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Processo n.º 846/07
3ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
1. Relatório
A. interpôs para o Supremo Tribunal de Justiça recurso extraordinário para
fixação de jurisprudência, ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 437º do
Código de Processo Penal, invocando a oposição entre um acórdão do Tribunal da
Relação de Lisboa (o acórdão recorrido) e um acórdão do Tribunal da Relação de
Guimarães (o acórdão fundamento), vindo a concluir nos seguintes termos:
1ª A suspensão do prazo para tomada de decisão administrativa do Instituto de
Protecção Jurídica previsto de forma peremptória no n.° 1 do art.° 1.º da Lei
n.° 34/2004, de 29 de Julho, termina com a resposta do notificado para o acto,
cumpra ele as exigências da autoridade administrativa ou faça menção da sua
impossibilidade ou dispensa legais;
2ª Nada na lei prevê especificada e claramente que tal não aconteça;
3ª Tão pouco o acórdão recorrido invoca qualquer norma legal a sustentar a sua
interpretação nesse sentido;
4ª Olvidando em absoluto que o Recorrente havia invocado expressamente a regra
da alínea b) do n.° 2 do art.° 89.° do Código de Procedimento Administrativo,
aplicável ex vi art.° 37º da mesma Lei n.° 34/2004;
5ª Não podendo a interpretação dessas normas, como a de quaisquer outras, deixar
de ter uma correspondência mínima no texto da lei, mesmo que imperfeitamente
expressa, segundo os mais elementares princípios gerais do Direito e a letra de
lei transposta no n.° 2 do art.º 9° do Código Civil, o que, in casu,
patentemente não tem;
6ª Assim a interpretação dada às normas contidas nos n°s 1 e 2 do artigo 25.° da
Lei n.° 34/2004, de 29 de Julho, do art.° 89°, n.° 2, alínea b), do Código de
Procedimento, do art.° 1°, n.° 3, da Portaria n.° 1085-A/2004, de 31 de Agosto,
e do artigo 9°, n.° 2, do Código Civil, que ressaltam flagrantemente da
veneranda decisão aqui recorrida, viola os imperativos dos artigos 20.°, n°s 1,
4 e 5, 32°, n°s 1 e 7, 202.°, n°s 1 e 2, 203.°, in fine, e, em especial o artigo
268º, todos da Constituição da República Portuguesa, inconstitucionalidades
interpretativas aqui expressamente arguidas para todos os efeitos legais,
considerando-se correcta a que julga a formação de acto tácito transcorridos os
trinta dias de lei, sendo que não é a justificada falta de entrega de documentos
inexistentes e/ou inexigíveis que tem a faculdade de não fazer parar a suspensão
do prazo em curso, nem tanto está expresso em letra de lei, logo no seu
espírito, e o que mais resulta de todas as conclusões anteriores;
7ª Devendo, por tudo isto, ser fixada jurisprudência sobre esta relevante
matéria, na perspectiva do Recorrente, no sentido expresso no acórdão fundamento
que impõe o reconhecimento da formação de acto tácito com a consequente
atribuição ao Recorrente do beneficio de protecção jurídica nas modalidades
peticionadas.
O Ministério Público, no parecer de fls. 30 e seguintes, sustentou que o recurso
não era admissível, por inexistência de identidade das situações de facto
contempladas nas decisões em confronto, e, por acórdão de 16 de Março de 2007 (a
fls. 37 e seguintes), o Supremo Tribunal de Justiça concluiu pela não oposição
de julgados e, por isso, rejeitou o recurso de fixação de jurisprudência, em
conformidade com o disposto no artigo 441º, n.º 1, do Código de Processo Penal.
Para assim decidir, considerou o Supremo Tribunal de Justiça o seguinte:
[…]
Nos termos do artigo 437º n° 1 do Código de Processo Penal, quando, no domínio
da mesma legislação, o Supremo Tribunal de Justiça proferir dois acórdãos que
relativamente à mesma questão de direito, assentem em soluções opostas, o
Ministério Público, o arguido, o assistente ou as partes civis podem recorrer,
para o pleno das secções criminais, do acórdão proferido em último lugar.
É também admissível recurso, nos termos do número anterior, quando um tribunal
de relação proferir acórdão que esteja em oposição com outro, da mesma ou de
diferente relação, ou do Supremo Tribunal de Justiça, e dele não for admissível
recurso ordinário, salvo se a orientação perfilhada naquele acórdão estiver de
acordo com a jurisprudência já anteriormente fixada pelo Supremo Tribunal de
Justiça - n° 2 do preceito.
A lei processual faz depender a admissibilidade do recurso extraordinário para
fixação de jurisprudência da existência de determinados pressupostos, uns de
natureza formal e outros de natureza substancial.
Entre os primeiros, a lei enumera:
- a interposição de recurso no prazo de 30 dias posteriores ao trânsito em
julgado do acórdão recorrido;
- a invocação do acórdão anterior ao recorrido que sirva de fundamento ao
recurso;
- a identificação do acórdão-fundamento, com o qual o recorrido se encontra em
oposição, indicando-se o lugar da sua publicação, se estiver publicado;
- o trânsito em julgado de ambas as decisões.
Entre os segundos, conta-se:
- a justificação da oposição entre os acórdãos que motiva o conflito de
jurisprudência;
- a verificação de identidade de legislação à sombra da qual foram proferidas as
decisões.
Segundo a doutrina seguida no STJ, os requisitos substanciais ocorrem quando:
- as asserções antagónicas dos acórdãos invocados como opostos tenham tido como
efeito fixar ou consagrar soluções diferentes para a mesma questão fundamental
de direito;
- as decisões em oposição sejam expressas;
- as situações de facto e o respectivo enquadramento jurídico sejam, em ambas as
decisões idênticos. Ac. do STJ de 23-11-2006 Proc. nº. 3032/06 – 5ª Secção
A oposição de julgados implica que os acórdãos recorrido e fundamento se hajam
debruçado e pronunciado sobre a mesma questão de direito - art. 437º, n.° 1, do
CPP -, sendo que este Supremo Tribunal vem entendendo que a verificação da
oposição de julgados exige:
- que as decisões em oposição sejam expressas;
- que as situações de facto e o respectivo enquadramento jurídico sejam, em
ambas as decisões, idênticos. Ac. do STJ de 18-10-2006, Proc. n.° 3503/06 – 3ª
Secção
A exigência de oposição de julgados, de que não se pode prescindir na
verificação dos pressupostos legais de admissão do recurso extraordinário para
fixação de jurisprudência, nos termos do art. 437º, n.° 1, do CPP, é de
considerar-se preenchida quando, nos acórdãos em confronto, manifestamente de
modo expresso, sobre a mesma questão fundamental de direito, se acolhem soluções
opostas, no domínio da mesma legislação.
A estes requisites legais, o STJ, de forma pacífica, aditou a incontornável
necessidade de identidade de factos, não se restringindo à oposição entre as
soluções de direito. Ac do STJ 10-01-2007, Proc. n.° 4042/06 – 3ª Secção
O recorrente interpõe recurso para fixação de jurisprudência, do acórdão da
Relação de Lisboa, de 12 de Outubro de 2006, transitado em julgado em 7 de
Dezembro de 2006, supra referido, apresentando como fundamento o acórdão da
Relação de Guimarães, de 21 de Fevereiro de 2005, transitado em julgado em 11 de
Março de 2005, proferido no processo n° 32/05-2 da 2ª secção.
Ambos os acórdãos foram proferidos no domínio da mesma legislação - Lei n°
34/2004 de 29 de Julho e Portaria n° 1085-A/2004 de 31 de Agosto.
Contudo os mesmos não assentam em soluções opostas:
Verifica-se do acórdão da Relação de Lisboa (acórdão recorrido):
“Nos termos do artigo 25°, n° 1, 2 e 3 da Lei n°34/2004 de 29 de Julho, o prazo
para conclusão e decisão no âmbito do Apoio Judiciário é de trinta dias, sendo
que findo tal prazo, se considera tacitamente deferido o pedido, sendo
suficiente a menção em tribunal da formação de acto tácito.
A falta de apresentação de documentos necessários a instruir o requerimento
implica a suspensão do prazo de trinta dias ( artigo 1º, n° 3 da Portaria n°
1085-A/2004 de 31/08).
Também a audiência prévia prevista no artigo 23° da Lei n° 34/2004 de 29 de
Julho suspende o prazo de conclusão do procedimento administrativo (artigo 100°,
n° 3 do Código do Procedimento Administrativo).
Para a resolução da questão em apreço importa ponderar no seguinte:
- Em 2 de Agosto de 2005 A. requereu junto do Instituto de Solidariedade e
Segurança Social a concessão de Apoio Judiciário;
- Por ofício datado de 2 de Agosto de 2005 e enviado a 16 de Agosto o Instituto
de Solidariedade e Segurança Social notificou o requerente, ora recorrente, para
juntar documentos;
- Em 19 de Agosto de 2005 A. respondeu ao solicitado;
- Por oficio de 30 de Agosto de 2005 enviado a 31 de Agosto, o Instituto de
Solidariedade e Segurança Social notificou, de novo, o recorrente nos termos do
disposto nos artigos 23° da Lei n° 34/2004 de 29 de Julho e 100º e 101° do CPA.
- A. respondeu em 6 de Setembro de 2005.
Em 12-09-2005, o Instituto de Solidariedade e Segurança Social decidiu indeferir
o pedido de concessão de Apoio Judiciário.
(…)
Considerando-se notificado em 5 de Setembro de 2005 (primeiro dia útil seguinte
ao terceiro posterior à notificação) A. respondeu em 6 de Setembro de 2005,
voltando, no entanto, a não juntar os documentos já solicitados.
Assim, em 12-09-2005 o Instituto de Solidariedade e Segurança Social decidiu
indeferir o pedido de concessão de Apoio Judiciário.
Daqui resulta, e ao contrário do que defende o recorrente, que não transcorreu o
prazo de 30 dias desde a entrada da petição nos serviços administrativos e a
decisão administrativa correspondente.
Na verdade, no caso em apreço, temos que desde a entrada do requerimento a
solicitar a concessão de Apoio Judiciário, em 2/08/2005, até 19 de Agosto de
2005, data referente ao terceiro dia após a remessa postal da notificação para
junção de documentos ocorrida em 16/08/2005), decorreram dezassete (17) dias,
suspendendo-se o prazo nesse mesmo dia 19 de Agosto de 2005.
Tal prazo ficou suspenso por um período de 10 dias, a fim de o recorrente juntar
os 3 documentos solicitados.
Transcorrido tal prazo, o recorrente não procedeu à junção de todos os
documentos solicitados, sendo por isso irrelevante que tenha respondido à
entidade administrativa no 19/08/2005, não tendo assim virtualidade para cessar
a suspensão nesse dia, precisamente por não ter sido praticado o acto que fizera
iniciar a suspensão, ou seja, a entrega dos documentos.
Findo tal prazo em 30 de Agosto de 2005, por oficio desse mesmo dia e enviado a
31 de Agosto, o Instituto de Solidariedade e Segurança Social notificou o
recorrente nos termos do disposto nos artigos 23° da Lei n° 34/2004 de 29 de
Julho e 100º e 101° do CPA, concedendo novo prazo de 10 dias úteis a partir da
data de recepção da notificação para que juntasse os documentos já solicitados.
Considerando-se notificado em 5 de Setembro de 2005 (primeiro dia útil seguinte
ao terceiro posterior à notificação) A. respondeu em 6 de Setembro de 2005,
voltando, no entanto, a não juntar os documentos já solicitados.
Daqui resulta, do mesmo modo, que tal resposta, por não satisfazer a prática do
acto a que o interessado fora chamado, não faça reiniciar a contagem do prazo.
Tendo o Instituto de Solidariedade e Segurança Social indeferido o pedido de
concessão de Apoio Judiciário em 12-09-2005, fê-lo dentro do prazo peremptório
de 30 dias, previsto no n° 1 do art° 25°, não se verificando, assim, o
deferimento tácito do pedido de protecção jurídica nos termos do n° 3 do artigo
25° da Lei n° 34/2004 de 29 de Julho.
Por sua vez resulta do acórdão fundamento:
‘(...) há que não olvidar que, na suspensão, o tempo decorrido antes da
verificação da causa de suspensão não fica inutilizado, juntando-se com o tempo
decorrido após a causa de suspensão ter desaparecido, ao contrário do que ocorre
com a interrupção, em que o tempo decorrido até à causa de interrupção fica sem
efeito, reiniciando-se novo prazo logo que aquela desapareça,
Posto isto, vejamos os elementos constantes dos autos, com relevância para a
apreciação da questão:
- O pedido de apoio judiciário foi apresentado nos serviços da segurança social
no dia 18/10/04 (cfr. fls. 59);
- Em 4/11/04 os serviços de segurança social notificaram o requerente para
juntar documentos que entendiam estar em falta.
- O requerente respondeu a esta notificação através do requerimento entrado nos
serviços da segurança social em 9/11/04 (cfr. fls. 55);
- Em 25/11/04 os serviços de segurança social notificaram o requerente para os
efeitos previstos no art° 23° da Lei 34/2004.
- O requerente respondeu a esta notificação através de requerimento entrado nos
serviços da segurança social em 29/11/04 (cfr. fls. 53)
- A decisão a indeferir o pedido de apoio judiciário foi proferida em 07/12/04
(cfr. fls. 51).
E à face destes elementos, é manifesto que o prazo de 30 dias, a que alude o
art° 25, n° 1 da citada Lei 34/2004, ressalvado o tempo de suspensão ocorrido
entre 4/11/04 e 09/11/04, se esgotou em 23/11/2004, sem que tivesse sido
proferida decisão por banda dos serviços de segurança social, a qual só veio a
ocorrer em 7/12/2004.
Assim sendo e em conformidade com o n° 2 do art° 25°, da citada Lei 34/2004, é
manifesto que o pedido de apoio judiciário em causa tem de ser tido como
tacitamente deferido e concedido.”
O acórdão recorrido negou provimento ao recurso que pretendia que se
considerasse tacitamente concedido o benefício de Apoio Judiciário, considerando
que “Tendo o Instituto de Solidariedade e Segurança Social indeferido o pedido
de concessão de Apoio Judiciário em 12-09-2005, fê-lo dentro do prazo
peremptório de 30 dias, previsto no nº 1 do art° 25°, não se verificando, assim,
o deferimento tácito do pedido de protecção jurídica nos termos do n° 3 do
artigo 25° da Lei n° 34/2004 de 29 de Julho.
O acórdão fundamento deu provimento ao recurso julgando tacitamente deferido e
concedido o pedido de apoio judiciário formulado pelo requerente, por considerar
que “é manifesto que o prazo de 30 dias, a que alude o artº 25, n° 1 da citada
Lei 34/2004, ressalvado o tempo de suspensão ocorrido entre 4/11/04 e 09/11/04,
se esgotou em 23/11/2004, sem que tivesse sido proferida decisão por banda dos
serviços de segurança social, a qual só veio a ocorrer em 7/12/2004.
Em suma:
No acórdão recorrido está-se perante uma situação em que os serviços de
segurança social indeferiram o pedido de apoio judiciário dentro do prazo legal
que tinham para se pronunciarem sobre a sorte do mesmo.
No acórdão fundamento os serviços de segurança social deixaram precludir tal
prazo e nada disseram.
São pois situações diferentes, que não integram a oposição de julgados.
Como bem entende o Ministério Público em seu douto Parecer:
A) não sendo, afinal, idênticos os pressupostos factuais em que se assentaram um
e outro dos arestos em confronto,
B) não poderá dizer-se que as soluções jurídicas a que chegaram um e outro que
em igual perspectiva não abordaram a mesma questão de direito se contradizem
[…].
A. veio arguir a nulidade deste acórdão “por omissão de pronúncia sobre a
questão básica e essencial do recurso extraordinário de fixação de
jurisprudência, sob pena de se estar, em interpretação das normas dos artigos
379º, n.º 1, alínea c), e n.º 2, e artigo 437º, n.º s 1 e 2, ambos do Código de
Processo Penal, violando os direitos consagrados nos imperativos dos artigos
13º, 20º, n.º 1, 32º, n.º s 1 e 7, 202º, n.º 2, e 203º, todos da Constituição da
República Portuguesa, que ora se invocam em inconstitucionalidade interpretativa
nesta particular matéria, e só agora ante o imprevisto e inusitado da decisão do
aresto em causa […]”(fls. 51 e seguintes).
Por acórdão de 11 de Julho de 2007 (fls. 62), o Supremo Tribunal de Justiça
indeferiu a arguida nulidade, considerando o seguinte:
“O acórdão reclamado conheceu dos fundamentos do recurso nos termos legais
exigíveis pelo artigo 437º do Código de Processo Penal, de harmonia com a
interpretação do Supremo Tribunal de Justiça assente em tal legalidade, e, tendo
em conta os arestos referidos pelo recorrente, alegadamente em contradição.
Por sua vez, o fundamento legal em que assentou o acórdão reclamado não é
inconstitucional.
Nada mais há a conhecer, nem repetir o que já foi apreciado e decidido, por se
revelar acto inútil.
Inexiste, pois, a nulidade arguida”.
A. interpôs então recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b)
do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, pretendendo a
apreciação (fls. 65 e seguintes):
a) Das normas dos artigos 379º, n.º 1, alínea c), e 437º, n.º s 1 e 2, ambos do
Código de Processo Penal, “na interpretação […] de que não existe oposição de
julgados mesmo se o acórdão recorrido tem por base um facto assente em sentido
contrário do acórdão fundamento, sustentado este exclusivamente num entendimento
diferente de uma mesma norma jurídica”;
b) Das mesmas normas, na interpretação segundo a qual não existe nulidade por
omissão de pronúncia “se por essa razão se não conhece do mérito do recurso
extraordinário para fixação de jurisprudência, uma vez que o facto que sustenta
cada um dos arestos em confronto é diverso, apesar de ancorado e na dependência
directa da interpretação normativa que foi efectuada diferentemente para fixar o
sobredito facto”;
c) Das “normas contidas no artigo 437º, n.º s 1 e 2, do Código de Processo
Penal, artigo 25º, n.º s 1 e 2, da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, no artigo
89º, n.º 2, do Código de Procedimento Administrativo, devidamente conjugados com
o artigo 1º, n.º 3, da Portaria 1085-A/2004, de 31 de Agosto, e artigo 9º, n.º
2, do Código Civil, na interpretação […] de que não existe oposição de julgados
quando uma das decisões em confronto considera que o prazo previsto na lei
especial da protecção jurídica se suspende ad aeternum com a audiência prévia do
interessado até ao cumprimento da obrigação de fornecer documentos, mesmo que
estes não sejam exigíveis ou não tenham existência jurídica, segundo a regra da
dispensabilidade prevista no sobredito artigo 89º, n.º 2, do CPA, e a outra,
interpretando diferentemente as mesmas normas, entende haver formação de acto
tácito, porquanto assim o pressuposto factual em que assentam os arestos
contraditórios é diverso”.
Tendo sido admitido o recurso, no tribunal recorrido, por despacho de fls. 68,
foi no Tribunal Constitucional proferida decisão sumária, ao abrigo do disposto
no artigo 78º-A, n.º 1, da Lei do Tribunal Constitucional, na qual não se tomou
conhecimento do seu objecto, com os seguintes fundamentos (fls. 71 e seguintes):
Tendo o presente recurso sido interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do
artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, constitui seu pressuposto
processual a aplicação, na decisão recorrida, da norma ou interpretação
normativa cuja conformidade constitucional se pretende que o Tribunal
Constitucional aprecie.
Sucede, porém, que relativamente à primeira interpretação normativa identificada
pelo recorrente, verifica-se, percorrendo os acórdãos proferidos pelo tribunal
recorrido, que aí nenhuma referência é feita à circunstância de o “facto assente
em sentido contrário do acórdão fundamento” ser “sustentado […] exclusivamente
num entendimento diferente de uma mesma norma jurídica”.
Por este motivo, não pode concluir-se que o tribunal recorrido tenha adoptado a
interpretação normativa censurada pelo recorrente.
Assim, não pode conhecer-se do objecto do recurso de constitucionalidade, no que
à primeira interpretação normativa diz respeito, por falta de preenchimento de
um dos seus pressupostos processuais.
No que à segunda interpretação normativa se refere, constata-se, não só que o
tribunal recorrido não a aplicou (pela razão já apontada: na verdade, os
acórdãos recorridos não mencionam – para usar as palavras do recorrente - que o
facto tenha sido “ancorado e na dependência directa da interpretação normativa
que foi efectuada diferentemente para fixar o sobredito facto”), como também que
a inconstitucionalidade de tal concreta interpretação não foi suscitada no
requerimento de arguição de nulidade (contrariamente ao sustentado pelo
recorrente), o que é igualmente exigido pelos artigos 70º, n.º 1, alínea b), e
72º, n.º 2, da Lei do Tribunal Constitucional.
Assim, não pode conhecer-se do objecto do recurso de constitucionalidade, no que
à segunda interpretação normativa diz respeito, por falta de preenchimento de
dois dos seus pressupostos processuais.
Finalmente, e quanto à terceira interpretação normativa, verifica-se que o
recorrente, indicando embora formalmente uma interpretação, mais não pretende,
em substância, que o Tribunal Constitucional sindique a própria decisão
recorrida que considerou não existir oposição de julgados, por serem diversas as
situações de facto.
Tal pedido não pode ser apreciado pelo Tribunal Constitucional, atendendo a que,
como decorre das várias alíneas do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal
Constitucional, a sua competência se cinge a normas (ou interpretações
normativas), não se estendendo à conformidade constitucional das próprias
decisões judiciais.
Não pode, assim, conhecer-se do objecto do recurso, no que à terceira
interpretação normativa diz respeito, por falta de preenchimento de um dos seus
pressupostos processuais (a competência do Tribunal Constitucional ou, noutra
perspectiva, a idoneidade do objecto submetido à apreciação deste Tribunal).
Desta decisão sumária vem agora A. reclamar para a conferência, ao abrigo do
disposto no artigo 78º-A, n.º 3, da Lei do Tribunal Constitucional, sustentando
o seguinte (fls. 84 e seguintes):
Foi determinado em decisão sumária não tomar conhecimento do mérito do presente
recurso com os sucintos fundamentos de que em duas das questões submetidas ao
superior juízo deste Tribunal a norma cuja interpretação se arguía de
inconstitucional não foi expressamente adoptada pelo Tribunal a quo, e no que
concerne à terceira das críticas interpretativas por o recurso incidir sobre a
própria decisão recorrida ainda que invocando norma legislativa expressa,
ficando assim vedado o seu conhecimento por este Tribunal Constitucional, em
toda a matéria consubstanciadora das censuras apontadas ao aresto recorrido.
Ora, salvo o devido e merecido respeito, que muito é, o recorrente tem que
manifestar o seu inconformismo com esta tão pouco cuidada apreciação liminar,
até em vista da errada interpretação dos termos recursivos em que se fundamenta.
De facto, com alguma facilidade se alcança que a factualidade que sustenta os
acórdãos em confronto no recurso extraordinário para fixação de jurisprudência
assenta em diferente interpretação sobre o modo de contar o prazo peremptório
imposto pelo n.° 1 do art.° 25.° da Lei n.° 34/2004, de 29 de Julho, suas
interrupções e suspensões, ou seja, uma mesma questão mereceu soluções
diferentes, pois que é patente que foi essa concepção de decurso do prazo legal
que implicou que se assentasse de modo diverso num caso e noutro que a decisão
administrativa tirada sobre petição de protecção jurídica fosse considerada
extemporânea ou não.
Não foi, neste caso, o direito que foi aplicado ao facto concreto, antes o facto
foi assente em face de entendimento prévio sobre o modo de contar o prazo,
diferente nos casos carreados a juízo.
Daí resulta que existe similitude bastante entre as vexatae quaestiones
(contagem de prazo legal), coincidência da norma aplicada (art° 25°, n.° 1, da
LPJ) e dissemelhança nas soluções jurídicas que ancoraram essas decisões
contraditórias, donde se tem que retirar que a interpretação inusitada da norma
básica arguida de inconstitucionalidade, o art.° 427°, n.° 2, no sentido de não
reconhecer ali uma tão clarividente oposição de julgados, viola os imperativos
constitucionais da igualdade de cidadania, do acesso aos tribunais segundo
processo equitativo, e do dever de estes tutelarem os direitos do cidadão em
submissão à lei e à Constituição, sempre devidamente fundamentado, de facto e de
direito.
Só se podendo concluir, após leitura atenta e correcta dos termos recursivos,
pela reunião de todos os pressupostos para a admissão deste recurso
constitucional pois que a tese do Tribunal a quo assentou em errada
interpretação sobre a invocada oposição de julgados na interpretação que deixou
emanente da norma que sustenta tal recurso extraordinário, pois que todos os
elementos exigidos estavam reunidos de forma bastante, repete-se.
Sem que a falta de menção expressa pelo Tribunal a quo da invocada norma possa
constituir obstáculo a que se tenha por fundamento legislativo a regra que impõe
o instituto de fixação de jurisprudência, que alguma norma legal terá que a
sustentar e outra não poderá ser, opinio juris.
Doutro modo estaria aberto o caminho para a omissão das regras de direito que
sustentam as decisões judiciais como modo de impedir a sua posterior sindicância
superior.
Como também o Supremo Tribunal de Justiça ao não dar provimento à arguida
nulidade resultante de não ter conhecido de toda a matéria que lhe foi
submetida, numa interpretação defeituosa do art.° 379°, n.° 1, alínea c), da lei
adjectiva penal, feriu de inconstitucionalidade esse processado, de resto também
de forma inusitada e imprevista, como bem ficou expresso no requerimento de
interposição de recurso para este Tribunal maior.
E o mesmo se diga quanto à demais matéria que dá corpo ao presente recurso pois
que se torna impossível sustentar, mesmo que sumariamente, uma arguição de
inconstitucionalidade interpretativa quanto às normas específicas de um recurso
extraordinário de fixação de jurisprudência, em que a questão essencial é o
confronto de teses contraditórias entre duas soluções jurídicas para um mesmo
tema, sem referir, em concreto, as teses em conflito, argumentar sobre a
benignidade de uma delas, o que de resto é imperativo saído do Assento n.°
9/2000, de 25 de Maio, como também é exigência deste Subido Tribunal que se
indique a interpretação considerada correcta da norma arguida de
inconstitucionalidade.
Parecendo pacífico que não se logre discutir abstractamente o sentido a dar a
uma norma legal sem discutir as questões envolventes do thema decidendum.
Nesta conformidade se apresenta o caso sub judice, as contradições entre
arestos, a indicação do correcto sentido implicam, de per se, tanger também no
concreto do caso, partir daí para a abstracção das normas, não se podendo
confundir a opinião emitida quanto à matéria controvertida, necessariamente
crítica a uma das teses em confronto, com a censura directa à decisão sob
recurso, excepto no que o mesmo recurso implica, isto é, censura da decisão
recorrida e demonstração do erro apontado com indicação do sentido que no caso
se configura como correcto.
E foi isto, que o recorrente, ora reclamante apresentou a este Tribunal
Constitucional.
Nada obstando, pois, na sua modesta perspectiva à apreciação do mérito do
presente recurso, sob pena de, em concretização de summum jus, suma injuria, se
estar violando direitos fundamentais de acesso ao direito e aos tribunais e de
recurso, reconhecidos ao cidadão, segundo os tratados e convenções
internacionais ratificados pelo Estado Português, mormente os art.°s 6°, n.° 1,
13.° e 14.° da Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das
Liberdades Fundamentais que saem, também eles, violados.
O representante do Ministério Público junto do Tribunal Constitucional
pronunciou-se no sentido da manifesta improcedência da reclamação por considerar
que a argumentação do reclamante em nada abala os fundamentos da decisão
reclamada.
2. Fundamentação
Na decisão sumária ora reclamada considerou-se, em relação à primeira
interpretação normativa cuja apreciação pelo Tribunal Constitucional o
recorrente pretendia – as normas dos artigos 379º, n.º 1, alínea c), e 437º, n.º
s 1 e 2, ambos do Código de Processo Penal, “na interpretação […] de que não
existe oposição de julgados mesmo se o acórdão recorrido tem por base um facto
assente em sentido contrário do acórdão fundamento, sustentado este
exclusivamente num entendimento diferente de uma mesma norma jurídica” -, que
não era possível conhecer do objecto do recurso de constitucionalidade,
atendendo a que o tribunal recorrido não aplicara tal interpretação, não
estando, como tal, preenchido um dos pressupostos processuais contemplados no
artigo 70º, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional.
Sustenta agora o reclamante que assim não é, por, na sua perspectiva, com alguma
facilidade se alcançar que a factualidade que sustenta os acórdãos em confronto
no recurso extraordinário para fixação de jurisprudência por si interposto
assenta em diferente interpretação sobre o modo de contagem de certo prazo, suas
interrupções e suspensões.
Esta argumentação, porém, não procede.
Só poderia aceitar-se que o tribunal recorrido aplicara a primeira interpretação
normativa indicada se o reclamante demonstrasse que do texto da decisão
recorrida de algum modo decorre que tal interpretação foi adoptada pelo tribunal
recorrido. Não é possível presumir tal aplicação apenas com base na
“factualidade que sustenta os acórdãos em confronto”, sem o mínimo de apoio na
letra da própria decisão recorrida, pois que tal retiraria objectividade na
apreciação da verificação do correspondente pressuposto processual.
Não tendo sido feita essa demonstração, não se vêem razões para afastar a
conclusão a que se chegou na decisão sumária: a de que nos acórdãos proferidos
pelo tribunal recorrido nenhuma referência se encontra à primeira interpretação
normativa indicada pelo recorrente, pelo que não é possível dela conhecer, por
não ter sido aplicada por esse tribunal.
Relativamente à segunda interpretação normativa - as mesmas normas, na
interpretação segundo a qual não existe nulidade por omissão de pronúncia “se
por essa razão se não conhece do mérito do recurso extraordinário para fixação
de jurisprudência, uma vez que o facto que sustenta cada um dos arestos em
confronto é diverso, apesar de ancorado e na dependência directa da
interpretação normativa que foi efectuada diferentemente para fixar o sobredito
facto” -, constata-se, da leitura da reclamação, que o reclamante não contraria
os fundamentos em que assentou a decisão sumária: o de que tal interpretação não
foi aplicada pelo tribunal recorrido e o de que a inconstitucionalidade dessa
interpretação não foi suscitada perante o tribunal recorrido, no requerimento de
arguição de nulidade.
Não há, portanto, motivo para alterar, também nesta parte, o julgado.
Quanto à terceira interpretação normativa apontada no requerimento de
interposição do presente recurso (que se deixou transcrita na rubrica
Relatório), não demonstra o reclamante minimamente (nem, aliás, se vê como tal
seria possível, atento o casuísmo da formulação por si escolhida) que a mesma
ainda consubstancia uma interpretação normativa e não já uma mera crítica à
própria decisão recorrida que considerou não existir oposição de julgados.
Acrescente-se que a argumentação aduzida pelo reclamante, a este propósito, não
só não destrói os fundamentos da decisão sumária, como reforça a convicção de
que o presente recurso tem em vista a apreciação de realidades que escapam
completamente aos poderes de cognição do Tribunal Constitucional (que se cingem
à verificação da inconstitucionalidade ou ilegalidade de normas, conforme
decorre das várias alíneas do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal
Constitucional). Na verdade, o reclamante insurge-se contra a
“inconstitucionalidade do processado”, contra uma interpretação que considera
“incorrecta” e contra a própria decisão recorrida, o que não poderá constituir
objecto idóneo de um recurso de constitucionalidade.
Improcede, assim, totalmente a fundamentação do reclamante, pelo que deverá
manter-se a decisão sumária reclamada.
3. Decisão
Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, acordam em indeferir a reclamação.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC.
Lisboa, 21 de Novembro de 2007
Carlos Fernandes Cadilha
Maria Lúcia Amaral
Gil Galvão