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Processo n.º 463/07
1.ª Secção
Relator: Conselheiro José Borges Soeiro
Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I – Relatório
1. A. e Outro, melhor identificados nos autos, recorrem para o Tribunal
Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei
n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua redacção actual (Lei do Tribunal
Constitucional), pretendendo ver apreciada a “interpretação dada aos números 2 e
3 do artigo 496.º do Código Civil, considerando que essa interpretação feita
pelo Supremo Tribunal de Justiça, viola o disposto no: 1– n.º 5 do Art.º 36° da
Constituição da República Portuguesa; 2 – n°s 1 a 4 do mesmo Art° 36°; (…).”
Também referem que a questão da inconstitucionalidade da interpretação dada ao
artigo n.º 496.º, n.ºs 2 e 3 do Código Civil foi suscitada na motivação e nas
conclusões da revista.
2. Notificados para virem dizer o que tivessem por conveniente, ao abrigo do
artigo 704.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo
69.º, da Lei do Tribunal Constitucional, na eventualidade de o Tribunal
Constitucional considerar que a questão da constitucionalidade não foi suscitada
no tribunal onde foi proferida a decisão recorrida de forma processualmente
adequada, e, como tal, não conhecer do objecto do recurso, vieram, os
Recorrentes, dizer o seguinte:
“1 – Em bom rigor, apenas no Acórdão do STJ é que foi dada uma interpretação
violadora da Constituição da República Portuguesa.
2 – A Sentença de primeira instância decidiu atribuir uma compensação pelos
danos morais do A. B., marido da A. C., decorrente das lesões e danos desta.
3 – Ou seja, embora com fundamentos legais diversos, atribuiu a este A. uma
compensação por danos morais decorrentes dos danos de terceiro.
4 – Aflorou-se a matéria do art° 496° do Código Civil, mas apenas para dizer que
o mesmo não atribuía por si só direitos a terceiros.
5 – Concluiu-se julgando os pedidos de danos morais de terceiros feitos pelos
ora recorrentes por carecerem de fundamento legal.
6 – Esta interpretação do Art.º 496° do CC limita-se a não o interpretar
extensivamente como já o vem fazendo jurisprudência em expansão.
7– O Acórdão da Relação do Porto, no fundo nada diz.
8 – Já o Acórdão do Supremo tribunal de Justiça, este sim, faz uma interpretação
ao citado Artigo que será inconstitucional.
9 – E isto porque não se limita a dizer que o mesmo não atribui direitos aos
aqui Recorrentes, como faz uma interpretação ‘a contrario restritiva’, se assim
se puder chamar-lhe, na medida em que desaplica e torna de efeito nulo todas
disposições citadas na motivação.
10 – Assim, apenas a prolação deste Acórdão, que contém ele sim, uma
interpretação inconstitucional do Art° 496° do CC, foi possível atacar tal
vício.
11 – Este citado Acórdão do STJ não admite recurso ordinário.”
Decidindo.
II – Fundamentação
Questão Prévia
3. O recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade previsto no artigo
70.º, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional pressupõe, em ordem ao
seu efectivo conhecimento, o preenchimento de alguns requisitos sem os quais não
pode haver lugar a pronúncia do Tribunal Constitucional. Assim, é necessário
que, nomeadamente, a questão de constitucionalidade normativa tenha sido
adequadamente suscitada perante a instância a quo, assim permitindo que a mesma
se tivesse pronunciado sobre tal matéria. Este requisito resulta directamente do
próprio texto constitucional podendo ler-se, no artigo 280.º, n.º 1, alínea b),
da Constituição, que cabe recurso de decisões que apliquem norma cuja
constitucionalidade haja sido suscitada durante o processo.
Arguir tal questão em tempo útil será, assim, fazê-lo em termos tais que seja
ainda possível ao Tribunal recorrido debruçar-se sobre a mesma, apreciando-a e
adoptando a respectiva posição.
No caso em apreciação, no entanto, a formulação, em moldes processualmente
adequados, da questão de constitucionalidade, surge apenas no requerimento de
interposição do presente recurso. Isto é, quando se encontrava já esgotado o
poder jurisdicional do Supremo Tribunal de Justiça não tendo, por conseguinte,
ocorrido, conforme exigido pela Constituição e pela Lei do Tribunal do
Constitucional (cfr. artigo 70.º, n.º 1, alínea b)), durante o processo.
4. É certo que em momentos anteriores os ora Recorrentes esgrimiram, perante as
sucessivas instâncias, argumentos fundados em normas ou princípios
constitucionais (nomeadamente em sede de alegações de apelação e de revista). No
entanto, nunca em tais momentos, ou em outros, lograram aqueles efectivar a
formulação de questão de constitucionalidade normativa atinente ao artigo 496.º,
n.º 2, do Código Civil, que pretendiam ver apreciado, requisito imprescindível
ao conhecimento do objecto do recurso. Designadamente, nas alegações de revista
para o Supremo Tribunal de Justiça (articulado indicado pelos Recorrentes como o
momento processual em que suscitaram a questão de constitucionalidade),
limitaram-se aqueles a propugnar a interpretação extensiva da norma referida, e
a sustentar tal interpretação em normas e princípios constitucionais e de
Direito Internacional Público, aplicáveis nos termos do artigo 8.º, da
Constituição. Não arguíram, no entanto, a questão de constitucionalidade
normativa que se impunha para efeitos de pressupostos do recurso de
constitucionalidade.
Na resposta que vieram juntar aos autos face ao convite formulado nos termos do
artigo 704.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, os Recorrentes parece quererem
invocar o carácter de decisão-surpresa que o Acórdão do Supremo Tribunal de
Justiça assumiu nesta matéria. Quanto a isto, cumpre realçar, em primeiro lugar,
que, efectivamente, em determinados casos-limite, reportando a situações
verdadeiramente excepcionais ou anómalas, o Tribunal Constitucional tem
considerado que deve existir dispensa do ónus processual de suscitação atempada
da questão de constitucionalidade normativa. Tal sucede quando, por exemplo, o
problema de constitucionalidade se coloca num momento em que, face ao iter
processual, é impossível ao recorrente arguir essa questão durante o processo.
Relativamente a esta hipótese, a jurisprudência constitucional tem sublinhado,
no entanto, que impende sobre o recorrente o ónus de antecipar, na estratégia
processual adoptada, os vários sentidos possíveis das normas aplicáveis (v.
Acórdão n.º 479/89, publicado no Diário da República, II Série, de 24 de Abril
de 1992).
5. É de considerar, por conseguinte, que era exigível aos Recorrentes, in casu,
a suscitação, em tempo útil (durante o processo), da questão de
constitucionalidade normativa tal como vem arguida no requerimento de
interposição do presente recurso. Não só a decisão do Supremo Tribunal de
Justiça – ao considerar que o artigo 496.º, n.º 2, do Código Civil não pode ser
objecto de uma interpretação extensiva por forma a abranger o direito a
indemnização dos danos morais das pessoas aí elencadas quando não se verifique a
morte da vítima – busca alento em variada jurisprudência anterior, como
corresponde ao sentido da decisão proferida na 1.ª instância, onde se pode ler o
seguinte trecho: “enquanto direito que não do próprio sinistrado, só as
decorrências morais para outrem da morte são indemnizáveis: (…) esse dano moral,
que é bem real e importantíssimo, não tem tutela no citado art. 496. O desgosto
e outros danos morais para o cônjuge e filhos em virtude dos ferimentos e da
incapacidade permanente da C. não podem ser considerados na indemnização, uma
vez que a tanto se opõem os n.ºs 2 e 3 do art. 496º do CC, normas essas que
acabam por restringir ao resultado morte as compensações por danos morais
sofridos por pessoa distinta da vítima (…).”
Assim, não se verificando um dos pressupostos essenciais do recurso interposto –
suscitação da questão de constitucionalidade normativa durante o processo – não
pode o mesmo ser objecto de conhecimento.
III – Decisão
6. Nos termos e pelos fundamentos expostos decide-se, na 1.ª Secção do Tribunal
Constitucional, não tomar conhecimento do recurso.
Custas pelos Recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em 12 (doze) UC.
Lisboa, 22 de Janeiro de 2008
José Borges Soeiro
Gil Galvão
Carlos Pamplona de Oliveira
Maria João Antunes
Rui Manuel Moura Ramos