alínea b)
e n.° 2, artigo 75.°, artigo 75.°-A, n.° 1 e 2 da Lei do Tribunal
Constitucional, o presente requerimento com vista à admissibilidade de RECURSO,
junto do Tribunal Constitucional, em virtude da verificação da
inconstitucionalidade das seguintes normas que se identificam e subjacentes à
interpretação e decisão dada ao presente caso sub judice, quer pelo Tribunal
Judicial de Portimão, quer pelo Tribunal da Relação de Évora junto do qual tais
vícios, daquele Tribunal a quo, foram invocados, dando-se, aqui, para todos os
legais efeitos, por reproduzidos os respectivos FUNDAMENTOS e MOTIVAÇOES aí
apresentados.
Consideram-se inconstitucionais, na interpretação dada pelo 2.° Juízo Criminal
do Tribunal Judicial da Comarca de Portimão e Relação de Évora, os artigos 363º,
400º, nº 1 alínea f) 432°, alínea b) e 433º do CPP, artigo 24° CP, artigo 368º
CPP, 355º, 271º e 356° CPP, 374°, nº 2, 375º do CPP, face às normas da CRP que
melhor se explicitam, infra, separadamente, relativamente às diversas situações.
São, no nosso entendimento, manifestamente inconstitucionais, na interpretação,
dada ou subjacente às respectivas decisões judiciais do Tribunal da Relação de
Evora, no seguimento da decisão do 2.° Juízo Criminal do Tribunal Judicial da
Comarca de Portimão:
I - O artigo 363.° CPP, na redacção do CPP 1987 anterior à Lei n.° 48/2007, de
29 de Agosto, quando interpretado no sentido da falta de documentação (gravação)
ou registo das declarações orais prestadas na audiência de julgamento, existindo
meios estenotípicos ou estenográficos, ou de outros meios técnicos idóneos a
assegurar a reprodução integral daquelas, bem como nos casos em que a lei
expressamente o impuser, originar uma simples irregularidade sanável (artigo
123.° CPP), no caso de não ter sido atempadamente arguida, até ao início das
declarações do arguido previstas no artigo 343.° do CPP, verificando-se a
violação do principio do duplo grau de jurisdição em matéria de facto, com
assento constitucional no artigo 32.°, n.° 1 CRP.
II - Inconstitucionalidade do artigo 400.°, n.° 1, alínea f) do CPP conjugado
com os artigos 432.°, alínea b) e 433.°, quando interpretado no sentido de não
se admitir recurso para o Supremo Tribunal de Justiça quando o Tribunal da
Relação confirme a decisão do tribunal de primeira Instância (dupla conforme),
no entendimento de que a expressão «em processo por crime a que seja aplicável
pena de prisão não superior a oito anos» respeita à pena concreta e não à
moldura abstracta da pena aplicável que, no presente caso, nos termos do artigo
210.°, n.° 2 CP do crime de roubo pode variar entre 3 a 15 anos,
III - Inconstitucionalidade do artigo 24.° do CP, na interpretação dada por
ambas as instâncias, no sentido de que a desistência só assume relevância quando
a motivação da mesma seja apenas interna, não se admitindo que o mesmo estimulo
à desistência seja externo, ainda que com pleno domínio do agente, como foi o
caso sub judice, em que o recorrente, ao avistar um veículo da GNR, ponderou os
seus actos e desistiu voluntariamente, sem qualquer coacção física policial, dos
actos de execução típicos de um crime de roubo, o que configura a violação do
princípio da plenitude das garantias de defesa (artigo 32.°, n.° 1 CRP) e do
princípio da dignidade humana (artigo 1.º CRP).
IV - Inconstitucionalidade do artigo 368.° CPP ao ser interpretado no sentido de
possibilitar ao juiz, em matéria de fixação da culpabilidade, o conhecimento dos
antecedentes criminais do arguido, mesmo após tal informação ter sido cancelada,
assim se violando o princípio da plenitude das garantias de defesa, o direito
“ao esquecimento” e à plena ressocialização subjacentes ao princípio da
dignidade da pessoa humana constante do artigo 1.º da CRP e do artigo 40.° CP
(materialmente constitucional), bem como do direito à reserva da intimidade da
vida privada (artigo 26.° CRP) e o direito à reabilitação social.
V - Inconstitucionalidade dos artigos 355.°, 271.° e 356.° do CPP quando
entendidos no sentido de permitirem, na audiência de julgamento a leitura dos
depoimentos prestados pelos queixosos, por violação dos princípios da imediação
e da oralidade, inerentes ao processo penal, por força do princípio
constitucional da plenitude das garantias de defesa do arguido (artigo 32.°, n.°
1 CRP) e o princípio do contraditório (artigo 32.°, n.°5 CRP).
VI - Inconstitucionalidade dos artigos 374.º, n.° 2 e 375.º do CPP quando
interpretados no sentido de que a motivação da sentença se bastar com a simples
enumeração dos meios de prova utilizados, sem explicitação do processo de
formação da convicção do tribunal, por violação do disposto no artigo 205.°, n.°
1 CRP.
VII - Inconstitucionalidade da decisão em matéria de custas, por não
fundamentação da mesma, nos termos do artigo 205.°, n.° 1 CRP, e por a mesma ser
desproporcionada, atendendo à situação económica do arguido, assim se violando o
princípio da proporcionalidade e da justiça distributiva genericamente
consagrado no artigo 18.°, n.° 3, 103.° e 104.° da CRP em matéria
económico-financeira e fiscal. […]»
3. Apesar de o presente recurso ter sido admitido pelo Tribunal a quo (cfr.
despacho de fls. 308), tal decisão não vincula o Tribunal Constitucional (n.º 3
do artigo 76.º da LTC), verificando-se, no caso em apreço, que não estão
reunidos os pressupostos necessários ao conhecimento do objecto do recurso, o
que justifica a prolação de decisão sumária, ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.º-A
da LTC.
Como resulta do requerimento acima transcrito, o presente recurso vem interposto
simultaneamente do Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 17.07.2007 e do
despacho do mesmo Tribunal, de 25.09.2007, que não admitiu o recurso interposto,
daquele acórdão, para o Supremo Tribunal de Justiça.
Tal como dispõe o n.º 2 do artigo 70.º da LTC, o recurso previsto na alínea b)
do número anterior apenas cabe de decisões que «não admitam recurso ordinário,
por a lei o não prever ou por já haverem sido esgotados todos os que no caso
cabiam». E, de acordo com o n.º 3 do referido preceito legal, «são equiparadas a
recursos ordinários as reclamações para os presidentes dos tribunais superiores,
nos casos de não admissão ou de retenção do recurso».
Por força do princípio da hierarquia dos tribunais e do sistema de controlo
difuso da constitucionalidade, apenas cabe recurso para o Tribunal
Constitucional das decisões finais, tal como definidas naquele n.º 2, proferidas
dentro de cada ordem dos tribunais.
Ora, decorre claramente dos presentes autos que o recorrente não esgotou os
meios impugnatórios “ordinários”, pois contra o despacho de 25.09.2007, que não
admitiu o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, cabia reclamação para o
Presidente deste Supremo Tribunal, nos termos do disposto no artigo 405.º do
Código de Processo Penal.
Em vez disso, o recorrente interpôs recurso directamente para o Tribunal
Constitucional, desse despacho de 25.09.2007 e do acórdão de 17.07.2007 do
Tribunal da Relação de Évora, sendo certo que o fez ainda no decurso do prazo de
dez dias que, nos termos do disposto no artigo 405.º, n.º 2, do CPP, dispunha
para apresentar a referida reclamação.
O que significa que, de acordo com o n.º 4 do artigo 70.º da LTC, à data da
interposição do presente recurso de constitucionalidade não estavam esgotados
todos os recursos ordinários (sendo equiparáveis a estes, as reclamações para os
presidentes dos tribunais superiores – n.º 3 do preceito).
Tanto basta para que, nos termos das disposições conjugadas dos n.ºs 2 e 3 do
artigo 70.º da LTC, o recurso não possa ser admitido.
3. Pelo exposto, ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC, decide-se não
conhecer do objecto do presente recurso.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 7 (sete) unidades de
conta.»
2. Notificado desta decisão, o recorrente veio reclamar para a conferência, ao
abrigo do artigo 78.º-A, n.º 3, da LTC, na qual conclui o seguinte:
«[…] CONCLUSÕES E ALEGAÇÕES
Em resumo, e em conclusão, dir-se-á, que A NÃO ADMISSÃO DO PRESENTE RECURSO E
INCONSTITUCIONAL E ILEGAL, nos seguintes termos:
1.º O Tribunal Constitucional, através do seu Relator, encontra-se vinculado por
padrões estritos de legalidade (artigo 204.° CRP 1976), pelo que a
inadmissibilidade do presente recurso, ao divergir da decisão de admissibilidade
do Tribunal da Relação de Évora, contende com os artigos 110.º, 111.º, 204.° e
209.° CRP, devendo, neste segmento, considerar-se inconstitucional a
interpretação dos artigos 76.°, n.° 3 e 78.°-A LOFTC;
2.° O princípio da exaustão dos recursos ordinários não pode ser considerado
pressuposto de admissibilidade do recurso de constitucionalidade, em sede de
fiscalização sucessiva concreta, nomeadamente nos casos que têm origem no
circunstancialismo do artigo 405.°, n.° 1 CPP, por força do artigo 70.º, n.°s 3
e 4 LOFTC.
3.° A hierarquização dos tribunais e o sistema de controlo difuso da
constitucionalidade não justificam, dogmaticamente, o estabelecimento do
princípio da exaustão dos recursos ordinários como condição prévia de
admissibilidade do recurso de fiscalização concreta difusa da
constitucionalidade.
4.° Admitido o recurso para o Tribunal Constitucional, pelo Tribunal da Relação
de Évora, deve entender-se estar presente uma forte presunção da viabilidade e
procedência do recurso, pelo que tal decisão não pode ser alvo de um juízo
sumário, por parte de um Juiz-Conselheiro Relator, e não de um efectivo
Tribunal, sob pena de tal norma — constritora e restritiva de direitos
fundamentais — dever considerar-se inconstitucional (artigo 78.°-A, n.° 1
LOFTC), face aos artigos 20.°, 32.°, n.° 1, 110.º, 111.º, 205.°, 209.° CRP.
5.º O princípio da exaustão dos recursos ordinários é um requisito formal que
não deve prevalecer sobre o direito à escolha do recurso mais efectivo, sob pena
de se violarem os artigos 20.° e 32°, n.° 1 CRP ao dar-se tal interpretação aos
artigos 70.º, n.ºs 3 e 4 e 78.°-A LOFTC.
6.° Não fôra a “suposta não exaustão dos recursos ordinários”, o recurso de
constitucionalidade teria sido viável e procedente, pelo que se deu primazia à
forma sobre a substância, num claro retrocesso dos modernos desenvolvimentos
legislativos que introduziram mecanismos em que o juiz convida a parte ao
“aperfeiçoamento das peças processuais” (aprofundamento do princípio da
cooperação processual), visto que se entende que não pode o direito adjectivo
sobrepor-se ao substantivo — que é o mesmo que referir que quem tem um direito
não pode perdê-lo por simples incumprimento de um dado formalismo.
7.º A Decisão Sumária viola directamente o artigo 70°, n.° 4 LOFTC, dado que se
admite que a renúncia se reconduza (corresponda) à exaustão dos recursos
ordinários, assim se lesando o princípio da plenitude das garantias de defesa do
arguido (artigo 32°, n.° 1 CRP)
8.° O arguido/recorrente pode, em sede de recurso (artigos 20.° e 32.°, n.° 1
CRP) optar pela via recursória junto do Tribunal Constitucional, em detrimento
da restante via reclamatória ou recursória junto dos tribunais comuns, sobretudo
quando estiver em causa o aferir da constitucionalidade de determinado
normativo, atendendo que aquele tribunal é o guardião dos guardiães da CRP 1976
e detém a última palavra em matéria de fiscalização de constitucionalidade.
9.° A interposição de recurso junto do Tribunal Constitucional, dentro do prazo
em que podia lançar mão da reclamação (para o STJ), nos termos do artigo 405.°,
n.° 1 CPP, significa o recorrente renuncia, de forma expressa e indubitável,
para os efeitos e termos do artigo 70.°, n.° 4 LOFTC, pelo que se verificou a
“exaustão dos recursos ordinários”.
10.º O recorrente tem na sua disponibilidade (inerente ao seu direito ao
recurso) a possibilidade de optar pela reclamação ou pelo recurso de
constitucionalidade, pelo que a Decisão Sumária contende com um direito
fundamental e traduz uma insuportável lesão, pelo que legitima a via resistente
do arguido e a via reclamatória (para a conferência) do Tribunal Constitucional
(artigos 20°, 21.º e 32°, n.° 1 CRP 1976). Tal possibilidade de opção deriva do
direito de acesso e tutela jurisdicional efectiva (artigo 20.° CRP), princípio
da justiça e tutela da confiança e boa fé dos cidadãos e princípio democrático
(artigo 1.º, 2.° CRP 1976).
11.º A presente Decisão Sumária viola o princípio da tutela (e legítimas
expectativas) da confiança dos cidadãos e tutela da boa fé, inerentes ao
princípio do Estado de Direito Democrático (artigo 2.° CRP 1976).
12.° O direito ao recurso consagrado no artigo 20.° e 32.°, n.° 1 CRP,
conjugados com o disposto no artigo 70.°, n.ºs 3 e 4 LOFTC, comportam a
interpretação de que o recorrente tem o direito à escolha da via recursória
(Parecer GOMES CANOTILHO).
13.° A história legislativa do artigo 70.°, n.° 2 LOFTC levam a um entendimento
diferente do subscrito pelo relator, ficando, por isso, violado o elemento
histórico da interpretação, subjacente ao artigo 9.° n.° 1 Código Civil («...
reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em
conta … as circunstâncias em que a lei foi elaborada… ».
14.° A presente Decisão Sumária contende com anterior jurisprudência do Tribunal
Constitucional, nomeadamente o Acórdão 335/2006, onde o tema é tratado de forma
similar.
15.° O Constitucionalismo recente, no dealbar do século XX1, aponta para cânones
hermenêuticos e interpretativos que contrastam com a ausência de “razão
argumentativa” inerente à presente Decisão Sumária, não faltando avisada
doutrina que admite a tese da renúncia expressa ao recurso ordinário e
consequente acesso directo ao Tribunal Constitucional no que respeita à questão
da constitucionalidade.
16.° Como bem se verifica pela locução «pode», a via reclamatória do artigo
405.°, n.° 1 CPP é facultativa, pelo que não deve ser entendida como obrigatório
o seu uso para efeitos de exaustão dos recursos ordinários. Mau grado o disposto
no artigo 70.°, n.° 4 LOFTC, deve entender-se que se dá a “exaustão de recursos
ordinários” quando a reclamação é facultativa e o recorrente optar por um outro
recurso (de constitucionalidade junto do TC) que não essa via reclamatória.
17.º A “legitimação” do presidente do tribunal a se recorre para tomar
conhecimento da reclamação, do artigo 405.°, n.° 1 CPP, introduz um (enviesado
e) inadmissível desvio à justa e democrática composição dos órgãos
jurisdicionais, contendendo com o teor dos artigos 20.°, 110.º, 111.°, 202.° e
209.° CRP.
18.° A não fundamentação do despacho de condenação em custas é inconstitucional
e ilegal, atendo o disposto no artigo 205.°, n.° 1 CRP 1976, visto que não se
trata de “despacho de mero expediente”.
19.° O estabelecimento de condenações em coimas, custas ou taxas de justiça sem
atender às condições económicas do arguido, contende com o princípio da
dignidade humana (artigo 1.º), dado que coloca o arguido numa situação de
insustentável de vida não digna de ser vivida por não ter os mínimos e
necessários meios de subsistência, tanto mais que o arguido se viu — pelas
necessidades económicas — compelido ao crime e se encontrava numa situação de
inexigibilidade. A condenação em taxa de justiça de 7 UCs (7 X € 96,00= 686,00)
equivale, sensivelmente, a 1,25% do salário mínimo. A bon entendeur...
20.° A não admissão do presente recurso obriga o recorrente a “nova
peregrignação” que, a final, poderá levá-lo, à guisa de pedinte, a vir,
novamente, a apresentar as suas “preces” (recurso) à porta da mais alta
instância judicial de garantia da CRP 1976: o Tribunal Constitucional. Assim se
esvai o direito à tutela jurisdicional expedita e efectiva, inerente ao artigo
20.° CRP 1976
21.º Além disso, importa recuperar as conclusões I a VII, supra transcritas, e
que demonstram a “arbitrariedade”, ilegalidade e inconstitucionalidade da
interpretação subjacente às normas invocadas para a fundamentação da decisão
judicial de condenação do arguido-recorrente.
Por tudo isto, e no sentido de Vossa(s) Excelência(s) fazer Justiça.
DEVE A PRESENTE RECLAMACÃO. PARA A CONFERÊNCIA, I)A DECISÃO SUMÁRIA N.° 977/07
(2.ª SECÇÃO TC), SER CONSIDERADA FUNDADA E PROCEDENTE, POR VERIFICADAS AS
INCONSTITUC1ONALIDADES DAS NORMAS CITADAS NA INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO QUE DELAS
FEZ O JUIZ-CONSELHEIRO RELATOR (J. SOUSA RIBEIRO), DEVENDO, CONSEQUENTEMENTE,
SER ADMITIDO O RECURSO INTERPOSTO DA DECISÃO DA RELACÃO DE ÉVORA. NO SEGUIMENTO
DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA DE PORTIMÃO.»
3. O representante do Ministério Público neste Tribunal apresentou resposta nos
termos seguintes:
«1º
A longa e prolixa reclamação, ora apresentada pelo recorrente, assenta — em
larga medida em fundamentos ostensivamente improcedentes (nomeadamente no que se
refere à insólita tese de vinculação (!) do Tribunal Constitucional pelas
decisões de admissão de recurso no tribunal “a quo”, à sustentação de que a
exaustão dos recursos ordinários possíveis não constitui pressuposto de
admissibilidade, no caso de se invocar a alínea b) do n.° 1 do artigo 70.° da
Lei 2 8/82, à consideração de que o condicionamento dos recursos de fiscalização
concreta a pressupostos ou requisitos viola o direito de aceder ao tribunal, à
manifesta confusão entre o plano dos pressupostos do recurso e as deficiências
formais do requerimento de interposição, só estas susceptíveis de convite ao
suprimento, ao pôr em crise a atribuição de competência ao Presidente do
Tribunal Superior para apreciar as reclamações, às considerações feitas acerca
da possibilidade de a parte sucumbente ser condenada em custas...)
2°
Deste modo, afigura-se que a única questão que poderia ter alguma razoabilidade
é a que se situa em sede de apreciação e concretização do ónus de exaustão dos
meios impugnatórios ordinários possíveis (em que obviamente se inclui a
reclamação para o Presidente do Tribunal Superior): deverá valer como “renúncia
tácita” a tal reclamação a mera interposição de recurso de constitucionalidade,
sem aguardar o esgotamento do prazo de que a parte beneficiava para deduzir tal
reclamação?
3°
Ora, ao contrário do sustentado pelo reclamante a “praxis” seguida pelo Tribunal
tem sido efectivamente a que se traduz em considerar que a interposição de
recursos de constitucionalidade durante a pendência do prazo do “recurso
ordinário” possível não vale, só por si, como renúncia “implícita” a tal meio
impugnatório — sendo, aliás, evidente que tal entendimento não preclude ao
recorrente o acesso à justiça constitucional no momento em que ocorra efectiva
exaustão ou esgotamento de tais “recursos ordinários”.
4.º
Não se vendo minimamente em que termos poderá colidir tal entendimento com a
solução acolhida no invocado Acórdão n° 335/06, incidente sobre questão
perfeitamente diversa e autónoma de que ora nos ocupa.»
Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
4. A extensa reclamação apresentada pelo recorrente não aduz qualquer fundamento
susceptível de contradizer o decidido na decisão sumária reclamada.
Os fundamentos de não conhecimento do objecto recurso, nesta invocados, para os
quais se remete na íntegra, correspondem a jurisprudência uniforme e reiterada
deste Tribunal, inteiramente aplicável ao caso em apreço, quer no que respeita à
não vinculação do Tribunal Constitucional pelas decisões de admissão de recurso
no tribunal a quo, quer quanto ao ónus de exaustão dos meios impugnatórios
ordinários.
Como se refere na resposta do Ministério Público, o entendimento seguido pelo
Tribunal Constitucional (v., nomeadamente, os Acórdãos n.ºs 105/2003 e 18/2004,
disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt) tem sido o de considerar que a
interposição de recurso para o Tribunal Constitucional não é um facto
concludente inequívoco da vontade de não interposição de recurso ordinário
(incluindo-se aqui as reclamações para o presidente do tribunal ou para a
conferência).
Lê-se no Acórdão n.º 18/2004: «Não teria sentido útil, seria uma previsão legal
redundante − que o intérprete não deve presumir; cf. Art. 9.º/3 do Cód. Civil −
fazer depender a admissibilidade de recurso de fiscalização concreta de
constitucionalidade de renúncia ao recurso ordinário (art.70.º/4) se a
interposição de recurso para o Tribunal Constitucional valesse ipso facto com
renúncia àquele outro recurso.»
Este entendimento em nada é contrariado pelo Acórdão n.º 335/2006, a que alude a
reclamação, pois este aresto versa sobre questão diversa e autónoma.
Finalmente, também não assiste razão ao reclamante no que respeita à alegada
inconstitucionalidade e ilegalidade, por falta de fundamentação, da condenação
em custas proferida na decisão sumária.
Nos termos do artigo 6.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de Outubro, a
taxa de justiça aplicável às decisões sumárias a que se refere o n.º 1 do artigo
78.º-A da LTC, é fixada entre 2UC e 10UC. Na decisão sumária reclamada foi
aplicada a taxa de justiça de sete unidades de conta, tendo em atenção os
critérios estabelecidos no artigo 9.º, n.º 1, do mesmo diploma legal, e de
acordo com a prática uniforme e reiterada do Tribunal.
Tratou-se, pois, de uma condenação com base em disposições legais específicas,
pelo que a decisão em causa não enferma de qualquer ilegalidade ou
inconstitucionalidade pelo simples facto de elas não virem explicitamente
referidas, sendo certo que a decisão foi a de não conhecer do objecto do
recurso, resultando a condenação do recorrente em custas consequencialmente
dessa decisão e atendendo a tais disposições (no mesmo sentido v. Acórdãos n.ºs
168/2005 e 223/2006, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt).
III. Decisão
6. Pelo exposto, acordam em indeferir a presente reclamação.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de
conta.
Lisboa, 4 de Março de 2008
Joaquim de Sousa Ribeiro
Benjamim Rodrigues
Rui Manuel Moura Ramos