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Processo n.º 870/07
2ª Secção
Relator: Conselheiro Joaquim de Sousa Ribeiro
Acordam, em conferência, na 2ª secção do Tribunal Constitucional
I - Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, em que é
recorrente A. e recorrido o Ministério Público, o relator proferiu decisão
sumária, negando provimento ao recurso, nos termos seguintes:
«1. A. interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na
alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei da Organização, Funcionamento e
Processo do Tribunal Constitucional (LTC), da decisão do Tribunal da Relação de
Lisboa, de 09.07.2007, que desatendeu a sua reclamação quanto ao regime de
subida diferida fixado ao recurso interposto da decisão de fls. 923, para
apreciação da constitucionalidade da norma do n.º 2 do artigo 407.º do Código de
Processo Penal (CPP).
O recurso surge na sequência de acusação particular que A. deduziu contra B.,
por crime de difamação, p. e p. no artigo 180.º, n.º 1, do Código Penal.
No decurso da respectiva audiência de julgamento, o assistente (aqui recorrente)
requereu a junção de uma certidão de outro processo, diligência que foi
indeferida por despacho proferido na audiência.
Desta decisão recorreu o assistente, tendo o recurso sido admitido com subida
diferida e efeito meramente devolutivo.
O assistente reclamou do regime de subida diferida, tendo a reclamação sido
desatendida por decisão da Vice-Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa, de
09.07.2007, com fundamento, em síntese, no seguinte:
«No caso da decisão relativa ao indeferimento de junção de uma certidão ou seja
da produção de um meio de prova, a retenção do recurso não o torna absolutamente
inútil, mesmo que venha a ser julgado procedente, apenas podendo desencadear a
repetição de actos processuais, nomeadamente a repetição do próprio julgamento
com vista à produção do meio de prova indeferido.»
É desta decisão que vem interposto o presente recurso.
2. O recorrente sustenta, em síntese, que a norma do artigo 407.º, n.º 2, do CPP
− na interpretação de que, no caso da decisão relativa ao indeferimento de
junção de uma certidão ou seja da produção de um meio de prova, a retenção do
recurso não o torna absolutamente inútil, mesmo que venha a ser julgado
procedente, apenas podendo desencadear a repetição de actos processuais,
nomeadamente a repetição do próprio julgamento com vista à produção do meio de
prova indeferido − é inconstitucional, por violação dos artigos 20.º, n.º 5, e
202.º, n.º 2 da Constituição, quando aplicada abstractamente a qualquer caso que
corra sério risco de prescrição do procedimento criminal.
Pelas razões a seguir aduzidas, o recurso apresenta-se como manifestamente
infundado, o que justifica a prolação de decisão sumária, ao abrigo do disposto
no n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC.
Dispõe o n.º 2 do artigo 407.º do CPP: «Sobem ainda imediatamente os recursos
cuja retenção os tornaria absolutamente inúteis.»
O Tribunal Constitucional já várias vezes se pronunciou pela não
inconstitucionalidade desta norma, quando interpretada no sentido de que a
retenção de recursos de decisões que indefiram diligências de prova requeridas
pelo arguido na fase da instrução não os torna absolutamente inúteis (v.,
nomeadamente, os Acórdãos n.ºs 474/94, 964/96 e 68/2000, disponíveis em
www.tribunalconstitucional.pt). Nestes arestos considerou-se, nomeadamente, que
esta interpretação normativa não afrontava as garantias de defesa do arguido, o
princípio da igualdade e as garantias de acesso ao direito.
No caso vertente está, igualmente, em causa o recurso de uma decisão que
indeferiu uma diligência de prova (junção de uma certidão de um outro processo),
com a diferença que a diligência de prova foi requerida pelo assistente (e não
pelo arguido) e em audiência de julgamento.
Mas tal como se decidiu quanto ao arguido, também quanto ao assistente, o regime
de subida diferida do recurso de despacho que indeferiu diligência de prova, não
põe em causa a garantia de acesso ao direito. A este respeito, é de reiterar o
que se escreveu no Acórdão n.º 474/94:
«A garantia de acesso ao direito e aos tribunais (artigo 20.º da CRP) não fica
também afectada pelo referido regime de subida do recurso em causa. Com efeito,
o direito de acesso aos tribunais, na modalidade de direito ao recurso, está
garantido pela subida do recurso com o que for interposto da decisão final e, na
modalidade de direito a um julgamento rápido, no mais curto prazo, fica também
tal direito garantido por essa forma de subida do recurso […]».
Além disso, tratando-se, como é o caso, de recurso de um despacho que indeferiu
um pedido de junção de uma certidão de um outro processo, também não está em
causa uma situação em que a retenção do recurso possa inviabilizar a prova
requerida, pelo que tem plena aplicação a conclusão a que se chegou no Acórdão
n.º 964/96:
«[…] não é esse o sentido constitucionalmente necessário da norma do artigo
407º, nº 2, do Código de Processo Penal. O sentido constitucionalmente
necessário da determinação segundo a qual 'sobem ainda imediatamente os recursos
cuja retenção os tornaria absolutamente inúteis' é o da não inviabilização da
prova em ordem à consecução da verdade material. A ponderação que o juiz deve
empreender é a de se o regime de subida diferida que atribui ao recurso ainda
está nos limites da subsistência da afirmação da prova ou se, pelo contrário, o
diferimento do controlo em via de recurso da apreciação da prova corresponde à
negação da subsistência da mesma prova.»
Por outro lado, não se vislumbra em que medida a norma em causa, com a
interpretação referida, é susceptível de afrontar os dois únicos preceitos
constitucionais aludidos pelo recorrente: o artigo 202.º, n.º 2, referente à
função jurisdicional e o artigo 20.º, n.º 5, que contém um comando,
essencialmente dirigido ao legislador, no sentido de assegurar a existência de
meios processuais urgentes para tutela de direitos, liberdades e garantias
pessoais. Ainda que, no caso, se possa considerar que, através da acusação
particular por crime de difamação, o recorrente visa a tutela de direitos
pessoais, garantidos no artigo 26.º, n.º 1, da Constituição, é manifesto que o
regime de subida do recurso, aqui em questão, não põe em causa a normal
celeridade do meio processual previsto na lei para essa defesa.
Por último, não tem qualquer fundamento a alusão à prescrição do procedimento
criminal. Pois não pode afirmar-se que a subida diferida do recurso contribua
necessariamente para prolongar o processo, com a eventual prescrição do
procedimento criminal no decurso do mesmo. Pelo contrário, são precisamente
exigências de celeridade processual que estão na base do regime de subida
diferida dos recursos (cfr., a este respeito, o citado Acórdão n.º 474/94).
Em suma, é de concluir pela manifesta improcedência do presente recurso.
3. Pelo exposto, e nos termos do n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC, decide-se negar
provimento ao recurso. […]».
2. Notificado desta decisão, o recorrente veio reclamar para a conferência, ao
abrigo do artigo 78.º-A, n.º 3, da LTC, com os seguintes fundamentos:
«[…] A douta decisão sumária tirada do recurso de inconstitucionalidade
interpretativa da norma contida no n.° 2 o art.° 407.° do Código de Processo
Penal por invocada violação dos imperativos constitucionais dos art.°s 20.°, n.°
5, e 202.º, n.º 2, vem negar-lhe provimento com o fundamento que se pode
sumariar em que a retenção de um recurso incidente sobre a inadmissão de meios
de prova em processo penal não implica que esse recurso torne absolutamente
inútil e, por isso não colide nem viola o direito constitucional à celeridade do
meio processual previsto na lei para essa defesa como invocado no presente
recurso constitucional.
Sustenta-se esta decisão em vasta jurisprudência deste Tribunal sobre a mesma
norma adjectiva penal, a qual se restringe, no entanto, a apreciar as
interpretações trazidas a juízo constitucional na esfera da violação de um único
imperativo constitucional, o do artigo 20.°, n.° 5, da CRP.
Porém, tem o recorrente de trazer à douta apreciação da conferência a
substancial diferença do presente recurso carecida de solução diversa ante essa
alteração qualitativa da vexata quaestio, qual seja a interpretação a dar à
sobredita regra adjectiva quando a inutilidade superveniente advém da
circunstância de que é previsível, pelos elementos processuais disponíveis, que
antes da subida do recurso, da sua decisão ou daqueloutra definitiva oriunda de
um novo julgamento por via da eventual procedência do recurso retido, possa
ocorrer a prescrição do procedimento criminal, matéria de conhecimento oficioso,
competindo ao Tribunal dela conhecer e obstar a tal situação sob pena de violar
ainda, e também, o imperativo do artigo 202.°, n.° 2, da Constituição da
República Portuguesa, expressamente invocado no presente recurso, o que
constitui matéria diversa da que a jurisprudência constitucional assentou nos
arestos ali convocados.
Ou seja, a novidade da questão ora submetida à douta sapiência deste Tribunal
Constitucional assenta não só na definição legal de inutilidade superveniente
quando é patente que possa ocorrer prescrição do procedimento criminal antes de
um novo julgamento caso obtenha provimento o recurso retido, mas também, e
principalmente, que compete ao tribunal recorrido fazer tal enquadramento de
probabilidades no cumprimento do dever constitucional plasmado no n.° 2 do
artigo 202.° da CRP, de assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente
protegidos.
Aliás a alteração legislativa, no quadro da norma tida por erradamente
interpretada à luz dos preceitos constitucionais, imposta pela Lei n.° 48/2007,
de 29 de Agosto, traduz já esse espírito de abrangência tutelar e cautelosa da
matéria da inutilidade superveniente, como melhor se explicitará em sede próxima
de alegações, após a admissão formal do presente recurso como se espera e é de
Justiça!!!»
3. O Ministério Público apresentou resposta no sentido da manifesta
improcedência da reclamação.
Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
4. A decisão sumária reclamada considerou o recurso manifestamente infundado,
entendendo que − num caso em que estava em causa uma decisão que indeferiu uma
diligência de prova (junção de uma certidão de um outro processo) requerida pelo
assistente em audiência de julgamento − era de reafirmar a jurisprudência firme
e reiterada do Tribunal Constitucional no sentido da não inconstitucionalidade
da norma do artigo 407.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, quando
interpretado no sentido de que a retenção de recursos de decisões que indefiram
diligências de prova, requeridas pelo arguido na fase da instrução, não os torna
absolutamente inúteis.
Contrariamente ao que vem defendido na reclamação, o recorrente não invoca
qualquer argumento que justifique a alteração da decisão.
No que respeita às alegadas “questões novas” subscreve-se o que a esse respeito
se decidiu na decisão reclamada:
«[…] não se vislumbra em que medida a norma em causa, com a interpretação
referida, é susceptível de afrontar os dois únicos preceitos constitucionais
aludidos pelo recorrente: o artigo 202.º, n.º 2, referente à função
jurisdicional e o artigo 20.º, n.º 5, que contém um comando, essencialmente
dirigido ao legislador, no sentido de assegurar a existência de meios
processuais urgentes para tutela de direitos, liberdades e garantias pessoais.
Ainda que, no caso, se possa considerar que, através da acusação particular por
crime de difamação, o recorrente visa a tutela de direitos pessoais, garantidos
no artigo 26.º, n.º 1, da Constituição, é manifesto que o regime de subida do
recurso, aqui em questão, não põe em causa a normal celeridade do meio
processual previsto na lei para essa defesa.
Por último, não tem qualquer fundamento a alusão à prescrição do procedimento
criminal. Pois não pode afirmar-se que a subida diferida do recurso contribua
necessariamente para prolongar o processo, com a eventual prescrição do
procedimento criminal no decurso do mesmo. Pelo contrário, são precisamente
exigências de celeridade processual que estão na base do regime de subida
diferida dos recursos (cfr., a este respeito, o citado Acórdão n.º 474/94).»
Consequentemente, é de manter na íntegra a decisão sumária reclamada.
III. Decisão
Pelo exposto, acordam em indeferir a presente reclamação.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de
conta.
Lisboa, 11 de Dezembro de 2007
Joaquim Sousa Ribeiro
Benjamim Rodrigues
Rui Manuel Moura Ramos