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Processo n.º 172/08
1ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Pamplona de Oliveira
ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 1ª SECÇÃO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
I.
Relatório
1.
Os arguidos A. e B. reclamaram para o Presidente do Supremo Tribunal de
Justiça, com expressa invocação do artigo 405º do Código de Processo Penal,
contra o acórdão do mesmo Supremo Tribunal de Justiça, de 5 de Dezembro de 2007,
que, “por não ser admissível por força do art. 400.º, n.º 1, f) do CPP”, lhes
rejeitara o recurso interposto do acórdão proferido em 28 de Junho de 2007 na
Relação de Lisboa. Na reclamação, pediram que o aludido acórdão do Supremo
Tribunal de Justiça fosse 'revogado' para que pudesse ser conhecido o recurso
por eles interposto do acórdão da Relação.
Em 8 de Janeiro de 2008 o Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça decidiu
não conhecer da reclamação, com fundamento no aludido artigo 405º do Código de
Processo Penal, em virtude de 'o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça não
poder conhecer da reclamação de um acórdão do STJ, dado que a sua competência
para decidir reclamações prevista nos artigos acima referidos apenas se reporta
aos despachos de retenção ou de não admissão de recursos proferidos na instância
inferior'.
Pretenderam, então, os arguidos recorrer deste despacho para o Tribunal
Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82,
de 15 de Novembro, argumentando que o recurso tinha “como fundamento a violação
do artigo 32.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, questão que foi
suscitada na motivação de recurso interposto e admitido [para o] Supremo
Tribunal de Justiça, por violação do princípio da ampla defesa, manifesta
omissão de pronúncia e violação do princípio do duplo grau de jurisdição em
matéria penal, bem como na reclamação apresentada ao Acórdão proferido nos
presentes autos em 5 de Dezembro de 2007, o qual rejeitou a apreciação do mesmo
recurso interposto do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa”.
Todavia, por despacho de 28 de Janeiro de 2008, o Vice-Presidente do Supremo
Tribunal de Justiça não admitiu o recurso interposto para o Tribunal
Constitucional por o seu objecto “se reportar à decisão e não a qualquer norma
em que a mesma decisão se tenha baseado”.
É contra este despacho que os mesmos arguidos agora reclamam, nos termos do
artigo 76.º, n.ºs 4 e 5 da referida Lei de Organização, Funcionamento e Processo
do Tribunal Constitucional (LTC), nos seguintes termos:
“ (…)
I. Da irrecorribilidade das decisões judiciais
1.º Recurso interposto pelos ora Reclamantes foi indeferido, com o seguinte
fundamento: «o recurso de inconstitucionalidade só pode incidir sobre normas e
não sobre decisões judiciais».
2.º Ora, conforme se infere do despacho reclamado, o fundamento do indeferimento
do recurso interposto pelos Reclamantes consiste no facto de o Tribunal
recorrido considerar que só é admissível recurso quando são impugnadas normas e
não decisões judiciais.
3.º Ou seja, ainda que o não faça com clareza, considerou que apenas é
admissível o recurso de normas, e não das decisões dos tribunais que aplicam as
referidas normas, interpretando-as num sentido que o Recorrente considere violar
a constituição, como é o caso.
4.º Ora, resulta do artigo 280.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa:
«Artigo 280.º
(Fiscalização concreta da constitucionalidade
e da legalidade)
1. Cabe recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais:
a) Que recusem a aplicação de qualquer norma com fundamento na sua
inconstitucionalidade;
b) Que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o
processo.
2. Cabe igualmente recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos
tribunais:
(…)»
5.º Nos termos do artigo 70.º, n.º 1 da Lei de Organização Funcionamento e
Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de
Novembro (com as alterações introduzidas pela Lei n.º 143/85, de 26 de Novembro,
pela Lei n.º 85/89, de 7 de Setembro, pela Lei n.º 88/95, de 1 de Setembro, e
pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro, «Cabe recurso para o Tribunal
Constitucional, em secção, das decisões dos tribunais: b) Que apliquem norma
cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo».
6.º Assim, com mediana clareza, o legislador instituiu um sistema de controlo da
constitucionalidade que visa, não apenas controlar normas, como também a
interpretação que os tribunais fazem dessas normas, nas respectivas decisões que
proferem.
7º Debalde, esta é até uma falsa questão, porquanto os ora reclamantes, no
requerimento de interposição de recurso sobre o qual recaiu o despacho reclamado
enunciaram expressamente a norma que consideraram que a referida decisão violou.
8.º E bem assim o sentido em que a referida decisão é contrária ao princípio do
duplo grau de decisão, constitucionalmente consagrado.
9.º Arrepiando, desde logo, o caminho da fundamentação do recurso interposto.
10.º Cumprindo, portanto, os requisitos plasmados no artigo 75.º-A, n.º 2 da Lei
de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional: o
requerimento de interposição do recurso deve indicar — e indica, no caso sub
judicio — a alínea do n.º 1 do artigo 70.º ao abrigo da qual o recurso é
interposto e a norma cuja inconstitucionalidade ou ilegalidade se pretende que o
Tribunal aprecie, a realidade é que até esse ónus o Recorrente cumpriu,
suficientemente;
11.º Bem como, sendo o recurso interposto ao abrigo das alíneas b) e f) do n.º 1
do artigo 70.º, a indicação da norma ou princípio constitucional ou legal que se
considera violado, bem como da peça processual em que o recorrente suscitou a
questão da inconstitucionalidade ou ilegalidade, conforme resulta, ipsis
literis, do artigo 75.º-A, n.º 2 da Lei do Tribunal Constitucional.
12.º Razão pela qual, não são estranhas ao Tribunal recorrido quais as normas e
princípios constitucionais que os Recorrentes consideram ofendidos — e,
evidentemente, o recurso de inconstitucionalidade há-de ser interposto, como
foi, com fundamento na aplicação ou interpretação, pela decisão recorrida, de
outra norma ordinária, em violação de uma outra norma ou princípio
constitucionais.
13.º Não assiste pois razão ao venerando conselheiro relator, data vénia, quando
afirma, na decisão ora reclamada, que «O recurso de inconstitucionalidade só
pode incidir sobre normas e não sobre decisões judiciais».
14.º Os tribunais obedecem à Constituição e à lei. Vale dizer: Os Tribunais, nas
pronúncias que emitem, obedecem, primeiro, à Constituição; Depois, à lei.
15.º Conforme resulta do artigo 76.º, n.º 2 da Lei de Organização, Funcionamento
e Processo do Tribunal Constitucional, «o requerimento de interposição de
recurso para o Tribunal Constitucional deve ser indeferido quando não satisfaça
os requisitos do artigo 75º-A, mesmo após o suprimento previsto no seu n.º 5,
quando a decisão o não admita, quando o recurso haja sido interposto fora do
prazo, quando o requerente careça de legitimidade ou ainda, no caso dos recursos
previstos nas alíneas b) e f) do n.º 1 do artigo 70.º, quando forem
manifestamente infundados».
16.º Razão pela qual, nos termos do n.º 5 do artigo 75.º-A, da Lei de
Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, «se o
requerimento de interposição do recurso não indicar algum dos elementos
previstos no presente artigo, o juiz convidará o requerente a prestar essa
indicação no prazo de 10 dias».
17.º Assim, ainda que o Venerando Conselheiro Relator — sem conceder —
considerasse que o requerimento de interposição de Recurso omitia algum dos
elementos essenciais a que se refere o artigo 75.º-A, sempre estaria vinculado,
nos termos do n.º 5, a convidar o recorrente a suprir quaisquer irregularidades,
de que no seu douto entender aquele sofresse,
18.º Só se o Recorrente não responder ao convite efectuado pelo relator no
Tribunal Constitucional poderia o Venerando Tribunal recorrido julgar o recurso
deserto,
19.º Não podendo, sem mais, indeferir o recurso interposto, com fundamento no
incumprimento dos referidos requisitos formais.
20.º E foi o que fez, salvo melhor opinião.
II. Da irrecorribilidade por razões formais
21.º Sem embargo, o recurso foi indeferido, aparentemente — porquanto o tribunal
recorrido nem sequer indicou ser esse o fundamento da rejeição — por «face ao
disposto no n.º 2 do artigo 72.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo
do Tribunal Constitucional, o recurso previsto nas alínea b) do n.º 1 do artigo
70.º daquele diploma, só pode ser interposto pela parte que haja suscitado a
questão da inconstitucionalidade ou da ilegalidade de modo processualmente
adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este
estar obrigado a dela conhecer».
22.º Ora, data vénia, e salvo o devido respeito por opinião diferente da nossa,
o Tribunal recorrido, uma vez mais, engana-se.
23.º É que, os Recorrentes consideram que o Tribunal recorrido está obrigado a
conhecer do recurso que lhe foi dirigido,
24.º Recurso esse, aliás, interposto perante o Tribunal da Relação, que também o
julgou admissível e admitiu, ordenando a sua subida ao Supremo Tribunal de
Justiça.
25.º Acresce que, considerando o Supremo Tribunal de Justiça, em reclamação
deduzida sobre o Acórdão que decidiu sobre a inadmissibilidade do recurso
recebido, que também essa reclamação é inadmissível, os Recorrentes ficam num
circunstancialismo ou situação processual sui generis:
26.º Ficam impedidos de controlar a decisão do Supremo Tribunal de Justiça, que
recusou conhecer dum recurso tempestivamente interposto, alegado e admitido.
27.º Ou seja: aparentemente, o Supremo Tribunal de Justiça vem considerando que
não há recurso possível, de uma (não) decisão que ignorou e não apreciou os
fundamentos do recurso interposto de uma decisão da primeira instância que os
Recorrentes consideraram violadora dos mais elementares direitos da pessoa
humana. Nem sequer, no Tribunal Constitucional...
28.º Circunstancialismo esse, muito pouco compaginável com qualquer
interpretação que se possa fazer do direito a ver reconhecida uma situação de
nulidade de uma decisão, por recusa em conhecer de uma pretensão a que o
Tribunal estaria obrigado a conhecer — consideram os Recorrentes,
29.º E que, por si mesmo, consubstancia uma inconstitucionalidade digna de
realce: a proibição da aplicação de normas inconstitucionais e a consequente
preterição do direito ao recurso para o Tribunal Constitucional, consagrada no
artigo 204.º e 280.º da Constituição da República Portuguesa.
30.º Diga-se desde já, o que se expõe infra é totalmente inverosimilhante no que
respeita à apreciação da presente reclamação.
31.º A reclamação não é um recurso, e os ora Reclamantes não o desconhecem.
Sem embargo, há que alertar para o seguinte:
32.º O direito ao recurso em processo penal permite a apreciação por parte de um
tribunal superior dos motivos (de facto ou de direito) que sustentam a posição
jurídica do arguido e a sua argumentação, reduzindo o risco de um eventual erro
de julgamento e oferecendo “uma garantia de melhor qualidade potencial da
decisão obtida na nova sede”,
33º Não resultando já da nossa Lei Fundamental — em conformidade, aliás, com o
disposto no artigo 2.º do protocolo adicional n.º 7 à Convenção para a Protecção
dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais (aprovado, para ratificação,
pela Resolução da Assembleia da República n.º 22/90, de 27 de Setembro, e
ratificado pelo Decreto do Presidente da República n.º 51/90, da mesma data) — a
necessidade de, em todo o caso, haver obrigatoriamente lugar a um “triplo grau
de jurisdição”, que conduzisse ao Supremo Tribunal de Justiça todos os processos
da jurisdição penal, (cf., quanto ao direito de recurso e à garantia do duplo
grau de jurisdição, no período anterior à Revisão de 1997, Carlos Lopes do Rego,
Acesso ao direito e aos tribunais, in Estudos sobre a Jurisprudência do Tribunal
Constitucional, Lisboa, 1993, pp. 42 e ss., esp. 74 e ss.).
34.º O Tribunal Constitucional, apreciando os fundamentos materiais da imposição
jusfundamental do direito ao recurso em processo penal, tem unanimemente
reconhecido que tais fundamentos entroncam, directa e imediatamente, na garantia
do duplo grau de jurisdição penal, o qual se satisfaz com a garantia de um único
recurso. Pois, conforme se refere no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º49/03
«estando cumprido o duplo grau de jurisdição, há fundamentos razoáveis para
limitar a possibilidade de um triplo grau de jurisdição (...). Tais fundamentos
são a intenção de limitar em termos razoáveis o acesso ao Supremo Tribunal de
Justiça, evitando a sua eventual paralisação, e a circunstância de os crimes em
causa terem uma gravidade não acentuada. Esta segunda justificação, aliás,
explica a diferença entre as alíneas e) e f) do n.º 1 do artigo 400.ºdo Código
de Processo Penal; com efeito, se ao crime for aplicável pena de prisão “não
superior a oito anos” (...), só não cabe recurso para o Supremo Tribunal de
Justiça do acórdão condenatório proferido pela Relação se este confirmar
“decisão de 1.ª instância”).
35º Foi, aliás, tal teleologia que, como se explicita no Acórdão n.º 189/01 do
Tribunal Constitucional, norteou a alteração efectuada pela Lei n.º 59/98, de 25
de Agosto, ao artigo 400.º do Código de Processo Penal (como resulta da proposta
de revisão do processo penal – Lei n.º157/VII, Diário da Assembleia da
República, I.ª Série-A, n.º27, de 28 de Janeiro de 1998), no sentido de obter
melhorias nos objectivos de eficácia e economia processual.
36.º Sem embargo, os Recorrentes suscitaram questão bem distinta, nas alegações
do recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça: suscitaram a questão
da nulidade do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, por omissão
de pronúncia, e desta forma, a preterição daquele duplo grau de decisão.
37.º Aliás, este acórdão proferido pelo tribunal da Relação de Lisboa é sem
qualquer margem de dúvida completamente nulo, consubstanciando uma verdadeira
aberração jurídica face aos princípios constitucionais aplicáveis. Neste
sentido, Acórdão do STJ, de 29.11.2006, Proc. n.º 06P3656, in www.dgsi.pt:
«I- A apreciação da impugnação da decisão da matéria de facto, nos termos do
art. 412.º, n.º 3, do CPP, exige que a instância de recurso aborde
especificadamente cada um dos pontos de facto impugnados e das provas indicadas
pelo recorrente, para concluir pela manutenção ou alteração do decidido.
[...]
«IV - Não apreciando o recurso da matéria de facto, nem formulando aquele
convite ao aperfeiçoamento, o acórdão da Relação mostra-se ferido de nulidade,
por omissão de pronúncia, nos termos do art. 379.º, n.º 1, al. c), do CPP.»
38.º A decisão do Tribunal da Relação de Lisboa é aliás contrária à
jurisprudência do Tribunal Constitucional, que teve já oportunidade de se
pronunciar no sentido de «Julgar inconstitucional, por violação do artigo 32.º,
n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, a norma constante do artigo
412.º, n.º 3, alínea b), do Código de Processo Penal, quando interpretada no
sentido de que a falta de indicação, nas conclusões da motivação do recurso do
arguido, de forma clara, das provas que impunham decisão diversa da recorrida,
tem como efeito o não conhecimento da impugnação da matéria de facto e a
improcedência do recurso nessa parte, sem que ao arguido seja facultada
oportunidade de suprir tal deficiência;».
39.º O Recurso interposto para o Venerando Supremo Tribunal de Justiça não visou
a reapreciação da matéria de facto, ao abrigo de qualquer “duplo grau de
recurso”, inexistente no nosso sistema jurídico.
40.º As questões suscitadas no presente recurso, de acordo com as conclusões
formuladas que delimitam o respectivo âmbito, são as seguintes:
a. Violação do Princípio da presunção de inocência, decorrente dos atropelos,
grave perturbação da isenção e da imparcialidade da MM.ª Juiz, que ocorreram em
sede de audiência e julgamento, no qual «os Recorrentes estavam condenados antes
de iniciado o julgamento» (Nas palavras do anterior mandatário, cfr. conclusões
nº 1 a 4.º)
b. Nulidade do Acórdão recorrido, por omissão de pronuncia, cfr. conclusões nº
5º a 17º;
c. Manifesto erro de julgamento, de interpretação e de subsunção, do art. 227.º
do Código Penal, cfr. conclusões n.º 18º a 29º;
d. Prescrição do procedimento criminal e consequente violação dos artigos 2.º,
nº 4, 118º nº 1 c) do Código Penal e o artigo 368º nº 1 do Código de Processo
Penal, cf. conclusões nº 30.º a 32º;
e. Ilegalidade da condição de suspensão da execução da pena de prisão,
consubstanciada no dever de efectuar o pagamento à massa falida, no período de
um ano, da quantia de € 150.000,00, cf. conclusões nº 33º a 42º;
41.ºA execução da pena de prisão aplicada aos arguidos foi suspensa, suspensão
subordinada ao pagamento, à massa falida, da quantia de € 150.000,00. Não se
trata, em rigor, de uma indemnização (porquanto a mesma não foi pedida, nos
termos do art. 78º do Código das Sociedades Comerciais), determinando, embora, a
aplicação subsidiária das regras respeitantes ao pedido de indemnização cível
(porquanto, na realidade, é de uma verdadeira indemnização que se trata, embora
ao arrepio de todas e quaisquer regras aplicáveis) e, desta forma, da regra
plasmada no artigo 400.º, n.º 2, do C.P.C., assim se legitimando, sempre, que
seja revogado o acórdão recorrido e ordenada ou efectivada a reexame da decisão
de primeira instância (em primeiro efectivo apreciação dos fundamentos ali
deduzidos pelos Recorrentes).
42.º A imparcialidade e seriedade do “julgamento” podem resumir-se em várias
afirmações, proferidas pela MM.ª Juiz presidente, que questionando o Recorrente
A. sobre o desaparecimento de documentos contabilísticos da falida, afirmou:
“não, não desapareceram, eles é que não encontraram porque não procuraram bem”.
E, referindo-se à Reclamante, inquiriu; “À pala de quê é que a Dora se tornou
gerente (...)“ e ainda: “pois, o seu pai já morreu quem falece é que fica sempre
com as culpas”.
43.º Porém, o Tribunal recorrido reconduziu tais expressões, perturbações e
juízos de culpabilidade, quando muito, a meras irregularidades do julgamento,
invocáveis de imediato nos termos do artigo 120.º, n.º 1 e 3 e 123.º do CPP, sob
pena de se terem por sanadas.
44.º Debalde, o grau desta invalidade é determinado pela natureza das normas
violadas, e se estas forem direitos e garantias fundamentais (designadamente, as
garantias de imparcialidade do processo criminal, a que refere o artigo 32.º da
Constituição) não restam dúvidas de que esta corresponde a nulidade, que opera
ex tunc e que pode e deve ser conhecida oficiosamente.
45.º Assim, o Acórdão recorrido é manifestamente nulo — e não anulável! — razão
pela qual se impõe que como tal seja declarado: sem nenhuns efeitos.
46.º Os recorrentes não criticam que o sistema de recurso vigente não consinta o
exercício de um terceiro grau de jurisdição sobre a matéria de facto, sendo
inquestionável que o princípio constitucional das garantias de defesa não dá a
mínima cobertura a tal pretensão;
47.º Sem embargo, se a Constituição não impõe ao legislador a obrigação de
consagrar o direito de recorrer de todo e qualquer acto do juiz — e tendo
presente que o direito a um duplo grau de jurisdição fundeia, em processo penal,
na exigência constitucional das garantias de defesa — tem de aceitar-se de igual
forma que ao legislador penal está vedado fixar de forma discricionária,
restrita ou taxativa, um limite acima do qual não seja admissível um terceiro
grau de jurisdição: ponto é que, com tal limitação, se não atinja o núcleo
essencial das garantias de defesa do arguido.
48.º Aqui se encontra o limite da liberdade de conformação do legislador na
limitação dos graus de recurso. No caso, o fundamento da limitação — não ver a
instância superior da ordem judiciária comum sobrecarregada com a apreciação de
casos de pequena ou média gravidade, cede perante a garantia de efectiva
reapreciação da questão sub judicio.
49.º O conteúdo essencial das garantias de defesa do arguido consiste no direito
a ver o processo examinado em via de recurso, mas não abrange já o direito a
novo reexame de uma questão já reexaminada por uma instância superior, o que
implica por premissa lógica que esta, efectivamente, tenha procedido ao referido
reexame.
50.º E, neste enquadramento, nunca se poderá dizer que se verifica uma situação
de dupla conforme: quando o Acórdão proferido em sede de recurso, seja nulo por
omissão de pronúncia, não satisfaz o imperativo constitucional a que alude o
artigo 32.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa. A decisão nula, por
omissão de pronúncia, não aprecia a questão suscitada pelo Recorrente, daí que
não se possa falar, com propriedade, em confirmação da decisão recorrida.
51.º Esse mesmo parece ser o sentido a retirar do artigo 410.º, n.º 3 no qual
não se encontra qualquer referência à limitação do conhecimento, pelo Supremo
Tribunal de Justiça, relativamente às nulidades do Acórdão recorrido que não
devam considerar-se sanadas.
52.º Diferente conclusão, determinaria que o Tribunal de Recurso poderia cometer
todo e qualquer atropelo às regras consagradas nos art.º s 374.º e 376º, do CPC,
grave violação dos princípios da proporcionalidade, atento o fundamento da
negação da apreciação na teleologia intrinsecamente plasmada no artigo 410.º do
Código de Processo Penal, porquanto teria como efeito, a ab-rogação do princípio
do duplo grau de decisão relativamente a tais hipóteses específicas de omissão
de pronúncia, chocando à consciência jurídica minimamente esclarecida.
53.º O caso dos autos apenas aparentemente foi apreciado em duas instâncias.
Quando o acórdão do tribunal da Relação, proferido em sede de recurso de
sentença condenatória, não aprecie as questões suscitadas naquele recurso, não
existe reapreciação dos pressupostos da condenação. E quando a decisão da
primeira instância foi proferida num kafkiano circunstancialismo de assumida e
absoluta falta de isenção, estaremos perto da verdade ao afirmar que não houve
julgamento (…)”.
2.
O representante do Ministério Público neste Tribunal emitiu o seguinte parecer:
A presente reclamação carece manifestamente de fundamento.
Na verdade – e para além de os reclamantes não terem delineado, em termos
inteligíveis, inclusivamente no âmbito da presente reclamação, qualquer questão
de inconstitucionalidade normativa – não têm na devida conta que o despacho
recorrido apenas fez aplicação da norma constante do art. 405º do CPP,
interpretado em termos de a reclamação, aí prevista, não comportar a atribuição
de competência ao Presidente do STJ para sindicar um acórdão proferido por esse
mesmo Tribunal.
Os reclamantes foram notificados, mas nada acrescentaram.
Cumpre apreciar e decidir.
II.
Fundamentação
3.
É manifesta a sem razão dos reclamantes.
Com efeito, a decisão de que pretendem recorrer para o Tribunal Constitucional é
o despacho de 8 de Janeiro do Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça,
que, com fundamento no artigo 405.º do Código de Processo Penal – interpretado
no sentido de a reclamação, aí prevista, não comportar a atribuição de
competência para sindicar um acórdão proferido por esse mesmo Tribunal –,
decidiu não conhecer da reclamação na qual os arguidos pediam a revogação de
acórdão anteriormente proferido no Supremo Tribunal de Justiça.
Acontece que no recurso que os reclamantes pretendem interpor, conforme resulta
do requerimento de interposição, não concretizam qualquer acusação de
desconformidade constitucional de natureza normativa, designadamente quanto à
aludida norma que constitui o fundamento da decisão, a do artigo 405.º do Código
de Processo Penal; ora, esta circunstância é suficiente para impedir a admissão
do recurso, pois revela que não ocorre um pressuposto essencial quanto ao seu
objecto.
Acresce que, dos termos em que se acha formulado o requerimento de interposição
– e melhor resulta, até, do teor da presente reclamação –, os arguidos
pretendiam, através do recurso, impugnar uma outra decisão tomada no processo,
designadamente a que determinou o não conhecimento do recurso interposto do
acórdão da Relação de Lisboa.
Em suma: para além de não levantarem qualquer questão de inconstitucionalidade,
de natureza normativa, quanto ao fundamento jurídico do despacho recorrido, os
reclamantes visam, por esta via, sindicar uma determinação jurisdicional que o
referido despacho manifestamente não contém.
Torna-se, por isso, desnecessário responder aos argumentos que os reclamantes
apresentam numa errada perspectiva quanto ao âmbito do recurso cuja inadmissão
ora é reclamada, pois a verdade é que, conforme se detectou no despacho do
Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, essa pretensão enferma de
deficiência substantiva irremediável – insusceptível de regularização –, por se
não centrar no único objecto legalmente permitido, que é a acusação de
inconstitucionalidade da norma aplicada, como ratio decidendi, na decisão
recorrida – citada alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC.
III.
Decisão
Em face do exposto, indefere-se a reclamação apresentada. Custas pelos
recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC.
Lisboa, 10 de Abril de 2008
Carlos Pamplona de Oliveira
Maria João Antunes
Gil Galvão