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Processo n.º 714/07
Plenário
Relator: Conselheiro João Cura Mariano
Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional
Relatório
A. intentou no Tribunal do Trabalho de Lisboa a presente acção declarativa de
condenação, sob a forma comum, emergente de contrato individual de trabalho,
contra “Banco B., S.A.”, em que pediu, além do mais, que sejam julgadas
inconstitucionais e nulas as normas constantes do ACTV para o sector bancário
que estabeleceram o quantitativo de reforma do Autor, por violação dos direitos,
liberdades e garantias, direitos e deveres sociais garantidos nos artigos 63.º e
64.º, da Constituição da República Portuguesa (CRP), e no artigo 25.º da
Declaração Universal dos Direitos do Homem, com a consequente condenação da Ré
a pagar e a integrar na mensalidade de reforma as prestações mensais e
periódicas de isenção de horário de trabalho, de cartão de crédito para
utilização pessoal, senhas de gasolina, pagamento de telefone e telemóvel,
prémio de produtividade e mérito e o carro de serviço para uso pessoal,
incluindo todas as despesas inerentes ao uso que o Autor auferia à data da
cessação do contrato de trabalho.
Na primeira instância a acção foi julgada improcedente, com a consequente
absolvição da Ré de todos os pedidos.
Apelou o Autor para o Tribunal da Relação, o qual viria a confirmar a decisão
recorrida.
Igualmente inconformado com esta última decisão, o Autor veio pedir a sua
revista, tendo a mesma sido totalmente negada por acórdão do Supremo Tribunal de
Justiça proferido em 6-6-2007.
É desta decisão do Supremo Tribunal de Justiça que o Autor interpôs recurso para
o Tribunal Constitucional, no âmbito da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da
LTC, tendo por objecto a interpretação concretamente adoptada pelo referido
tribunal superior na aplicação das normas constantes das cláusulas 136.ª a
144.ª, do Acordo Colectivo de Trabalho Vertical para o Sector Bancário (versão
publicada no BTE 31/1992), bem como aquela que foi adoptada na aplicação da
norma constante do artigo 863.º do Código Civil.
No respectivo requerimento de interposição de recurso, o Recorrente concretizou
as interpretações normativas que pretende ver sindicadas em sede de
constitucionalidade nos seguintes termos:
«Em primeiro lugar, no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de que ora se
recorre por inconstitucionalidade, foi considerado que o facto do Acordo
Colectivo de Trabalho do Sector Bancário (ACTV) consagrar que, para efeitos de
atribuição de pensão de reforma, apenas são levados em consideração os valores
correspondentes à retribuição base e diuturnidades, olvidando assim os restantes
valores recebidos a título de retribuição pelo ora Recorrente, enquanto no
activo, não viola nem a Constituição nem o previsto na Lei de Bases da Segurança
Social, que determina que, para efeitos de reforma, devem ser atendidos os
rendimentos realmente auferidos pelo trabalhador.
Ora, o Recorrente entende que esta interpretação é incorrecta, porquanto o ACTV,
no seu capítulo XI, fere a Constituição, nomeadamente quanto ao artigo 63º, nº
4, assim como viola a Lei de Bases da Segurança Social.
(…)
Por outro lado, ainda, foi considerado no Acórdão do Supremo Tribunal de
Justiça, de que ora se recorre por inconstitucionalidade, que os créditos
reclamados na presente acção judicial se encontravam remitidos pela quitação
incluída no acordo.
(…)
Será sempre, inconstitucional, por violação dos artigos 59º, 3º, e 1º e 4º do
art. 63º da Constituição, a interpretação que determina que sendo a mesma
entidade jurídica a tutelar o contrato de trabalho e a reforma (discricionária
quanto ao momento e montante), o trabalhador ainda assim pode renunciar, na
pendência da relação laboral, a créditos salariais no momento em que negoceia as
condições da sua reforma, sendo obviamente nulo e de nenhum efeito o acordo em
contrário.
(…)
Em relação às normas que se consideram inconstitucionais, as mesmas dizem
respeito à forma de cálculo da reforma pelo que se restringem as cláusulas 136º
a 144º do ACTV, porquanto a efectivação do direito à Segurança Social, prevista
no art. 63º da Constituição, não pode ser objecto de contratação colectiva.»
O recorrente fundamentou o seu recurso nas seguintes alegações:
“1) Em primeiro lugar, nem se diga que esta matéria (estas cláusulas do ACT não
têm dignidade de normas para o Tribunal Constitucional vir a conhecer da sua
natureza jurídica e da inconstitucionalidade destas normas por violação do
art.º 63º da CRP), como alguma corrente jurisprudencial hoje firmada nesse mais
alto Tribunal tem afirmado.
2) Todavia, discorda-se desta corrente quando não conhece dos recursos
interpostos com esse fundamento sem atender na realidade à verdadeira natureza
desta problemática.
3) Porquanto, não nos restam quaisquer dúvidas que as normas referentes a
segurança social constantes do ACT para o Sector Bancário são normas de carácter
híbrido, público-privado, por serem, concomitantemente, normas de regulação de
relações laborais cuja vigência se funda, apenas, em omissão de desenvolvimento
de preceito constitucional por parte do legislador.
4) Normas de concretização de um direito subjectivo público, radicado na
Constituição, caracterizado como direito fundamental, exigível perante o Estado
ou, neste caso, perante quem o substitui na vinculação à prestação.
5) De conteúdo concretizável através não só da Lei de Bases da Segurança Social
mas também da Constituição mediante normas directamente aplicáveis por
definição do conteúdo mínimo do direito.
6) No que toca à vertente pública deste regime especial, temos, antes de mais,
que o campo da segurança social existe por imperativos de ordem pública, algo
que o Estado, na Constituição, assume como imprescindível para a sociedade e
que, por si, pretende assegurar – veja-se parecer elaborado pelo Professor
Doutor Jorge Miranda.
7) Como consequência, temos que o direito à segurança social, previsto ao nível
constitucional e de lei de bases, é um direito que está fora do comércio
jurídico, não podendo ser alvo de regulação privada.
8) O que também implica que as normas que definem o conteúdo do direito são
normas imperativas, inderrogáveis, e cujo standard mínimo que estabelecem não
pode ser preterido.
9) Isto é, deve existir, obrigatoriamente, um standard mínimo – um regime
público mínimo –, que abranja todos os trabalhadores, incluindo os trabalhadores
bancários, como muito bem refere o Exmo. Senhor Professor Dr. Freitas do Amaral
no seu parecer, que se encontra junto aos autos, “É indiscutível, por isso, que
aos trabalhadores abrangidos pelo ACT para o Sector Bancário não pode ser negado
o direito à segurança social consagrado no art. 63º da Constituição. “Todos têm
direito à segurança social”, diz esse artigo. Ora, “todos” são todos: não são
todos menos os bancários.”
10) É evidente que podem existir regimes especiais, a que alude a lei, mas são
complementares do regime obrigatório, que, por ser isso mesmo (obrigatório), não
permite que existam particulares afastados da sua concretização que, como tal,
não beneficiem do direito à segurança social.
11) Pois, a aplicação dos regimes complementares pressupõe a satisfação do
direito fundamental.
12) Veja-se o parecer do Prof. Doutor Jorge Miranda no seu brilhante parecer,
que se encontra junto aos autos, nomeadamente nas suas conclusões pág. 57.
13) Por outro lado, a interpretação defendida pela Jurisprudência dominante
deste Tribunal, nomeadamente no Acórdão 172/93, afirma que: “…a lei regulamenta
a eficácia específica das convenções colectivas impondo a sua obrigatoriedade
unicamente quanto àqueles que devem considerar-se representados pela entidades
que as subscrevem, à luz dos princípios do direito do trabalho. As organizações
profissionais que as celebram não têm poderes de autoridade mas apenas poderes
de representação, isto é de defesa e de promoção da defesa dos direitos e
interesses dos respectivos filiados (cfr. Artigo 56º, n.º 1, da Constituição).
E, assim, o clausulado que elas incorporam não contém normas, entendidas como
padrões de conduta emitidos por entidades investidas em poderes de autoridade.”
14) Ora, não se pode aceitar tal interpretação!
15) As cláusulas do ACTV para o sector bancário, nomeadamente as clªs. 136ª a
144ª, que regulam a matéria respeitante à segurança social, são normas, na
verdadeira acepção da palavra e nos termos do disposto no art. 280º da CRP,
porquanto as mesmas resultam e decorrem de normas transitórias das Leis de Bases
da Segurança Social.
16) Nessa medida, existe uma similitude entre as normas transitórias Leis de
Bases da Segurança Social e as portarias de extensão emanadas ao abrigo do jus
imperium e que estabelecem e impõem um regime especial para os trabalhadores
bancários, regime este constante das cláusulas 136ª a 144ª do referido ACTV.
17) Pelo que, as cláusulas do ACTV, objecto do presente recurso, são normas
impostas por entidade investidas em poderes de autoridade, ou seja, através das
Leis de Bases da Segurança Social.
18) Assim sendo, e conforme decorre da interpretação deste Tribunal quanto às
portarias de extensão, as Cláusulas 136ª a 144ª do ACTV para o sector bancário
são normas emanadas do imperium estadual porquanto decorrem das Leis de Bases da
Segurança Social, através das normas transitórias.
19) Contrariamente ao decidido por este Tribunal, estas cláusulas, objecto de
fiscalização constitucional, não são provenientes da autonomia privada!
20) São provenientes de poderes públicos – Lei de Bases da Segurança Social –
que estabeleceu e impôs um regime especial transitório relativamente aos
trabalhadores bancários, enquanto os mesmos não fossem integrados no regime
geral da segurança social.
21) Regime especial e transitório que perdura há várias décadas!
22) Além disso, veja-se a tese defendida na declaração de voto do Cons. José de
Sousa e Brito aposta no Acórdão nº 172/93, transcrita na declaração de voto do
Cons. Mário Torres aposta no Acórdão nº 224/05.
23) Nesse sentido, e de acordo com o supra exposto, as cláusulas 136ª a 144ª do
ACTV para o sector bancário, enquanto normas emanadas e permitidas pelo poder
público, por força das sucessivas Leis de Bases da Segurança Social e a actual
Lei 4/2007, de 16/1 (art. 103º), que determinou a existência deste regime
especial e transitório, estão sujeitas à fiscalização concreta da
constitucionalidade, uma vez que integram o conceito de norma utilizado na
alínea b) do nº 1 do art. 280º da CRP e na alínea b) do nº 1 do art. 70º da Lei
do Tribunal Constitucional, pelo que o presente recurso deverá ser objecto de
conhecimento por parte deste Tribunal.
24) O direito à segurança social vem previsto no art.º 63º da Constituição.
25) Este artigo impõe um dever ao Estado, que este tem, obrigatoriamente, que
cumprir, sob pena de incorrer em inconstitucionalidade por omissão.
26) “4.Todo o tempo de trabalho contribui, nos termos da lei, para o cálculo das
pensões de velhice e invalidez, independente do sector de actividade em que
tiver sido prestado.”
27) Os nºs 1, 3 e 4 visam atribuir, definindo o respectivo conteúdo, o direito à
segurança social, tanto na vertente assistencialista como na vertente laborista,
estabelecendo um status mínimo e os termos de concretização do direito – o seu
objectivo é, efectivamente, atribuir um direito subjectivo aos cidadãos.
28) O n.º 2, por seu lado, é uma norma programática, que estabelece as
características a que deve obedecer o sistema de segurança social, não só de
modo a que seja atribuído o direito in concreto, como também garantindo o
cumprimento de determinados cânones nessa atribuição.
29) Tal conclusão tem apoio no texto constitucional: visa-se proteger todos os
cidadãos na velhice e na invalidez em situações de falta de capacidade para o
trabalho, através da atribuição de pensões de velhice e invalidez,
independentemente do sector de actividade em que o trabalho for prestado,
calculadas tendo em conta todo o tempo de trabalho prestado – vide Acórdão
411/99 do T.C., que se transcreve:
30) 'Todo o tempo de trabalho contribui, nos termos da lei, para o cálculo das
pensões de velhice e invalidez, independentemente do sector de actividade em que
tiver sido prestado.'
10. Quando o texto constitucional remete para 'os termos da lei', fá-lo
para efeitos de concretização do direito, não a título de cláusula habilitativa
de restrições. A utilização da expressão 'todo o tempo de trabalho...' , em
conjugação com o segmento 'independentemente do sector de actividade em que
tiver sido prestado' impõe, nesta matéria, a obrigação, para o legislador
ordinário, de prever a contagem integral do tempo de serviço prestado pelo
trabalhador, sem restrições que afectem o núcleo essencial do direito.
Como o direito à contagem do tempo de serviço para efeitos de aposentação tem
natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias, aplica-se-lhe o regime
destes – constante do artigo 18º da Constituição da República Portuguesa –, por
força da extensão operada pelo artigo 17º da Constituição.
A admitir-se a solução propugnada pela recorrida, a norma constitucional ficaria
esvaziada no seu sentido e o direito à contagem de todo o tempo de serviço seria
afectado no seu núcleo essencial. Tal consequência está vedada pelo nº 3 do
artigo 18º da Lei Fundamental.
Se a lei fraccionar o tempo de trabalho para efeitos de aposentação – assim
eliminando uma parte do tempo de trabalho prestado –, já não será todo o tempo
de trabalho a contribuir para o cálculo das pensões, mas apenas uma parte dele.
Tal solução implicaria interpretar a Constituição de acordo com a lei e não
interpretar a lei de acordo com a Constituição, como se impõe.”
31) O que manifestamente será contraditório com o teor do Acórdão do T.C., nº
171/04, o que, desde já, se chama à colação, porquanto este último Acórdão
afasta a melhor doutrina e jurisprudência, não devendo, consequentemente, ser
aceite o sentido deste.
32) Neste sentido, toda a retribuição deve entrar no cálculo da reforma,
independentemente da fórmula de cálculo adoptada.
33) Não se podendo excluir parte da retribuição e fixando a reforma, apenas, com
base em tabelas pré-fixadas – cláusulas do ACT que nada têm que ver com a
realidade.
34) Ora, todo o tempo de trabalho contribui, nos termos da lei, para o cálculo
das pensões de reforma e invalidez.
35) Concluindo que o montante da reforma será atribuído em função do tempo total
de trabalho e que será também atribuído em função da remuneração mensal, pois
esta é a compensação do trabalho prestado no período de um mês.
36) E a ser assim, há que contabilizar todos os rendimentos do trabalhador
auferidos em função do seu trabalho.
37) Pelo que, a pensão de reforma de invalidez e velhice, constitucionalmente,
tem por objectivo a garantia tendencial da manutenção dos rendimentos de
trabalho anteriormente auferidos sempre que o trabalhador veja reduzida ou
eliminada a sua capacidade de trabalho.
38) Como concretização legal do conceito constitucional de retribuição, para que
remete o conceito do direito à segurança social adoptada pelo texto
constitucional, afirma-se no art.º 82º, n.os 1 e 2, da LCT (hoje art.º 249º do
Código do Trabalho), ser retribuição tudo aquilo a que o trabalhador tem direito
como contrapartida do seu trabalho, nomeadamente, a remuneração base e todas as
outras prestações regulares e periódicas feitas, directa ou indirectamente, em
dinheiro ou em espécie.
39) O legislador está adstrito a dois deveres: a) em primeiro lugar, deve dar
cabal desenvolvimento legislativo ao preceito, sob pena de incorrer em
inconstitucionalidade por omissão; b) em segundo lugar, não deve adoptar medidas
legislativas que, inseridas no âmbito de aplicação da norma programática,
contrariem, dificultem, ou, no caso do art.º 63º, n.º 2, por esta norma ser
imediatamente exequível, protelem a concretização legislativa desta, sob pena
de incorrer em inconstitucionalidade por acção, como é propugnado por diversa
doutrina.
40) Para definir os correctos parâmetros constitucionais recortados por este
art.º 63º, referir a vertente garantística que assume a previsão de um sistema
de segurança social com as características supra enunciadas em relação ao
direito subjectivo de cada trabalhador à segurança social. Quando o legislador
constituinte procede à caracterização do direito subjectivo à segurança social,
caracteriza-o reforçando a igualdade e a universalidade como suas
características básicas, assumindo que cada trabalhador é, igualmente,
beneficiário e financiador do sistema.
41) No seguimento do já referido, podemos afirmar que só no âmbito de um sistema
universal se consegue assegurar a igualdade (não discriminação), a equidade
social (tratamento diferente na medida da diferença) e a diferenciação positiva
(avaliação de especificidades sociais de grupos de cidadãos), por só a inserção
num sistema uno permite colocar os trabalhadores em situação de igualdade e
prover pelo cumprimento do seu direito tendo como pano de fundo a totalidade
do sistema – vide Acórdão 517/98 e 634/98 e também 77/02 do T.C.
42) A solidariedade (nos planos nacional, laboral e intergeracional) só consegue
ser cumprida se implicar um sistema uno, em que cada um é solidário com os
restantes, e o Estado, ao financiar o sistema, é solidário com todos exactamente
na mesma medida.
43) A complementaridade (articulação de várias formas de protecção social,
públicas, cooperativas e sociais) pressupõe que exista um sistema público
passível de ser complementarizado, e que assegura o mínimo constitucional de
segurança social.
44) A unidade (tendente à boa administração do sistema) e a eficácia (concessão
oportuna das prestações legalmente previstas) querem assegurar a ausência de
desperdícios na gestão do sistema, a não duplicação de funções, a não
sobreposição de atribuições e de competências e a existência da coordenação
necessária à boa gestão do sistema e do seu património.
45) Temos por assente que o sistema previsto constitucionalmente visa,
essencialmente, três fins, a saber: a) tutelar o interesse público de boa
organização e gestão do sistema, caracterizados pela eficiência e eficácia
deste; b) tutelar o interesse privado, de natureza difusa, de existência de um
sistema de concretização do direito à segurança social, que, por um lado,
garanta o direito a todos os cidadãos (adquirindo relevância a nível de ordem
pública), e, por outro, dê a garantia da concretização (actual ou eventual) do
direito à segurança social em relação a cada trabalhador individualmente
considerado (até por razões de solvência da pessoa colectiva organizadora do
fundo de pensões, mais garantida no caso do Estado); c) tutelar o direito
individual à justiça relativa na concretização do direito, assegurando que a
equidade e a diferenciação positiva, estabelecida nessa medida, são os limites
máximos de desvio à igualdade absoluta.
46) Como consequência destas conclusões, temos que a violação do art.º 63º, n.º
2, da Constituição, não acarreta apenas a possibilidade de declaração de
inconstitucionalidade por omissão, mas também violação dos direitos subjectivos
dos trabalhadores, nomeadamente do direito à segurança social, por o sistema,
tal como é caracterizado constitucionalmente, funcionar como garantia do direito
à segurança social.
47) Afirmava o art.º 69º da Lei n.º 28/84, de 14 de Agosto, epigrafado de
“Subsistência transitória de regimes especiais”: “O regime especial de segurança
social dos trabalhadores agrícolas e os regimes especiais de segurança social
de outros grupos de trabalhadores serão gradualmente integrados no regime
geral”.
48) Afirma o art.º 109º da Lei n.º 17/2000, de 8 de Agosto, (hoje, 103º da Lei
4/2007, de 16/1) epigrafado de “regimes especiais”: “Os regimes especiais
vigentes à data da entrada em vigor da presente lei continuam a aplicar-se,
incluindo as disposições sobre o seu funcionamento, aos grupos de trabalhadores
pelos mesmos abrangidos, com respeito pelos direitos adquiridos e em formação”
49) Por tal norma, sistematicamente, se inserir nas disposições transitórias da
lei, conclui-se que tal aplicação será, também, a título transitório, e que o
Estado assume exactamente o mesmo que assumiu com o art.º 69º da Lei n.º 28/84,
de 14 de Agosto, ou seja, o reconhecimento da obrigatoriedade de
desenvolvimento do art.º 63º, n.º 2, da Constituição e a situação de
inconstitucionalidade por omissão por ausência concreta de desenvolvimento
legislativo.
50) Esta norma tem por efeito evitar a revogação, por superveniência da Lei de
Bases, de dois tipos distintos de normas que constituem os regimes de segurança
social.
51) Estas normas despoletam, cada uma, duas estatuições, dado que têm por efeito
a manutenção do regime orgânico, a que se refere o art.º 63º, n.º 2, da
Constituição, e a manutenção do regime material de concretização do direito, a
que se referem os nºs 1, 3 e 4 do mesmo art.º 63º.
52) No que concerne ao regime orgânico, temos que a manutenção dos regimes
especiais é inconstitucional por acção, por violação do art.º 63º, n.º 2, da
Constituição.
53) Embora, seja o art.º 63º, n.º 2, uma norma programática, é possível a sua
violação por acção, desde que se adoptem medidas legislativas contrárias à
concretização do preceito.
54) O art.º 63º, n.º 2, também é violado na vertente garantística do direito
subjectivo à segurança social a que se aludiu, pois, ao manter a aplicabilidade
de regimes especiais, a prossecução de todos os objectivos, já referidos,
traçados e alcançáveis pelo sistema previsto na Constituição é protelada,
indefinidamente, no tempo. O que se verifica, com a entrada em vigor destas
normas, é que existe uma verdadeira tentativa de retirar eficácia ao disposto
na Constituição por meio de acto normativo de força hierárquica inferior.
55) O que é impossível, devendo estas normas, quando interpretadas no sentido de
desvincular o legislador da obrigatoriedade imediata de dar exequibilidade,
mediante desenvolvimento legislativo, ser afastadas do bloco legal, por
inconstitucionalidade por acção por violação do art.º 63º, n.º 2, da
Constituição.
56) Há que interpretar esta norma no sentido de manutenção dos regimes especiais
na medida em que não prejudicam a concretização do direito subjectivo à
segurança social nos termos descritos e previstos constitucionalmente.
57) O direito também deve ser satisfeito em condições de igualdade entre
beneficiários do regime geral e dos regimes especiais, sob pena de violação do
princípio da igualdade.
58) E que deve ser o direito assegurado a todos aqueles que, a estarem
abrangidos pelo regime geral, tivessem direito ao mesmo pela situação fáctica
em que se encontram, sob pena de violação do princípio da universalidade.
59) Se conclui que, em termos de regime de concretização material do direito à
segurança social, os art.ºs 69º, 109º, 123º e 103º das Leis de Bases da
Segurança Social são inconstitucionais quando interpretados no sentido de
promoverem a manutenção em vigor de regimes especiais que concretizem o direito
em termos menos favoráveis quando comparados com o regime geral, por violação
do direito à segurança social, previsto nos nºs 1, 3 e 4 do art.º 63º, do
princípio da igualdade previsto no art.º 13º e do princípio da universalidade,
previsto no art.º 12º, todos da Constituição,
60) E que o art.º 69º e o art.º 109º e 123º hoje 103º das Leis 28/84, 17/2000,
32/2002 e 4/2007 vigoram na ordem jurídica no sentido de permitir que o direito
à segurança social seja concretizado por regimes especiais em relação ao regime
geral, desde que o direito seja concretizado por aqueles na mesma medida que o
seria por este.
61) Também o Prof. Rui Medeiros e Prof. Freitas do Amaral, no seu parecer, a
fls. 44, concluem “O Legislador não pode furtar-se à universalização do direito
à segurança social com o argumento de que a questão é complexam e a articulação
com o regime em vigor se mostra problemática, podendo o Tribunal Constitucional,
quase trinta anos volvidos desde a entrada em vigor do artigo 63º da
Constituição, apreciar o incumprimento do mandato constitucional pelo legislador
e verificar a correspondente inconstitucionalidade por omissão;”
62) Por outro lado, e tendo em conta a evolução que se seguiu, com a entrada em
vigor da Constituição de 1976 e a chamada “concepção laborista da segurança
social”, operou-se, fundamentalmente, pela via da negociação colectiva,
63) A generalidade dos trabalhadores bancários mantiveram-se fora do sistema
geral e público de segurança social aplicável aos demais trabalhadores por conta
de outrem,
64) Tendo as sucessivas Leis de Bases da Segurança Social consagrado um regime
especial e transitório para os trabalhadores bancários.
65) Nos últimos quinze anos têm vindo a ser instituídas, no âmbito da Banca –
especialmente para os trabalhadores com funções de direcção, técnicas ou de
chefia -, componentes de retribuição (remunerações acessórias ou complementares)
que, nos regimes públicos de protecção social, influiriam no cálculo das
pensões, mas que, no âmbito do regime do ACT, não têm qualquer relevância para
este efeito.
66) Chegou-se, pois, ao absurdo de, entre as diversas instituições bancárias, e
até no âmbito da mesma instituição, para carreiras remuneratórias similares,
existirem diferentes regimes de protecção social.
67) Os ex – trabalhadores do B. têm os seus vencimentos majorados, por forma a
cumprir o prescrito na Cláusula 92º, nº 5 do ACT, já que os descontos feitos
para a Segurança Social são superiores no regime geral, e, por isso, quando se
reformam, têm valores substancialmente maiores de pensão do que recebem os seus
colegas de carreira oriundos dos outros bancos.
68) Estas situações anómalas, configurando graves entorses ao sistema
constitucional vigente, foram objecto de estudo específico dos Professores
Doutores Diogo Freitas do Amaral e Rui Medeiros, cujo parecer se encontra junto
nos presentes autos.
69) Por um lado, a perversidade do sistema permite que os valores atribuídos a
título de isenção de horário de trabalho e demais complementos salariais, sejam
de montante substancialmente elevado face à retribuição base.
70) O regime especial de segurança social dos trabalhadores abrangidos pelo ACT
vem previsto no Capítulo IX, Secção I, do documento, nos art.ºs 136º a 144º,
fazendo também parte integrante do mesmo regime os anexos V e VI.
71) No que respeita a atribuição de pensões de reforma, temos que os
trabalhadores abrangidos por este regime têm direito, em suma, a uma pensão
mensal de reforma calculada de acordo com a aplicação das percentagens do anexo
V aos valores fixados no anexo VI, mais duas pensões por ano a título de
subsídio de Natal e 14º mês, a que acrescem os valores correspondentes a
diuturnidades a calcular nos termos definidos pela Cláusula 105ª do ACT.
72) Tal regime implica que o cálculo do montante devido ao trabalhador a título
de pensão de reforma é realizado não atendendo, minimamente, aos montantes
outrora devidos e efectivamente prestados a título de retribuição, o que
acarreta várias consequências.
73) Com a superveniência das Leis de Bases da Segurança Social (já
identificadas), foram mantidos os regimes ditos “especiais” de segurança social,
através de normas transitórias (também já referidas).
74) Estas normas não podem ter, em relação ao direito subjectivo à segurança
social, definido constitucionalmente, de cada trabalhador abrangido por um
regime especial, outro conteúdo que não o que já foi referido, ou seja, a
garantia que, pese embora a existência de regimes especiais, estes regimes não
podem concretizar a atribuição deste direito em termos que prejudiquem os
trabalhadores por si abrangidos em relação aos trabalhadores abrangidos pelo
regime geral (que deveria ser único).
75) As normas referentes a segurança social constantes do ACT são normas de
carácter híbrido, público-privado, por serem, concomitantemente, normas de
regulação de relações laborais cuja vigência se funda, apenas, em omissão de
desenvolvimento de preceito constitucional por parte do legislador.
76) Normas de concretização de um direito subjectivo público, radicado na
Constituição, caracterizado como direito fundamental, exigível perante o Estado
ou, neste caso, perante quem o substitui na vinculação à prestação.
77) De conteúdo concretizável através não só da Lei de Bases da Segurança Social
mas também da Constituição mediante normas directamente aplicáveis por definição
do conteúdo mínimo do direito.
78) Essa prestação quer-se como substitutiva dos rendimentos do trabalho, e que
se caracteriza por ser um direito indisponível, por se reportar ao conceito, de
direito laboral, de remuneração.
79) Temos que o direito à segurança social, previsto ao nível constitucional e
de lei de bases, é um direito que está fora do comércio jurídico, não podendo
ser alvo de regulação privada – veja-se parecer elaborado pelo Professor Doutor
Jorge Miranda.
80) O que também implica que as normas que definem o conteúdo do direito são
normas imperativas, inderrogáveis, e cujo standard mínimo que estabelecem não
pode ser preterido.
81) Não só a Ré surge como substituta do Estado na satisfação do direito à
segurança social, estando vinculada à prestação exactamente da mesma forma que o
Estado estaria, caso fosse ele a assegurar o direito.
82) Como o regime traçado pelo ACT possui força de lei, por remissão da lei de
bases, assumindo, perante esta, o papel concretizador que está reservado aos
órgãos legislativos.
83) Do que foi afirmado supra, podemos concluir que, organicamente, o regime de
segurança social previsto no ACT é inconstitucional, violando o art.º 112º, n.º
6, e o art.º 198º, n.º 1, al. c), da Constituição, para além de desrespeitar o
princípio constitucional de reserva de lei formal.
84) Inexistem dúvidas quanto ao facto de ser o ACT, para efeitos de aplicação da
referida norma, um acto “de outra natureza”, pois não é, com certeza, um acto
legislativo (“outras categorias de actos legislativos”), que constitui o termo
de comparação para definição do conteúdo do conceito.
85) Inexiste também qualquer tipo de dúvida que o regime do ACT possui eficácia
externa, ou seja, eficácia de lei, pois, por força da norma transitória/especial
da lei de bases, o estatuto dos trabalhadores abrangidos por este regime escapa
a toda a regulação legislativa de concretização do direito à segurança social,
valendo não só entre as partes, mas sim para toda a ordem jurídica.
86) Do exposto conclui-se que o art.º 103º da Lei de Bases 4/2007, de 16/1, ao
manter em vigor os regimes especiais contidos em actos não legislativos, está a
violar o art.º 112º, n.º 6, da Constituição, conferindo força de lei a acto não
legislativo.
87) O que acarreta a inconstitucionalidade do regime de segurança social
previsto no ACT de todos os actos e regimes que se lhe seguirem por efeito de
modificação do ACT.
88) Ainda que não se conclua no sentido supra referido, o regime constante do
ACT será inconstitucional materialmente, por várias ordens de razão,
nomeadamente por ofensa ao conteúdo estabelecido na Constituição para o direito
à segurança social e por configurar ofensas intoleradas pela Constituição aos
princípios da igualdade e da universalidade.
89) O direito à segurança social, da maneira como nos é prefigurado na
Constituição no art.º 63º, nºs 1, 3 e 4, constitui um direito fundamental
material que estabelece o seu conteúdo de uma forma precisa, conteúdo esse que
já foi também preenchido pelas sucessivas leis de bases da segurança social: o
direito a uma reforma que leve em linha de conta toda a carreira salarial
contributiva do trabalhador, não podendo excluir parcelas de retribuição para
efeitos de cálculo, independentemente do modo, em concreto, como é efectuado
esse mesmo cálculo.
90) Ora, assumindo a Ré, no âmbito do ACT, o papel do Estado como entidade
prestadora do direito à segurança social, são-lhe imputáveis exactamente as
mesmas obrigações e os mesmos limites que são imputados ao Estado na
concretização do regime constitucional de segurança social.
91) Deste modo, e contrapondo o regime de segurança social previsto no ACT e o
que supra foi referido como conteúdo do direito à segurança social, podemos
concluir que este regime peca por defeito, não assegurando a total satisfação do
direito.
92) A conclusão a que chegamos aquando da concretização do conteúdo do direito
foi: “visa-se proteger todos os cidadãos na velhice e na invalidez em situações
de falta de capacidade para o trabalho, através da atribuição de pensões de
velhice e invalidez, independentemente do sector de actividade em que o trabalho
for prestado, calculadas tendo em conta todo o tempo de trabalho prestado”.
93) Ou seja, refere-se que todo o tempo de trabalho contribui, nos termos da
lei, para o cálculo das pensões de reforma e invalidez, o que nos conduz a
várias conclusões: o montante da reforma será atribuído em função do tempo total
de trabalho; será também atribuído em função da remuneração mensal, pois esta é
a compensação do trabalho prestado no período de um mês; a ser assim, há que
contabilizar todos os rendimentos do trabalhador auferidos em função do seu
trabalho.
94) Contrapondo estas conclusões com a realidade jurídica consagrada no ACT,
facilmente poderemos concluir que inexiste qualquer tipo de relação entre os
montantes indicados no Anexo II, relativo à tabela salarial, e o Anexo VI,
relativo às mensalidades atribuídas aos trabalhadores colocados nas situações de
invalidez ou invalidez presumível, ainda que tomando por base o exemplo do
trabalhador que tenha direito à totalidade das mensalidades aí previstas por
força da aplicação da tabela que constitui o Anexo V.
95) Daqui se conclui que este regime não visa garantir a manutenção dos
rendimentos de trabalho anteriormente auferidos pelos trabalhadores, pelo que é,
materialmente, inconstitucional.
96) Podemos, então, concluir que as prestações normativamente previstas como
devidas a título de reforma não satisfazem completamente o direito à segurança
social previsto na Constituição, pecando por defeito, sendo, por esta razão,
inconstitucionais as normas constantes do ACT que prevêem esses montantes,
nomeadamente as constantes dos art.ºs 137º, 137º-A, 138º e 140º, por violação
dos art.º 63º, nºs 1, 3 e 4, da Constituição.
97) É peremptório o art.º 13º da Constituição: “1 – Todos os cidadãos têm a
mesma dignidade social e são iguais perante a lei”; “2 – Ninguém pode ser
privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de
qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de
origem, religião, convicções políticas e ideológicas, instrução, situação
económica ou condição social”.
98) No que, especificamente, concerne ao princípio da igualdade, verificam-se
dois níveis de discriminação infundada dos trabalhadores abrangidos pelo ACT em
relação a demais trabalhadores, no que respeita a nível legal: a)Em relação aos
demais trabalhadores dependentes em geral, que podem descontar de acordo com o
regime geral da Segurança Social, garantindo que a sua reforma por velhice será
calculada atendendo ao conceito de retribuição vigente para a ordem jurídica
laboral em geral, não sendo calculado a partir de montantes abstractos
definidos numa tabela sem qualquer relação com o montante efectivamente
percebido pelo trabalhador, enquanto no activo, a título de retribuição, sem
que os trabalhadores do sector bancário tenham possibilidade de optar pelo
regime geral; b)Em relação a trabalhadores bancários, mas que não estão
integrados nos quadros, os quais, embora estejam colocados exactamente na mesma
posição que os trabalhadores efectivos (à excepção da intensidade da sua
vinculação laboral), têm uma protecção mais forte no que respeita a segurança
social, porquanto descontam para o regime geral da Segurança Social.
99) Não se alegue como fundamento para a manutenção da discriminação dos
trabalhadores bancários inseridos nos quadros das respectivas entidades
patronais e abrangidos pelo ACT o facto de estes não efectuarem descontos para o
fundo de pensões, ou seja, por estarem abrangidos por um regime não
contributivo.
100) Estamos perante uma falsa questão.
101) A entidade patronal, no que respeita a estes trabalhadores, já contava com
a necessidade de provisionar adequadamente o Fundo de Pensões, levando tal facto
em consideração tanto na negociação do ACT como, especificamente, na fixação dos
montantes remuneratórios,
102) O que implica que o regime, na prática, é contributivo, realizando a
entidade patronal “descontos ocultos” que incidiam sobre os trabalhadores.
103) Desde 1 de Março de 1996 que os novos trabalhadores admitidos na Banca já
contribuem para o Fundo de Pensões, cláusula 137-A do ACT.
104) Nos termos da cláusula 92º, nº 5 do ACT, os trabalhadores que descontam
para a Segurança Social têm os seus salários majorados, de modo que recebam
retribuição mínima mensal líquida igual à dos demais trabalhadores do mesmo
nível.
105) É-nos lícito concluir que existe discriminação infundada, que atenta contra
o princípio da igualdade, dos trabalhadores bancários integrados nos quadros e
trabalhadores em entidades signatárias do ACT em relação aos demais
trabalhadores por conta de outrem, beneficiários de acordo com o regime geral,
pelo que aquele regime deve ter-se por inconstitucional por violação do art.ºs
13º e 63º, n.º 4, da Constituição.
106) A existência do regime de segurança social do ACT também viola o princípio
da universalidade consagrado no art.º 12º da Constituição, que estatui que
“todos os cidadãos gozam dos direitos e estão sujeitos aos deveres consignados
na Constituição”, e, especificamente em relação ao direito à segurança social,
no art.º 63º, n.º 1, da Constituição, e no art.º 6º da Lei de Bases, que
“consiste no acesso de todos os cidadãos à protecção social assegurada pelo
sistema, nos termos definidos por lei”.
107) O regime previsto no ACT para efeitos de concretização do direito à
segurança social é inconstitucional, tal como o art.º 103º da actual Lei de
Bases, por ofensa do princípio da universalidade previsto na Constituição,
consubstanciada no afastamento dos trabalhadores abrangidos pelo ACT das
regalias do regime geral de segurança social.
108) Determina a Cláusula 137ª do ACT as prestações pecuniárias a que os
trabalhadores abrangidos têm direito no caso de doença ou invalidez, ou quando
tenham atingido 65 anos de idade (sendo esta situação enquadrável em “invalidez
presumida”).
109) Analisando os quadros constantes dos anexos V e VI, referidos na al. a) do
n.º 1 da referida Cláusula, facilmente se conclui que estes foram decalcados do
conceito de remuneração mínima mensal, o qual abrange apenas a retribuição de
base acrescida das diuturnidades a que o trabalhador tenha direito, de acordo
com a Cláusula 93ª do ACT.
110) Não são considerados, para efeitos de reforma, os montantes que os
trabalhadores, enquanto no activo, auferiam, por exemplo, a título de isenção de
horário de trabalho e/ou remuneração complementar e, bem assim, subsídio de
função, por exemplo.
111) O direito à segurança social, da maneira como nos é prefigurado na
Constituição no art.º 63º, n.º 3, constitui um direito fundamental material que
estabelece o seu conteúdo de uma forma precisa, conteúdo esse que já foi também
preenchido no âmbito das sucessivas leis de bases da segurança social: o direito
a uma reforma calculada de acordo com critérios que abrange toda a remuneração
efectiva auferida pelo trabalhador.
112) Não pode alegar-se que o regime constante do ACT é salvaguardado pelo art.º
103º da Lei de Bases, que define que “os regimes especiais vigentes à data da
entrada em vigor da presente lei continuam a aplicar-se, incluindo as
disposições sobre o seu funcionamento, aos grupos de trabalhadores pelos mesmos
abrangidos, com respeito pelos direitos adquiridos e em formação”.
113) Este preceito também viola o estatuído no art.º 63º, n.º 3, da
Constituição, por implicar a manutenção de um regime que não obedece ao conceito
material de direito à segurança social, pois permite que se conceba como
“reforma” uma quantia que nada tem a ver com a carreira salarial dos
trabalhadores, base e pressuposto do cálculo da pensão de reforma.
114) Como consequência do supra concluído, temos que a ora inconstitucionalidade
das normas identificadas implica, de acordo com o art.º 204º da Constituição,
que não poderão as mesmas ser aplicadas e cabe ao Tribunal afastá-las.
115) Ainda no âmbito das normas transitórias constantes de leis de bases que
mantenham a aplicabilidade dos regimes especiais de segurança social há que
referir o facto de estas serem inconstitucionais quando aplicadas no sentido de
manutenção do regime de segurança social constante do ACT, por “conferir[em] a
actos de outra natureza o poder de, com eficácia externa, interpretar, integrar,
modificar, suspender ou revogar qualquer dos seus preceitos”, nos termos já
descritos.
116) Como consequência deste juízo, o conteúdo do ACT terá que ser adequado à
realidade imposta constitucionalmente, que passa pelo afastamento da ressalva
transitória e pela concretização por parte do fundo de pensões criado no âmbito
do ACT do direito à segurança social em termos análogos ao que vigora no âmbito
do regime geral.
117) Ainda que assim não se entendesse, o próprio regime previsto no ACT viola
directamente a Constituição, por três ordens de razão: por não assegurar uma
cabal satisfação do direito à segurança social; por não assegurar uma igualdade
na concretização do direito à segurança social, e; por não permitir a
universalidade do direito à segurança social.
118) Em suma, o regime que, em virtude das inconstitucionalidades supra
referidas, é aplicável aos trabalhadores do sector bancário é, quanto à
estrutura, orgânica e funcionamento, o que até hoje vigora, por o afastamento
das normas que atentam contra o art.º 63º, n.º 2, da Constituição, implicar
apenas inconstitucionalidade por omissão, enquanto que a concretização efectiva
do direito, por referência ao cálculo do montante da prestação devida a título
de reforma por invalidez ou velhice, terá que ser realizado de acordo com o
constante no regime geral, por afastamento das normas do ACT que, pela sua
aplicação, prevejam o cálculo de um montante inferior ao que resultaria da
aplicação das normas análogas do regime geral.
119) Independentemente do iter jurídico que se percorra, a solução para esta
questão será sempre a mesma: por um lado, a equiparação material dos
beneficiários do regime especial previsto no ACT em relação aos beneficiários do
regime geral, quando este confira uma maior amplitude ao direito, e, por outro
lado, a assunção dos deveres de prestação da concretização individual do direito
por parte do Fundo de Pensões constituído ao abrigo do regime do ACT.
120) O que acontece é uma novação subjectiva no âmbito da relação jurídica de
carácter público que tem por base o direito à segurança social, em que a Ré
assume os direitos e os deveres do Estado na medida em que este estaria
vinculado caso o sistema geral de segurança social abrangesse os trabalhadores
bancários.
121) O regime de segurança social previsto no ACT tem uma natureza eminentemente
pública, como já supra ficou demonstrado, e como se depreende facilmente pela
necessidade que o legislador sentiu de ressalvar a sua vigência, pelo que a
função da entidade que o gere é uma função, também ela, eminentemente pública.
122) Não podia ignorar a entidade gestora do Fundo de Pensões (no caso concreto
dos autos a própria Ré) que a sua actividade não consubstanciava, nem
consubstancia, um negócio ou uma gestão tendente ao lucro; pelo contrário,
sabia, como sabe, que a sua função é dar cabal satisfação a um direito
fundamental dos trabalhadores previsto constitucionalmente, em regime de
substituição do Estado, a concretizar individualmente de acordo com as normas
que regulam a prestação desse direito no âmbito do regime geral.
123) Tanto assim é que a Cláusula 136º do ACT, no pressuposto que o regime dele
constante é mais favorável que o regime geral, prevê que seja promovida a
igualdade entre os trabalhadores abrangidos pelo regime geral e os abrangidos
pelo regime especial do ACT, responsabilizando-se as Instituições de Crédito
pelo complemento devido aos trabalhadores também beneficiários do regime geral
que os coloque em posição de igualdade em relação aos beneficiários do regime do
ACT (regime, sem dúvida, legal).
124) Logo, nunca foi objectivo do ACT diminuir o âmbito da protecção nas
eventualidades de velhice e de invalidez dos trabalhadores abrangidos pelo
regime dele constante em relação aos trabalhadores abrangidos pelo regime geral,
pois tal regulamentação seria, manifestamente, inconstitucional, como já se
demonstrou.
125) Por outro lado, e na prática, a consciência da existência dessa ilegalidade
leva-nos a confirmar que a Ré viola, objectivamente, o princípio da igualdade e
tem a noção da ilicitude do seu comportamento ao determinar que no momento da
invalidez os seus quadros recebem a reforma não pelo nível a que lhe corresponde
no Anexo V do ACTV, mas atribuindo a seu belo prazer e com critérios casuísticos
o valor da reforma a cada um deles.
126) Veja-se, nesse sentido, a matéria considerada como provada na 1ª Instância,
nomeadamente quesitos 18º, 44º e 45º.
127) A existência deste regime especial de segurança social, previsto no ACT,
como já foi explicado, resulta de dificuldades de execução da integração, que
teriam de ser resolvidas tendo em consideração os interesses em causa, sendo que
o regime especial já remonta a período anterior à Constituição de 1976.
128) Tal falta de integração no sistema geral de segurança social constituía um
comportamento tolerável enquanto da sua aplicação não resultasse um regime menos
favorável para os trabalhadores cuja eventualidade velhice ou invalidez fosse
tutelada, no âmbito do regime do ACT, de uma forma semelhante à tutela análoga
no âmbito do regime geral.
129) Todavia, nos últimos quinze anos, têm vindo a ser instituídas, no âmbito da
Banca, especialmente para os trabalhadores com funções de direcção, técnicas ou
de chefia, outras componentes de retribuição (remunerações acessórias ou
complementares) que nos regimes públicos de protecção social influiriam no
cálculo das pensões, mas que no âmbito do regime do ACT não têm qualquer
relevância para este efeito.
130) Este dever é reforçado pelo facto de as instituições bancárias estarem numa
posição de substituição do Estado na prestação da satisfação deste direito dos
trabalhadores, pois consubstancia má fé destas instituições uma actuação que se
paute pelo puro desrespeito das leis e pela aplicação literal do regime de
segurança social do ACT.
131) O que ora motiva a presente acção é a não contabilização de complementos
salariais para efeitos de reforma, por o ACT não reportar ao cálculo do montante
desta pensão a efectiva retribuição mas sim valores estipulados numa tabela
(Anexo VI).
132) Ao realizar a retribuição em complementos salariais, visaram as
instituições bancárias defraudar a aplicação da lei, que impõe uma
correspondência tendencial e indicativa entre o montante da retribuição auferida
no activo e o montante da pensão de reforma.
133) Pretendendo a inexistência de um direito dos trabalhadores que impõe a
correspondência de montantes supra referida, por o regime do ACT ser
“pretensamente” especial, e considerar apenas os montantes que foram auferidos a
título de remuneração-base e diuturnidades como os futuramente devidos a título
de reforma, as instituições bancárias violam o direito consagrado na lei, em
desenvolvimento da Constituição, e atribuído a todos os trabalhadores, a uma
reforma que tenha carácter substitutivo dos rendimentos auferidos no activo,
134) As instituições bancárias tinham perfeita noção que a sua conduta
implicava, em termos objectivos, um desrespeito pela lei, em termos
subjectivos, o desrespeito pelos direitos dos trabalhadores atribuídos por
lei,
135) Os trabalhadores abrangidos pelo regime de segurança social previsto no ACT
sofrem danos perfeitamente quantificáveis advenientes da má aplicação da lei por
parte das instituições bancárias no que respeita à satisfação do direito à
segurança social.
136) Podem e devem ser responsabilizadas as instituições bancárias pelos danos
que resultaram da sua conduta ilícita e culposa, violadora do direito à
segurança social, e que foram causados aos trabalhadores, por aplicação do art.º
483º do Código Civil.
137) Existem várias referências à relevância jurídica dos usos no âmbito do
Direito do Trabalho, sendo que a remissão genérica é a realizada pelo art.º 12º,
n.º 2, da LCT, que afirma que “desde que não contrariem as normas acima [no n.º
1] indicadas e não sejam contrários aos princípios da boa fé, serão atendíveis
os usos da profissão do trabalhador e das empresas, salvo se outra coisa for
convencionada por escrito”.
138) Mais específicas e atinentes ao caso em apreço, por se reconduzirem aos
conceitos de remuneração e de retribuição, e por a pensão de reforma ou de
invalidez se querer substitutiva desta, são os art.º 82º, n.º 1, 87º e 88º nº 1
da LCT.
139) Desde que se implementou a política de atribuição dos já referidos
complementos salariais, dentro da aplicação do ACT, e até há poucos anos, houve
o hábito de contabilizar esses mesmos complementos para efeitos de
quantificação do montante da pensão de reforma, o que, em termos de facto,
consubstancia uma aproximação ao método de cálculo do montante da pensão no
âmbito do regime geral, e a devida obediência aos princípios constitucionais e
legais referentes a segurança social, por se aproximar o montante da pensão de
reforma ao montante auferido enquanto trabalhador no activo.
140) No caso dos autos o Autor reclama na sua pensão de reforma o valor recebido
a título de IHT (aliás em similitude com casos de outros colegas seus reformados
da Ré – veja-se a al. d) da matéria assente.
141) A Ré, ao atribuir o montante da prestação de reforma, no que respeita a
trabalhadores que beneficiavam de complementos salariais, está a violar o
princípio da igualdade, pois define o montante consoante o caso que tem perante
si com base em critérios tudo menos jurídicos.
142) Há colegas do A., do mesmo grupo a que pertence a Ré, a auferir pensões de
reforma de montantes superiores aos que estabelece o ACTV, dado que a Ré lhes
paga além do estabelecido noutros montantes a título de isenção de horário de
trabalho e remuneração complementar, pelo menos! (quesitos 18º, 44º e 45º dados
como provados)
143) Pelo que há que admitir que, nos casos indicados, foi respeitada a
materialidade do direito à segurança social, contabilizando-se para efeitos de
reforma tudo aquilo que é considerado retribuição, independentemente do facto de
tal respeito pelo conteúdo do direito advir de aplicação do regime de cálculo
vigente para o regime geral, do respeito pelos usos da empresa ou mesmo por
satisfação directa do direito conforme este está configurado constitucional e
legalmente.
144) Daqui se infere que a Ré está ciente do regime aplicável e vigente, e que
se vinculou à efectiva prestação do direito à segurança social em moldes
constitucionalmente aceites, valendo o ACT, no que concerne ao regime de
segurança social, nos termos que fundaram estas decisões de cálculo do montante
da mensalidade de reforma.
145) Se de outro modo fosse, estando a Ré na convicção que o cálculo das
mensalidades de reforma, nestes casos de existência de complementos salariais,
seria realizado do mesmo modo que o literalmente indicado no Capítulo XI do ACT
e Anexos V e VI, existiria um abuso de confiança da sua parte, por estar a
dispor ilegitimamente de coisa móvel que lhe havia sido entregue por título não
translativo da propriedade, o que, ao que parece, não acontece.
146) A Ré está vinculada ao princípio da igualdade, não só pela vinculação que,
em geral, advém do regime constitucional, como também pelo facto de este
princípio ser basilar do bloco legal relativo a segurança social, tendo estado
previsto no art.º 5º, nºs 1 e 4, da Lei n.º 28/84, de 14 de Agosto, art.ºs 4º e
6º da Lei n.º 17/2000, de 8 de Agosto, e vigorando actualmente nos termos dos
art.ºs 5º e 7º da Lei 4/2007, de16/1.
147) O que há a fazer para repor a justiça, no caso concreto, será proceder à
equiparação da situação de facto de todos os trabalhadores que, enquanto no
activo, beneficiavam de complementos salariais, pela obediência devida ao
princípio da igualdade, formulado nos termos descritos.
148) Antes de mais, afirma o n.º 1 a obrigatoriedade de atribuição do direito a
todos os particulares, indiciando um reforço da natureza universal do direito em
relação ao estatuído no art.º 12º da Constituição.
149) Em segundo lugar, visa-se garantir que uma situação de falta de capacidade
para o trabalho seja suprida, sendo de realçar que não se trata, aqui, de
garantir um mínimo para subsistência, pois a Constituição equipara à falta ou
diminuição de meios de subsistência a falta ou diminuição de capacidade de
trabalho, assumindo que se trata de realidades distintas e que ambas são,
igualmente, motivo de protecção dos particulares (nesta realidade, dos
trabalhadores).
150) Em terceiro lugar, ao referir que o direito existe independentemente do
sector de actividade em que o trabalho tenha sido prestado, o que indicia que o
legislador constituinte não realiza qualquer tipo de distinção entre classes
profissionais na atribuição do direito, por um lado, e, por outro, afirma
peremptoriamente que a actividade profissional do trabalhador não releva para
efeitos de atribuição de reforma – tal reforça a ideia de igualdade prevista, na
generalidade, no art.º 13º da Constituição.
151) Ou seja, o critério adoptado na reforma tem de abranger todos, mas todos os
trabalhadores, aliás como referem os Professores Doutores Freitas do Amaral e
Rui Medeiros, no seu parecer, que se encontra junto aos autos e que se
transcreve: “É indiscutível, por isso, que aos trabalhadores abrangidos pelo ACT
para o Sector Bancário não pode ser negado o direito à segurança social
consagrado no art. 63º da Constituição. “Todos têm direito à segurança social”,
diz esse artigo. Ora, “todos” são todos: não são todos menos os bancários.”
152) O art.º 6º do Decreto-Lei n.º 519-C1/79, de 29 de Dezembro, na redacção que
lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 209/92, de 2 de Outubro, estabelece
limitações quanto ao conteúdo das convenções colectivas de trabalho nos
seguintes termos: “Os instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho não
podem: a) Limitar o exercício dos direitos fundamentais constitucionalmente
garantidos; b) Contrariar normas legais imperativas; c) Incluir qualquer
disposição que importe para os trabalhadores tratamento menos favorável do que o
estabelecido por lei; d) (…); e) Estabelecer e regular benefícios
complementares dos assegurados pelo sistema de segurança social, salvo se ao
abrigo e nos termos da legislação relativa aos regimes profissionais
complementares de segurança social ou equivalentes, bem como aqueles em que a
responsabilidade pela sua atribuição tenha sido transferida para instituições
seguradoras; e) (…)”, hoje, art. 553º do Código do Trabalho, com conteúdo
similar.
153) Assim, o regime geral da segurança social funciona como norma mínima de
garantia que deve ser cumprida.
154) Chegamos então à violação do princípio da igualdade, previsto no art.º 13º
da Constituição.
155) A violação do princípio da igualdade é uma alegação bastante séria, por
estar intimamente relacionada com um dos direitos fundamentais do homem. Aliás,
isso mesmo foi reconhecido ao longo dos tempos, e o direito à igualdade de
tratamento vem previsto não só no art.º 13º da Constituição, como também no
art.º 23º, 2 da Declaração Universal dos Direitos do Homem e ainda na Convenção
da OIT n.º 11, de 1958.
156) Além de que a norma constante do ACTV – e que se considera ser apenas
relativa a um mínimo de garantia – não foi aplicada em relação a variadíssimos
outros casos semelhantes aos do A.. E aqui reside a violação do princípio da
igualdade.
157) Pois o cálculo é arbitrário, e vários trabalhadores do mesmo grupo a que
pertence a Ré receberam complementos de retribuição de base – pelo que não é
verdade que os mesmos não contem para nenhum trabalhador.
158) Assim, toda a interpretação feita sobre esta questão é claramente
inconstitucional, por violação do art.º 13º da Constituição,
inconstitucionalidade que ora se argúi, para os devidos efeitos legais.
159) Pelo exposto, o Acórdão de que ora se recorre violou o disposto nos art.ºs
13º e art. 63º da Constituição e Lei de Bases da Segurança Social, pelo que deve
ser revogada, com as legais consequências, na medida em que as Cláusulas 136ª a
144ª do ACT para o sector bancário e Anexos VI são inconstitucionais.»
Por seu turno, a Recorrida contra-alegou nos
seguintes termos:
“(...) 1. Os recursos de decisões judiciais para o Tribunal Constitucional são
restritos à questão da aplicação, ou recusa de aplicação, de normas jurídicas
[Lei do Tribunal Constitucional (“LTC”), art. 71.º/1].
1.1. Os preceitos constantes dos instrumentos de regulamentação colectiva de
natureza convencional, como o em causa nos autos, não revestem a natureza de
normas jurídicas, pelo que a respectiva apreciação se encontra vedada a este
Tribunal,
1.2. Como o mesmo Tribunal tem decidido, por diversas vezes, mesmo a propósito
de questões em tudo idênticas às que constituem o objecto do presente recurso
(cfr., v.g., Acórdão n.º 143/05, de 16 de Março de 2005).
1.3. Por isso, o Tribunal Constitucional não é competente para conhecer do
presente recurso.
2. Sem prejuízo destas considerações, tenha-se ainda em conta que o Recorrente
entende inconstitucionais as cláusulas 136ª a 144ª e os Anexos V e VI do Acordo
Colectivo de Trabalho do Sector Bancário.
2.1. O Recorrente não cumpre, como lhe competia, o ónus de delimitação do
objecto do recurso através da concreta definição do preceito entendido
inconstitucional.
2.2. Pois aquilo que o Recorrente verdadeiramente censura, à luz de critérios de
constitucionalidade, não é determinada norma ou certo preceito convencional, mas
o sentido que lhes deu a decisão judicial sob recurso.
2.3. Ou seja, verdadeiramente, o que o Recorrente entende ser inconstitucional é
a decisão proferida nos autos, de que os preceitos convencionais que cita são
apenas fundamentos.
2.4. É a correcção ou justeza da decisão proferida que o Recorrente põe em
crise.
2.5. Todavia, “é (...) jurisprudência pacífica e sucessivamente reiterada que,
estando em causa a própria decisão em si mesma considerada, não há lugar ao
recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade vigente em Portugal.
Assim, resulta do disposto no artigo 280.º da Constituição e no artigo 70.º da
Lei n.º 28/82 e assim tem sido afirmado pelo Tribunal Constitucional em
inúmeras ocasiões. Na verdade, ao contrário dos sistemas em que é admitido
recurso de amparo, nomeadamente na modalidade de amparo dirigido contra decisões
jurisdicionais que, alegadamente, violam directamente a Constituição, o recurso
de fiscalização concreta de constitucionalidade vigente em Portugal não se
destina ao controlo da decisão judicial recorrida, como tal considerada, como
sucede quando a discordância se dirige a esta última, mas, pelo contrário, ao
controlo normativo de constitucionalidade da norma aplicada” (Acórdão do
Tribunal Constitucional n.º 336/2004, de 14 de Maio de 2004, disponível em
www.tribunalconstitucional.pt).
2.6. Também por isso, o conhecimento do recurso deve ser rejeitado, uma vez que
o Recorrente não suscita questão de constitucionalidade normativa.
(…)
3. Ainda que não procedam os argumentos invocados supra, a pretensão do
Recorrente nunca poderia proceder, por inexistência de qualquer desconformidade
constitucional.
4. O Recorrente pretende ver alterado o sentido da decisão das instâncias, com
fundamento em violação, em suma, do preceito contido no actual artigo 63º/4 da
Constituição da República Portuguesa, segundo o qual “todo tempo de trabalho
contribui, nos termos da lei, para o cálculo das pensões de velhice e invalidez,
independentemente do sector de actividade em que tiver sido prestado”.
4.1. Preceito que, no entender do Recorrente, implica igualmente que toda a
retribuição auferida pelo trabalhador deve ser tida em conta para efeitos de
determinação do valor da sua pensão de reforma.
4.2. Porém e como o Tribunal Constitucional teve já oportunidade de decidir
(cfr. Acórdão n.º 675/05, de 6 de Dezembro de 2005), “não procede a leitura da
expressão «todo o tempo de trabalho» como tendo de incluir, em si, a expressão
«toda a remuneração mensal» realmente auferida pelo trabalhador durante todo o
tempo de trabalho”.
5. De resto – e colhendo argumento constante do mesmo aresto – a circunstância
da Constituição impor como critério de cálculo da pensão a antiguidade da
carreira contributiva (“todo o tempo de trabalho”), omitido qualquer alusão à
retribuição, obriga a considerar que o critério de cálculo da pensão não
incorpora necessariamente (todo) o valor da retribuição.
5.1. Ou seja, a inclusão na norma constitucional do tempo de trabalho constitui
argumento a contrario para excluir da exigência constitucional a presença de
outros parâmetros na formação do direito a determinada pensão da segurança
social.
5.2. Se assim não fosse, de resto, seriam inconstitucionais todos os modos de
cálculo de prestações previdenciais substitutivas do salário baseados em
critérios distintos do rendimento efectivamente auferido, como acontece nos
regimes que acolhem as designadas “remunerações convencionais” (cfr., v.g.,
trabalhadores agrícolas indiferenciados, futebolistas e basquetebolistas
profissionais, trabalhadores do serviço doméstico, membros de Igrejas,
associações e confissões religiosas, “trabalhadores independentes”, advogados e
solicitadores),
5.3. Regimes em que a base de incidência das contribuições – isto é, a
contrapartida do trabalho considerada para efeitos de cálculo da obrigação
contributiva e, a partir dela, do direito a determinada pensão – não é
constituída pelo rendimento efectivamente auferido, mas por valor declarado
pelas partes.
6. Carece igualmente de sentido a imputação de eventual violação do princípio da
igualdade, decorrente da desconformidade entre as regras de cálculo das pensões
constantes da convenção colectiva de trabalho aplicável ao sector bancário e as
decorrentes do regime geral da segurança social.
6.1. Desde logo, este regime geral da segurança social contém, em si mesmo,
pluralidade de disciplinas, aplicáveis a grupos ou categorias de trabalhadores,
6.2. Pelo que a formulação de juízo de (des)igualdade sempre exigiria a prévia
determinação do subgrupo a comparar.
7. Por outro lado, é exactamente a igualdade de tratamento entre todos os
trabalhadores em situação idêntica que o regime convencional em apreço visa
alcançar.
7.1. Como regime especial, abrange todos os trabalhadores do mesmo sector de
actividade e submete à mesma disciplina o cálculo de todas as pensões de que
aqueles são titulares.
7.2. Pelo que, no que aos aspectos previdenciais diz respeito, a disciplina
constante da convenção colectiva de trabalho aplicável trata todos os
trabalhadores de forma idêntica, realizando – e não frustrando, como pretende o
Recorrente – o princípio da igualdade.
Nestes termos, deve ser negado provimento ao presente recurso, confirmando-se o
Acórdão recorrido.”
Por decisão do Presidente do Tribunal Constitucional, tomada com a prévia
concordância deste Tribunal, foi determinado que o julgamento se fizesse com a
intervenção do plenário, nos termos do artigo 79.º - A, da LTC.
*
Fundamentação
1. Do objecto do recurso
Resulta do requerimento de interposição de recurso que o Recorrente pretendia
submeter à apreciação do Tribunal Constitucional as seguintes interpretações
normativas que reputava de inconstitucionais:
a) as normas constantes das cláusulas 136.ª a 144.ª, do Acordo Colectivo de
Trabalho Vertical para o Sector Bancário (versão publicada no BTE 31/1992),
interpretadas no sentido de que para “efeitos de atribuição de pensão de
reforma, a calcular de acordo com o referido instrumento de contratação
colectiva, apenas são levados em consideração os valores correspondentes à
retribuição-base e diuturnidades, com desconsideração dos demais valores
recebidos no activo a título de retribuição”;
b) a norma do artigo 863.°, do Código Civil, interpretada no sentido de que
“sendo a mesma entidade jurídica a tutelar o contrato de trabalho e a reforma
(...), o trabalhador ainda assim pode renunciar, na pendência da relação
laboral, a créditos salariais no momento em que negoceia as condições da sua
reforma”.
Mas, em sede de alegações, o Recorrente veio alterar o objecto das questões de
constitucionalidade que pretendia ver analisadas pelo Tribunal Constitucional.
Por um lado, o Recorrente deixou de apresentar quaisquer alegações na parte
respeitante à referida interpretação normativa do artigo 863.°, do Código Civil.
Por outro lado, o Recorrente veio suscitar, pela primeira vez perante este
Tribunal, a inconstitucionalidade das normas constantes do artigo 69.º, da Lei
n.º 28/84, de 14 de Agosto, do artigo 109.º, da Lei n.º 17/2000, de 8 de Agosto,
e do artigo 123.º, da Lei n.º 32/2002, de 20 de Dezembro.
Estas alterações introduzidas nas alegações de recurso não são irrelevantes no
plano dos poderes de cognição do Tribunal Constitucional.
Importa ter presente que o requerimento de interposição de recurso de
constitucionalidade é o acto idóneo para a fixação do objecto deste e,
consequentemente, se o recorrente nele especificar as normas ou interpretações
normativas a fiscalizar, já não pode ampliar a outras normas aquele objecto nas
peças processuais subsequentes, nomeadamente nas alegações.
Acresce a isso que o recorrente pode restringir, expressa ou tacitamente, na
fase de alegações, a indicação das normas objecto do recurso, devendo, assim, a
situação de falta de apresentação de alegações, relativamente a parte das
questões de constitucionalidade anteriormente suscitadas no requerimento de
interposição de recurso, ser necessariamente encarada como uma desistência
parcial deste.
Em conformidade com o que se acaba de dizer, o objecto do presente recurso de
constitucionalidade é mais reduzido que o inicialmente configurado no
requerimento de interposição de recurso e não se pode estender às novas questões
de constitucionalidade introduzidas em sede de alegações.
Assim sendo, em princípio, o objecto do presente recurso de constitucionalidade
deveria restringir-se à fiscalização da constitucionalidade das normas
constantes das cláusulas 136.ª a 144.ª, do Acordo Colectivo de Trabalho Vertical
para o Sector Bancário (versão publicada no BTE 31/1992), quando interpretadas
no sentido de que para “efeitos de atribuição de pensão de reforma, a calcular
de acordo com o referido instrumento de contratação colectiva, apenas são
levados em consideração os valores correspondentes à retribuição-base e
diuturnidades, com desconsideração dos demais valores recebidos no activo a
título de retribuição”.
Contudo, a verdade é que nem todas as referidas normas do ACTV para o sector
bancário foram aplicadas como ratio decidendi na decisão recorrida para o efeito
que ora releva.
Efectivamente, da leitura da decisão recorrida resulta inequívoco que o tribunal
a quo apenas aplicou as normas constantes da cláusula 137.ª, do ACTV para o
sector bancário, quando decidiu a revista e se debruçou sobre a questão de
constitucionalidade que ora ocupa o Tribunal Constitucional.
Por isso, o objecto do presente recurso de constitucionalidade restringir-se-á à
fiscalização da constitucionalidade das normas constantes da cláusula 137.ª, do
Acordo Colectivo de Trabalho Vertical para o Sector Bancário, com a
interpretação já acima enunciada.
2. Da idoneidade do objecto do recurso
A natureza das cláusulas constantes do referido ACTV suscita, desde logo - mesmo
que não tivesse sido invocado pelas partes – que seja trazida à colação e
retomada a vexata quaestio da sindicabilidade constitucional das estatuições
constantes das convenções colectivas de trabalho.
Trata-se de uma discussão que se tem arrastado no Tribunal Constitucional ao
longo dos últimos quase quinze anos e que – não obstante as parciais e
sucessivas alterações verificadas na composição dos juízes que integram este
tribunal – tem pendido maioritariamente para o lado dos partidários da tese que
nega às referidas disposições a qualidade de norma como objecto possível do
recurso de constitucionalidade.
A divergência foi assumida igualmente no seio da doutrina constitucional.
Efectivamente, segundo GOMES CANOTILHO (em “Direito Constitucional e Teoria da
Constituição”, pág. 937, da 7.ª Edição, da Almedina) “os contratos e acordos
colectivos de trabalho têm um valor normativo pelo menos equivalente ao das
portarias regulamentares (...) e (...) como actos normativos, e na parte em que
têm valor normativo, estão sujeitas ao controlo de constitucionalidade”. No
mesmo sentido pronunciaram-se VIEIRA DE ANDRADE (em “A fiscalização da
constitucionalidade de normas privadas pelo Tribunal Constitucional”, na R.L.J.,
Ano 133.º, pág. 363), VITALINO CANAS (em “Introdução às decisões de provimento
do Tribunal Constitucional”, pág. 60, nota 54, da ed. de 1984 da Cognitio),
BARROS MOURA (em “A convenção colectiva entre as fontes de Direito de Trabalho”,
pág. 125 e seg. da ed. de 1984, da Almedina), e LICÍNIO LOPES MARTINS (em “O
conceito de norma na jurisprudência do Tribunal Constitucional”, no B.F.D.U.C.,
vol. LXXV, pág. 616 e seg.).
Diversamente, JORGE MIRANDA (em “Manual de Direito Constitucional”, tomo VI,
2001, pág. 176, da 2ª ed., da Coimbra Editora), sustenta que “a fiscalização da
constitucionalidade não abrange as normas provenientes da autonomia privada ou
colectiva, como as provenientes de convenções colectivas de trabalho”. No mesmo
sentido, BLANCO DE MORAIS (em “Justiça Constitucional”, vol. I, pág. 430-433, da
2ª ed., da Coimbra Editora).
Foi a jurisprudência constitucional, porém, que intensificou este debate e levou
mais longe a discussão sobre esta questão.
A tese até aqui maioritária foi adoptada, pela primeira vez, com a prolação do
acórdão n.º 172/93 (em “Acórdãos do Tribunal Constitucional”, 24.º vol., pág.
451) e, desde então, foi sendo sucessivamente sustentada e defendida pela
maioria dos juízes deste tribunal, tendo o acórdão do Plenário n.º 224/2005 (em
“Acórdãos do Tribunal Constitucional”, 61.º vol., pág. 777), reafirmado essa
posição.
Todavia, da discussão do memorando apresentado pelo relator verificou-se uma
inversão do sentido da opinião maioritária sobre esta questão, pelo que se
revela útil reler a declaração de voto do conselheiro JOSÉ DE SOUSA E BRITO,
precisamente aposta no já referido acórdão n.º 172/93, cuja sólida e exaustiva
argumentação aqui se transcreve e subscreve, na parte em que analisa a
normatividade das convenções colectivas de trabalho:
“(...)
Não é duvidosa a normatividade das convenções colectivas de trabalho, porque
regulam o comportamento dos membros das associações sindicais subscritoras, dos
membros das associações patronais subscritoras e ainda dos trabalhadores ao
serviço de empresas públicas ou de capitais públicos, cujo processo de
negociação foi autonomizado, sejam ou não membros das associações negociantes.
Não se aplicam aos membros actuais, mas também aos futuros e aos que não são
membros mas já alguma vez o foram durante o período da sua vigência (artigos
8º., 9º. e 3º., nº. 3, da Lei da Regulamentação Colectiva de Trabalho
(Decreto-Lei nº. 519-C1/79, de 29 de Dezembro)). Uma vez que a generalidade da
previsão normativa não é exigida pelo conceito funcional de norma, sempre seria
irrelevante para a normatividade que as convenções não se apliquem aos
trabalhadores não filiados nem às entidades patronais não subscritoras ou não
filiadas. Mas, dada a delimitação que a lei faz do âmbito de aplicação pessoal
das normas das convenções colectivas, é claro que elas não se aplicam a uma
classe fechada, mas a uma classe aberta de casos e de pessoas, são susceptíveis
de aplicação indefinidamente repetida, são, portanto, gerais e abstractas.
Aplicam-se, nomeadamente da forma indicada, a trabalhadores futuros e a futuras
entidades patronais.
…
11. As normas das convenções colectivas são potencialmente
heterónomas, vinculam as pessoas por elas abrangidas nos termos da lei
independentemente e eventualmente contra a vontade dos destinatários das
normas. Impõem-se aos contratos individuais de trabalho que lhes estão
subordinados como se fossem leis imperativas e mesmo contra leis imperativas:
ao alterarem mínimos legais de remuneração, por exemplo, proíbem cláusulas de
contratos individuais permitidas por lei (alínea c) do nº. 1 do artigo 6º. e
nº. 1 do artigo 14º. da Lei de Regulamentação Colectiva de Trabalho). As
convenções colectivas de trabalho têm, é certo, uma imperatividade em sentido
único, só enquanto estabelecem condições mais favoráveis para os
trabalhadores: impõem níveis mínimos e não tectos máximos, os quais só podem
ser estabelecidos por lei. Além disso, valem para trabalhadores e entidades
patronais que não se integram em associações ou entidades subscritoras no
momento da celebração da convenção ou que deixaram de as integrar. É certo que
para as partes outorgantes, as normas das convenções colectivas são autónomas,
são resultado de um processo negocial de criação normativa, regulam de acordo
com a sua vontade os seus interesses, mas impõem-se depois aos seus
destinatários por força e nos termos da lei, independentemente da contribuição
destes para a sua criação.
Dizer que os destinatários são representados pelas associações
outorgantes só faz sentido relativamente aos que são associados ao tempo da
celebração. Mas mesmo quanto a estes cumpre acentuar que a filiação numa
associação sindical ou patronal não tem o sentido de um mandato de
representação em futuras convenções colectivas nem é um acto de submissão
voluntária a prévias ou futuras convenções colectivas - do mesmo modo que a
aquisição de cidadania por naturalização, por exemplo, não é um acto de
submissão voluntária às leis do Estado. A sua submissão às convenções colectivas
- como além, no caso de naturalização - não deriva normativamente da vontade
mas da lei (assim, Ferdinand Kirchhof, ob. cit., p. 184 ss).
Decisiva é, porém, a questão de saber se as convenções colectivas
de trabalho têm pretensão de 'generalidade', isto é, se se integram no sistema
do direito objectivo, se prosseguem ao fim e ao cabo os fins da Constituição,
não obstante o espaço da autonomia na sua negociação. De tal depende
justificar-se ou não, quanto a elas, o controlo específico de
constitucionalidade pelo Tribunal Constitucional. O mesmo é dizer, na
terminologia adoptada (supra nº. 6), que de tal depende serem ou não
heterónomas no sentido funcional relevante.
São úteis a este respeito os contributos constitucionalistas alemão
e italiano, não obstante o contexto constitucional e legal seja parcialmente
diferente. Na Alemanha é discutida e ainda não foi decidida pelo Tribunal
Constitucional Federal a questão de saber se as convenções colectivas são
actos de criação de direito e se, por isso, é possível contra eles um
'Verfassungsbeschwerde' (recurso de agravo constitucional). Benda (Benda, Klein,
Lehrbuch des Verfassungsprozessrechts, 1991, p. 1835) põe, em minha opinião, o
dedo na ferida, embora as suas considerações estejam afinal em contradição com
toda a evolução do direito do trabalho para a sua plena integração na ordem
constitucional, com paralelas consequências no entendimento das relações entre
o Estado e a sociedade como relações jurídicas subordinadas à Constituição.
Benda começa por expor a opinião contrária nos seguintes termos: 'A opinião
que, além do mais, vê nos contratos colectivos objectos possíveis de um agravo
constitucional, invoca não por acaso a função objectiva do agravo
constitucional. A sua função não é simplesmente esgotar-se na protecção da
esfera dos direitos fundamentais do indivíduo. Antes deve preencher também
uma 'função geral' dentro da ordem jurídica na medida em que defende o direito
constitucional e promove a sua interpretação e desenvolvimento. Daqui resulta
a tarefa de conceber o conceito de poder público de modo tão amplo que não
fique limitado ao exercício da autoridade estatal, mas abranja outras relações
de autoridade, que se tivessem estabelecido a par do poder estatal e
subsistissem por força do reconhecimento estatal'. Passando a expor a sua
própria opinião escreve: 'tais considerações têm, porém, consequências para o
entendimento da liberdade no domínio da liberdade sindical (artigo 9º., secção
3, da Lei Fundamental), que é uma parte importante da liberdade dos cidadãos. A
liberdade sindical e a autonomia das convenções colectivas não são expressão
de uma divisão de trabalho entre Estado e partes convencionais ou da assunção
pelas forças sociais de funções públicas. Elas devem, ao contrário, respeitar
um espaço livre do Estado. Nisso tem-se em conta que as decisões tomadas neste
domínio independentemente do Estado, tais como a conclusão de contratos
colectivos podem ter reflexos muito importantes, mas também prejudiciais, sobre
a política económica e financeira. Se as partes convencionais fossem 'poder
público', estariam nas suas convenções vinculadas ao bem comum. É certo que a
consciência de ser corresponsável pelo todo é um pressuposto essencial também
da autonomia convencional. Mas se associações, que representam interesses
parciais legítimos, são vinculadas juridicamente ao bem comum ou se lhes é
imposta uma 'vinculação social', então não só se limita o carácter liberal da
autonomia convencional, como também o Estado se desonera da sua obrigação de
actuar no interesse do bem comum, no caso de derivarem perigos da actividade
de associações livres e não incorporadas no Estado'. Quanto à avaliação que
Benda faz dos argumentos dos que defendem que as convenções colectivas são
fontes de direito, já aqui se mostrou que o reconhecimento estatal das normas
não implica o carácter de poder público das partes convencionais como entidades
criadoras de direito. Por outro lado, se é verdade que é a vinculação ao bem
comum que fundamenta o reconhecimento das convenções colectivas como direito
objectivo e não o invés, não é menos que se trate de uma questão a responder na
base do direito positivo, e aí as várias manifestações do reconhecimento podem
ser outras tantas provas do carácter jurídico e não de novas regras da autonomia
privada, das normas das convenções colectivas. A ser assim, como se pretenderá
para o direito português, haverá que concluir-se que as regras achadas por
concordância de empregadores e trabalhadores na prossecução dos seus
interesses parciais são, em princípio, as mais conformes com o bem comum a que
estão não obstante vinculadas e que o Estado não está desonerado de promover
através da legislação económica financeira e da legislação laboral de
enquadramento e suprimento que lhe competem. Uma orientação relevante, apesar
das críticas, parece, aliás, ser a do Tribunal Constitucional Federal Alemão,
embora formulada em contextos diferentes do objecto do processo
constitucional. Assim aquele Tribunal disse que 'a convenção colectiva contém
na sua parte normativa regras jurídicas, isto é, disposições imperativas - nos
termos do § 4, secção 3ª da Lei da Convenção Colectiva - gerais-abstractas sobre
o conteúdo das relações jurídicas de trabalho por ela abrangidas '(BVerfGE 34,
3O7 [317]. Na criação de normas pelas partes convencionais trata-se de
legislação no sentido material que produz normas em sentido técnico-jurídico
(acórdão de 24 de Maio de 1977: BVerfGE 44, 341)'.
Em Itália existia a prática de obter a eficácia erga omnes das
normas dos contratos colectivos de âmbito limitado através de decretos
legislativos delegados de recepção daquelas normas. Estes decretos tinham a
natureza de uma lei transitória, provisória e excepcional, mas podiam ser
reiterados, obtendo-se assim um efeito semelhante às portarias de extensão do
direito português. A Corte Costituzionale (sentença 70/1963) considerou
inconstitucionais as leis de reiteração, por serem uma forma de estabilizar um
sistema de eficácia erga omnes das convenções colectivas diverso do previsto no
artigo 39º da Constituição Italiana que prevê a possibilidade de convenções
colectivas de trabalho com eficácia obrigatória para todos os que pertencem às
categorias profissionais a que as convenções se referem. Mas a jurisprudência
passou a entender que as convenções colectivas assumiam indirectamente uma
eficácia geral por aplicação imediata do artigo 36º da Constituição Italiana,
na parte relativa aos direitos retributivos do trabalhador. Em síntese da
descrição que faz desta solução, conclui Zagrebelsky (Manuale di Diritto
Costituzionale, I, 1984, p. 252 ss.) que 'o direito efectivo triunfou sobre o
direito formal. Se bem que de modos indirectos, a contratação actual chega a
valer de um modo que se assemelha bastante mais ao que é típico das fontes de
direito do que dos actos de autonomia privada '.
12. Passando finalmente ao exame do direito português, deverá
dizer-se que ele claramente reconhece as convenções colectivas de trabalho como
fontes de direito e que as integra na unidade sistemática do direito objectivo
subordinado à Constituição, pelo que as normas das convenções colectivas não
são só reconhecidas como heterónomas.
Desde logo, o nº. 4 do artigo 56º da Constituição tem o sentido de reconhecer
como 'normas' jurídicas as das convenções colectivas de trabalho. Quando dispõe
que 'a lei estabelece as regras respeitantes à legitimidade para a celebração
das convenções colectivas de trabalho, bem como à eficácia das respectivas
normas', a Constituição não deixa ao arbítrio do legislador ordinário a própria
existência das convenções colectivas como normas jurídicas, mas apenas as
modalidades do seu regime. De qualquer modo, a lei tem de respeitar a garantia
constitucional às associações sindicais do direito de contratação colectiva
(nº. 3 do mesmo artigo 56º.). A redacção do nº. 4 é altamente significativa na
medida em que atribui à lei e não à vontade das partes a determinação da
legitimidade das partes e do âmbito da eficácia pessoal das convenções
colectivas. Se se tratasse de autonomia privada, essa legitimidade e esse
âmbito estariam predeterminados pela natureza das coisas: as convenções só
poderiam obrigar as partes contratantes. A redacção revela assim que a
Constituição teve em vista a manutenção das características essenciais do
instituto jurídico no direito português da altura, que se mantêm hoje (artigo
12º. da Lei do Contrato Individual de Trabalho, ainda em vigor; artigos 4º.,
5º. e 9º. da Lei nº. 169-A/76, de 28 de Fevereiro, correspondentes aos artigos
6º, 14º. e 7º. do Decreto-Lei nº. 519-C1/79), dando justificadamente uma base
constitucional à heteronomia, como fonte de direito, das convenções colectivas.
Isto é confirmado, de forma decisiva, pelo confronto entre o nº. 3
e o nº. 4 do artigo 56º. Na verdade, a Constituição não reconhece as normas das
convenções colectivas como consequência da atribuição de um poder público ou
sequer normativo a certas entidades ou órgãos. Apenas ressalva o direito de
contratação colectiva de cada associação sindical, como uma possível parte
contratual, direito que terá que ser respeitado pela lei definidora das regras
respeitantes à legitimidade para a celebração das convenções, além de que
implica desde logo um espaço de autonomia reservado à contratação colectiva. O
reconhecimento das normas das convenções colectivas é feito pela Constituição
através da criação da forma jurídica da convenção colectiva, cujas normas, por
revestirem essa forma, têm a eficácia que a lei, não a vontade das partes,
determinar.
13. O regime legal veio desenvolver e reafirmar as determinações
constitucionais. Além do que já se disse sobre o âmbito da eficácia pessoal das
convenções colectivas, importante é a inserção das convenções colectivas no
sistema de fontes do direito do trabalho. Do artigo 12º. da Lei do Contrato
Individual de Trabalho e dos artigos 5º, 6º, e 14º., nº. 1 da Lei da
Regulamentação Colectiva do Trabalho deriva, nomeadamente, que as convenções
colectivas se situam hierarquicamente abaixo das normas jurídicas de origem
estatal, mas que regulam os direitos e deveres recíprocos dos trabalhadores e
das entidades patronais reconhecido por contrato individual de trabalho, não
podendo ser afastadas por estes salvo para estabelecer condições mais
favoráveis aos trabalhadores. As normas convencionais que estabelecem condições
mais favoráveis aos trabalhadores prevalecem nessa parte sobre as normas
estatais que derrogam relativamente às entidades patronais e aos trabalhadores
abrangidos pela convenção. Nestas as normas que impõem limites mínimos não são
dispositivas mas imperativas, contêm uma proibição de limites contratuais
abaixo dos mínimos e uma permissão de limites contratuais superiores. As normas
mais favoráveis dos contratos individuais movem-se dentro do permitido, não
derrogam parcialmente a norma que as permite. Quanto às normas estatais
dispositivas, são derrogadas parcialmente pelas convenções colectivas mais
favoráveis, e são afastadas pelos contratos individuais em todos os casos. Ora
a derrogação parcial de normas estatais só pode ser feita por outras normas
jurídicas igualmente heterónomas.
O argumento também vale, por maioria de razão, quando não há
subordinação hierárquica, mas identidade de nível, entre a norma estatal e a
convenção colectiva. É o que se passa entre as portarias de regulamentação e as
convenções colectivas. Estas últimas fazem cessar automaticamente a vigência
das portarias em cujo âmbito são aplicáveis, relativamente aos trabalhadores e
identidades patronais abrangidas pelas convenções (artigo 38º. da Lei da
Regulamentação Colectiva do Trabalho).
O mesmo se diga das decisões arbitrais em conflitos colectivos que
resultem da celebração ou revisão de uma convenção colectiva, decisões que têm
os mesmos efeitos das convenções colectivas (nº. 8 do artigo 34º. da mesma
Lei). Ora, segundo a doutrina do Acórdão nº. 150/86, as decisões arbitrais
contêm normas sujeitas ao controlo de constitucionalidade do Tribunal. É
inadmissível que deste ponto de vista as normas das convenções colectivas tenham
natureza diferente das normas das decisões arbitrais.
14. O âmbito da eficácia pessoal das convenções colectivas pode ser
estendido, total ou parcialmente, a entidades patronais do mesmo sector
económico e a trabalhadores da mesma profissão ou profissão análoga mediante
portarias de extensão (artigos 27.º a 29.º da Lei da Regulamentação Colectiva
de Trabalho). As portarias de extensão tornam-se necessárias por força do
princípio da igualdade (artigo 13º. da Constituição) e da sua especial
aplicação que é o princípio de que para trabalho igual salário igual (alínea a)
do nº. 1 do artigo 59º. da Constituição). A relatada jurisprudência
constitucional italiana (supra nº. 11) pôs este ponto em relevo. Mesmo sem
portaria, a imediata aplicabilidade do princípio já impõe que na mesma empresa
os trabalhadores de igual qualificação tenham as mesmas condições
remuneratórias, independentemente da sua filiação sindical. Todos eles devem
ser considerados no número de trabalhadores por categoria profissional
envolvidos no processo que se situem no âmbito da aplicação do acordo a celebrar
(nº. 4 do artigo 22º. da Lei da Regulamentação Colectiva do Trabalho). Mas o
princípio também vale para empresas e trabalhadores fora da convenção mas em
iguais circunstâncias. As portarias de extensão não se aplicam aos trabalhadores
abrangidos directamente pelas convenções colectivas que estendem. Ora o
princípio da igualdade que fundamenta a extensão do âmbito pessoal de um certo
regime jurídico, proíbe também que tenham diferente regime jurídico
trabalhadores e empresas que se encontram em circunstâncias iguais do ponto de
vista relevante da igualdade. Ora não há dúvida de que as portarias de extensão
são fontes de direito objectivo, contêm normas jurídicas 'gerais' e, portanto,
vinculadas ao bem comum como é entendido no Estado de direito democrático da
Constituição e sujeitas ao controlo de constitucionalidade do Tribunal
Constitucional. É jurisprudência assente (Acórdão nº. 392/89, Diário da
República, 2ª Série, de 14 de Setembro p. 9177 ss.) e o acórdão também o
confirma (nº. 7). Seria uma ofensa da igualdade, se as normas da convenção
colectiva não estivessem sujeitas aos mesmos critérios de validade, e se as
pessoas por esta abrangidas não tivessem os mesmos direitos garantidos da mesma
maneira, inclusivamente do ponto de vista da fiscalização concreta da
constitucionalidade. E que a lei assim o considera depreende-se desde logo de se
tratar de portarias de extensão e não, como na Alemanha, de generalização. Se a
portaria tivesse uma diferente natureza jurídica (norma jurídica em vez de regra
da autonomia privada), diferentes critérios de apreciação da sua conformidade
com a Constituição e diferente regime de controlo da constitucionalidade,
então o princípio da igualdade exigiria que o Estado substituísse o título e o
regime dos direitos e obrigações resultantes da convenção e 'generalizasse' o
regime desta. Não o faz porque pressupõe que as normas da convenção já têm a
mesma qualidade jurídica e o mesmo regime que a portaria se limita a estender
a outra classe de pessoas.
As portarias não visam, portanto, essencialmente, controlar a conformidade das
convenções colectivas com a Constituição e a lei e com a política
económico-financeira do Governo. Não há controlo do fundo deste tipo no
processo de depósito para publicação e entrada em vigor das convenções, que o
Governo controla (artigos 24º a 26º da Lei da Regulamentação Colectiva do
Trabalho). A interpretação correcta é antes a de que se comete aos parceiros
sociais a determinação de certos aspectos da política económico-social e de que
essa comissão serve melhor o bem comum do que a interferência do Estado nessa
esfera (...)”.
As alterações legislativas ocorridas em 2003 em matéria laboral, resultantes da
aprovação do Código do Trabalho, vieram reforçar o papel que as convenções
colectivas de trabalho desempenham no contexto das actuais fontes de direito
aplicáveis às situações jurídico-laborais.
Conforme refere LIBERAL FERNANDES (em “Alguns aspectos da evolução do Direito do
Trabalho”, in Revista da Faculdade de Direito da Universidade do Porto, Ano I,
2004, pp. 197-219), “assistiu-se ao recrudescimento de um certo
neo-contratualismo em que se advoga o reforço da autonomia, individual e
colectiva, dos empregadores e dos trabalhadores em detrimento do
intervencionismo do Estado e a consequente redução do conteúdo vinculativo das
normas legais e a redefinição do sistema de fontes do direito do trabalho”.
Ou, como constata também APELLES J. B. CONCEIÇÃO (em “Notas sobre protecção
social dos empregados bancários”, na R.D.E.S., Ano XLVII (nº 1 e 2), pág. 33):
“…a actual busca de uma alternativa ao Estado-Providência tem vindo a
realizar-se através da redução dos atributos da soberania do Estado…pela
revitalização da vontade das partes como fonte de direito – neocorporativismo –,
modelo nórdico (domina o contrato colectivo como fonte de direito), a vontade
das partes versus a vontade geral. Trata-se da denominada refeudalização das
sociedades e dos parceiros sociais que vêem reconhecido o seu direito de criar o
direito”.
Por isso, importa ainda aditar a argumentação actualizada que foi
pertinentemente aduzida na declaração de voto aposta pelo Conselheiro MÁRIO
TORRES, no aludido acórdão n.º 224/2005, que teve em consideração as disposições
do Código de Trabalho aprovado em 2003:
“(...) A relevância normativa das cláusulas das convenções colectivas de
trabalho enquanto fonte constitucionalmente reconhecida do direito do trabalho
(cf., por último, Maria do Rosário Palma Ramalho, Direito do Trabalho, Parte I
– Dogmática Geral, Coimbra, 2005, pp. 229‑236, 469‑472 e 799‑847) foi reforçada
com a publicação do Código do Trabalho (CT), ao consentir o afastamento de
normas legais por convencionais mesmo que estas se não mostrassem mais
favoráveis para os trabalhadores (artigo 4.º, n.º 1), ao manter a regra da
subsidiariedade dos instrumentos não negociais de regulamentação colectiva de
trabalho face aos negociais (artigo 3.º) e ao reafirmar que as mesmas vinculam
mesmo trabalhadores e empregadores não representados pelas associações
signatárias no momento da celebração (artigo 553.º) ou que delas se venham a
desfiliar (artigo 554.º). Assinale‑se ainda que, como resulta do n.º 21 do
Acórdão n.º 306/2003, emitido em sede de fiscalização preventiva da
constitucionalidade de diversas normas do CT, a pronúncia do Tribunal
Constitucional no sentido da não inconstitucionalidade dos regulamentos de
extensão radicou, no fundo, no reconhecimento de que eles não representam o
exercício (autónomo) do poder regulamentar do Estado, mas antes o alargamento,
consentido pelo artigo 56.º, n.º 4, da CRP, do âmbito pessoal das normas
constantes de convenções colectivas de trabalho, tidas constitucionalmente como
fonte de direito, a par das fontes de origem estatal”.
Como resulta demonstrado nos excertos das declarações de voto acima transcritos
as disposições constantes das convenções colectivas, apesar da sua origem
contratual, constituem hoje não só regras dotadas das características de
generalidade e abstracção, mas também verdadeiras normas, num conceito
funcionalmente adequado ao sistema de fiscalização de constitucionalidade
adoptado.
Na verdade, nelas se encontram os apelidados critérios adicionais que, na óptica
da jurisprudência deste Tribunal, justificam a sua sujeição à fiscalização
constitucional: a heteronomia (intenção vinculativa não dependente da vontade
dos seus destinatários), e o reconhecimento jurídico-político (imposição desse
vinculismo pelo ordenamento jurídico) (sobre estes conceitos e a sua constatação
nas convenções colectivas de trabalho, vide VIEIRA DE ANDRADE em “A fiscalização
da constitucionalidade de normas privadas pelo Tribunal Constitucional”, na
R.L.J., Ano 133.º, pág. 357-363).
Ora, estando nós num tempo de apelo à revitalização da contratação colectiva, em
que se deseja que cada vez mais as relações laborais sejam reguladas por normas
que nasçam da vontade concordante dos representantes dos seus destinatários,
não é compreensível que todo um vastíssimo sector da vida dos cidadãos, com
particular relevância constitucional, como o que se prende com os direitos dos
trabalhadores, fique privado de acesso ao Tribunal Constitucional.
Por todas estas razões deve a constitucionalidade das normas contidas em
convenções colectivas de trabalho, ou da interpretação que delas façam os
tribunais, poder constituir objecto de recurso para o Tribunal Constitucional.
No caso em apreço a questão de constitucionalidade colocada pelo recorrente,
conforme já se evidenciou na delimitação do objecto de recurso, não respeita ao
sentido da decisão recorrida, mas sim a uma determinada interpretação normativa
duma cláusula inserida numa Convenção Colectiva de Trabalho, que fundamentou
essa decisão, pelo que se conclui pela idoneidade do objecto do recurso.
3. Do mérito do recurso
O Recorrente entende que as normas constantes da cláusula 137.ª, do Acordo
Colectivo de Trabalho Vertical para o Sector Bancário (versão publicada no BTE
31/1992) são inconstitucionais, quando interpretadas no sentido de que para
“efeitos de atribuição de pensão de reforma, a calcular de acordo com o referido
instrumento de contratação colectiva, apenas são levados em consideração os
valores correspondentes à retribuição-base e diuturnidades, com desconsideração
dos demais valores recebidos no activo a título de retribuição.”
É o seguinte o texto da mencionada cláusula:
“Cláusula 137.ª
Doença ou invalidez
1 – No caso de doença ou invalidez, ou quando tenham atingido 65 anos de idade
(invalidez presumível), os trabalhadores em tempo completo têm direito:
a) Às mensalidades que lhes competirem, de harmonia com a aplicação das
percentagens do anexo V, aos valores fixados no anexo VI;
b) A um subsídio de Natal de valor igual ao das mensalidades referidas na alínea
a), a satisfazer no mês de Novembro;
c) A um 14.º mês de valor igual ao das mensalidades referidas na alínea a), a
satisfazer no mês de Abril, sendo-lhe aplicável o princípio estabelecido no n.º
3 da cláusula 102.ª.
2 – Cada uma das prestações a que os trabalhadores têm direito, nos termos do
número anterior, não poderá ser de montante inferior ao do valor ilíquido da
retribuição ao nível mínimo de admissão do grupo em que estavam colocados à data
da sua passagem a qualquer das situações previstas no n.º 1 desta cláusula.
3 – Os trabalhadores em regime de tempo parcial terão direito às prestações
referidas nos n.ºs 1 ou 2, calculadas proporcionalmente ao período normal de
trabalho.
4 – As mensalidades fixadas, para cada nível, no anexo VI serão sempre
actualizadas na mesma data e pela aplicação da mesma percentagem em que o forem
os correspondentes níveis do anexo II.
5 – Excepcionalmente, e por acordo de ambas as partes, poderá o trabalhador, com
mais de 65 anos de idade e menos de 70, continuar ao serviço; a continuação ao
serviço dependerá de aprovação do trabalhador em exame médico, feito anualmente,
e a instituição pode, em qualquer momento, retirar o seu acordo a essa
continuação, prevenindo o trabalhador com 30 dias de antecedência.
6 – O trabalhador que completar 40 anos de serviço antes de atingir 65 anos de
idade ou o que completar 35 anos de serviço tendo mais de 60 anos de idade pode
ser colocado na situação de invalidez presumível, mediante acordo com a
instituição.
7 – Da aplicação do anexo V não poderá resultar diminuição das anteriores
mensalidades contratuais cujo pagamento se tenha iniciado.
8 – Todos os trabalhadores abrangidos por esta cláusula têm direito à
actualização das mensalidades recebidas sempre que seja actualizado o anexo II,
quer tenham sido colocados nas situações de doença, invalidez ou invalidez
presumível antes ou depois de cada actualização.
9 – Os direitos previstos nesta cláusula aplicam-se a todos os trabalhadores na
situação de doença, invalidez ou invalidez presumível, quer tenham sido
colocados nessas situações antes ou depois da entrada em vigor deste acordo.”
Na perspectiva do Recorrente a referida interpretação normativa contraria o
disposto nos artigos 63.º, n.º 4, da C.R.P., no segmento em que exige que “todo
o tempo de trabalho contribui…para o cálculo das pensões de velhice…”, e os
princípios constitucionais da igualdade e da universalidade.
Relativamente à compatibilidade da referida interpretação normativa com o
segmento do artigo 63.º, n.º 4, da C.R.P., e com o princípio da igualdade, este
Tribunal já se pronunciou pela inexistência de qualquer inconstitucionalidade no
acórdão n.º 675/2005 (em “Acórdãos do Tribunal Constitucional”, 62.º vol., p.
565).
3.1. Do confronto com o disposto no artigo 63º, nº 4, da C.R.P.
Quanto à exigência constitucional de que todo o tempo de trabalho desenvolvido
deve contribuir para o cálculo das pensões de velhice, escreveu-se o seguinte no
referido acórdão n.º 675/2005:
“(…)
6. O problema que o recorrente traz a apreciação, nos presentes autos, às várias
instâncias é, sinteticamente, o seguinte: é ou não obrigatória a inclusão, no
cálculo das pensões de reforma dos trabalhadores do sector bancário, do montante
percebido, enquanto trabalhadores no activo, a título de remuneração
complementar.
(...)
7. O recorrente alega que a cláusula 137.ª do ACT seria inconstitucional por
violação do artigo 63.º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa (actual
n.º 4).
…
O recorrente pretende, com esta argumentação, conduzir à conclusão de que o
artigo 63.º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa deve ser lido de uma
forma lata, utilizando-se como elemento interpretativo dessa disposição o artigo
26.º da mencionada Lei de Bases da Segurança Social, de modo a abranger na sua
previsão outros factores para cálculo das pensões que não apenas a antiguidade,
desde logo a retribuição efectivamente auferida pelo trabalhador no activo.
No entanto, tal argumentação não procede. A Constituição da República Portuguesa
não consagra em qualquer das suas normas ou princípios a exigência de que se
tenha em consideração, como critério para o cálculo do montante das pensões de
reforma, o montante da retribuição efectivamente auferida pelo trabalhador no
activo. Na verdade, a Constituição não define e não concretiza o conteúdo do
direito à segurança social, nem estabelece prazos para essa concretização,
remetendo para a lei, através do artigo 63.º, n.º 2, essa tarefa. Daqui decorre
que não procede a leitura da expressão “todo o tempo de trabalho” como tendo de
incluir, em si, a expressão “toda a remuneração mensal” realmente auferida pelo
trabalhador durante o tempo de trabalho. Pode – e, numa certa perspectiva,
haverá mesmo que – distinguir-se entre a necessária consideração de todo o
tempo de trabalho e uma (inexistente) imposição de utilização, como critério de
cálculo do valor da pensão, do montante dos rendimentos realmente auferidos
(incluindo remuneração base e outros rendimentos complementares) durante o
tempo de trabalho.
Quanto à invocação, por parte do recorrente, da pretensa contradição entre o ACT
e a Lei de Bases da Segurança Social dir-se-á que as normas legais, mesmo
aquelas de valor reforçado, não se impõem como elementos interpretativos da
Constituição. Acresce que não existe qualquer correspondência entre o artigo
26.º da Lei de Bases da Segurança Social e o artigo 63.º, n.º 5 (actual n.º 4),
da Constituição da República Portuguesa, e, ainda, que é a própria Lei de Bases
da Segurança Social que, na sua tarefa de concretização do conteúdo do direito à
segurança social, exclui do seu âmbito o sector bancário, satisfazendo-se com o
pré‑existente regime de segurança social dos bancários, deixando-os de fora do
sistema estatal de segurança social…”
No direito constitucional à segurança social (artigo 63.º, da C.R.P.),
encontra-se incluído o direito a uma pensão de velhice (o qual não é totalmente
estranho ao direito à segurança económica das pessoas idosas enunciado no
artigo 72.º, n.º 1, da C.R.P.), que garanta, em época de reconhecido direito ao
repouso, o recebimento duma quantia que funcione como um “sucedâneo” da
retribuição percebida pelo trabalho anteriormente prestado.
Contudo, a definição dos critérios a que deve obedecer a fixação do montante
dessa pensão foi fundamentalmente atribuída ao legislador ordinário, tendo-se
apenas imposto a consideração nesse cálculo de “todo o tempo de
trabalho…independentemente do sector de actividade em que tiver sido prestado”.
Como dizem GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA “a Constituição é omissa sobre o
sistema de pensões e prestações do sistema de segurança social, bem como sobre
os critérios da sua concessão e do seu valor pecuniário, ficando essa matéria na
livre disposição do legislador (...). Isso inclui o direito de alterar as
condições e requisitos de fruição e de cálculo das prestações (designadamente
das pensões) em sentido mais exigente, desde que por motivos justificados
(nomeadamente a sustentabilidade financeira do sistema)” (em “Constituição da
República Portuguesa anotada”, vol. I, pág. 819, da 4.ª edição, da Coimbra
Editora).
O “tempo de trabalho” é um elemento perfeitamente distinto e independente do
valor da remuneração auferida por esse trabalho, tendo, aliás, unidades de
medida diferentes, pelo que não tem o mínimo de suporte uma interpretação que
pretendesse incluir no n.º 4, do artigo 63.º, da C.R.P., a obrigatoriedade do
valor da pensão de velhice ter em consideração o montante de todo o tipo de
remunerações auferidas pelo beneficiário quando trabalhava.
Assim, o disposto na cláusula 137.ª, do Acordo Colectivo de Trabalho Vertical
para o Sector Bancário, em nada ofende a exigência constitucional da ponderação
do critério enunciado no n.º 4, do artigo 63.º, da C.R.P..
3.2. Do confronto com o princípio da igualdade
O recorrente invoca ainda que a interpretação recorrida viola o princípio da
igualdade.
Também JORGE MIRANDA (em “Pensões no sector bancário e direito à segurança
social (Parecer)”, em “Jurisprudência Constitucional”, nº 7, pág. 16), defende
que as cláusulas aplicáveis do Acordo Colectivo de Trabalho Vertical para o
Sector Bancário “infringem o princípio da igualdade, por introduzirem
diferenciações infundadas entre os trabalhadores bancários e os trabalhadores
dos demais sectores económicos e também entre os trabalhadores bancários e os
não integrados nos quadros da respectiva instituição”.
Todavia, quanto à invocada violação deste princípio constitucional, escreveu-se
no citado acórdão n.º 675/2005:
(…)
Quanto ao segundo dos argumentos avançados pelo recorrente – o de que o ACT
trata de forma desigual uma idêntica situação remuneratória face ao regime geral
da segurança social –, nada na Lei de Bases da Segurança Social obriga, porém, a
que o cálculo das pensões de reforma seja igual para todos os trabalhadores. Com
efeito, e como de resto é dito na decisão recorrida, é essa própria lei que
reconhece expressamente a subsistência transitória de regimes especiais (artigo
69.º), os quais podem também contemplar aspectos mais favoráveis. E entre esses
regimes conta‑se, justamente, o dos trabalhadores bancários, que se rege pelas
cláusulas do respectivo ACT, pelo que as expectativas dos trabalhadores
bancários quanto à sua pensão de reforma apenas poderão ser aquelas que
decorrem do referido ACT, e não do Regime Geral da Segurança Social.
Nestes termos, sendo a forma de cálculo das pensões de reforma igual para todos
os trabalhadores do sector bancário, não se verifica, por aqui, violação do
princípio da igualdade.
A idêntica conclusão se chega quando se perspectiva a mesma questão em relação
aos trabalhadores de outros sectores de actividade. O princípio da igualdade,
concretizado relativamente à retribuição no n.º 1 do artigo 59.º da Constituição
da República Portuguesa, não significa que tenha de existir equiparação
absoluta em todas as circunstâncias, nem impede que possa haver um tratamento
justificadamente diferenciado. Com efeito, para se poder aferir da
admissibilidade de uma diferenciação de tratamento de duas situações não se
pode apenas considerá-las de forma isolada. Antes deve considerar-se toda a
disciplina de cada uma delas. Como tem sido repetidamente afirmado por este
Tribunal, a igualdade desejada pela Constituição não é uma igualdade
“matemática”, mas antes uma “proporcional” (cfr., entre outros, os Acórdãos nºs
375/89, publicado no Diário da República [D.R.], II Série, de 2 de Fevereiro de
1989, 1167/96, publicado no D.R., II Série, de 7 de Fevereiro de 1997; 454/97,
publicado no D.R., II Série, de 10 de Dezembro de 1997; e 672/98, publicado no
D.R., II Série, de 3 de Março de 1999). Tal como o regime da reforma dos
trabalhadores do sector bancário pode conter diferenciações no sentido positivo,
também nada obriga a que, no cálculo do montante da pensão, sejam seguidas
regras idênticas às de outros sectores, ou, mesmo, do regime geral da segurança
social.
Acresce, ainda, que, do confronto do artigo 59.º com o artigo 63.º, ambos da
Constituição, resulta que o direito à reforma não é exclusivo dos trabalhadores
por conta de outrem, mas antes um direito de todos os cidadãos, cuja
concretização será posteriormente feita por lei, e nada na lei obriga a que as
pensões de reforma tenham de ser calculadas para todos de forma igual.
Do exposto decorre que não existe, também quanto a este ponto, qualquer
divergência entre a cláusula 137.ª do ACT para o sector bancário e a
Constituição da República Portuguesa”.
Na verdade, a norma aqui em causa faz parte do Acordo Colectivo de Trabalho
Vertical para o Sector Bancário que, na secção I, do capítulo XI, cria e regula
um sistema de segurança social para os trabalhadores bancários abrangidos por
aquela convenção.
Desta regulamentação resulta a existência de um sistema de segurança social
específico, independente e alheio aos outros sistemas, como é o caso do sistema
geral público de segurança social. Daí que alguns trabalhadores bancários – como
sucede com o Recorrente – se encontrem abrangidos pela contratação colectiva do
sector em matéria de previdência quanto às eventualidades de doença, invalidez,
velhice e prestações complementares da segurança social. A utilização da
expressão “alguns trabalhadores bancários” é plena de sentido na medida em que,
diversamente do que sucede com o Recorrente, existem outros trabalhadores
bancários abrangidos por ACT próprios, cujo âmbito material já não inclui o
regime da segurança social.
Como é que se chegou a esta situação?
As origens desta diversidade de regimes de segurança social remontam há mais de
60 anos atrás e apresenta contornos que se prendem obviamente com questões de
índole financeira.
O legislador constituinte de 1933 incumbiu expressamente o Estado de promover e
favorecer as instituições de solidariedade e previdência (artigo 41.º).
No plano da lei ordinária, o art. 2.º, da Lei n.º 1884, de 16 de Março de 1935,
dispunha que “incumbe aos Grémios e aos Sindicatos Nacionais e respectivas
Federações a iniciativa e organização das Caixas Sindicais de Previdência, por
meio de acordos, ou por efeito dos contratos colectivos de trabalho”.
Ao abrigo do referido diploma legal, mais concretamente no ano de 1938, foi
aprovada a primeira contratação colectiva do sector bancário, com origem
exclusivamente corporativa, e, desde então, o seguro social dos empregados
bancários, afinal o seu regime principal, encontra-se apenas previsto na
contratação colectiva do sector (vide MENEZES CORDEIRO, em “Convenções
Colectivas de Trabalho e Direito Transitório: com Exemplo no Regime de Reforma
no Sector Bancário”, in Revista da Ordem dos Advogados, ano 64, 2004, págs. 65 e
segs. e APELES J. B. CONCEIÇÃO em “Notas sobre a protecção social dos empregados
bancários”, na Revista de Direito e de Estudos Sociais”, Ano XLVII, 2006, n.º 1
e 2, pág. 9 e seg.).
Em 1976, a nova Constituição veio determinar que todos têm direito à segurança
social, independentemente da sua situação profissional (artigos 12.º, n.º 1, e
63.º, n.º 1, da C.R.P.).
Estabeleceu-se uma garantia constitucional dos pressupostos mínimos para uma
existência humana digna, a efectivar de acordo com as condições sociais
concretas do país.
Para esse efeito, a Constituição incumbiu o Estado de organizar, coordenar e
subsidiar um sistema de segurança social unificado e descentralizado, com a
participação das associações sindicais, de outras organizações representativas
dos trabalhadores e de associações representativas dos demais beneficiários
(artigo 63.º, n.º 2, da C.R.P.).
O direito à segurança social passou a ser um típico direito social de natureza
positiva, cuja realização exige o fornecimento de prestações por parte do
Estado, impondo-lhe obrigações de fazer e de prestar.
Todavia, o Estado não ignorou a existência dos sistemas de segurança social não
estatais pré-existentes, assim como as dificuldades da sua integração num
sistema único de natureza pública, pelo que, após a entrada em vigor da
Constituição de 1976, com as exigências acima enunciadas, a manutenção do regime
de previdência previsto na contratação colectiva do sector bancário foi sendo
objecto de salvaguarda pelas disposições transitórias das leis que
sucessivamente estabeleceram as bases gerais do sistema público de segurança
social (cfr. artigo 69.º, da Lei n.º 28/84, de 14 de Agosto; artigo 109.º, da
Lei n.º 17/2000, de 8 de Agosto; artigo 123.º, da Lei n.º 32/2002, de 20 de
Dezembro; e, mais recentemente, artigo 103.º, da Lei n.º 4/2007, de 16 de
Janeiro).
A salvaguarda do regime previdencial do sector bancário, através de normas de
direito transitório das leis de bases do sistema de segurança social, não pode,
obviamente, deixar de ser interpretada no sentido de que futuramente se
verificará a integração de todos trabalhadores bancários no regime geral do
sistema público de segurança social.
Contudo, essa integração não é fácil, desde logo por causa da ausência da
obrigação contributiva que caracteriza grosso modo o regime próprio dos
bancários em particular. No regime convencional dos empregados bancários a
responsabilidade financeira é assumida directamente pelas próprias instituições
bancárias, ao invés do que sucede com o sistema público de segurança social em
que o risco social é transferido obrigatoriamente para instituições públicas
pelo pagamento das correspondentes contribuições. Assim, a eventual
transferência dos trabalhadores bancários para a segurança social a partir de
determinada data teria de ser acompanhada de medidas de financiamento e de
sustentabilidade, designadamente a responsabilização das entidades bancárias
pelo período anterior de carreira daqueles trabalhadores, em relação ao qual
não se verificaram contribuições para o sistema.
Enquanto esta difícil integração não se concretiza, as sucessivas leis de bases
gerais da segurança social salvaguardaram a vigência do regime previdencial do
sector bancário constante dos instrumentos de contratação colectiva.
Através desta forma de actuar, o legislador vincou o enquadramento obrigatório
desses regimes especiais e procurou garantir o princípio da plenitude do sistema
de segurança social através da manutenção em vigor de uma diversidade de regimes
público e privados.
Actualmente, pode-se afirmar que o sistema de segurança social, correspondente
ao sector bancário coberto por convenções colectivas que o regulam, é, afinal, o
próprio regime principal e obrigatório deste sector instituído por via
convencional, e, por isso mesmo, independente e alheio aos outros sistemas, como
é o caso do sistema público de segurança social.
“Cada um deles possui individualidade própria, funcionando em relação aos demais
com autonomia e não como espécie de um género” (CATARINA PIRES e JOÃO COSTA
ANDRADE, em “O regime jurídico relativo à atribuição e cálculo da reforma de
certos trabalhadores do sector bancário: tentativa de superação de um (falso)
problema de aplicação da lei no tempo”, in “O Direito”, 2004, I, p. 158).
Perante a admissibilidade desta diversidade de sistemas não faz sentido exigir
uma igualação do conteúdo das regras dos sistemas não estatais ao regime geral
do sistema público da segurança social. Admitindo-se a vigência de regimes
diversos, apoiados em diferentes pressupostos, não é exigível uma identidade de
soluções, uma vez que o princípio constitucional da igualdade não exige um
tratamento igual para realidades distintas.
Por isso se conclui que a interpretação das normas da cláusula 137.ª, do Acordo
Colectivo de Trabalho Vertical para o Sector Bancário, sustentada na decisão
recorrida, também não viola o princípio constitucional da igualdade.
3.3. Do confronto com o princípio da universalidade
Importa, finalmente, abordar a invocada violação do princípio da universalidade
que supostamente afecta a interpretação dada pelo tribunal recorrido à referida
cláusula.
Segundo o princípio da universalidade todos os cidadãos podem ser titulares dos
direitos consagrados na ordem jurídica (artigo 12.º, nº 1, da C.R.P.), incluindo
o direito à segurança social (artigo 63.º, n.º 1, da C.R.P.).
Alega o Recorrente que a violação do referido princípio ocorre na medida em que
os trabalhadores abrangidos pelo ACTV dos bancários ficam “afastados das
regalias do regime geral da segurança social”, uma vez que “não são
considerados, para efeitos de reforma, os montantes que os trabalhadores,
enquanto no activo, auferiam, por exemplo, a título de isenção de horário de
trabalho”.
Esta posição também é defendida por JORGE MIRANDA (na ob. e loc. cit.), ao dizer
que as cláusulas do referido acordo colectivo “infringem o princípio da
universalidade, por subtraírem as pessoas de determinada categoria profissional
à plena efectivação do direito à segurança social”.
Note-se, contudo, que o Recorrente não pretende afastar em bloco o regime
previdencial particular dos empregados bancários inscrito num instrumento de
regulamentação colectiva de trabalho e sujeitar-se, em alternativa, à aplicação
em bloco do regime geral do sistema público de segurança social previsto na lei,
pois isso significaria, desde logo, a substituição da Recorrida pelo Estado no
lado passivo da lide, enquanto devedor das prestações previdenciais
peticionadas, assim como a necessidade de introdução, com efeitos retroactivos,
da vertente contributiva na relação jurídico-previdencial do Recorrido.
Bem vistas as coisas, o Recorrente pretende ser equiparado aos beneficiários do
regime geral da segurança social apenas na parte em que este seja
comparativamente mais generoso para efeito de elevação do quantum da pensão de
reforma.
Ora, a interpretação da cláusula 137.ª, do Acordo Colectivo de Trabalho Vertical
para o Sector Bancário, efectuada pela decisão recorrida, não afasta o
Recorrente do direito à segurança social previsto no n.º 1, do artigo 63.º, da
C.R.P., nomeadamente na vertente do direito a auferir uma pensão de velhice,
limitando-se a adoptar um critério de cálculo desta diferente do previsto no
regime geral do sistema público da segurança social, pelo que não é a
universalidade daquele direito que está em causa.
A existência do regime previdencial constante do ACTV dos Bancários encontra-se
legalmente salvaguardada pelo Estado e os trabalhadores por ele abrangidos não
se encontram privados do direito à segurança social em situação de velhice e
invalidez, pelo que não se vê como possa estar em causa o princípio da
universalidade do direito à segurança social.
Esta última argumentação do Recorrente surge sob a capa da reivindicação da
universalidade do direito à segurança social, mas a verdade é que soa muito mais
a uma reiteração do argumento da violação do princípio da igualdade, já atrás
analisado e rejeitado
Pode ser discutível se a manutenção em vigor, ainda que transitória, do sistema
de segurança social privado para os bancários, constante da referida convenção
colectiva, viola um suposto princípio constitucional da unicidade do sistema de
segurança social ou do seu carácter público, ou se existe uma
inconstitucionalidade por omissão (vide sobre esta questão além do já referido
parecer de JORGE MIRANDA, o parecer de FREITAS DO AMARAL e RUI MEDEIROS, juntos
aos autos, e APELES J. B. CONCEIÇÃO em “Notas sobre a protecção social dos
empregados bancários”, na Revista de Direito e de Estudos Sociais”, Ano XLVII,
2006, n.º 1 e 2, p. 26), mas essa já não é uma questão da constitucionalidade da
interpretação da cláusula 137.ª, do Acordo Colectivo de Trabalho Vertical para o
Sector Bancário efectuada pela decisão recorrida, no sentido de que para
“efeitos de atribuição de pensão de reforma, a calcular de acordo com o referido
instrumento de contratação colectiva, apenas são levados em consideração os
valores correspondentes à retribuição-base e diuturnidades, com desconsideração
dos demais valores recebidos no activo a título de retribuição”. Essa é uma
questão de constitucionalidade das sucessivas Leis de Bases da Segurança Social
que têm mantido em vigor, paralelamente ao regime geral do sistema público da
segurança social, o regime de previdência previsto na contratação colectiva do
sector bancário. E esta questão, conforme resultou do explicitado no ponto 1.
deste acórdão, encontra-se fora do objecto deste recurso.
4. Conclusão
Não se revelando que a interpretação da cláusula 137.ª, do Acordo Colectivo de
Trabalho Vertical para o Sector Bancário, contida na decisão recorrida, viole
qualquer parâmetro constitucional, deve o recurso ser julgado improcedente.
*
Decisão
Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso interposto por A., para o Tribunal
Constitucional, do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido neste
processo em 6-6-2007.
*
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 25 unidades de conta,
ponderados os critérios enunciados no artigo 9.º, nº 1, do Decreto-Lei nº
303/98, de 7 de Outubro (artigo 6.º, n.º 1, do mesmo diploma).
*
Lisboa, 11 de Março de 2008
João Cura Mariano
Joaquim de Sousa Ribeiro
Mário José de Araújo Torres
José Borges Soeiro
Maria João Antunes
Maria Lúcia Amaral
Vítor Gomes
Benjamim Rodrigues (vencido quanto à questão do conhecimento nos termos da
declaração anexa)
Gil Galvão (vencido quanto à decisão de conhecer do presente recurso, no
essencial, pelas razões constantes do Acórdão n.º 172/93 (de onde consta o voto
de vencido que agora serve de fundamentação a este acórdão), bem como de todos
os outros que, na sequência, firmaram a jurisprudência que agora se decidiu
inverter).
Carlos Pamplona de Oliveira – vencido conforme declaração
Ana Maria Guerra Martins (vencida quanto ao conhecimento do objecto do recurso,
com declaração)
Carlos Fernandes Cadilha (vencido quanto à questão do conhecimento pelas razões
constantes do acórdão do Plenário n.º 224/2005, cuja orientação entendo ser de
manter)
Rui Manuel Moura Ramos
DECLARÇAÕ DE VOTO
1 – Votei vencido quanto ao conhecimento do recurso, na esteira da
jurisprudência sufragada pela grande maioria dos juízes das várias formações do
Tribunal Constitucional e de que constitui exemplo o Acórdão n.º 224/2005,
tirado em plenário.
2 – Tratando-se de uma jurisprudência que permaneceu maioritária
durante vários anos, entendemos que, na ausência de inovações constitucionais ou
da emergência clara de um novo sentido do parâmetro constitucional decorrente de
uma prática reiterada segundo os valores do Estado de direito democrático – o
que, seguramente, não acontece – seria de manter a doutrina anterior, em
concretização do princípio da segurança jurídica, ele próprio um princípio
estrutural do Estado de direito democrático, consagrado no art.º 2.º da
Constituição.
3 – A tese que fez vencimento apoia-se essencialmente no argumento
de que as normas constantes das convenções colectivas comungam da característica
da “heteronomia (intenção vinculativa não dependente da vontade dos seus
destinatários) e do reconhecimento jurídico-político (imposição desse vinculismo
pelo ordenamento jurídico)”.
Mas o critério da heteronomia, como salienta Jorge Miranda (Direito
Constitucional, tomo VI, 2001, pp. 164) não se afigura decisivo, porque essa
heteronomia “tanto existe na vida das associações e sociedades no confronto com
os seus associados como na lei do Estado democrático no confronto com os seus
cidadãos”, sendo que não se defende a fiscalização pelo Tribunal Constitucional
de disposições normativas com tal fonte jurígena.
E quanto ao reconhecimento jurídico irreleva o acórdão o facto de
ele não se impôr unicamente por força da Constituição, do art.º 56.º, n.º 4, mas
que decorre essencialmente da lei ordinária para a qual o preceito remete o
estabelecimento das respectivas regras relativas à eficácia das convenções
colectivas, tal como de resto, faz o art.º 61.º, n.º 1, relativamente à
iniciativa (autonomia) privada.
Do art.º 56.º, n.º 4, conjugado com o seu n.º 3, apenas poderá
distrair-se, atinentemente a tal matéria, uma garantia institucional de que a
lei ordinária tem de garantir às convenções colectivas um mínimo de eficácia,
não decorrendo do preceito constitucional a obrigação da lei ordinária conferir
eficácia às convenções colectivas porventura nos aspectos que mais podem denotar
a heteronomia, como, por exemplo, em relação a quem não se ache filiado na
respectiva associação sindical.
Pela sua relatividade, tais aspectos mostram-se pois imprestáveis
para integrar o conceito funcional de norma para o efeito da determinação da
competência do Tribunal Constitucional em sede de controlo da
constitucionalidade.
Daquele art.º 56.º, n.º 4, apenas resulta que o que poderá
sindicar-se perante o Tribunal Constitucional é se a lei ordinária que densifica
o direito ou garantia fundamental respeita o respectivo parâmetro constitucional
e não se as disposições contratuais colectivas que são emitidas no exercício do
direito fundamental e com o âmbito de eficácia estabelecido pela lei ordinária,
respeitam elas próprias as normas ou princípios constitucionais.
É claro que as normas convencionais têm de respeitar as normas e
princípios constitucionais e que essa conformidade tem de poder ser sindicada.
Mas esse controlo pode ser sempre efectuado pelos outros tribunais,
dentro da tarefa de defesa oficiosa da Constituição que lhes é atribuída no
art.º 204.º da Constituição, nos termos da qual “nos feitos submetidos a
julgamento não podem os tribunais aplicar normas que infrinjam o disposto na
Constituição ou os princípios nela consagrados”, não decorrendo daí a
necessidade de uma forçosa intervenção do Tribunal Constitucional.
A determinação da competência do Tribunal Constitucional é uma
questão completamente alheia a esse dever de defesa da Constituição, resultando
das normas constitucionais que a regem.
Ora, segundo cremos ter demonstrado a jurisprudência maioritária não
cabem no conceito funcional de norma para esse efeito normas que não advêm do
poder político, político-administrativo ou de poderes de autoridade cuja
atribuição decorre da Constituição ou do exercício daqueles dois primeiros
poderes.
Na verdade, não vemos que a Constituição tenha concebido o Tribunal
Constitucional como órgão sempre forçoso de controlo de todos os juízos de
constitucionalidade feitos pelos outros tribunais.
Não é assim desde logo no que importa aos juízos de
constitucionalidade feitos relativamente a actos não normativos, sejam eles
judiciais, administrativos ou políticos, sempre que estes façam aplicação
directa de normas ou princípios constitucionais, pois não adoptou o sistema do
recurso de amparo.
E também existem boas razões para que o não seja no caso de actos
normativos decorrentes da autonomia privada, individual ou colectiva, pois que
estes não se acham vinculados a realizar o bem comum ou os interesses colectivos
integrantes das atribuições do Estado ou das pessoas colectivas públicas,
territoriais ou não, podendo prosseguir interesses meramente pessoais ou de
grupo desde que estes não sejam vedados pela Constituição ou pela lei.
Diferentemente se passam as coisas no que importa aos actos
normativos emergentes do exercício do poder político, político-administrativo ou
de autoridade que encontram a sua fonte na parte III da Constituição.
É que o poder público deve não só respeitar os direitos e garantias
fundamentais, como assegurar o máximo possível da sua tutela.
Por outro lado, ele está também obrigado a prosseguir sempre o bem
comum ou o interesse público, concretizando na melhor medida igualmente possível
os comandos constitucionais.
Por isso, a sua prática foi também sujeita a específicas regras
formais de controlo de evidência e de transparência da prossecução desses
interesses.
Ora, foi a actividade desse poder público, quando corporizada em
actos normativos (afora o caso excepcional da inconstitucionalidade por omissão
– art.º 283.º da Constituição – mas que evidencia bem a adstringência ao dever
de prossecução desse bem comum) que a Lei fundamental quis subordinar ao
controlo do Tribunal Constitucional.
De resto, a tese seguida pelo acórdão acaba por criar uma fissura na
unidade do sistema de fiscalização de constitucionalidade, pois que nunca lhe
poderá ser aplicado o regime da fiscalização abstracta preventiva ou sucessiva
da constitucionalidade (art.ºs 279.º e 281.º da Constituição), ficando assim
cingida à fiscalização concreta (art.º 280.º) e à abstracta resultante de
generalização (art.º 281.º, n.º 3).
Por outro lado, mesmo no respeitante a esta, é muito discutível que
lhe possa ser atribuído o efeito da repristinação das normas revogadas, previsto
no art.º 282.º, n.º1, da Constituição, pois tal solução, relativamente às normas
convencionais, parece atentar contra o direito fundamental da autonomia privada
na medida em que as partes quiseram a cessação dos efeitos da norma revogada
como consequência de uma outra diferente ponderação dos seus interesses que pode
não sair sequer frustrada, mesmo com a declaração de inconstitucionalidade.
Benjamim Rodrigues
DECLARAÇÃO DE VOTO
1. As razões da minha discordância incidem na parte da decisão relativa
ao conhecimento do objecto do recurso.
2. Merece reparo, em primeiro lugar, que o entendimento relacionado com
a competência do Tribunal não tenha ficado estabilizado e que, sem um momento de
reflexão sobre as consequências práticas da sua inversão, e sem que se invoquem
especiais razões premência na reanálise da questão, se assuma que tal
competência está apenas dependente da álea resultante da alteração da composição
do Tribunal, critério que, como é óbvio, nunca garante um entendimento pacífico
e constante nesta matéria, como me pareceria ser desejável.
3. Em segundo lugar, continuo a perfilhar o entendimento sufragado no
Acórdão n.º 224/2005, citado no aresto, no sentido de que as regras constantes
das cláusulas que compõem os acordos colectivos de trabalho não são 'normas'
para o efeito de sindicabilidade directa no Tribunal Constitucional. Às razões
apontadas no referido Acórdão n.º 224/2005 acrescerá a dificuldade prática da
determinação da 'norma' repristinada, na sequência da eventual desaplicação de
cláusula inconstitucional: é que cada cláusula não vale por si só, antes se
inscreve indissociavelmente num texto negociado e contratualizado,
representando, por isso, a contraprestação a que uma das partes se obriga num
contexto muito preciso de direitos e deveres. Assim, ao contrário do que se
passa com as demais normas jurídicas, à eventual erradicação da regra, por
inconstitucionalidade, não pode seguir-se, sem mais, a repristinação da norma
por ela revogada. Tenho, aliás, dificuldade em acompanhar o julgamento de não
inconstitucionalidade da 'norma' em causa, sem uma avaliação global da convenção
que permita sistematizar o critério de retribuição salarial do recorrente, para
efeito de atribuição da pensão de reforma.
4. Acresce que, no caso em presença, não ocorreu a enunciação correcta
da norma, nos termos que este Tribunal tem exigido para este efeito – vide
Acórdão n.º 66/2005 – o que deveria ter levado o Tribunal a, também por esta
razão, não tomar conhecimento do recurso.
Carlos Pamplona de Oliveira
DECLARAÇÃO DE VOTO
Vencida quanto à questão do conhecimento do objecto do recurso, por entender que
as “normas” constantes de convenções colectivas de trabalho não são sindicáveis
em sede de fiscalização concreta da constitucionalidade por este Tribunal,
sufragando, no essencial, os fundamentos expostos nos Acórdãos nº 172/93 e
224/05.
Com efeito, as convenções colectivas de trabalho não são actos
jurídico-públicos, com eficácia externa, mas antes manifestações da autonomia,
da negociação ou da contratação colectiva. É certo que a autonomia colectiva
“não se confunde com a pura autonomia privada. Mas tal como ela é ainda
expressão de uma sociedade civil distinta (embora não separada) do Estado.
Submeter as normas dela emergentes ao mesmo sistema de controlo das normas de
Direito legislado (…) implicaria uma publicização dessas normas deslocada e
inconveniente” (neste sentido, JORGE MIRANDA, Manual de Direito Constitucional,
Tomo VI, 2ª ed., Coimbra, Coimbra Editora, 2005, p. 177), a qual não foi
seguramente querida pelas partes.
Acresce ainda que a autonomia colectiva é incindível do sistema de direitos,
liberdades e garantias constitucionalmente consagrado, pelo que o critério da
heteronomia, que a tese vencedora neste acórdão e alguma doutrina defendem, é
muito relativo (neste sentido, JORGE MIRANDA, Manual…, cit., p. 177) e, por
isso, inadequado para justificar a sindicabilidade das “normas” constantes de
convenções colectivas de trabalho.
Em suma, as “normas” das convenções colectivas de trabalho não passam, em nosso
entender, o teste do conceito funcional de norma que este Tribunal tem acolhido
em sede de fiscalização concreta da constitucionalidade.
Ana Maria Guerra Martins