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Processo n.º 563/07
1.ª Secção
Relator: Conselheiro José Borges Soeiro
Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I – Relatório
1. A. instaurou acção declarativa sob a forma ordinária contra B., C. e D.
pedindo que: (i) seja reconhecido e declarado que não é filha do 1.º Réu, e, em
consequência, seja ordenada a eliminação da paternidade constante do seu assento
de nascimento, bem como a respectiva avoenga paterna; (ii) seja reconhecida e
declarada a sua paternidade relativamente ao 3.° Réu, devendo, em consequência,
ordenar-se o respectivo averbamento.
Os 1.º e 2.º Réus excepcionaram a caducidade do direito da Autora, com
fundamento no disposto no artigo 1842.°, n.° 1, al. c), do Código Civil.
A Autora, em réplica, pugnou pela improcedência da excepção.
Considerando que o processo reunia os elementos de facto suficientes, sem
necessidade de mais provas, que permitiam conhecer da excepção, o Exmo. Juiz da
Comarca de Abrantes, no despacho saneador, decidiu da mencionada excepção, pela
seguinte forma:
“a) Recusar a aplicação da norma constante do art° 1842. °, n.° 1, alínea c), 2ª
parte do Código Civil, por materialmente inconstitucional em decorrência da
violação dos princípios contidos nos art°s 26°, n.º 1, 36°, n. °s 1 e 4 e 18°,
n.º 2 da Constituição da República Portuguesa;
b) Julgar improcedente a excepção de caducidade.”
2. O Exmo. Magistrado do Ministério Público junto da Comarca de Abrantes veio
interpor recurso obrigatório para este Tribunal, ao abrigo do disposto no artigo
70.º, n.° 1, alínea a), da Lei n.° 28/82, de 15 de Novembro (Lei do Tribunal
Constitucional), o qual foi admitido como apelação, a subir imediatamente, nos
próprios autos, com efeito suspensivo, conforme resulta do despacho de fls. 153.
O Exmo. Procurador-Geral-Adjunto, junto deste Tribunal Constitucional, veio
juntar as respectivas alegações concluindo pela seguinte forma:
“1º
A norma constante do artigo 1842°, n° 1, alínea c), do Código Civil, enquanto
estabelece o prazo de caducidade de um ano, contado da data em que o filho teve
conhecimento de circunstâncias de que possa concluir-se não ser filho do marido
da mãe, para a respectiva acção de impugnação, viola as disposições conjugadas
dos artigos 26°, n° 1, 36°, n° 1, e 18°, n° 2, da Constituição da República
Portuguesa.
2°
Na verdade, o estabelecimento de tal prazo de caducidade, colide com o direito
fundamental ao reconhecimento do vínculo de filiação biológica por parte do
filho, revelando-se desproporcionado, pelo menos nas situações – como a dos
autos – em que o conhecimento dos factos que inculcam a não paternidade ocorreu
em momento temporal próximo daquele em que o filho atingiu a maioridade –
inviabilizando reflexamente a caducidade da acção de impugnação o reconhecimento
judicial da paternidade biologicamente verdadeira.
3°
Termos em que deverá confirmar-se o juízo de inconstitucionalidade formulado
pela decisão recorrida.”
Não foram produzidas contra-alegações.
3. A decisão recorrida fundou-se, essencialmente, na seguinte argumentação:
“ […] Tem vindo a ser discutida, cada vez com maior frequência, a questão da
constitucionalidade dos prazos de caducidade no âmbito das acções de
estabelecimento da filiação. (…)
O Tribunal Constitucional já se debruçou várias vezes sobre a questão da
constitucionalidade, mas no âmbito dos prazos para propositura de acções de
investigação de paternidade. (…)
No essencial, a fundamentação dessas decisões assenta na consideração de que as
normas em questão resultam de uma ponderação de vários direitos ou interesses
contrapostos, a qual conduz, não propriamente a uma restrição, mas a um
condicionamento aceitável do exercício do direito à identidade pessoal do
investigante. (…)
Contudo, mais recentemente, tem-se verificado uma tendência indiciada de
inversão na posição do Tribunal Constitucional.
Assim, no Acórdão daquele Alto Tribunal n.º 456/2003 (Proc. n° 193/2003, in
www.tribunalconstitucional.pt), foi apreciada a constitucionalidade da norma do
art° 1817°, n. ° 2, aplicável por força do art° 1873° do Código Civil, num caso
em que estava em causa saber se ficava impedida a investigação de paternidade a
quem, depois dos 20 anos, for surpreendido pela procedência de uma acção de
impugnação da sua paternidade. Tendo o presumido pai impugnado com sucesso a
presunção de paternidade, o filho, apesar de ter ficado com a paternidade em
branco, estava impedido de intentar acção de investigação da paternidade, já que
o n. °2 do art° 1817° exige que a remoção do obstáculo (no caso, o cancelamento
do registo inibitório) seja requerida até ao termo do prazo estabelecido no
número anterior, de dois anos após a maioridade ou emancipação, o qual já havia
expirado há muito. O Tribunal negou provimento ao recurso por ter concluído pela
inconstitucionalidade da norma em questão, por violação do direito à identidade
pessoal.
Também no Acórdão n. ° 486/04 (in DR, II série, n.º 35, de 18 de Fevereiro de
2005), o Tribunal Constitucional pronunciou-se pela inconstitucionalidade da
norma do art° 1817, n. 1 do Código Civil, aplicável à paternidade por remissão
do art° 1873º do mesmo código, por violação das disposições conjugadas dos art°s
26.º, n. ° 1, 36. °, n.º 1, e l8. °, n.º 2 da Constituição da República
Portuguesa. (…)
Contudo, (…) tendo-se o Tribunal Constitucional debruçado apenas sobre a
referida norma do art° 1817.º, n. ° 1 do Código Civil, todos os argumentos ali
vertidos são susceptíveis de serem aplicados às demais hipóteses em que a
caducidade não depende somente de factos objectivos – do decurso do tempo – mas
de circunstâncias cujo domínio está na esfera jurídica ou na esfera fáctica de
terceiros ou do próprio investigante, incompatibilidade com registo de
paternidade ou maternidade já estabelecidos, existência de escrito ou posse de
estado. Mais refere que ‘inclusivamente, a questão pode vir a ser colocada em
relação ao prazo de caducidade previsto no art° 1842.º, n. ° 1, al c), que
atinge a pretensão de o filho, nascido na constância do casamento da mãe,
impugnar a paternidade presumida do marido dela (…).’
Ora, no caso sub judice, encontra-se precisamente em causa a aplicabilidade do
disposto no art° 1842.º, n. 1, al. c) do Código Civil, pelo que, há todo o
interesse em apreciar a fundamentação vertida no referido acórdão do Tribunal
Constitucional.
Um dos primeiros argumentos invocados nesse acórdão para afastar a
aplicabilidade do art° 1817.º, n. ° 1, é o respeito pelo direito à identidade
pessoal. (…)
Deve, assim, ter-se por adquirida a consagração, na Constituição, como dimensão
do direito à identidade pessoal, consagrado no art° 26°, n. ° 1, de um direito
fundamental ao conhecimento e reconhecimento da maternidade e da paternidade.
(…)
Contudo, não basta optar pela qualificação como norma restritiva ou
condicionadora para, aplicando ou não o regime do art° 18° da Constituição, logo
se concluir sobre a sua conformidade constitucional, tornando-se antes
necessário analisar, numa perspectiva substancial, se o tipo de limitação ao
direito fundamental em causa, pela gravidade dos seus efeitos e pela sua
justificação, é ou não actualmente aceitável, à luz do princípio da
proporcionalidade.
O direito ao desenvolvimento da personalidade, consagrado no art° 26° da
Constituição (…) determina que tanto o pretenso filho como o suposto progenitor
podem invocar este preceito constitucional. No entanto, ele ‘pesa’ mais do lado
do filho, para quem o exercício do direito de investigar é indispensável para
determinar as suas origens.
Tem-se verificado uma progressiva e significativa alteração dos dados do
problema, a favor do filho e da imprescritibilidade da acção, designadamente com
o impulso científico e social para o conhecimento das origens, os
desenvolvimentos da genética, e a generalização de testes genéticos de muito
elevada fiabilidade.
Esta evolução veio alterar decisivamente a questão, posicionando-a em favor do
direito de conhecer a paternidade, determinando o peso dos exames científicos
nas acções de paternidade. (…)
No entanto, tem-se admitido que outros valores, como os relativos à certeza e à
segurança jurídicas, possam intervir na ponderação dos interesses em causa,
sobrepondo-se, assim, à revelação da verdade biológica. Da perspectiva do
pretenso pai, aliás, invoca-se também, por vezes, o seu ‘direito à reserva da
intimidade da vida privada e familiar’: tal intimidade poderia ser perturbada,
sobretudo se a revelação for muito surpreendente, por circunstâncias ligadas à
pessoa do suposto pai ou pelo decurso do tempo, e poderia mesmo afectar o
agregado familiar do visado. Assim, tendo em conta estes valores ligados à
organização social a certeza e a segurança, admitiu-se, como constitucionalmente
incensurável uma solução legislativa que fixe prazos de caducidade para a
propositura deste tipo de acções.
Contudo, se, atendendo à fiabilidade dos exames de ADN, o valor da certeza
objectiva da identidade pessoal já não está em causa, resta a sempre invocada
segurança para sujeitos ou pessoas concretas, bem como a segurança familiar e
conjugal. Assim, se, por um lado, o pretenso progenitor tem interesse em não ver
indefinida ou excessivamente protelada uma situação de incerteza quanto à sua
paternidade, por outro, existe o interesse na paz e harmonia da família conjugal
constituída pelo pretenso pai. (…)
Na verdade, afigura-se que a pretensão de satisfazer, através do sacrifício do
direito do filho a saber quem é o pai, um puro interesse na tranquilidade, não é
digna de tutela, se se tratar realmente do progenitor. Este tem uma
responsabilidade para com o filho que não deve pretender extinguir pelo decurso
do tempo, pela simples invocação de razões de segurança, confiança ou
comodidade. E se, diversamente, não se tratar do verdadeiro progenitor, pode,
como se disse, submeter-se a um teste genético sem nada a temer.
E, de qualquer forma, a apreciação da conveniência em determinar a identidade do
seu progenitor, como elemento da sua identidade pessoal, corresponde a uma
faculdade eminentemente pessoal, em que apenas pode imperar o critério do
próprio filho.
E também não se vê que possa, só por si, a protecção do interesse na paz e
harmonia da família conjugal que pode ter sido constituída pelo pretenso pai,
considerar-se decisiva. Tais limitações específicas ao direito de agir contra
supostos progenitores casados (ao tempo do nascimento ou apenas no momento do
reconhecimento) embora com antecedentes no nosso sistema jurídico, traduzem-se
em efeitos discriminatórios, constitucionalmente vedados, contra os filhos
concebidos fora do casamento.
É certo que o investigado poderá também invocar direitos fundamentais, como o
‘direito à reserva da intimidade da vida privada e familiar’ que poderão ser
afectados pela revelação de factos que o possam comprometer. Não se vê, porém,
que se possa proteger tais interesses do eventual progenitor à custa do direito
de investigar a própria paternidade, determinada fundamentalmente pelo
‘princípio da verdade biológica’ que inspira o nosso direito da filiação.
Conclui o acórdão em análise que o regime em apreço, ao excluir totalmente a
possibilidade de investigar judicialmente a paternidade (ou a maternidade), logo
a partir dos vinte anos de idade, tem como consequência uma restrição do alcance
do conteúdo essencial dos direitos fundamentais à identidade pessoal e a
constituir família, que incluem o direito ao conhecimento da paternidade ou da
maternidade.
A solução existente não pode, hoje, ser considerada constitucionalmente
admissível, por violação da exigência de proporcionalidade (lato sensu)
consagrada no art° 18°, n. ° 2, da Constituição da República Portuguesa.
De facto, o estabelecimento de um prazo, passou a traduzir uma apreciação
manifestamente incorrecta dos interesses ou valores em presença, em particular,
quanto à intensidade e à natureza das consequências que esse regime tem para
cada um destes: os prejuízos apresentam-se claramente desproporcionados em
relação às desvantagens eventualmente resultantes, para o investigado e sua
família, da acção de investigação.
São estes, no essencial, os argumentos aduzidos pelo Tribunal Constitucional
para afastar a aplicabilidade do prazo previsto no art° 1817. °, n. ° 1 do
Código Civil.”
Prossegue, posteriormente, a decisão recorrida, cotejando, desta feita, com o
regime da acção de impugnação da paternidade:
“Importa, agora, que comparar o regime do art° 1817.°, n.º 1, com o previsto no
art° 1842. °, n.º 1, al. c) do Código Civil.
Também neste artigo se prevê que a impugnação da paternidade de um filho nascido
dentro do casamento só se possa exercer dentro do prazo de um ano, a contar da
maioridade, ou de igual período posterior ao momento em que tenha conhecimento
dos factos de que possa concluir-se não ser filho do marido da mãe.
Claramente, há um regime cerceador da liberdade de fazer coincidir a verdade
biológica com a verdade jurídica do estabelecimento da filiação. Importa
averiguar se esse cerceamento é desproporcionado ou não, relativamente ao
direito que se pretende, dessa forma, proteger.
A reforma do Código Civil de 1977 manteve, no art° 1842, o princípio da
caducidade do direito do impugnante – que passou a abranger não só o marido e
seus parentes, mas também o filho e a mãe – mas aumentou substancialmente os
prazos previstos anteriormente.
Segundo alguns autores, esta dupla dilatação dos prazos revelou-se
manifestamente excessiva (…).
Ora, contrariamente a este entendimento, toda a construção, quer
jurisprudencial, quer doutrinária, tem evoluído no sentido da
imprescritibilidade do direito a impugnar e em ver reconhecida a paternidade
e/ou maternidade, por forma a fazer coincidir a verdade jurídica com a verdade
biológica. E, se a nível nacional, foi já apontada alguma jurisprudência recente
do Tribunal Constitucional que apontava tendencialmente nesse sentido – pelo
menos quanto ao filho – bem como alguma doutrina, essa evolução é, desde há
muito, significativa a nível internacional.
(…) destinando-se os prazos de caducidade a sancionar a inércia ou o
desinteresse do titular do direito, esse argumento não pode aqui ser válido,
porquanto, tal prazo decorrerá, na grande parte dos casos, quando o filho ainda
vive em casa da mãe e do marido, na sua dependência económica e sem autonomia de
vida.
Logo, a fixação de tal prazo, impõe uma injustificada e desproporcionada
restrição aos direitos fundamentais e, como tal, violadora desses mesmos
direitos.
Um último argumento, de carácter pragmático, levar-nos-ia a concluir no mesmo
sentido, uma vez que, verificando-se que existindo uma paternidade estabelecida
e registada, não pode outra ser fixada sem que esta esteja definitivamente
afastada. Assim, sendo este um pressuposto para que se possa instaurar uma acção
de investigação da paternidade, estaria, por esta via, cerceado o direito de ver
reconhecida a paternidade biológica, tanto mais que os prazos entre uma e outra
acção não são coincidentes.
Assim, quer no plano da sua justificação, quer no plano dos seus efeitos, a
solução em causa não pode hoje ser constitucionalmente admissível, por se
revelar desproporcional, violando também o disposto no art° 18, n. 2 do
Constituição da República Portuguesa.
De facto, as desvantagens que advêm da perda da possibilidade do direito de vir
a ter a sua paternidade em correspondência com a verdade biológica, são
superiores e claramente desproporcionadas em relação às desvantagens
eventualmente resultantes, para o impugnado e sua família.”
Decidindo.
II – Fundamentação
4. A questão nuclear a decidir no recurso circunscreve-se a indagar da
constitucionalidade do prazo de caducidade da acção de impugnação de paternidade
presumida, intentada pelo filho, nascido na constância do matrimónio da mãe, nos
termos do artigo 1842.°, n.° 1 alínea c), do Código Civil.
Na decisão recorrida concluiu-se pela inconstitucionalidade da citada disposição
legal, sufragando-se, essencialmente, o argumento nos termos do qual, perante a
“verdade biológica”, não releva o prazo que a lei impõe para o exercício do
direito de acção, constante do mencionado artigo 1842.°, n.° 1 alínea c), do
Código Civil, sob pena de violação dos artigos 25.°, 26.°, n.° 1 e 18.°, n.° 2,
da Constituição da República Portuguesa.
A decisão recorrida, no aludido juízo de inconstitucionalidade, foi buscar apoio
à posição que vem sendo defendida pelo Tribunal Constitucional, no que se refere
ao disposto no artigo 1817.°, n.º 1, do Código Civil, relativo ao prazo de
propositura das acções de investigação de paternidade, tendo sido considerado
que os respectivos pressupostos teriam inteira aplicação ao caso concreto, por
tal temática ser transponível para a questão ora em apreciação.
Fundou-se essencialmente no Acórdão do Tribunal Constitucional n.° 486/2004, de
7 de Julho (publicado no Diário da República, II Série, de 18 de Fevereiro de
2005) que viria, a par de outras decisões no mesmo sentido – Acórdão do Plenário
do Tribunal Constitucional n.° 11/2005, de 12 de Janeiro (publicado no Diário da
República, II Série, de 18 de Março de 2005) e Decisões Sumárias n.°s 114/2005 e
288/2005, de 9 de Março e 4 de Agosto respectivamente (disponíveis em
www.tribunalconstitucional.pt) – a desencadear a declaração, com força
obrigatória geral, da inconstitucionalidade da norma constante do artigo 1817.°,
n.° 1, do Código Civil, aplicável por força do artigo 1873.° do mesmo Código,
conquanto nela se estabelecia a extinção, por caducidade, do direito de
investigar a paternidade em regra a partir dos 20 anos de idade do filho
(Acórdão do Tribunal Constitucional n.° 23/2006, de 10 de Janeiro, publicado no
Diário da República, I Série-A, de 28 de Fevereiro de 2006).
Refira-se desde já que o mencionado Acórdão do Tribunal Constitucional acabado
de citar apenas declarou a inconstitucionalidade do artigo 1817.º, n.º 1, do
Código Civil, naquela dimensão. Há, então, que indagar se as razões que levaram
à aludida declaração de inconstitucionalidade são as mesmas que deverão, na
linha da decisão recorrida, impor a formulação de idêntico juízo de
inconstitucionalidade relativamente à disposição constante do artigo 1842.°, n.°
1 alínea c), daquele Código.
5. Os fundamentos conducentes a tal declaração de inconstitucionalidade,
constantes do Acórdão do Tribunal Constitucional que vimos acompanhando,
encontram-se bem equacionados na doutrina que Guilherme de Oliveira vem
sufragando (v. Caducidade das acções de investigação, in Lex Familiae, Revista
Portuguesa de Direito de Família, n.° 1, 2004, pp. 7 e ss.).
Com efeito, os desenvolvimentos da genética, nos últimos vinte anos, têm
acentuado a importância dos vínculos biológicos e do seu determinismo; e com
isto, têm sublinhado o desejo de conhecer a ascendência biológica. Nestas
condições, refere o mesmo Ilustre Autor, que “o ‘direito fundamental à
identidade pessoal’ e o ‘direito fundamental à integridade pessoal’ ganharam uma
dimensão mais nítida, como, ainda, ‘o direito ao desenvolvimento da
personalidade’, introduzido pela revisão constitucional de 1997 – um direito de
conformação da própria vida, um direito de liberdade geral de acção cujas
restrições têm de ser constitucionalmente justificadas, necessárias e
proporcionais. É certo que tanto o pretenso filho como o suposto progenitor têm
direito a invocar este preceito constitucional, mas não será forçado dizer que
ele pesa mais do lado do filho, para quem o exercício do direito de investigar é
indispensável para determinar as suas origens, a sua família (…) a sua
‘localização’ no sistema de parentesco.”
6. As razões, para além e, previamente às de índole constitucional, que há muito
se ouvem no sentido da imprescritibilidade da investigação costumam ser,
“em primeiro lugar, a ‘segurança jurídica’ dos pretensos pais e seus herdeiros.
A previsão de um prazo de caducidade anda, aliás, sempre ligada à ideia de
segurança jurídica, no sentido de impedir que quem possa ser onerado com o
exercício de pretensões alheias esteja sujeito a que essa possibilidade de
exercício paire indefinidamente sobre a sua cabeça. Não sendo a acção intentada
até aos 20 anos (e passado, assim, o período em que mais falta faz um pai ou uma
mãe), não haveria, pois, que permitir o prolongamento da indefinição quanto ao
estabelecimento dos vínculos de filiação.
Em segundo lugar, esgrime-se com o progressivo ‘envelhecimento’ ou perecimento
das provas. Isto, sobretudo, em litígios – como os relativos à paternidade – de
prova difícil, relativa a factos íntimos e naturalmente geradores de emoções. Na
falta de prova pré-constituída decisiva, a passagem do tempo potenciaria os
perigos, designadamente da prova testemunhal, aumentando a possibilidade de
fraudes. Assim, mesmo sendo certo que, via de regra, seria sobretudo o próprio
investigante retardatário a suportar a desvantagem da dificuldade acrescida de
prova – pelo que não parecia curial limitar-lhe o direito de investigar para lhe
garantir o êxito da prova, como já em 1979 referia Guilherme de Oliveira (v.
Estabelecimento da Filiação, Coimbra, 1979, p. 41) –, tal razão não terá deixado
de pesar na previsão do prazo em questão.
Em terceiro lugar, avançava-se com um argumento atinente às finalidades dos
investigantes, que frequentemente seriam puramente egoísticas, próximas de
sentimentos de cobiça, quando os pretensos pais estavam no fim da vida. A
imprescritibilidade das acções de filiação permitiria tais ‘caças à fortuna’,
atrasando o estabelecimento da paternidade da juventude do filho, em que o poder
paternal é mais necessário, para a proximidade da morte do pretenso pai.” (cfr.
Acórdão n.º 23/2006, citado).
Estes foram os argumentos que, durante largo período, vingaram de forma
praticamente unânime no plano legislativo, doutrinal e jurisprudencial.
7. Nem sempre, no entanto, foi essa a solução da nossa lei civil. Na vigência do
Código de Seabra, nos termos da redacção originária, as acções de investigação
da paternidade podiam ser intentadas durante toda a vida dos pretensos pais ou
durante pouco tempo depois da morte dos mesmos, desde que ocorrida durante a
menoridade do filho. Podiam, ainda, ser propostas a todo o tempo desde que a
acção se fundasse em escrito do pai.
O Decreto n.º 2, de 1910, veio permitir que a acção pudesse ser intentada no ano
subsequente à morte do suposto progenitor. Assim, e como refere Guilherme de
Oliveira, “o direito português, até 1967, aceitava prazos muito longos para a
investigação da maternidade ou da paternidade – prazos que podiam chegar a
correr durante toda a vida do filho e tocar as fronteiras da
imprescritibilidade.” (in Critério Jurídico da Paternidade, Reimpressão,
Almedina, Coimbra, 1998, p. 462)
O Código Civil de 1966 introduziu alterações profundas neste domínio,
consagrando a regra da caducidade com prazos relativamente curtos terminando, em
regra, dois anos após a maioridade ou emancipação do filho (artigos 1817.º e
1873.º). As críticas violentas que se ouviram ao regime anterior não terão sido
indiferentes ao legislador de 1966. Gomes da Silva, por exemplo, insurgiu-se
contra o facto de o regime do Código de Seabra propiciar situações de “caça às
heranças dos pais”. Por outro lado, sustentava ainda aquele Autor que o
estabelecimento da filiação devia ser estimulado perto do nascimento (apud
Guilherme de Oliveira, Critério…, cit., p. 464).
Consagrou-se, assim, a regra da caducidade da acção de investigação da
maternidade ou paternidade no termo dos dois anos subsequentes à maioridade ou
emancipação do filho, ressalvados os casos de existência de escrito do pretenso
progenitor, de tratamento como filho ou, ainda, de um registo inibitório ou de
suspensão do início e do curso do prazo.
Tal regime manteve-se praticamente intocado pela Reforma de 1977 que terá feito
prevalecer o direito fundamental do suposto pai à reserva da intimidade da vida
privada e familiar, aliado aos argumentos tradicionalmente invocados a favor da
caducidade destas acções (nesse sentido, Guilherme de Oliveira, Caducidade…,
cit., p. 9).
8. No entanto, e como bem se realçou no Acórdão n.º 486/2004, citado, “não pode
ignorar-se a evolução dos elementos relevantes para a questão de
constitucionalidade”. Assim, a par de evoluções científicas que contrariam a
tese tradicional atinente ao risco de “envelhecimento das provas”, também os
valores da segurança jurídica do pretenso progenitor em “não ver indefinida ou
excessivamente protelada a dúvida quanto à sua paternidade”, ou da “paz e
harmonia conjugal”, ou, ainda, o direito do investigado à reserva da intimidade
da vida privada e familiar, devem ceder perante o interesse do filho em conhecer
a sua ascendência e, assim, averiguar e determinar a sua paternidade biológica –
nos termos dos seus direitos fundamentais à identidade e integridade pessoal e a
constituir família, ínsitos nos artigos 26.º e 31.º, n.º 1, da Constituição.
Sublinhe-se, no entanto, que tanto no caso do Acórdão n.º 486/2004 como nos
arestos que se lhe seguiram (bem como, igualmente, no Acórdão n.º 456/2003,
publicado no Diário da República, II Série, de 10 de Fevereiro de 2004), o
Tribunal Constitucional não se pronunciou no sentido da imprescritibilidade da
acção – com efeito, o objecto das sucessivas pronúncias restringia-se, apenas,
ao prazo constante do artigo 1817.º, n.º 1, não ficando afastada, por
conseguinte, a possibilidade de previsão, por via legislativa, de um prazo de
caducidade que dê satisfação aos vários interesses em jogo. Adiante-se, desde
já, que também no caso dos autos, o objecto do recurso se prende com o prazo
constante do artigo 1842.º, n.º 1, alínea c), (e não com a admissibilidade, em
geral, do ponto de vista da conformidade com as normas e princípios
constitucionais, de prazo de caducidade para a proposição de acção tendente à
impugnação da paternidade presumida do marido da mãe).
9. No entanto, num registo mais recente, Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira
(v. Curso de Direito de Família, vol. II, tomo 1, 2006, p. 139) sustentam que os
tempos correm a favor da imprescritibilidade das acções de filiação, a propósito
da caducidade do direito a investigar a paternidade.
E afirmam: “não tem sentido, hoje, acentuar o argumento do enfraquecimento das
provas; e não pode atribuir-se o relevo antigo à ideia de insegurança
prolongada, porque este prejuízo tem de ser confrontado com o mérito do
interesse e do direito de impugnar a todo o tempo, ele próprio tributário da
tutela dos direitos fundamentais à identidade e ao desenvolvimento da
personalidade. Diga-se, numa palavra, que o respeito puro e simples pela verdade
biológica sugere claramente a imprescritibilidade.”
Acrescentam ainda que“(...) os prazos de caducidade para as acções de
estabelecimento de filiação estão em crise ou tornaram-se menos sedutores,
sobretudo quando a caducidade não visa proteger uma realidade familiar efectiva,
um vínculo de filiação ‘social’ que desempenhe as suas funções, apesar de lhe
faltar o fundamento biológico. Na verdade, a previsão de um prazo com os fins
típicos e abstractos da defesa e segurança tornou-se pouco convincente nestas
matérias” ((ob. cit., p. 137 – os sublinhados são nossos).
10. Neste sentido, e em sede de direito comparado, veja-se o cotejo alargado
encetado pelo citado Acórdão n.° 23/2006, deste Tribunal, que se transcreve:
“[…] 12- A solução adoptada na ordem jurídica portuguesa a partir de 1967, não
sendo inédita no panorama comparatístico, não corresponde, porém, à adoptada na
grande maioria das ordens jurídicas que nos são mais próximas.
Assim, por exemplo, o artigo 270.º do Código Civil italiano dispõe que a acção
para obter a declaração judicial da paternidade ou da maternidade ‘é
imprescritível para o filho’. Segundo o artigo 1606.º do Código Civil
brasileiro, a ‘acção de prova de filiação compete ao filho, enquanto viver,
passando aos herdeiros, se ele morrer menor ou incapaz’ (a Lei n.º 8.560, de 29
de Dezembro de 1992 veio regular a investigação de paternidade dos filhos
havidos fora do casamento). Nos termos do artigo 133.º do Código Civil espanhol,
por sua vez, a ‘acção de reclamação de filiação não matrimonial, quando falte a
respectiva posse de estado, cabe ao filho durante toda a sua vida’.
E também o legislador alemão optou pela regra da imprescritibilidade: o artigo
1600e, n.º 1, do Código Civil alemão, prevendo a legitimidade do filho para a
acção de investigação (consagrada no artigo 1600d), não prevê qualquer prazo.
Como se salienta na doutrina:
‘Não existe em princípio qualquer prazo para a acção de investigação de
paternidade. Se o filho não tiver pai estabelecido, seja devido ao casamento,
seja por perfilhação, o seu progenitor pode ser judicialmente investigado a todo
o tempo, e, se for o caso, mesmo que o filho já seja há muito adulto. Pelo
contrário, se estiver estabelecida a paternidade (…), esta tem, em primeiro
lugar, de ser afastada por impugnação da paternidade (…), para que a via para a
investigação judicial de outro homem como pai fique livre. Como existem prazos
para isso (§1600b [que prevê um prazo de dois anos a contar do conhecimento de
circunstâncias que depõem contra a paternidade]), cujo decurso bloqueia também a
investigação judicial do verdadeiro pai, também existe mediatamente, nesta
medida, um prazo para a investigação judicial da paternidade
(Palandt/Diederichsen, BGB, 59ª ed., Munique, 2000, anot. 4 ao § 1600d).’
Mesmo o Código Civil de Macau, aprovado em 1999 e tendo como modelo o Código
Civil português de 1966, adoptou uma solução diferente da do legislador
português: o n.º 1 do artigo 1677.º dispõe, claramente, que ‘a acção de
investigação da maternidade pode ser proposta a todo o tempo’, sendo tal norma
aplicável ao reconhecimento judicial da paternidade por força da remissão do
artigo 1722.º, à semelhança do que acontece no Código Civil português (em
compensação, para evitar os inconvenientes de tal solução, nomeadamente por
meros intuitos de ‘caça à fortuna’, o artigo 1656.º, n.º 1, do Código de Macau
veio prever duas hipóteses em que o estabelecimento do vínculo produz apenas
efeitos pessoais, excluindo-se os efeitos patrimoniais).
Como se disse, porém, não é só no nosso ordenamento que se encontra a previsão
de um prazo de caducidade da acção de investigação. Assim, no artigo 263.º do
Código Civil suíço prevê-se que a acção de investigação de paternidade pode ser
intentada pela mãe até um ano após o nascimento e pelo filho até ao decurso do
ano seguinte ao da sua maioridade (bem como, na hipótese de haver um vínculo de
paternidade estabelecido, no prazo de um ano após a dissolução desse vínculo).
Mas, de qualquer modo, existe no direito suíço uma cláusula geral de
salvaguarda, segundo a qual ‘a acção pode ser intentada depois do termo do prazo
se motivos justificados tornarem o atraso desculpável’. Já no direito francês,
porém, a acção deve ser proposta nos dois anos seguintes ao do nascimento
(artigo 340-4 do Code Civil, na redacção da Lei n.º 93-22, de 8 de Janeiro de
1993), existindo alguns casos de excepção ao prazo regra (se o pai e a mãe
viveram em união de facto estável durante o período legal de concepção, ou se
houve participação do pretenso pai na educação da criança). Se, porém, a acção
não tiver sido exercida durante a menoridade da criança, esta pode intentá-la
durante os dois anos seguintes à maioridade (um prazo, que, portanto, é neste
ponto idêntico ao da norma ora em questão).
A maioria das ordens jurídicas referidas – a bem dizer, todas as indicadas,
salvo a francesa – não prevê, pois, um regime tão limitativo como o da norma em
causa no presente recurso. Antes contêm, ou um regime semelhante ao que já
vigorou entre nós, de imprescritibilidade da investigação de paternidade, sem
limite temporal para a acção (pelo menos quando a paternidade não está
estabelecida), ou uma cláusula de salvaguarda para um atraso desculpável na
propositura da acção.
Já em 1977 era, aliás, significativa, também na doutrina, a posição segundo a
qual a acção de investigação de paternidade não deveria estar submetida a um
limite temporal. Como salientam Pires de Lima e Antunes Varela (ob. e loc.
cits.), nessa época ‘avolumara-se já em alguns sectores da doutrina estrangeira
a tese de que a investigação, quer da paternidade, quer da maternidade, por
respeitar a interesses inalienáveis do cidadão, incorporados no seu estado
pessoal, não devia ser limitada no tempo.’
Antes, ainda, de analisar os parâmetros constitucionais em questão e as
justificações referidas, com que normalmente se procura fundamentar a solução de
exclusão, em regra, do direito à investigação da paternidade a partir dos vinte
anos, importa, justamente, referir que também entre nós se notam alterações em
posições doutrinais. Designadamente, a própria doutrina mais frequentemente
citada nos arestos deste Tribunal, no sentido da orientação neles adoptada
(Guilherme de Oliveira, em Critério Jurídico da Paternidade, Coimbra, 1983,
págs. 463-471) pende hoje, expressamente, para a inconstitucionalidade do regime
em questão (assim, em Caducidade das acções de investigação, Revista Lex
Familiae, cit., n.º 1, 2004, págs. 7-13, concluindo ser sustentável ‘alegar a
inconstitucionalidade dos prazos estabelecidos nos arts. 1817.º e 1873.º C.
Civ.’, tornando o regime inaplicável pelos tribunais, e devendo então o direito
dos filhos ‘poder ser exercitado a todo o tempo, durante a sua vida – contra o
suposto pai ou contra outros legitimados em seu lugar’; e salientando ainda ser
‘conveniente ponderar não só o interesse dos familiares ou sucessores do filho
que morresse sem ter intentado a acção, mas também os interesses dos familiares
ou sucessores do suposto pai, contra quem havia de se dirigir a acção depois da
morte deste’, bem como a melhor forma de obviar a determinados casos-limite).”
11. Vejamos agora se os argumentos constantes do Acórdão n.º 486/2004, para o
qual o despacho recorrido expressamente remete, bem como da restante
jurisprudência constitucional que se tem firmado neste domínio, poderão ser
transponíveis para os casos de limitação do direito de impugnação da paternidade
presumida do filho nos termos do artigo 1842.º, n.º 1, alínea c), do Código
Civil.
O regime da impugnação da paternidade presumida do filho nascido ou concebido na
constância do matrimónio da mãe assenta, por um lado, no estabelecimento de
legitimidade de vários interessados (a mãe, o marido e o filho) e, por outro, na
fixação de diferentes prazos de caducidade. Assim, a mãe pode intentar a acção
de impugnação no prazo de dois anos após o nascimento do filho. Já ao presumido
pai assiste o prazo de dois anos contados desde que teve conhecimento de factos
que possam indiciar a sua não paternidade. No que diz respeito ao filho –
situação que se coloca nos autos – o prazo é de um ano após ter atingido a
maioridade ou emancipação ou, quando apenas tomou conhecimento de circunstâncias
que permitam concluir não ser filho do pai presumido posteriormente, no prazo de
um ano a contar de tal data.
12. São conhecidas as razões que se costumam invocar para justificar a
caducidade da acção de impugnação da paternidade presumida: o perigo do
enfraquecimento das provas e o dano resultante de uma insegurança prolongada em
matéria tão sensível. No que se refere, especialmente, à impugnação da
paternidade do marido, avulta uma outra razão, como seja, a protecção da família
conjugal.
E, nesta sede, vincando, a possibilidade de, contrariamente ao defendido, no que
concerne à caducidade do direito de investigar a paternidade, as pretensões de
constituição de vínculos novos poderem merecer um regime diferente da pretensão
de impugnar vínculos existentes, defendem os mesmos Ilustres Autores citados
(Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, ob. cit., pp. 139 e seguintes) que, as
razões que levam a defender a imprescritibilidade das acções de investigação não
parecerão tão líquidas para as acções de impugnação.
Assim, no que concerne a estas acções, pode-se ler que “se me parece hoje claro
que a investigação da paternidade deve ser imprescritível, não me parece tão
líquido que a impugnação da paternidade (do marido ou do perfilhante) deva ser
assim tão livre”, na medida em que “as impugnações agridem um estado jurídico e
social prévio, que pode ter uma duração e uma densidade consideráveis” (ob.
cit., pp. 139-140).
No entanto, atento o disposto no artigo 1859.º, verifica-se que a impugnação da
perfilhação obedece a um regime totalmente diverso, concedendo legitimidade para
agir não só ao perfilhante e perfilhado mas também a qualquer pessoa que tenha
interesse moral ou patrimonial na sua procedência e ao Ministério Público.
Estabelece-se, ainda, o regime de imprescritibilidade para essa impugnação que
pode ser intentada a todo o tempo, mesmo depois da morte do perfilhado.
13. As razões apontadas no sentido da imprescritibilidade das acções de
investigação da paternidade ou maternidade não são, sem mais, inteiramente
transponíveis para as acções de impugnação. Comecemos por analisar a questão ao
nível do direito comparado.
A regra da caducidade da impugnação é conhecida pela generalidade dos sistemas
jurídicos (como nota Guilherme de Oliveira, Critério…, cit., p. 371).
O Código Civil espanhol prevê um prazo curto para o marido agir, contado desde o
nascimento do filho (artigo 136 do Código Civil espanhol). Já o filho dispõe de
um ano a contar do registo da filiação ou da maioridade ou do acesso à plena
capacidade jurídica. Este prazo de caducidade, no entanto, apenas está previsto
no caso em que existe posse de estado de filiação matrimonial. No caso
contrário, o direito de impugnar pode ser exercido a todo o tempo pelo filho ou
pelos seus herdeiros (artigo 137).
O artigo 136 foi declarado inconstitucional pelo Tribunal Constitucional
espanhol, por violação do direito à tutela judicial efectiva, na parte em que
prevê o prazo de um ano para o marido da mãe intentar a acção de impugnação da
paternidade sempre que se demonstra que não tinha conhecimento que não era,
efectivamente, o pai biológico (Sentenças do Plenário n.ºs 138/2005 e
156/2005[1]). Estas pronúncias limitaram-se, no entanto, a aferir a
inconstitucionalidade do prazo concretamente previsto na norma, mormente do
respectivo dies a quo. Explicitou-se, por conseguinte, a possibilidade de o
legislador, no âmbito da sua margem de conformação, estabelecer um outro prazo
para a impugnação da paternidade presumida, em ordem à salvaguarda da segurança
jurídica, “dentro de cánones respetuosos con ele derecho a la tutela judicial
efectiva (…).”
Em França, a recente reforma da filiação, concretizada pela Ordonnance n.º
2005-709, que entrou em vigor em 1 de Julho de 2006, veio simplificar e
harmonizar o regime das acções de contestação da paternidade, nomeadamente no
que diz respeito à legitimidade activa e aos prazos para agir. Existem agora
dois meios processuais disponíveis para contestar a paternidade, consoante se
verifique ou não posse de estado conforme ao título (assente em paternidade
presumida ou por reconhecimento).
Na ausência de posse de estado, qualquer interessado, incluindo o filho, pode
intentar a acção no prazo de dez anos a contar do estabelecimento da filiação. O
filho pode ainda contestar a paternidade nos dez anos seguintes após ter
atingido a maioridade (artigos 334 e 321 do Code Civil). Caso exista posse de
estado conforme ao título, apenas a mãe, o pretenso pai, o filho ou o marido ou
autor do reconhecimento, conforme o caso, podem contestar a paternidade
estabelecida. Neste caso, o prazo é de apenas de 5 anos a contar daquele
estabelecimento (artigo 333).
No direito suíço, a presunção de paternidade pode ser impugnada judicialmente
pelo marido e pelo filho mas, relativamente a este último, apenas se a comunhão
de vida dos cônjuges terminou antes de atingir a maioridade (artigo 256 do Code
Civi suíço). O marido tem o prazo de um ano para intentar a acção após o
conhecimento do nascimento e dos indícios de que poderá não ser o pai biológico.
Já o filho pode agir durante a menoridade e no prazo de um ano após ter atingido
a maioridade. Em todo o caso, a acção pode ainda ser intentada após o decurso
dos referidos prazos em caso de motivo atendível que justifique a não
observância dos mesmos (artigo 256c).
Na Alemanha, vigora um regime muito semelhante ao estabelecido pelo nosso Código
Civil, ressalvando-se a possibilidade de o pai biológico poder impugnar a
paternidade presumida apenas nos casos em que não existe, entre o filho e o
marido da mãe, relações “sócio-familiares”.
A previsão de prazos de caducidade e de limitações ao direito de impugnar a
paternidade não se revela, por conseguinte, uma opção legislativa isolada no
plano comparatístico.
Também o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem[2] já teve oportunidade de se
pronunciar sobre a previsão legal de prazos para a impugnação da paternidade
presumida do marido da mãe. Fê-lo, no entanto, apenas relativamente ao direito
de acção do pai presumido e da mãe (relativamente ao pai presumido, cfr.
Acórdãos Shofman v. Rússia[3] e Mizzi v. Malta[4]; no que diz respeito à mãe,
cfr. Acórdãos Znamenskaya v. Rússia[5] e Kroon v. Países Baixos[6]).
Das várias pronúncias do Tribunal Europeu resulta que a previsão legal de prazos
para a impugnação da paternidade presumida não é, em si mesma, contrária à
Convenção Europeia dos Direitos do Homem, nomeadamente no que diz respeito ao
seu artigo 8.º. Assim, o Tribunal aceita que, em atenção aos valores da
segurança jurídica e da estabilidade das relações familiares, a paternidade
presumida possa tornar-se inatacável. O que se exige, no entanto, é que o prazo
estipulado permita, efectivamente, a possibilidade de os titulares do direito de
agir, querendo, poderem lançar mão de tal meio processual e contrariar a
presunção legal de paternidade em ordem à reposição da verdade biológica.
Assim, o prazo deve ser tal que permita, em concreto, e dentro do limite
temporal estabelecido pelo legislador nacional, o exercício do direito em tempo
útil. O que significa que releva, por conseguinte, não apenas o prazo
concretamente estabelecido mas também o modo como se processa a contagem desse
mesmo prazo.
14. Regressemos então à análise da situação que se nos oferece nos autos. Como
já ficou dito, não parece que se possa transpor, sem mais, a argumentação
expendida na jurisprudência constitucional mais recente e que já se elencou. Com
efeito, no caso sub judicio, estamos perante uma acção de impugnação da
paternidade (e não uma acção de investigação) que pode ser intentada, como
vimos, não só pelo filho mas também pela mãe e pelo marido da mãe, sujeita a um
prazo de caducidade que já não é determinada por factos estritamente objectivos
(tal como a maioridade ou emancipação do investigante) mas também por um
elemento subjectivo – conhecimento pelo filho ou marido da mãe de circunstâncias
susceptíveis de indiciar a inexistência de vínculo biológico.
Não tem o regime legal da caducidade, porém, sido isento de criticas. A
propósito do mesmo, por exemplo, escreveu Guilherme de Oliveira o seguinte:
“(…) os prazos estabelecidos no direito português deveriam ser mais longos. A
decisão de impugnar é fundamental e difícil para qualquer um dos titulares: o
marido desencadeia ou ratifica a desagregação familiar; a mulher faz o mesmo e
assume publicamente a violação da fidelidade conjugal; o filho decide com base
em factos que chegam ao seu conhecimento por interpostas pessoas, anos depois do
seu nascimento, com a agravante possível de algumas relações subsistentes com o
marido da mãe lhe tolherem a vontade.
Além disto, a perempção devia ceder perante alterações excepcionais e graves da
vida familiar que tornassem injusta e inútil a subsistência do vínculo: a
prática de ofensas muito graves contra o marido, imputáveis ao filho, que
afectassem desesperadamente a relação paternal, ou a ocorrência de outros factos
ponderosos tais que a manutenção do vínculo acabasse por ser gravemente lesiva
dos interesses do filho.” (Critério…, cit., p. 390).
15. No estabelecimento de prazos curtos, no que diz respeito à acção da mãe e do
marido desta acarreta tem, no entanto, sido vista a vantagem de tutelar os
interesses do próprio filho em não ver indefinidamente pendente o risco de
afastamento da presunção legal de paternidade. Assim, salienta o Exmo.
Procurador-Geral-Adjunto, “a acção do filho subsistirá normalmente por muitos
anos, após estar esgotado o direito de impugnar a paternidade pelos restantes
interessados (necessariamente pela mãe, provavelmente pelo marido, já que
plausivelmente terá este conhecimento das circunstâncias que inculcam a
inexistência do vínculo biológico durante a menoridade do filho).” E adianta
ainda que “o estabelecimento de prazos ‘curto’ – embora razoáveis e adequados –
para os progenitores impugnarem a paternidade presumida radicará, deste modo,
numa tutela do interesse do próprio filho menor, réu na acção, evitando,
nomeadamente, que o impugnante/marido da mãe – conhecedor de circunstâncias que
inculcam a sua não paternidade – possa prolongar indefinidamente a pendência de
tal situação, servindo-se dela como instrumento de ‘pressão’ sobre o cônjuge e,
indirectamente, sobre o próprio filho, nomeadamente quando confrontado com o
dever de pagamento de alimentos ou de contribuição para as despesas domésticas.”
Em anotação ao Acórdão n.º 486/2004, citado, Remédio Marques adiantou que “o
regime da impugnação da paternidade presumida, porventura cerceador da liberdade
de fazer coincidir a verdade biológica com a verdade jurídica do estabelecimento
da filiação paterna em relação a outro homem, que não o marido da mãe (…) prova
que esse regime jurídico positivo dos filhos nascidos dentro do casamento (art.
1842.º, n.º 1, alínea c) do Código Civil) estará, porventura, sujeito a alguma
censura jurídico-constitucional, especialmente quando as justificações ligadas à
inércia ou ao desinteresse do investigante têm pouco peso; o que, na verdade,
sucede quando este (filho) ainda não haja completado a sua formação profissional
e, vivendo ou sendo mantido pela mãe e pelo ‘marido dela’ – ou devendo sê-lo, ao
abrigo do art. 1880.º do Código Civil –, ainda não ingressou na vida
profissional activa.” (in Jurisprudência Constitucional, 2004, t. 4, fasc.
Outubro- Dezembro (2004), p. 49)
16. No que tange ao presente recurso, resulta dos autos que a Autora terá
conhecido as circunstâncias das quais podia inferir não ser filha do Recorrido
B., “pelo menos em 3 de Abril de 2000”. Assim, face ao artigo 1842.º, n.º 1,
alínea c), do Código Civil, o seu direito de acção extinguir-se-ia um ano
depois, em Abril de 2001, na medida em que havia atingido a maioridade em 21 de
Março de 1997.
Não poderá, no entanto, deixar de se atender a outros factores, nomeadamente o
facto de, até Abril de 2000, a Autora ter vivido com a sua mãe e ter, então,
apenas vinte e um anos de idade.
Com efeito, o prazo de um ano previsto no artigo 1842.º, n.º 1, alínea c), para
que o filho pondere adequadamente as circunstâncias e promova a acção de
impugnação da paternidade presumida, parece manifestamente exíguo,
particularmente nos casos em que, como o dos autos, o conhecimento das
circunstâncias que indiciam a não paternidade biológica do marido da mãe ocorreu
em momento temporalmente próximo da data em que o interessado alcançou a
maioridade e a sua própria autonomia.
Nesta medida, e na sequência da lógica argumentativa que o Tribunal
Constitucional tem desenvolvido em sede de caducidade das acções de investigação
da paternidade, justifica-se o juízo de inconstitucionalidade material da norma
contida no artigo 1842.º, n.º 1, alínea c), do Código Civil.
17. Com efeito, o “direito fundamental à identidade pessoal” e o “direito
fundamental à integridade pessoal” ganhando uma dimensão mais nítida, como,
ainda, “o direito ao desenvolvimento da personalidade”, leva, em si, a que não
se coloquem desproporcionadas restrições aos direitos fundamentais
consubstanciados na aludida identidade pessoal e ao desenvolvimento da
personalidade, pelo que as razões que estiveram na origem da declaração da
inconstitucionalidade do mencionado artigo 1817.°, n.° 1, do Código Civil estão,
outrossim para a disposição contida no artigo 1842.°, n.° 1 alínea c), do mesmo
Código.
18. Não se antevê que o mencionado prazo de caducidade se justifique, quer
dizer, que seja necessário e proporcional face aos valores que estão em causa
sempre que uma questão de filiação é colocada e que se afaste a possibilidade do
direito ser conforme à realidade em homenagem a essas restrições.
A valorização dos direitos fundamentais da pessoa, como o de saber quem é e de
onde vem, na vertente da ascendência genética, e a inerente força redutora da
verdade biológica fazem-na prevalecer sobre os prazos de caducidade, tal como se
prefigura na norma em apreço, para as acções de estabelecimento de filiação.
Com efeito, como bem acentua o Exmo. Procurador-Geral-Adjunto na sua alegação,
“o único interesse que poderia invocar-se em contraponto ao direito fundamental
do filho a conhecer e determinar juridicamente a sua verdadeira paternidade
biológica seria o da ‘harmonia’ e estabilidade da vida e da família conjugal.”
Tal interesse não poderá, no entanto, prevalecer, face ao princípio da
proporcionalidade, pois que tais limitações específicas ao direito de agir
contra supostos progenitores casados (ao tempo do nascimento ou apenas no
momento do reconhecimento), embora com antecedentes no nosso sistema jurídico,
traduzem-se em efeitos discriminatórios, constitucionalmente vedados, contra os
filhos concebidos fora do casamento.
19. É certo que o réu, no caso o marido da mãe, poderá também invocar direitos
fundamentais, como o direito à reserva da intimidade da vida privada e familiar,
que poderão ser afectados pela revelação de factos que o possam pôr em crise.
Não se vê, porém, que se possa proteger tais interesses do eventual progenitor à
custa do direito de investigar a própria paternidade, determinada
fundamentalmente pelo “princípio da verdade biológica” que inspira o nosso
direito da filiação.
20. Por outro lado, destinando-se os prazos de caducidade a sancionar a inércia
ou o desinteresse do titular do direito, esse argumento não pode ser
considerado, já que tal prazo decorrerá, na grande parte das situações, quando o
filho ainda vive em casa da mãe e do marido, em economia comum e sem autonomia
económica.
Assim, a fixação de tal prazo, manifestamente exíguo, tendo em vista,
nomeadamente, que não devem desconsiderar-se as diversas circunstâncias que
envolvem a sua decisão no sentido de vir impugnar a paternidade que lhe é
atribuída, acarreta uma injustificada e desproporcionada limitação aos direitos
fundamentais do filho em causa, nomeadamente o direito à identidade e
integridade pessoal, bem como o direito a constituir família, que incluem o
direito a conhecer a filiação materna e paterna e, como tal, apresenta-se como
violadora do conteúdo desses mesmos direitos.
21. Consequentemente, quer no plano da sua justificação, quer no plano dos seus
efeitos, a solução em causa não pode hoje ser constitucionalmente admissível por
se revelar desproporcionado, violando também o disposto no artigo 18.º, n.° 2 da
Constituição da República Portuguesa.
Com efeito, e, conforme foi decidido pelo Exmo. Juiz da Comarca de Abrantes, as
desvantagens que advêm da perda da possibilidade do direito de vir a ter a sua
paternidade em correspondência com a verdade biológica são superiores e
claramente desproporcionadas em relação às desvantagens eventualmente
resultantes, para o impugnado e sua família.
22. Um último argumento, de carácter pragmático, que vem esgrimido não só na
decisão recorrida, como também na alegação de recurso, leva-nos a concluir no
mesmo sentido, uma vez que, a impugnação da paternidade presumida, em casos como
o dos autos, se apresenta como um mecanismo essencial no iter processual que o
impugnante-investigante tem de percorrer de forma a alcançar a definição e
estabelecimento da verdade biológica da sua ascendência. Com efeito, existindo
uma paternidade estabelecida e devidamente registada, a fixação de outra depende
impreterivelmente do afastamento daquela. Caso procedesse a caducidade do
direito de impugnação daquela, assim se cercearia, em definitivo, o direito de o
filho ver reconhecida a paternidade biológica tanto mais que não há coincidência
entre os prazos de tais acções.
Conclui-se que a norma prevista no artigo 1842. °, n.º 1, alínea c), na dimensão
interpretativa explicitada, é inconstitucional por violação dos artigos 26.º,
n.° 1, 36.°, n.º 1 e 18. °, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa.
III – Decisão
Nestes termos, nega-se provimento ao recurso, confirmando-se o juízo de
inconstitucionalidade na decisão recorrida, consignando-se, por esta forma, a
inconstitucionalidade da norma prevista no artigo 1842.°, n.° 1, alínea c), do
Código Civil, na medida em que prevê, para a caducidade do direito do filho
maior ou emancipado de impugnar a paternidade presumida do marido da mãe, o
prazo de um ano a contar da data em que teve conhecimento de circunstâncias de
que possa concluir-se não ser filho do marido da mãe, por violação dos artigos
26.°, n.° 1, 36.°, n.°s 1 e 18.°, n.° 2 da Constituição da República Portuguesa.
Sem custas.
Lisboa, 11 de Dezembro de 2007
José Borges Soeiro
Gil Galvão
Maria João Antunes
Carlos Pamplona de Oliveira – vencido conforme
declaração.
Rui Manuel Moura Ramos
DECLARAÇÃO DE VOTO
Não posso subscrever o presente acórdão cuja linha de fundamentação absorve, na
sua essência, argumentos contrários ao estabelecimento de prazos de caducidade
nas acções de impugnação de paternidade. Na verdade, parece-me que não pode ser
transposta para o presente caso a doutrina sufragada em acórdãos do Tribunal a
propósito de acções de investigação de paternidade, proferidos em recursos
interpostos ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei n.º 28/82, de
15 de Novembro, nas quais, em razão de particulares circunstâncias do caso, o
prazo de caducidade fora ultrapassado sem que o interessado tivesse podido
dispor de condições razoáveis para o exercício do direito.
Todavia, no caso em presença é confirmado um juízo de desaplicação da norma sem
que conste uma análise ponderada sobre a exiguidade concreta do prazo de
caducidade da acção, uma vez que a razão da presente decisão, conforme se diz
claramente do ponto 18. do acórdão, consiste no seguinte:
'[...]
18. Não se antevê que o mencionado prazo de caducidade se justifique, quer
dizer, que seja necessário e proporcional face aos valores que estão em causa
sempre que uma questão de filiação é colocada e que se afaste a possibilidade de
o direito ser conforme à realidade em homenagem a essas restrições.
[...]'
Ora, assim construída, a decisão não só assenta em razões que se me afiguram
insuficientes para conduzir a um tal resultado, mas também ultrapassa claramente
o âmbito em que se deve mover o Tribunal, ao qual não cabe consagrar opções de
política legislativa, como é, por exemplo, o entendimento de que este tipo de
acções não deve estar sujeito a prazos de caducidade, ou mesmo o de que os
prazos estabelecidos devem ser mais longos, ou até o de que o seu dies a quo
deveria corresponder à verificação de uma situação de vida do impugnante
desligada do relacionamento familiar que pretende desfazer. Tal tarefa cabe ao
legislador (que dispõe da oportunidade de moldar genericamente o sistema,
garantindo-lhe a indispensável homogeneidade) e não ao Tribunal, cuja actividade
– neste tipo de recursos – se resume ao momento da aplicação de uma norma em
concreto, fase em que o peso dos factores específicos do caso podem ditar uma
interpretação normativa porventura imprevista, até não desejada pelo legislador
ordinário, e claramente rejeitada pelo legislador constitucional.
É esse juízo de verificação de intolerável compressão do direito que justifica a
interferência do Tribunal Constitucional no resultado da aplicação concreta da
norma. E é justamente a ausência desta ponderação no presente acórdão que, com
salvaguarda do respeito que me merece opinião contrária, me conduz à posição de
divergência que aqui manifesto.
Carlos Pamplona de Oliveira
[1] Declarou-se inconstitucional o artigo 136.1, “en cuanto comporta que el
plazo para el ejercicio de la acción de impugnación de la paternidad matrimonial
empiece a correr aunque el marido ignore no ser el progenitor biológico de quien
ha sido inscrito como hijo suyo en el Registro Civil.”
[2] Jurisprudência disponível em
http://www.echr.coe.int/ECHR/EN/Header/Case-Law/HUDOC/HUDOC+database/
[3] Application n.º 74826/01
[4] Application n.º 26111/02.
[5] Application n.º 77785/01.
[6] Application n.º 18535/91.