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Processo n.º 448/07
2ª Secção
Relator: Conselheiro Joaquim de Sousa Ribeiro
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal Central Administrativo Sul, em que é
recorrente o Sindicato Nacional dos Trabalhadores da Administração Local e
recorrido, o Município de Santarém, foi interposto recurso de fiscalização
concreta de constitucionalidade, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º
da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), do acórdão daquele Tribunal, de
08.02.2007, para apreciação da constitucionalidade:
i) do artigo 38.º do Decreto-Lei n.º 247/87, de 17 de Junho, quando interpretado
no sentido de permitir que na Administração Local sejam qualificadas como
horizontais outras carreiras para além das ali mencionadas, nomeadamente, no
sentido de permitir que as carreiras unicategoriais não constantes desta norma
nem qualificadas como tal por qualquer outra norma possam ser consideradas
horizontais;
ii) do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 248/85, de 15 de Julho, quando interpretado
no sentido de permitir que na Administração Local seja considerada como
horizontal uma carreira que não seja como tal qualificada por nenhuma norma
legal nem conste da enumeração das carreiras horizontais efectuada expressamente
pelo legislador.
2. Resulta dos autos que o recorrente, Sindicato Nacional dos Trabalhadores da
Administração Local, interpôs, em nome dos associados aí identificados, acção
administrativa especial contra o Município de Santarém, na qual pede que a
entidade demandada reconheça que as carreiras de “motorista de pesados” e de
“condutor de máquinas pesadas e veículos especiais” passaram a ser, desde 1 de
Janeiro de 1998, qualificadas como carreiras verticais, operando-se a progressão
nas mesmas em módulos de três anos, com a consequente correcção das progressões
efectuadas aos associados do autor.
Por sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, de 05.06.2006, a
acção foi julgada improcedente.
Interposto recuso para o Tribunal Central Administrativo Sul, foi, por acórdão
de 08.02.2007, negado provimento ao mesmo e confirmada a sentença recorrida.
Neste acórdão, de que vem interposto o presente recurso, pode ler-se o seguinte:
«Veio o presente recurso jurisdicional interposto da decisão do TAF de Leiria
que julgou improcedente a acção administrativa especial intentada pelo
recorrente, em representação e defesa de associados seus, absolvendo do pedido o
Município de Santarém, por considerar que as carreiras onde aqueles associados
estavam integrados (condutor de máquinas pesadas, veículos especiais e motorista
de pesados) tinham natureza unicategorial, sendo, por conseguinte, carreiras
horizontais e não verticais.
Contra o entendimento perfilhado na sentença “a quo” o recorrente invoca
fundamentalmente que o nº 1 do artigo 38° do Dec-Lei n° 247/87, de 17-6, tem
carácter taxativo, pelo que se as carreiras em questão não constam deste
normativo é porque não são horizontais.
A única questão a decidir é, assim, a de apurar se as carreiras supra referidas
são carreiras horizontais, como considerou a sentença recorrida, ou se, pelo
contrário, são carreiras verticais, como pretende o recorrente.
Em face da contradição de julgados, veio esta questão a ser analisada pelo Pleno
da Secção do STA, em recurso para uniformização da jurisprudência, que no
recente Ac. de 12/12/2006 - Proc. n° 870/06, tirado por unanimidade, decidiu no
sentido perfilhado pela sentença recorrida, com a fundamentação que de seguida
se transcreve:
“(...) Na definição legal constante do artigo 4° do já referido Dec-Lei nº
248/85, de 15-7, «1. A carreira é o conjunto hierarquizado de categorias às
quais correspondem funções da mesma natureza a que os funcionários terão acesso
de acordo com a antiguidade e o mérito evidenciado no desempenho profissional».
Sendo categoria «a posição que os funcionários ocupam no âmbito de uma carreira,
fixada de acordo com o conteúdo e qualificação da função ou funções, referida à
escala salarial da função pública» (n° 2).
Sobre a “estrutura das carreiras” dispõe o artigo 5° do mesmo diploma legal que
são “a) Verticais, quando integram categorias com o mesmo conteúdo funcional,
diferenciadas em exigências, complexidade e responsabilidade; b) Horizontais,
quando integram categorias com o mesmo conteúdo funcional cuja mudança
corresponde apenas à maior eficácia, na execução das respectivas tarefas; c)
Mistas, quando combinam características das carreiras verticais e das
horizontais”.
Face a esta caracterização legal das carreiras, podemos afirmar, com segurança,
que o elemento diferenciador das carreiras verticais relativamente às
horizontais, consiste em que, nas primeiras, as diversas categorias correspondem
a níveis supostamente crescentes (vd. ANA FERNANDA NEVES, Relação Jurídica de
Emprego Público, Movimentos Fractais, Diferença e Repetição, Coimbra Ed. 1999,
136), de exigência, complexidade e responsabilidade. A esta luz, e na falta de
disposição legal que proceda à qualificação de determinada carreira como
vertical ou horizontal, deverá a mesma ser considerada como tendo esta natureza
e não aquela, se a respectiva estrutura não comportar a possibilidade de
progressão por diferentes e crescentes níveis de exigência, complexidade e
responsabilidade na execução das tarefas funcionais.
Assim sendo, não obstará à qualificação de uma carreira como horizontal o facto
de a mesma não constar da enumeração de carreiras horizontais, feita no
referenciado artigo 38° do Dec-Lei n° 247/87, de 17-6.
Neste sentido, veja-se o Ac. desta 1ª secção, de 13/2/1997, proferido no Recurso
n° 40594 (Ap. DR de 25/11/1999, VOL II, 1108 e segs), onde se afirma que é “em
face dos critérios enunciados no artigo 5° do Dec-Lei n° 248/85, de 15-7, que
terá de se encontrar o enquadramento”, para efeitos de progressão de categoria
(de fiscal de obras) não directamente inserida em carreira e não constante da
enumeração do citado artigo 38°.
Aqui chegados, resta apurar da natureza vertical ou horizontal da carreira de
motorista de transportes colectivos, à qual pertencem, de acordo com a matéria
de facto provada, os interessados, associados do ora recorrente STAL. Conforme o
disposto no artigo 37º, n° 1, do já referido Dec-Lei n° 247/87, que estabeleceu
o regime jurídico das carreiras e categorias do pessoal das Câmaras Municipais,
adoptando o já referido Dec-Lei n° 248/85 às carreiras de pessoal da
administração local, eram consideradas mistas as carreiras de motorista entre as
quais se incluía a de motorista de transportes colectivos (artigo 26°). Por seu
turno, o artigo 38° deste mesmo diploma legal, como já se viu, considerava
horizontais diversas outras carreiras.
Na economia desse mesmo diploma legal, as carreiras verticais seriam, por
exclusão de partes, as não qualificadas como mistas ou horizontais, ficando o
acesso naquelas carreiras condicionado, além do mais, à permanência de, pelo
menos, 3 anos na categoria imediatamente inferior, classificados de Bom (artigo
36°).
O Dec-Lei n° 412-A/98, de 30/12, que procedeu, de acordo com a previsão do
Dec-Lei n° 404-A/98, de 18/12, à adaptação à administração local das regras
deste diploma legal, sobre o ingresso, acesso e progressão nas carreiras e
categorias do regime geral, bem como as respectivas escalas salariais, revogou,
expressamente e entre outros, o citado artigo 37° do citado Dec-Lei n° 247/87,
que considerava mista a carreira de transportes colectivos (artigo 25°). Para
além disso, no Anexo III, para que remete o artigo 13° desse Dec-Lei n°
412-A/98, consta essa carreira de motorista de transportes colectivos como
carreira de uma só categoria com seis diferentes escalões. Assim, a par com o
desaparecimento da respectiva qualificação legal como carreira mista, a carreira
agora em causa passou a unicategorial, cuja estrutura, por isso, não comporta a
possibilidade de evolução por diferentes níveis de exigência, complexidade e
responsabilidade, que correspondem, nas carreiras verticais, às diversas
categorias funcionais.
Face ao que se concluiu que essa mesma carreira de motorista de transportes
colectivos a que pertencem os interessados, associados do recorrente, deve ser
considerada carreira horizontal. Pelo que, nos termos do artigo 19°, nºs 1 e 2
do Dec-Lei n.º 353-A/89, de 16/10, a progressão na respectiva categoria (única)
faz-se por mudança de escalão, que depende da permanência de quatro anos no
escalão imediatamente anterior” (Fim de citação).
De acordo com esta posição, que agora se perfilha, tem de se entender que é
horizontal a carreira onde estão integrados os associados do recorrente.
E não se pode afirmar que esta interpretação viola o princípio constitucional da
reserva de lei por remeter para a Administração a determinação dos casos em que
se está perante uma carreira horizontal, visto que continua a ser a lei — o
artigo 5° do Dec-Lei n° 248/85 — que nos dá o critério distintivo com base no
qual as carreiras devem ser consideradas como horizontais ou verticais.
Nesta conformidade, improcede o presente recurso jurisdicional.»
3. Por despacho de fls. 237, foi o recorrente notificado para alegar, tendo sido
suscitada a questão prévia de não conhecimento do recurso na parte referente ao
artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 248/85, de 15 de Julho, com base na não
suscitação, antes da prolação da decisão recorrida, de qualquer questão de
constitucionalidade reportada àquela disposição legal.
4. O recorrente alegou, concluindo da forma seguinte:
«1ª O n° 1 do art° 38º do DL nº 247/87, quando interpretado no sentido de a
enumeração ali consagrada ser meramente exemplificativa e de, independentemente
de expressa previsão legal, deverem ser consideradas como horizontais todas as
demais carreiras cujo conteúdo funcional não fizer apelo a diferentes níveis de
exigência e responsabilidade, é materialmente inconstitucional por violação do
direito fundamental à liberdade de escolha de profissão consagrado no n° 1 do
art° 47° da Constituição, na medida em que legitimará a devolução à
Administração Pública de um poder — o de tipicizar e fixar o conteúdo
profissional e as exigências e responsabilidades de cada categoria — que por
força do disposto nos art°s 18° e 47°/1 da Constituição pertence ao legislador
(v., neste sentido, GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, CRP Anotada, 3ª ed., pág.
263).
2ª O n° 1 do art° 38° do DL n° 247/87, quando interpretado no sentido de a
enumeração ali consagrada ser meramente exemplificativa e de, independentemente
de expressa previsão legal, deverem ser consideradas como horizontais todas as
demais carreiras cujo conteúdo funcional não fizer apelo a diferentes níveis de
exigência e responsabilidade, é materialmente inconstitucional por violação do
princípio constitucional da reserva de lei em matéria de bases do regime e
âmbito da Função Pública, consagrado na alínea t) do n° 1 do art° 165° da
Constituição, uma vez que o sistema de carreiras é assumidamente reconhecido
como uma base do regime da Função Pública (v., neste sentido, PAULO VEIGA E
MOURA, A Privatização da Função Pública, 2004, pág. 101; LIBERAL FERNANDES,
Autonomia Colectiva dos Trabalhadores da Administração. Crise do Modelo Clássico
de Emprego Público, 1995, pág. 133; PALOMAR OLMEDA, Derecho de la función
pública, 2001, pág. 181; SÁCHEZ MORÓN, Derecho de la función pública, 2001, pág.
70), daí resultando que a definição das categorias que integram as carreiras e
as exigências e responsabilidades que são próprias de cada uma das categorias
que as integram não pode deixar de ser efectuada por via legislativa, não
podendo, como tal, deixar de ser uma lei ou um decreto-lei a determinar quais as
carreiras que são horizontais ou verticais.
3ª A inconstitucionalidade da interpretação perfilhado pelo aresto em recurso é
ainda comprovada pela nossa tradição legislativa, sempre tendo o legislador
qualificado as carreiras que deveriam ser consideradas como horizontais, ainda
que não fossem unicategoriais (v. art° 19°/4 do DL 191-C/78, de 25/06, art° 24º
do DL 466/79, de 07/12, art° 38°/1 do DL 247/87, de 17/06 e art° 15°/4 do DL
404-A/98).
4ª As mesma considerações justificam a inconstitucionalidade do art° 5° do DL nº
248/85, quando interpretado no sentido de permitir que na Administração Local
seja considerada como horizontal uma carreira que não seja como tal qualificada
por nenhuma norma legal nem conste da enumeração das carreiras horizontais
efectuada expressamente pelo legislador no art° 38° do DL nº 247/87 ou em
qualquer outra norma legal.
5ª Refira-se, aliás, que a interpretação perfilhada pelo aresto em recurso do
art° 5° do DL n° 248/85 colidiria ainda com o princípio do precisão ou
determinabilidade das leis, na medida em que se a qualificação de uma carreira
como vertical ou horizontal não fosse objecto de expressa previsão da lei e
resultasse apenas do facto de o conteúdo funcional fazer ou não apelo a
responsabilidades e exigências diferenciados, então o art° 5º do referido
diploma não ofereceria uma medida idónea a alicerçar posições juridicamente
protegidas dos cidadãos nem constituiria uma norma de actuação para a
Administração e, muito menos, seria suficiente para funcionar como norma de
controlo e de fiscalização da legalidade e de protecção dos cidadãos.
6ª A inconstitucionalidade da interpretação do art° 5° do DL n° 248/85 nunca foi
suscitada pela A. ao longo do processo pela simples razão de que só em sede de
prolação do acórdão recorrido é que foi, pela primeira vez e de forma
inovatória, invocado tal preceito para sustentar a decisão que o Tribunal a quo
alcançou, pelo que, sob pena de se legitimarem decisões surpresa, ter-se-á de
admitir a apreciação da inconstitucionalidade de tal preceito.»
O recorrido não apresentou contra-alegações.
Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
II − Fundamentação
A) Delimitação do objecto do recurso
5. Importa começar por decidir a questão prévia acima identificada, quanto ao
conhecimento do recurso na parte respeitante ao artigo 5.º do Decreto-Lei n.º
248/85.
O recurso de constitucionalidade, interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do
artigo 70.º da LTC, tem como pressuposto específico que a decisão recorrida
aplique norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo.
Como o próprio admite, o recorrente não suscitou, no decurso do processo,
qualquer questão de inconstitucionalidade referente ao citado artigo 5.º do
Decreto-Lei n.º 248/85. Mas contrariamente ao que também invoca, não se pode
considerar, neste caso, que o tribunal a quo tenha invocado tal preceito de
forma inovatória de modo a constituir uma fundamentação “surpresa” para o
recorrente. Pelo contrário, a norma em causa foi desde logo expressamente
mencionada na sentença da primeira instância (cfr. fls. 155 dos autos). De
qualquer forma, trata-se de norma inserida no diploma que estabelece o regime
geral de estruturação das carreiras da função pública e que define os conceitos
de carreiras “verticais”, “horizontais” e “mistas”, pelo que não se vislumbra
como considerar imprevista a convocação desta norma no âmbito de um processo em
que está em causa, precisamente, definir se uma determinara carreira se deve
qualificar como horizontal ou como vertical.
Não se mostra, por isso, cumprido o ónus que assistia ao recorrente de suscitar
a questão de constitucionalidade reportada a este preceito, de modo a permitir
que o tribunal recorrido dela conhecesse.
Pelo que, nesta parte, não se tomará conhecimento do recurso.
B) Apreciação da constitucionalidade do artigo 38.º do Decreto-Lei n.º 247/87
6. O artigo 38.º do Decreto-Lei n.º 247/87, de 17 de Junho, dispõe o seguinte:
«Artigo 38.º
Carreiras horizontais
1− São consideradas carreiras horizontais as de adjunto de tesoureiro,
apontador, auxiliar de serviços gerais, auxiliar técnico, bilheteiro, cantoneiro
de limpeza, cobrador de transportes colectivos, condutor de cilindros, coveiro,
cozinheiro, ecónomo, escriturário-dactilógrafo, fiel de armazém ou mercados e
feiras, fiel de aeródromo, de frigorífico, de refeitório ou de rouparia, guarda
campestre, leitor-cobrador de consumos, limpa-colectores, nadador-salvador,
oficial de diligências, operador de máquinas de endereçar, operador de
reprografia, telefonista, tratador-apanhador de animais, varejador e vigilante
de jardins e parques infantis.
2 − O recrutamento para a categoria de ingresso das carreiras referidas no
número anterior far-se-á, mediante concurso, de entre indivíduos habilitados com
a escolaridade obrigatória, acrescida, consoante os casos, de habilitação
profissional específica.
3 − A progressão nas restantes categorias que integram as carreiras referidas no
n.º 1 far-se-á de harmonia com as regras definidas na lei geral para as
carreiras horizontais.»
A questão de direito infraconstitucional subjacente ao presente recurso é a de
determinar se as carreiras a que pertencem os associados do recorrente
(Motorista de Pesados e Condutor de Máquinas Pesadas e Veículos Especiais), que
não constam da enumeração vertida no artigo 38.º, devem ser qualificadas como
verticais ou como horizontais, do que depende que a progressão nelas ocorra de
três em três anos (carreiras verticais) ou de quatro em quatro anos (carreiras
horizontais).
O problema coloca-se por não existir actualmente norma que qualifique, como
verticais, horizontais ou mistas, as carreiras em causa.
As “carreiras de motorista” − que compreendiam as de “condutor de máquinas
pesadas e veículos especiais” e de “motorista de pesados” (artigo 26.º, n.º 1,
do Decreto-Lei n.º 247/87, de 17 de Junho) − eram expressamente qualificadas no
artigo 37.º do Decreto-Lei n.º 247/87, como carreiras mistas, com regras de
progressão distintas para a categoria de topo e para as restantes categorias,
nestas obedecendo às regras da progressão nas carreiras horizontais (cfr. n.ºs 2
e 3 daquele preceito). Nos termos do artigo 8.º e do Mapa Anexo àquele diploma,
essas carreiras eram decompostas em três categorias: principal, 1ª classe e 2ª
classe.
Como se refere no acórdão recorrido, «na economia desse mesmo diploma legal, as
carreiras verticais seriam, por exclusão de partes, as não qualificadas como
mistas ou horizontais», o que resultava da interpretação conjugada daquele
artigo 37.º, do artigo 36.º respeitante às carreiras verticais, e do artigo
38.º, onde o legislador enumera vinte e cinco carreiras que considera
horizontais, entre as quais não se incluem as carreiras aqui em questão.
O artigo 25.º, alínea a), do Decreto-Lei n.º 412-A/98, de 30 de Dezembro,
revogou, entre outros, os citados artigos 36.º e 37.º do Decreto-Lei n.º 247/87,
mas deixou inalterado o artigo 38.º Simultaneamente, passou a prever as
carreiras aqui em causa como carreiras de uma só categoria, integrada por
diferentes escalões remuneratórios (cfr. Anexos II e III do Decreto-Lei n.º
412-A/98).
Perante este quadro legal, é decisivo para a qualificação o determinar se a
enumeração de carreiras horizontais, que consta do artigo 38.º do Decreto-Lei
n.º 247/87, de 17 de Junho, tem carácter taxativo ou meramente exemplificativo.
Sobre esta questão, que dividiu a jurisprudência administrativa, o Supremo
Tribunal Administrativo fixou recentemente orientação em sede de recurso para
uniformização de jurisprudência, no Acórdão n.º 2/2007, de 12.12.2006 (publicado
no DR, 1ª série, de 16.02.2007), posteriormente corroborado pelos Acórdãos de
17.01.2007, Procs. 0694/06 e 0744/06, em cuja fundamentação a decisão recorrida,
acima transcrita, se apoiou integralmente.
Na sua parte nuclear, essa fundamentação perfilha o entendimento de que, na
falta de qualificação legal expressa, há que fazer apelo à estrutura da carreira
como critério de diferenciação: serão verticais as carreiras que admitam uma
evolução por diferentes níveis de exigência, complexidade e responsabilidade,
correspondentes às diversas categorias funcionais. Ora, na medida em que, tendo
passado a unicategoriais, não comportam essa possibilidade, as carreiras em
causa devem ser qualificadas como horizontais. A tal não obsta o facto de elas
não virem referidas nas categorias constantes do artigo 38.º do Decreto-Lei n.º
247/87, pois, por força da consideração daquele elemento sistemático, ele deve
ser interpretado no sentido de conter uma enumeração não taxativa das carreiras
horizontais.
Não cabe ao Tribunal Constitucional pronunciar-se sobre o bem fundado desta
interpretação, mas apenas apreciar e decidir da sua conformidade com a
Constituição.
Do conjunto de normas em que a decisão recorrida se apoiou para chegar a essa
interpretação – nomeadamente, os artigos 4.º e 5.º do Decreto-Lei n.º 248/85,
de 15 de Julho (que apresentam a caracterização legal dos conceitos de
“carreira” e “categoria” e da estrutura das carreiras verticais, horizontais e
mistas), e o Anexo III, para que remete o seu artigo 13.º, do Decreto-Lei n.º
412-A/98, de 30 de Dezembro (do qual consta a carreira de “motorista de
transportes colectivos” como carreira de uma só categoria, com seis diferentes
escalões) – apenas as normas constantes do referido artigo 5.º e do artigo 38.º
do Decreto-Lei n.º 247/87 integram o objecto do recurso, sendo certo, quanto à
primeira, que não estão preenchidos, como já se decidiu, os pressupostos da sua
admissibilidade.
Sendo assim, no presente recurso cabe apenas conhecer da constitucionalidade da
interpretação normativa do artigo 38.º, sufragada na decisão recorrida, segundo
a qual não obsta à qualificação de uma carreira como horizontal o facto de a
mesma não constar da enumeração de carreiras horizontais, feita no referenciado
artigo 38.º, devendo, na falta de disposição legal que proceda à qualificação de
determinada carreira como vertical ou horizontal, ser a mesma considerada como
tendo esta natureza e não aquela, se a respectiva estrutura não comportar a
possibilidade de progressão por diferentes e crescentes níveis de exigência,
complexidade e responsabilidade na execução das tarefas funcionais.
O recorrente funda o pedido de declaração de inconstitucionalidade desta
interpretação, em primeiro lugar, em que, «por força do direito fundamental à
liberdade de escolha de profissão, consagrado no n.º 1 do artigo 47.ºda
Constituição, e da sua sujeição a uma reserva de lei restritiva (v. artigo 18.º
da Constituição), é ao legislador que compete presidir à tipicização ou fixação
do conteúdo profissional de cada carreira». Abrangendo essa tipicização «as
exigências, complexidade e responsabilidade das diversas categorias (…) é
manifesto que só ao legislador compete qualificar uma determinada carreira como
horizontal ou vertical». Conclui que «a interpretação do artigo 38.º do
Decreto-Lei n.º 247/87 no sentido de a enumeração ali consagrada não ser
taxativa mas meramente exemplificativa e no sentido de, independentemente de
expressa previsão legal, deverem ser consideradas como horizontais todas as
demais carreiras cujo conteúdo funcional não fizer apelo a diferentes níveis de
exigência e responsabilidade» equivale a «impor-se uma restrição não autorizada
ao direito fundamental à liberdade de escolha de profissão, devolvendo-se por
via judicial à Administração Pública um poder (…) que por força do disposto nos
artigos 18.º e 47.º/1 da Constituição pertence ao legislador». Por último,
refere que a prevalência da tese de que há outras carreiras horizontais para
além das que a lei enumera pode comprometer o princípio da igualdade, pois é
configurável que «Administrações diferentes qualifiquem de forma diferente a
mesma carreira».
Em segundo lugar, invoca a violação do princípio constitucional da reserva de
lei em matéria de bases do regime e âmbito da Função Pública, consagrado na
alínea t) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição, alegando que o conceito de
“bases do regime da Função Pública” abrange o sistema de carreiras e de
categorias e que este integra necessariamente «a definição das categorias que as
integram e das exigências e responsabilidades que são próprias de cada uma
dessas categorias», pelo que no âmbito das bases do regime da Função Pública
há-de também incluir-se a qualificação de uma carreira como horizontal ou
vertical, qualificação essa que não pode deixar de ser feita em lei ou
decreto-lei.
O recorrente acrescenta, por último, que a inconstitucionalidade da
interpretação do artigo 38.º, perfilhada na decisão recorrida, é «comprovada
pela nossa tradição legislativa, sempre tendo o legislador qualificado as
carreiras que deveriam ser consideradas como horizontais, ainda que não fossem
unicategoriais» e cita diversos preceitos legais que depõem nesse sentido.
Este terceiro argumento é de afastar liminarmente, uma vez que a “tradição
legislativa” não traduz um qualquer parâmetro constitucional, susceptível de
sustentar um julgamento de inconstitucionalidade.
No que respeita à alegada inconstitucionalidade material por ofensa à liberdade
de escolha de profissão, importa, antes de mais, perguntar se a questão em
apreço se pode inserir no âmbito de protecção do artigo 47.º, n.º 1, da CRP.
Como se salienta na decisão recorrida, a interpretação normativa sub iuditio não
suprime ou afasta a progressão na carreira, mas apenas condiciona a contagem de
tempo necessária à progressão nos escalões, determinando que a mesma se faça em
módulos de quatro anos, em vez de módulos de três anos.
Desta forma, ainda que se entenda que o direito consagrado no n.º 1 do artigo
47.º da Constituição abrange também a progressão na carreira, a referida
interpretação do artigo 38.º é insusceptível de constituir uma restrição a esse
direito e, portanto, de afectar o bem jurídico por ele protegido.
Quanto ao segundo fundamento invocado, importa registar que a alínea t) do n.º 1
do artigo 165.º da Constituição estabelece uma reserva de competência
legislativa da Assembleia da República no que concerne às bases gerais do regime
jurídico da função pública. A jurisprudência do Tribunal Constitucional
(versando sobre esta norma, bem como sobre a anterior alínea v) do n.º 1 do
artigo 168.º da Constituição em situações em que estava em causa a reserva de
lei formal) tem-se pronunciado no sentido de que tal reserva inclui apenas o
estabelecimento do quadro dos princípios básicos fundamentais da regulamentação
da função pública (v., entre outros, os Acórdãos n.ºs 142/85, 340/92, 494/99,
65/2000 e 695/2005, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt).
O recorrente aponta como parâmetro constitucional a reserva de lei material, no
sentido de não ser admissível que a qualificação das carreiras dos seus
associados seja feita, não por norma legal expressa, mas por acto da
administração ou decisão judicial.
Acontece que a interpretação sufragada no acórdão recorrido, no sentido da não
taxatividade do elenco de carreiras horizontais constante do artigo 38.º, não
tem como consequência deixar ao intérprete/aplicador a qualificação casuística
das carreiras, como horizontais ou verticais. Apela, antes, a um critério
normativo (a estrutura da carreira) para operar tal qualificação.
Neste sentido, lê-se na decisão recorrida:
«[…]na falta de disposição legal que proceda à qualificação de determinada
carreira como vertical ou horizontal, deverá a mesma ser considerada como tendo
esta natureza e não aquela, se a respectiva estrutura não comportar a
possibilidade de progressão por diferentes e crescentes níveis de exigência,
complexidade e responsabilidade na execução das tarefas funcionais.
Assim sendo, não obstará à qualificação de uma carreira como horizontal o facto
de a mesma não constar da enumeração de carreiras horizontais, feita no
referenciado artigo 38° do Dec-Lei n° 247/87, de 17-6.[…]».
Efectivamente, da interpretação conjugada e sistemática das disposições legais
aplicáveis extrai-se a resposta inequívoca de que as carreiras dos associados do
recorrente são qualificadas – pelo legislador − como horizontais, desde logo
por serem carreiras unicategoriais, i.e., integradas por uma só categoria (cfr.
Anexos II e III do Decreto-Lei n.º 412-A/98). Essa constatação − de que as
carreiras unicategoriais são carreiras horizontais − resulta das normas acima
referidas, bem como dos artigos 17.º, n.ºs 1 e 2, e 29.º, n.º 2, do Decreto-Lei
n.º 184/89, de 2 de Junho, diploma que estabelece os princípios gerais em
matéria de emprego público, remunerações e gestão de pessoal da função pública.
Assim, lê-se no referido artigo 29.º, n.º 2: «o número de escalões em cada
categoria ou carreira horizontal, bem como os módulos de tempo e o mérito
necessários, constam de diploma legal» (itálico nosso). Nesta norma, como
noutras do mesmo diploma, o legislador distingue carreiras com várias categorias
(verticais) de carreiras horizontais (unicategoriais). No mesmo sentido depõem,
ainda, outras normas do Decreto-Lei n.º 404-A/98, nomeadamente as dos seus
artigos 7.º, n.º 2, 9.º, n.º 2 e 11.º, n.º 2, que vieram expressamente prever a
progressão em módulos de três anos em carreiras unicategoriais, sendo certo que
esta previsão só tem um conteúdo útil na medida em que afasta a regra de
progressão em módulos de quatro anos que lhes seria aplicável, por serem
carreiras horizontais.
Em suma, com as alterações introduzidas com o Decreto-Lei n.º 412-A/98, que
eliminaram a qualificação legal expressa das carreiras dos associados do
recorrente, como carreiras mistas e, em simultâneo, as transformaram em
carreiras unicategoriais (quando antes se decompunham em três categorias),
aquelas carreiras passaram, por força da sua estrutura, a ser qualificadas como
horizontais.
Assim, conclui-se que a interpretação do artigo 38.º, no sentido da não
taxatividade do elenco de carreiras horizontais nele constante, não viola o
princípio constitucional da reserva de lei, uma vez que não deixa ao
intérprete/aplicador a possibilidade de qualificar casuisticamente uma
determinada carreira, mas antes apela ao referido critério normativo para operar
tal qualificação.
III − Decisão
Pelo exposto, decide-se:
a) Não tomar conhecimento do recurso na parte
respeitante ao artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 248/85, de 15 de Julho;
b) Negar provimento ao recurso na parte restante.
Lisboa, 11 de Dezembro 2007
Joaquim Sousa Ribeiro
Mário José de Araújo Torres
Benjamim Rodrigues
João Cura Mariano
Rui Manuel Moura Ramos