Imprimir acórdão
Processo n.º 751/07
3ª Secção
Relator: Conselheiro Vítor Gomes
Acordam na 3.ª secção do Tribunal Constitucional
1. No 1.º Juízo Cível do Porto (2.ª Secção) correu um processo em
que foram autores A. e B. e réus C. e D., em que estes litigaram com benefício
de apoio judiciário.
As partes foram condenadas nas custas da acção na proporção do
decaimento, que para os autores foi calculado em 13,66%. Os autores foram ainda
condenados nas custas de um incidente (liquidadas em €178,00).
Elaborada a conta de custas, dela reclamaram os autores alegando que
depositaram, a título de taxa de justiça inicial e subsequente, a quantia de €
267,00, ou seja, que já cobriram a quase totalidade das custas da sua
responsabilidade, que ascendem a € 283,16, faltando apenas a quantia de € 16,16
e não € 246,69 como lhes é exigido; os réus é que nada pagaram ao longo do
processo, por beneficiarem de apoio judiciário, pelo que devem a título de
custas e sem prejuízo do referido benefício, a quantia de € 664,70 e não de €
434,17; na elaboração da conta, a taxa de justiça paga pelos autores foi
abatida a ambas as partes na proporção do decaimento, beneficiando os réus à
custa dos autores e impondo-se a estes o ónus de reclamar a restituição do valor
de € 230,53 a título de custas de parte, o que constitui uma interpretação
inconstitucional, por desproporcionada, não equitativa, manifestamente injusta e
imoral dos artigos 13.º, 31.º, 33.º e 33.º-A do C.C.J..
2. Por despacho de 23 de Abril de 2007, o juiz do processo deferiu a
reclamação, com a seguinte fundamentação
“Cumpre apreciar.
Compulsados os autos verifica-se que os Autores foram condenados, a fls. 97, no
incidente no valor de € 178,00 e que foram ainda condenados por sentença nas
custas em função decaimento de 13,66%.
As custas ascendem ao montante de €534,00, sendo da sua responsabilidade €
72,94, sendo ainda da sua responsabilidade o pagamento de €32,22 gastos com o
apoio judiciário e transportes.
Os Autores pagaram de taxa € 267,00 pelo que entraram na sua conta € 36,47 como
taxa paga, entrando os restantes € 230,53 como taxas pagas nas contas dos Réus.
O total das taxas pagas independentemente de quem as pagar entraram nas contas
das partes em função do respectivo decaimento.
Assim, os Autores são responsáveis pelo pagamento de € 178,00 do incidente, de €
72,94 de taxa de justiça do processo e de € 32,22 de reembolso ao cofre, pelo
que descontados € 36,47 de taxas pagas, têm ainda a pagar € 246,69.
Os € 230,53 de taxa paga pelos Autores que entraram como taxa paga na conta dos
Réus podem ser reavidos através das custas de parte, nos termos dos artºs. 31º,
33º, nº 1, 33º-A, nº 1, sendo que no caso, como os Réus beneficiam de apoio
judiciário, o referido montante terá que ser requerido ao cofre, nos termos do
artº 4º, nº 3, todos do C.C.J..
Uma das inovações do Código das Custas Judiciais aprovado pelo DL nº 324/2003
consistiu em eliminar a “restituição antecipada (independentemente de o vencido
proceder ao pagamento das custas de sua responsabilidade), pelo Cofre Geral dos
Tribunais, da taxa de justiça paga pelo vencedor no decurso da acção,
transferindo para o vencedor o ónus de reaver do vencido o que adiantou através
do mecanismo de custas de parte.
Este mecanismo, previsto nos artºs. 31º, nº 1, 32º, nºs. 1 e 2, 33º, nº 1, e
33º-A do C.C.J., traduz-se numa garantia de que a taxa de justiça é
efectivamente paga e pode levar a que o vencedor, não obstante ter ganho a lide,
suporte o respectivo custo, por não conseguir o respectivo pagamento pelo
vencido, nem voluntariamente, nem em via de execução.
Pretende-se, com a inovação introduzida no regime da taxa de justiça, que o
“custo efectivo” do processo “não opere à custa da comunidade e do Estado, mas
sim de quem deu causa (em sentido amplo) à acção e “introduzir um factor de
racionalização e moralização no recurso aos tribunais, desincentivando-o por
parte de quem já saiba de antemão que não irá obter quaisquer benefícios reais
com o processo” (vd. preâmbulo do DL nº 324/2003).
Tal regime tem sentido quando há reembolsos a fazer, pois a garantia de
pagamento das custas em dívida consegue-se, nesta lógica, retendo o que foi pago
a mais pela parte vencedora, impondo-lhe o ónus de, pelo mecanismo das custas de
parte, o reaver da parte contrária (vd. o Ac. do Tribunal Constitucional citado
pelos Reclamantes, com o n.º 643/2006).
No caso em apreço, verifica-se que os Autores pagaram de taxa € 267,00 e que,
não obstante, entram na sua conta € 36,47 como taxa paga, entrando os restantes
€ 230,53 como taxas pagas na conta dos Réus, já que de acordo com o conjunto
normativo resultante dos artº.s 31º, nº 1, 33º e 33º-A do C.C.J., o total das
taxas pagas independentemente de quem as pagou entraram nas contas das partes em
função do respectivo decaimento.
Como os Autores são responsáveis pelo pagamento de € 178,00 do incidente, de €
72,94 de taxa de justiça do processo e de € 32,22 de reembolso ao cofre,
descontados € 36,47 de taxas pagas, têm ainda a pagar € 246,69, cabendo-lhes o
ónus de requerer ao cofre os € 230,53 de taxa que pagaram e que entraram como
taxa paga na conta dos Réus.
Ora tendo os Autores agora € 267,0 de taxa e ascendendo o valor das custas da
sua responsabilidade a € 283,16, não se compreende que tenham ainda de pagar
249,69, retendo o programa informático, à luz dos princípios constantes dos
normativos acima referidos, € 230,53, para garantir o pagamento das custas em
dívida, tendo os Autores, para reaver tal quantia, de requerer o seu pagamento
ao cofre, pelo acto de os Réus beneficiarem de apoio judiciário.
A aplicação dos artºs. 31º, 33º, nº 1, 33º-A, nº 1 do C.C.J. com a interpretação
tida em consideração na elaboração das contas efectuadas nos autos afigura-se
inconstitucional, por incompatível com o princípio da proporcionalidade ínsito
no princípio do Estado de direito democrático, consagrado no n.º 2 da
Constituição da República Portuguesa.
Tal como é referido no acórdão nº 187/2001, citado no Acórdão n.º 643/2006
referenciado pelos autores, “o princípio da proporcionalidade, em sentido lato
pode (…) desdobrar-se (…) em três exigências da relação entre as medidas e os
fins prosseguidos: a adequação as medidas aos fins; a necessidade ou
exigibilidade das medidas e a proporcionalidade em sentido estrito, ou “justa
medida”.
Ora a aplicação dos preceitos acima referidos com a interpretação tida em
consideração na elaboração das contas efectuadas nos autos, no sentido de que
pode ser exigido dos Autores, que já pagaram a quase totalidade das custas de
sua responsabilidade, o adiantamento de parte da taxa de justiça que entra como
taxa paga na conta dos Réus, cabendo-lhes depois exigir do cofre a devolução da
quantia correspondente nos termos aplicáveis às custas de parte, não se afigura
adequada a alcançar o objectivo de garantia do novo regime, na medida em que
leva a reter uma quantia para pagamento das custas em dívida que previsivelmente
terá de ser reembolsada, nos termos do artº 4º, nº 3 do C.C.J.; não é necessária
para o mesmo efeito e traduz-se na imposição aos Autores, que já pagaram a quase
totalidade das custas de sua responsabilidade, de um ónus de desembolsar parte
do que cabe aos Réus e de, posteriormente, ter de lançar mão das vias previstas
para obter o reembolso.
Como tal, recusa-se a aplicação, no caso em apreço, dos artºs. 31º, 33º, nº 1 e
3º-A do C.C.J., por materialmente inconstitucionais, com o sentido acima
referido.
Todavia, não sendo possível reformar as contas elaboradas nos autos, enquanto o
programa informático não for alterado, defere-se parcialmente a reclamação
apresentada e determina-se a inexigibilidade da parte das custas que não são da
responsabilidade dos Autores, bem como da quantia de € 16,16, por inferior a
metade de 1 UC, à luz do disposto no artº 57º, nº 1, do C.C.J., nada mais lhes
devendo ser exigido.”
3. O Ministério Público interpôs recurso obrigatório desta decisão,
ao abrigo das disposições conjugadas da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º e da
alínea a) do n.º 1 e do n.º 3 do artigo 72.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro
(LTC), com vista à apreciação da constitucionalidade das normas dos artigos
31.º, 33.º, n.º1 e 33.º-A, do Código das Custas Judiciais, na interpretação a
que o despacho recorrido recusou aplicação.
No momento próprio apresentou alegações em que sustenta que a questão é
semelhante à apreciada nos acórdãos n.ºs 648/07, 40/07 e 128/07. Defende que a
circunstância de a anómala repartição da responsabilidade pelas custas não
decorrer de negócio processual, como nas situações que estiveram na base daquela
jurisprudência, mas do facto de uma das partes litigar com apoio judiciário, não
impede a transposição do juízo de inconstitucionalidade a que então se chegou. E
concluiu nos seguintes termos:
“1º
Constitui interpretação normativa desproporcionada – e, consequentemente,
violadora do princípio do processo equitativo, proclamado pelo artigo 20º da
Constituição da República Portuguesa – dos artigos 31º, 33º, nº 1, 33º-A do
Código das Custas Judiciais a que se traduz em colocar a cargo da parte – que já
liquidou a quase totalidade da taxa de justiça por ela devida – o adiantamento
do pagamento de uma parcela da taxa de justiça que, segundo as regras gerais do
decaimento, é devida, em termos definitivos, pela parte contrária que beneficia
de apoio judiciário, com o consequente ónus de exigir do Cofre Geral dos
Tribunais a quantia correspondente, nos termos aplicáveis às custas de parte.
2º
Termos em que deverá proferir-se a decisão interpretativa, que exclua a
aplicação de tal dimensão normativa, materialmente inconstitucional.”
Não houve contra-alegações.
4. Com a alteração do Código de Custas Judiciais operada pelo Decreto-Lei n.º
324/2003, de 27 de Dezembro, foi profundamente modificado o sistema de reembolso
das quantias que a parte tenha adiantado e que excedam o montante de custas por
que a final venha a ser considerada responsável. O anterior artigo 31.º impunha
a restituição oficiosa, pelo Cofre Geral dos Tribunais, à parte não responsável
pelas custas (ou cuja responsabilidade fosse inferior ao que adiantara) do
montante por ela depositado a título de taxa de justiça inicial e subsequente.
Agora, o reembolso faz-se através do mecanismo das custas de parte, previsto nos
artigos 33.º e 33.°-A, isto é, o credor de custas só recupera o montante
adiantado se for possível cobrá-lo do devedor, voluntária ou coercivamente.
Como o preâmbulo do diploma dá conta (cfr. tb. salvador da costa,
Código das Custas Judiciais, 6.ª ed., pág. 227), presidiu a esta alteração, além
de um propósito de simplificação da contagem e cobrança de custas, a ideia de
que os custos da justiça devem ser suportados por quem a ela recorre, e não pela
generalidade dos cidadãos, e que o sistema não acautelava esse objectivo, não
desmotivando o recurso indiscriminado e de forma não ponderada aos tribunais.
Entendeu o legislador que contribuía decisivamente para essa situação o regime
de restituição pelo Cofre Geral dos Tribunais da taxa de justiça paga pelo
vencedor no decurso da acção, independentemente de o vencido proceder ao
pagamento das custas da sua responsabilidade (o Cofre Geral dos Tribunais foi
extinto pelo artigo 133.º da Lei n,º 53-A/2006, de 29 de Dezembro, sucedendo-lhe
o Instituto de Gestão Financeira e Patrimonial da Justiça. As referências
posteriores que, por comodidade expositiva, continuarão a fazer-se ao
órgão extinto, deverão ser entendidas em conformidade com a nova orgânica).
Pesou nesta opção a verificação de que eram frequentes os casos em
que, no final do processo, não era arrecadada taxa de justiça, designadamente
quando a parte vencida não procedia a qualquer pagamento no decurso da acção nem
lhe eram conhecidos bens penhoráveis, com a consequência de o custo do processo
ser suportado pela comunidade. Pretendeu-se que o princípio da justiça
tendencialmente gratuita para o vencedor não operasse à custa da comunidade e
racionalizar o recurso aos tribunais, desincentivando-o por parte de quem deva
saber de antemão, face à situação da parte contrária ( ao seu património
penhorável), que não irá obter benefício real com o processo.
Para isso, o legislador eliminou o sistema de restituição directa da
taxa de justiça inicial e subsequente, por parte do órgão que administra o Cofre
Geral dos Tribunais, corolário do tendencial princípio da justiça gratuita para
o vencedor, que constava dos n.ºs 1 e 2 do anterior artigo 31.º. Agora, o
reembolso da taxa de justiça inicial e subsequente que o vencedor tenha pago no
decurso do processo só operará por via do sistema de custas de parte, dependendo
do pagamento pela parte vencida das custas da sua responsabilidade. Salvo nos
casos previstos nos n.ºs 2 e 3 do artigo 4.º que põem a cargo do Cofre Geral dos
Tribunais o reembolso quando o vencido for o Ministério Público ou parte que
litigue com apoio judiciário. O credor de custas será reembolsado do que
suportou além do que, em último termo, corresponde à sua responsabilidade, mas
apenas na medida em que seja possível cobrar do devedor, em pagamento voluntário
ou por via executiva. Note-se que, de algum modo atenuando a onerosidade deste
sistema, o n.º 6 do artigo 33.º-A do Código faculta ao credor de custas de parte
requerer ao Ministério Público a correspondente execução.
Este regime geral transfere do Estado para a parte vencedora, até ao
montante que tenha sido adiantado ao longo do processo, o risco da
impossibilidade de cobrança de custas à parte vencida.
Porém, na interpretação acolhida pelo despacho recorrido, a solução legal não se
limita a impedir uma automática e incondicional restituição ou reembolso pelo
Cofre Geral dos Tribunais das taxas de justiça que cada parte teve de adiantar
durante o curso do processo. É levada ao limite de impor, na conta final, quando
já está definida a repartição das custas, que uma das partes (a que pagou taxa
de justiça inicial e subsequente) tenha de fazer pagamento adicional de custas
que já está adquirido só serem devidas pela contraparte.
Isto é bem visível no caso dos autos. Os autores são responsáveis
por €283,16, tendo já pago ao longo do processo €267. Não fora a interpretação
normativa em causa, apenas teriam de efectuar o pagamento da diferença, isto é,
€16,16 (em princípio, porque a diferença não atinge o mínimo de cobrança – cfr.
n.º 1 do artigo 57.º do CCJ). Porém, nada tendo os réus pago do que normalmente
por eles seria devido porque litigaram com apoio judiciário, daquele montante
adiantado pelos autores (€267) há €230,53 que são imputados na conta dos réus.
Deste modo, apesar de terem já pago a quase totalidade das custas do processo
por que são definitivamente responsáveis, os autores ficariam onerados com o
desembolso adicional de €246,69, embora com possibilidade de posterior reembolso
através do Cofre Geral dos Tribunais, ao abrigo do n.º 3 do artigo 4.º do mesmo
Código.
É o resultado prático de, pela interpretação acolhida na elaboração da conta do
disposto no n.º 1 do artigo 31.º, no n.ºs 1 e 2 do artigo 32.º e no n.º 1 do
artigo 33.º-A – ou no constrangimento resultante do programa informático que dá
corpo a essa interpretação, mas que se aceitou corresponder-lhe – o total das
taxas pagas ao longo do processo vir a ser imputado a ambas as partes, na
proporção do respectivo decaimento, independentemente de quem as tenha
adiantado. O despacho recorrido considerou que essa era a correcta interpretação
do regime jurídico instituído pelos referidos preceitos legais, mas recusou-lhe
aplicação com fundamento em inconstitucionalidade, por violação do princípio da
proporcionalidade, assim deferindo a reclamação contra a conta de custas. É o
acerto deste juízo de inconstitucionalidade que cumpre apreciar.
5. Como refere o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, a questão que no
presente recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade se coloca não é
nova na jurisprudência deste Tribunal.
Com efeito, em jurisprudência que foi iniciada pelo acórdão n.º 643/06 e
continuada pelos acórdãos n.ºs 128/07 e 301/07 (todos disponíveis em
www.tribunalconstitucional.pt), depois de considerar que o princípio da
proporcionalidade seria violado pela interpretação normativa desse mesmo bloco
legal no sentido de a parte que tenha pago as custas de sua responsabilidade ter
de suportar o pagamento de parte das custas em que fora condenada a contraparte,
com o ónus de depois tentar reaver o que pagou a mais, o Tribunal decidiu fixar
para o conjunto normativo resultante da interpretação conjugada das normas dos
artigos 31.º n.º 1, 33.º n.º 1, alínea b) e 33.ºA, n.º 1, do Código das Custas
Judiciais, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 324/2003, quando
aplicadas em caso de transacção homologada antes de o réu ter procedido ao
pagamento da taxa de justiça inicial, a seguinte interpretação: “Em caso de
transacção homologada judicialmente antes de o réu ter pago a sua taxa de
justiça inicial, segundo a qual as custas em dívida são suportadas em partes
iguais, tendo o autor suportado integralmente a taxa de justiça que lhe compete,
por ter pago a sua taxa de justiça inicial, deverá o réu ser notificado para
pagar o remanescente da taxa de justiça do processo”.
E no acórdão n.º 40/07 adoptou-se a mesma doutrina numa situação
substancialmente idêntica, embora reportada a diferente base legal e optando
pelo julgamento de inconstitucionalidade. Retomando a fundamentação do acórdão
n.º 643/06, decidiu-se aí julgar inconstitucional, por violação do princípio da
proporcionalidade, ínsito no princípio do Estado de direito democrático,
consagrado no artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa, a norma
constante do artigo 13.º, n.º 2 do Código das Custas Judiciais, interpretada no
sentido de que, no caso de transacção judicialmente homologada, segundo a qual
as custas em dívida a juízo serão suportadas a meias, incumbe ao autor que já
suportou integralmente a taxa de justiça inicial a seu cargo garantir ainda o
pagamento de metade do remanescente da taxa de justiça, ainda em dívida, com o
ónus de subsequentemente reaver tal quantia do réu, a título de custas de parte.
Disse o Tribunal no citado acórdão n.º 643/06:
“10. Sucede, todavia, que o regime acabado de referir só vale – só tem sentido,
aliás, e com esta afirmação não vai implícito qualquer juízo de conformidade ou
desconformidade constitucional das normas que o compõem – quando há reembolsos a
fazer, pois que a garantia de pagamento das custas em dívida consegue-se, nesta
lógica, retendo o que foi pago a mais pela parte vencedora e impondo-lhe o ónus
de, pelo mecanismo das custas de parte, o reaver da parte contrária.
De nenhum preceito do Código das Custas Judiciais resulta que, tendo uma das
partes pago a totalidade da quantia que, a título definitivo, lhe incumbiria
pagar, e não tendo a parte contrária pago ainda nada, se deva cobrar a quantia
que a esta última cabe determinando o pagamento de metade por cada uma.
Tal solução seria, aliás, desde logo, contraditória com as razões que levaram à
definição do novo regime.
Em primeiro lugar, porque, não havendo qualquer quantia paga a mais e, portanto,
a reter, não alcançaria o objectivo da garantia.
Em segundo lugar, porque, contrariando a simplificação proclamada igualmente no
preâmbulo do Decreto-Lei n.º 324/2003, conduziria a uma maior complexidade de
regime: em vez de notificar uma parte para pagar a taxa que (exclusivamente) lhe
competia, notificavam-se as duas, cada uma para pagar metade; se a que já pagou
viesse efectivamente adiantar a parte que cabia à outra, haveria depois que
desencadear o mecanismo conducente ao reembolso das custas de parte; se não
viesse, e para além de se tornar necessário julgar uma eventual reclamação da
parte – como sucedeu no caso presente –, ainda se abriria a eventualidade de uma
execução por falta de pagamento… para depois o executado ir reaver da outra
parte o que foi obrigado a desembolsar.
Basta ver, por exemplo, o regime definido pelo n.º 2 do artigo 25º do mesmo
Código para verificar que o legislador quer evitar pagamentos de taxa de justiça
que previsivelmente depois tenham de ser reembolsados. Com efeito, o referido
n.º 2 do artigo 25º do Código prevê que, em caso de pluralidade activa ou
passiva, se o montante pago pela 'parte' se revelar suficiente para cobrir o
valor correspondente à taxa de justiça subsequente, é dispensado o pagamento
deste última.
11. Está portanto em causa no presente recurso, como se viu e pelas razões já
apontadas, o conjunto normativo resultante dos artigos 31º, n.º 1, 33º, n.º 1,
b) e 33º-A, n.º 1 do Código das Custas Judiciais, quando interpretado no sentido
de que pode ser exigida da parte que já suportou a totalidade da taxa de justiça
pela qual é responsável o adiantamento de parte da taxa de justiça pela qual é
responsável a parte contrária, cabendo-lhe depois exigir a esta a devolução da
quantia correspondente nos termos aplicáveis às custas de parte, quando o
processo terminou por transacção, nos termos da qual as custas em dívida seriam
suportadas a meias, homologada antes de o réu ter procedido ao pagamento da
(sua) taxa de justiça inicial.
Ora, das considerações constantes dos pontos anteriores resulta que, se tal
regime decorre do conjunto das normas que integram o objecto do presente
recurso, quando interpretadas no sentido em apreciação, o Tribunal
Constitucional não pode deixar de as julgar inconstitucionais, por violação do
princípio da proporcionalidade.
Como se sabe, o significado e as exigências decorrentes do princípio da
proporcionalidade, enquanto princípio decorrente do Estado de Direito (artigo 2º
da Constituição) e, assim, imposto, em geral, como limite à liberdade de
conformação do legislador ordinário (e é nesta dimensão que este princípio está
agora em causa, naturalmente), foi já objecto de inúmeras considerações pelo
Tribunal Constitucional.
Recorrendo, a título de exemplo, ao acórdão n.º 187/2001 (Diário da República,
II série, de 26 de Junho de 2001), cabe recordar que
«o princípio da proporcionalidade, em sentido lato, pode (...) desdobrar-se
analiticamente em três exigências da relação entre as medidas e os fins
prosseguidos: a adequação das medidas aos fins; a necessidade ou exigibilidade
das medidas e a proporcionalidade em sentido estrito, ou “justa medida”. Como se
escreveu no (...) Acórdão n.º 634/93, invocando a doutrina:
'o princípio da proporcionalidade desdobra-se em três subprincípios: princípio
da adequação (as medidas restritivas de direitos, liberdades e garantias devem
revelar-se como um meio para a prossecução dos fins visados, com salvaguarda de
outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos); princípio da
exigibilidade (essas medidas restritivas têm de ser exigidas para alcançar os
fins em vista, por o legislador não dispor de outros meios menos restritivos
para alcançar o mesmo desiderato); princípio da justa medida, ou
proporcionalidade em sentido estrito (não poderão adoptar-se medidas excessivas,
desproporcionadas para alcançar os fins pretendidos).'»
A interpretação normativa de que nos ocupamos não é compatível com nenhuma
destas exigências, como resulta do que se disse atrás: não é adequada a alcançar
os objectivos de garantia e de celeridade do novo regime, não é necessária para
o mesmo efeito e traduz-se na imposição ao autor que já pagou a totalidade da
taxa de justiça que, definitivamente, lhe competia, de um ónus de desembolsar
parte do que cabe ao réu e de, posteriormente, ter de lançar mão das vias
previstas para obter o reembolso.
É, portanto, inconstitucional, por infracção do princípio da proporcionalidade”.
6. Estas considerações são válidas, por maioria de razão, para a
hipótese – como aquela de que emerge o presente recurso – de aplicação do mesmo
regime quando só uma das partes tenha efectuado pagamentos de taxa de justiça
inicial e subsequente porque a outra estava disso dispensada, dado beneficiar de
apoio judiciário.
É certo que nesta hipótese está eliminado o risco para o credor de a posterior
cobrança ao devedor não ser viável. O reembolso à parte onerada com pagamento
superior àquilo por que efectivamente é responsável está garantido através do
Cofre Geral dos Tribunais, nos termos do n.º 3 do artigo 4.º do Código. O
sacrifício imposto à parte que tenha de pagar o que, em ultima ratio, da outra
seria exigível é, aqui, temporário porque o reembolso está assegurado e, nesta
perspectiva, a medida é menos excessiva (menos desproporcionada, em sentido
estrito).
Mas esta mesma circunstância torna evidente a inutilidade de exigir tal
pagamento suplementar num momento em que já se sabe que a parte que o tem de
fazer não deve essa quantia. E, portanto, o carácter manifestamente inapropriado
ou desajustado da imposição para os fins de interesse público inscritos com a
finalidade do regime. Tal medida não contribui para a desmotivação da litigância
pela transferência parcial dos custos da justiça para quem da máquina judiciária
uma utilização ineficiente visto o reembolso estar assegurado. Aliás –
independentemente de qualquer juízo sobre a bondade dessa transferência, como
instrumento de racionalização do recurso aos tribunais nas situações em que o
vencedor deva antecipar a sua inutilidade prática, designadamente em litígios
resultantes de contrato – isso seria dificilmente concebível quando a
contraparte beneficia de apoio judiciário porque significaria transferir para o
particular um encargo que é constitucionalmente do Estado (n.º 1 do artigo 20.º
da Constituição). E também não contribui para a celeridade ou simplificação dos
mecanismos administrativos relativos à contagem de custas (lato sensu). Pelo
contrário, duplica a actividade com a cobrança e o procedimento posterior para
assegurar o reembolso a cargo do Cofre.
Em resumo, a solução normativa em causa, isto é, a interpretação dos 31.º, 33.º,
n.º 1, e 33.º-A, do Código das Custas Judiciais no sentido de impor ao autor o
adiantamento de parte das custas devidas pelo réu que litiga com apoio
judiciário, cabendo-lhe depois exigir do Cofre Geral dos Tribunais a devolução
da quantia correspondente, não passa o teste da adequação em que se desdobra ou
analisa o princípio da proporcionalidade, enquanto limitação do poder público
ancorado no princípio geral do Estado de direito (artigo 2.º da Constituição).
7. Sucede, porém, que também aqui se justifica o recurso por parte
do Tribunal ao mecanismo previsto no n.º 3 do artigo 80.º da Lei nº 28/82.
Com efeito, à semelhança do que se decidiu nos acórdãos n.ºs 643/06,
128/07 e 301/07, também agora se considera que não decorre manifestamente dos
referidos preceitos, interpretados isoladamente ou em conjunto e conjugados com
os demais preceitos do Código das Custas Judiciais, quando aplicados a uma acção
em que uma das partes litigue com apoio judiciário na modalidade de dispensa de
pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo, que o montante
adiantado pela outra parte a título de taxa de justiça inicial ou subsequente
deva ser deduzido, total ou parcialmente, nas custas liquidadas a cargo da
parte dispensada. Com efeito, se o reembolso das taxas de justiça pagas pelo
vencedor é suportado pelo Cofre Geral dos Tribunais, nos termos do n.º 3 do
artigo 4.º do Código, não se vê a que título se lhe há‑de impor ainda um
pagamento suplementar para posterior reembolso a cargo da mesma entidade que é
destinatária da receita (cfr. alínea c) do n.º 1 do artigo 131.º do CCJ). Nem a
correcta aplicação da lei pode ser afectada pela disfuncionalidade de um
programa informático concebido para a situação normal de ambas as partes
suportarem o pagamento gradual da taxa de justiça ao longo do processo.
Nestes termos, embora num caso como o presente não se vislumbre diferença
substancial entre o efeito prático da desaplicação por inconstitucionalidade por
que optou a decisão recorrida e o que decorre da interpretação conforme à
Constituição comportável pelo texto da norma, fixa-se para o conjunto normativo
resultante da interpretação conjugada das normas dos artigos 31.º, n.º 1, 33.º,
n.º 1 e 33.º-A, do Código das Custas Judiciais, na redacção que lhe foi dada
pelo Decreto-Lei n.º 324/2003, a seguinte interpretação:
“A taxa de justiça paga pela parte não isenta ou dispensada não é imputada nas
custas devidas pela contraparte que litigue com apoio judiciário na modalidade
de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo”.
8. Decisão
Nestes termos, concede-se provimento ao recurso, devendo a decisão
recorrida ser reformada em conformidade com a interpretação fixada.
Sem custas.
Lisboa, 23 de Janeiro de 2008
Vítor Gomes
Carlos Fernandes Cadilha
Ana Maria Guerra Martins
Maria Lúcia Amaral
Gil Galvão (vencido, por entender, tal como acontecera já no acórdão n.º 643/06,
que, mesmo admitindo que a interpretação efectuada na decisão recorrida não seja
“o melhor direito”, tal não basta, contudo, para justificar um juízo de
inconstitucionalidade que conduza à necessidade de interpretação conforme.)