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Processo n.º 923/07
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
A – Relatório
1 – A. reclama para a conferência, ao abrigo do disposto no art.º
78.-A, n.º 3, da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual versão (LTC),
da decisão do relator, no Tribunal Constitucional, que decidiu não tomar
conhecimento do recurso de constitucionalidade interposto de acórdão do Supremo
Tribunal de Justiça.
2 – Fundamentando a sua reclamação, argumentou nos seguintes termos:
«1. O caso dos autos não tem qualquer similitude com o que foi ponderado no
Acórdão 390/04. Efectivamente,
2. O que foi colocado em crise foi a interpretação do art. 379º nº 2 do CPP
e dos arts. 716º nº 1 e 668º, nº 3, ambos do CPC, nos precisos termos do
decidido no acórdão de 6 de Junho de 2007.
3. A recorrente arguiu NULIDADES no acórdão do Tribunal da Relação.
4. Segundo o disposto no art. 379º nº 2, as nulidades das sentenças devem
ser arguidas ou conhecidas em recurso sendo lícito ao tribunal supri-las,
aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no art. 414º; nº 4.
5. No caso concreto, a decisão admitia recurso, que, a seu tempo, será
conhecido pelo STJ.
6. Defender, como o fez a decisão recorrida, trazendo à colação o processo
civil, que a arguição das nulidades teria de ser feita perante o próprio
tribunal é esquecer quer que existe norma específica do processo penal, a
invocada, sobre o tema, quer que a celeridade é, hoje, um princípio base do
direito penal. A aceitar‑se a tese do STJ teria ocorrido nos autos uma arguição
de nulidades que a Relação conheceria e um recurso sobre o qual o STJ tomaria
posição. É, claramente, uma atitude sem sentido, atento o teor do transcrito
art. 379º nº 2 do CPP.
7. O STJ aplicou os artigos cuja inconstitucionalidade foi invocada, na
dimensão normativa que foi invocada e o apelo ao art. 400º nº 1, alínea f) do
CPP não consegue afastar a realidade objectiva de esta decisão da Relação ser
passível de recurso e de terem, em concreto, sido invocadas pela recorrente
NULIDADES na mesma.
8. Não é por acidente, que o STJ para afastar a interpretação normativa do
art. 379º, nº 2 do CPP invocada teve de trazer à liça, normas do CPC que, por
força disso, também foram arguidas, face à situação real, de inconstitucionais.
9. Só porque foi invocado o artigo 400º, nº 1, al. f) do CPP, mas a decisão
do tribunal da Relação era recorrível, como o foi, é que foi necessário invocar
o aludido artigo 379º, nº 2.
10. Efectivamente, a dimensão normativa impugnada foi a interpretação dos
artigos invocados na decisão de 6 de Junho.
11. Na realidade o recurso foi interposto nos seguintes termos:
2-Pretende ver-se apreciada a inconstitucionalidade dos artigos 379º,nº 2, do
CPP e 716º, nº 1 e 668º, nº 3, ambos do CPC, interpretados no sentido com que o
foram na decisão recorrida, isto é, que não é conhecível em sede de recurso
crime a arguição de nulidades de acórdão da Relação, quando a mesma versar sobre
matéria de recurso interlocutório ou de decisão que confirmando decisão de 1ª
Instância manteve a condenação da arguida pela prática de um crime de roubo p.
p. pelo artigo 210º do CP, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão declarada
suspensa na sua execução.
3-As aludidas normas, nas termos em que foram interpretadas violam os artigos20º
e 32º, nº 1 da CRP.
Termos em que, deve o TC tomar conhecimento do objecto do recurso».
3 – O Ministério Público respondeu que a reclamação “é
manifestamente improcedente”, por “a argumentação do reclamante em nada abala[r]
os fundamentos da decisão sumária, no que respeita à evidente inverificação dos
pressupostos de admissibilidade do recurso”.
4 – A decisão sumária reclamada tem o seguinte teor:
«1 – A. recorre para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do
disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro,
na sua actual redacção (“LTC”), pretendendo ver apreciada a
“inconstitucionalidade dos artigos 379.º, n.º 2, do CPP e 716.º, n.º 1, e 668.º,
n.º 3, ambos do CPC, interpretados no sentido com que o foram na decisão
recorrida, isto é, que não é cognoscível em sede de recurso-crime a arguição de
nulidades de acórdão da Relação, quando a mesma versar sobre matéria de recurso
interlocutório ou de decisão que confirmando decisão de primeira instância
manteve a condenação da arguida (…) na pena de um ano e seis meses de prisão,
declarada suspensa na sua execução”.
2 – A decisão recorrida – Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça –
tem o seguinte teor:
“No Tribunal Colectivo do 3° Juízo Criminal de Matosinhos foram os
arguidos A. e B. condenados da seguinte forma:
A arguida foi condenada, por um crime de roubo p. p. pelo art. 210º, nº 1 do CP,
na pena de 1 ano e 6 meses de prisão, suspensa por 3 anos;
O arguido foi condenado, por um crime de sequestro, p. p. pelo art. 158°, nº 1 e
2, b) do CP, na pena de 3 anos de prisão; por dois crimes tentados de coacção
grave, p. p. pelos arts. 154°, nº 1, 155°, nº 1, a) e 22° e 23° do CP, na pena
de 2 anos por cada um: e ainda por um crime de detenção de munições proibidas.
p. p. pelo art. 275°, nº 3 e 4 do CP, conjugado com os arts. 1°, nº 1 e 6°, nº 1
da Lei nº 22/97, de 27-6, na pena de 3 meses de prisão; sendo, em cúmulo,
condenado na pena unitária de 5 anos de prisão.
Desse acórdão recorreram ambos para a Relação, subindo com esses recursos o
recurso intercalar interposto do despacho que ordenou o afastamento dos arguidos
e do público da audiência quando da prestação dos depoimentos das testemunhas
Mónica Alexandre e Hélder Jorge.
A Relação do Porto negou provimento a todos os recursos interpostos.
Do acórdão da Relação recorrem de novo os arguidos, que argúem a nulidade dessa
decisão quanto ao recurso retido e também quanto ao recurso do acórdão final. O
arguido B. coloca ainda diversas questões relativas aos crimes pelos quais foi
condenado.
Neste STJ, a Sra. Procuradora-Geral Adjunta, em questão prévia, pronunciou-se
pela rejeição, por inadmissibilidade, do recurso referente à decisão
interlocutória, e também do recurso interposto pela arguida A..
Notificados, nos termos do art. 417°, nº 2 do CPP, os recorrentes contestam
aquela posição, argumentando que as nulidades da sentença devem ser arguidas ou
conhecidas em recurso, assim devendo portanto acontecer com as nulidades
constantes do acórdão da Relação, arguindo de inconstitucional a interpretação
do art. 379°, nº 2, do CPP que não admita o recurso nas circunstâncias
referidas, por violação dos arts. 20° e 32° da CRP.
Colhidos os vistos, cumpre conhecer da questão prévia.
Nos termos da al. c) do nº 1 do art. 400º do CPP, não é admissível recurso para
o STJ dos acórdãos proferidos, em recurso, pelas Relações que não ponham termo à
causa.
É precisamente esse o caso do recurso interlocutório, interposto de uma decisão
que não punha termo à causa (realização da audiência “à porta fechada”), o mesmo
sucedendo logicamente com a decisão do tribunal superior que sobre ela recaiu.
Portanto, a decisão da Relação é definitiva, nessa parte.
E o mesmo sucede com o recurso da arguida A.. Na verdade, por força da al. f) do
já citado nº 1 do art. 400°, não têm recurso para o STJ os acórdãos das
Relações, em recurso, que confirmem decisões por crime a que seja aplicável pena
não superior a 8 anos de prisão. Ora, a arguida foi condenada pelo art. 210°, nº
1, do CP, cujo limite máximo é precisamente de 8 anos.
Assim, este recurso também é inadmissível, por imperativo legal.
Não tem cabimento o argumento dos recorrentes no sentido de ficarem desprovidos
de meio de reacção contra as nulidades do acórdão da Relação. Com efeito,
segundo o nº 3 do art. 668° do CPC (aplicável por força do art. 4º do CPP), as
nulidades da sentença só são arguidas perante o tribunal superior quando há
recurso; não o havendo, é perante o próprio tribunal que proferiu a decisão que
as nulidades devem ser arguidas.
Refira-se, por último, que á absolutamente inconsistente a arguição de
inconstitucionalidade do art. 379°, nº 2, do CPP, na “interpretação do MP”. É
que não basta acenar com artigos da Constituição; é necessário argumentar em
concreto de forma a demonstrar a incompatibilidade da interpretação da norma com
a CRP. E nada disso fazem os recorrentes.
Com base no exposto, decide-se, dando provimento à questão prévia suscitada pelo
MP, rejeitar, por inadmissíveis, nos termos das disposições legais atrás
citadas, o recurso da arguida A. e ainda do recurso do arguido B. na parte
referente à decisão interlocutória impugnada.
Os autos prosseguirão neste STJ para apreciação do recurso do arguido B..
Cada um dos recorrentes pagará 3 UC de taxa de justiça.”.
3 – Desta decisão foi interposto, nos termos supra referidos, o
presente recurso de constitucionalidade, o qual passará a ser decidido nos
termos do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC.
4.1 – O objecto do recurso de fiscalização concreta de
constitucionalidade, previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 280º da
Constituição e na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC, disposição esta que
se limita a reproduzir o comando constitucional, apenas se pode traduzir numa
questão de (in)constitucionalidade de norma que a decisão recorrida tenha feito
efectiva aplicação ou que tenha constituído o fundamento normativo do aí
decidido, a título de ratio decidendi.
Trata-se de um pressuposto específico do recurso de
constitucionalidade cuja exigência resulta da natureza instrumental (e
incidental) do recurso de constitucionalidade, tal como o mesmo se encontra
desenhado no nosso sistema constitucional, de controlo difuso da
constitucionalidade de normas jurídicas pelos vários tribunais, bem como da
natureza da própria função jurisdicional constitucional (cf. Cardoso da Costa,
«A jurisdição constitucional em Portugal», in Estudos em homenagem ao Professor
Doutor Afonso Rodrigues Queiró, Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra, I,
1984, pp. 210 e ss., e, entre outros, os Acórdãos n.º 352/94, publicado no
Diário da República II Série, de 6 de Setembro de 1994, n.º 560/94, publicado no
mesmo jornal oficial, de 10 de Janeiro de 1995 e, ainda na mesma linha de
pensamento, o Acórdão n.º 155/95, publicado no Diário da República II Série, de
20 de Junho de 1995, e, aceitando os termos dos arestos acabados de citar, o
Acórdão n.º 192/2000, publicado no mesmo jornal oficial, de 30 de Outubro de
2000).
Por outro lado, neste domínio da fiscalização concreta de
constitucionalidade, importa acentuar que a intervenção do Tribunal
Constitucional se limita ao reexame ou reapreciação da questão de
(in)constitucionalidade que o tribunal a quo apreciou ou devesse ter apreciado.
Na verdade, a resolução da questão de constitucionalidade há-de
poder, efectivamente, reflectir-se na decisão recorrida, implicando a sua
reforma, no caso de o recurso obter provimento e tal só é possível quando a
norma cuja constitucionalidade o Tribunal Constitucional aprecie haja
constituído a ratio decidendi da decisão recorrida, ou seja, o fundamento
normativo do aí decidido.
4.2 – Ora, perscrutando a fundamentação do Acórdão recorrido,
constata-se que a razão determinante do decidido radicou na aplicação do
disposto no artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal, tendo
sido com base nessa norma que se rejeitou, por inadmissibilidade, o recurso
interposto para essa instância.
Desse modo, na perspectiva do recurso de constitucionalidade, apenas
poderia questionar-se um critério normativo reportado a tal disposição legal.
No presente recurso, a recorrente pretende que este Tribunal aprecie
a “inconstitucionalidade dos artigos 379.º, n.º 2, do CPP e 716.º, n.º 1, e
668.º, n.º 3, ambos do CPC, interpretados no sentido (…) [de] que não é
cognoscível em sede de recurso-crime a arguição de nulidades de acórdão da
Relação, quando a mesma versar sobre matéria de recurso interlocutório ou de
decisão que confirmando decisão de primeira instância manteve a condenação da
arguida”.
Sucede, porém, que a dimensão normativa questionada não foi aplicada
pelo Supremo Tribunal de Justiça, a título de ratio decidendi, a partir desses
preceitos legais, outrossim em face da sobreposição do regime constante do
artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal, razão pela qual, à
luz do exposto, só um critério inferido desse preceito, de per se ou conjugado
com outras disposições legais, poderia ser, com propriedade, aqui sindicado.
De qualquer modo, refira-se que o Tribunal Constitucional já se
pronunciou sobre a constitucionalidade de um critério normativo, inferido do
artigo 400.º do Código de Processo Penal, na acepção de não permitir recurso
para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão do Tribunal da Relação mesmo em
caso de arguição de nulidades deste aresto, e, com base em argumentação
integralmente transponível para o caso sub judicio na circunstância de não
existir obstáculo ao seu conhecimento, o Tribunal não julgou inconstitucional a
norma que constituía o objecto do recurso – cf. Acórdão n.º 390/04, disponível
em www.tribunalconstitucional.pt.
5 – Destarte, atento o exposto, o Tribunal Constitucional decide não
tomar conhecimento do objecto do recurso.
Custas pela recorrente com taxa de justiça que se fixa em 8 (oito)
UCs.».
B – Fundamentação
5 – A argumentação expendida pela reclamante em nada afecta a
bondade da fundamentação da decisão reclamada.
Na verdade, a reclamante limita-se a pretender demonstrar que o
critério (fundamento) normativo que deveria ter sido aplicado pelo acórdão
recorrido é aquele que ela avança na sua reclamação.
Todavia, no recurso de constitucionalidade, o objecto é constituído
pela concreta norma que haja sido determinada e aplicada pela decisão recorrida
como fundamento normativo do decidido; no caso, a rejeição do recurso interposto
para o Supremo Tribunal de Justiça (STJ), por inadmissibilidade objectiva deste.
Ora, é seguro, perante o discurso do respectivo aresto, que acima se
deixou transcrito, que a rejeição do recurso interposto da Relação para o STJ
não se fundou no critério normativo que a reclamante pretende ver apreciado no
Tribunal Constitucional, como bem considerou a decisão reclamada.
Por outro lado, conquanto afirmado apenas a título de obter dictum, para a
hipótese do conhecimento do mérito do recurso, é de referir, igualmente, que se
tem por adequada a convocação hipotética para o caso dos autos da doutrina do
Acórdão n.º 390/04, nos termos da qual não está constitucionalmente imposta a
existência de um novo grau de recurso fundado em nulidades da decisão pretendida
recorrer, fora do quadro da garantia constitucional de reconhecimento de um
duplo grau de jurisdição sobre a matéria da causa/relação penal.
C – Decisão
6 – Destarte, atento tudo o exposto, o Tribunal Constitucional
decide indeferir a reclamação.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 UCs.
Lisboa, 14.01.2008
Benjamim Rodrigues
Joaquim de Sousa Ribeiro
Rui Manuel Moura Ramos