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Processo n.º 997/07
1.ª Secção
Relator: Conselheiro José Borges Soeiro
Acordam, em conferência, no Tribunal Constitucional:
I – Relatório
1. A., Recorrente no presente recurso de constitucionalidade, notificada da
decisão sumária proferida nos autos, veio reclamar para a conferência, ao abrigo
do disposto no artigo 78.º-A, n.º 3, da Lei do Tribunal Constitucional, nos
seguintes termos:
“1.º – Preliminarmente dir-se-á que ao Exmo. Conselheiro relator assiste razão
no tocante à indicada a alínea f) do n.° 1 do art. 70.° da Lei 28/82 para base
legal do recurso interposto.
2.° – Porém, como se passa a explicar, tratou-se de um manifesto e óbvio erro de
escrita, resultante da deficiente leitura do rascunho do signatário, do dito
requerimento, na sua passagem por outrem para o computador.
3.º – O que, se bem se pensa, resultará do contexto da própria declaração.
4.º – Pelo que se pede, desde já, licença para rectificar tal erro, logo nos
termos do art. 229.° do C. Civil e 667.° do C.P. Civil, entre os mais
aplicáveis.
5.º – O que estava escrito no dito rascunho, manuscrito, era que o recurso era
interposto ao abrigo do art 70.°, n.° 1 e suas alíneas, designadamente a alínea
b) da Lei 28/82 – e não da alínea f) – como ficou depois a constar devido ao
dito erro de transcrição.
6.° – Erro de escrita esse que o signatário não detectou senão agora, e a cuja
rectificação a recorrente crê ter jus pelas razões antecedentemente expostas.
7.º – Efectivamente a dita f) nada tem a ver com a concreta hipótese dos autos,
directa ou indirectamente, mas a alínea b) terá sobretudo, se conjugada com a
alínea a), que a antecede.”
O Exmo. Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal Constitucional
veio sustentar a manifesta improcedência da reclamação deduzida.
A fundamentação constante da decisão sumária ora reclamada tem o seguinte teor
no que ora importa:
“Vem o presente recurso interposto ao abrigo das várias alíneas constantes do
n.º 1 do artigo 70.º, da Lei do Tribunal Constitucional, designadamente da
alínea f). A indicação e especificação da alínea ao abrigo da qual o recurso é
interposto é pressuposto absoluto do conhecimento do objecto do recurso. No
entanto, a Recorrente limita-se a indicar, na generalidade, todas as alíneas do
n.º 1, do artigo de 70.º, salientando apenas, mediante a utilização do advérbio
designadamente, a alínea f). Ora, contrariamente ao que parece ser o
entendimento da Recorrente, a concretização da alínea não constitui apenas um
mero pormenor. Consubstancia, isso sim, um ónus que impende sobre a parte que
pretende submeter à apreciação do Tribunal Constitucional um recurso de
constitucionalidade. E não se trata de um mero formalismo legal. É que os vários
recursos elencados no artigo 70.º, n.º 1, não só, como é óbvio, cumprem
distintas funções jurídico-legais como, também, se encontram sujeitos à
pré-observância de diferentes requisitos específicos no que respeita ao seu
conhecimento.
4. Esclareceu a Recorrente, apenas, portanto, que o recurso vinha interposto ao
abrigo da alínea f) (designadamente…). Não sendo função do Tribunal
substituir-se à partes no cumprimento dos ónus que lhes assistem, nem o podendo
fazer, obviamente, nada mais resta senão apreciar o preenchimento dos
pressupostos à luz do meio processual de que a Recorrente, expressa e
especificadamente, se socorreu.
Ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea f), cabe recurso para o Tribunal
Constitucional das decisões dos tribunais ‘que apliquem norma cuja ilegalidade
haja sido suscitada durante o processo com qualquer dos fundamentos referidos
nas alíneas c), d), e e).’
No entanto, não se verificou nos autos qualquer recusa de aplicação de norma com
fundamento em ilegalidade, designadamente nos termos previstos nas alíneas c),
d), e e), mobilizáveis por força do reenvio operado pela alínea f).
De igual modo, a arguição de inconstitucionalidade é imputada à decisão
recorrida – Acórdão do Tribunal da Relação do Porto –, portanto a uma decisão
jurisdicional e não a qualquer norma jurídica. Tal resulta claramente, aliás, da
resposta ao convite, em que a Recorrente esclarece que ‘são objecto do presente
recurso, os três acórdãos do Tribunal da Relação do Porto (…).’
O que a Recorrente contesta é, em bom rigor, a qualificação jurídica que foi
dada aos factos, ao não se considerar preenchido o tipo legal em causa, bem como
a fundamentação da decisão, acusando-a de contraditório e deficiente. Tal
problemática apenas teria cabimento se o nosso sistema de fiscalização concreta
da constitucionalidade correspondesse ao modelo do ‘recurso de amparo’. Não o
sendo, e assistindo, nesta sede, ao recurso em apreço, um carácter normativo, ao
Tribunal compete apenas apreciar a conformidade constitucional de normas legais
e não, como pretende a Recorrente, proceder à sindicância das decisões
proferidas pelos outros tribunais. Com efeito, o nosso sistema de fiscalização
de normas jurídicas não permite que se indague da constitucionalidade da decisão
judicial, sendo apenas sindicáveis as normas (ou interpretações normativas) que
configurem a ratio decidendi do litígio.
Assim, não vindo a questão de constitucionalidade imputada a qualquer norma
jurídica, mas sim aos actos jurisdicionais citados e à fundamentação neles
operada, não se verifica outro requisito essencial ao conhecimento do recurso.
5. Por último, constata-se ainda que a suscitação da questão de
constitucionalidade ocorreu após a prolação do Acórdão do Tribunal da Relação do
Porto. Portanto, não durante o processo, como é imperativo constitucional e
legal, mas posteriormente, quando se encontrava já esgotado o poder
jurisdicional da instância recorrida.
Em face do exposto, por falta de pressupostos, não pode conhecer-se do objecto
do presente recurso.”
Cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
2. A Reclamante invoca um “erro de escrita” ocorrido no requerimento de
interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, traduzindo-se numa
incorrecta indicação da alínea invocada para fundamentar o recurso interposto.
Mesmo a julgar-se relevante a existência de lapso e, como tal, a considerar-se
que o recurso de constitucionalidade era intentado ao abrigo do disposto na
alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional e não da
alínea f), sempre era de concluir pela inverificação dos respectivos
pressupostos.
Destarte, reitera-se o que ficou dito na decisão sumária reclamada e cujo
conteúdo não vem contestado na presente reclamação. Assim, sendo a
inconstitucionalidade imputada à própria decisão recorrida – não revestindo, por
conseguinte, o carácter normativo de que depende o conhecimento do recurso –, e
não tendo a respectiva suscitação ocorrido durante o processo, não se encontram
preenchidos os pressupostos de conhecimento do recurso de constitucionalidade
interposto ao abrigo da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da Lei do Tribunal
Constitucional.
III – Decisão
3. Face ao exposto, acordam, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional, em
indeferir a reclamação, assim confirmando a decisão sumária proferida.
Custas pela Reclamante, fixando em 20 (vinte) UCs a taxa de justiça, sem
prejuízo do apoio judiciário de que beneficia.
Lisboa, 19 de Fevereiro de 2008
José Borges Soeiro
Gil Galvão
Rui Manuel Moura Ramos