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Processo n.º 1187/07
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Mário Torres
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional.
1. O representante do Ministério Público junto do 1.º
Juízo do Tribunal de Pequena Instância Criminal do Porto deduziu reclamação para
o Tribunal Constitucional, ao abrigo do artigo 77.º da Lei de Organização,
Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º
28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela Lei n.º 13‑A/98, de 26
de Fevereiro (LTC), contra o despacho do Juiz daquele Juízo, de 9 de Novembro
de 2007, que não admitiu recurso por ele interposto, ao abrigo da alínea a) do
n.º 1 do artigo 70.º da LTC, do despacho de 29 de Outubro de 2007, que teria
recusado a aplicação, com fundamento em inconstitucionalidade, da norma do
artigo 389.º, n.º 2, do Código de Processo Penal (CPP).
O processo de que emerge a presente reclamação teve
origem em “auto de notícia por detenção”, instaurado, por agente da PSP, a A.,
por, no dia 27 de Outubro de 2007, pelas 5 horas e 15 minutos, conduzir o
veículo automóvel de matrícula ..‑..‑.., na Praça Marquês de Pombal, no Porto,
e, ao ser submetido a teste para a detecção de álcool, ter acusado a taxa de
1,65 g/l, e, posteriormente conduzido à Secção de Acidentes da Divisão de
Trânsito do Porto da PSP, onde foi submetido a novo controlo, ter acusado a taxa
de álcool no sangue de 1,31 g/l, o que integraria a prática de “crime contra a
segurança das comunicações”. O referido condutor foi constituído arguido e
notificado, nos termos do artigo 385.º, n.º 3, do CPP, para comparecer perante o
Ministério Público, junto do Tribunal de Turno do Porto, nesse dia 27 de Outubro
de 2007, pelas 10h00, para ser submetido a audiência de julgamento, em processo
sumário.
O representante do Ministério Público no Tribunal do
Turno do Porto exarou, com data de 27 de Outubro de 2007, o seguinte despacho:
“Apresente o expediente ao M.mo Juiz de Turno, para os efeitos do artigo 387.º,
n.º 2, alínea a), do Código de Processo Penal, atento o disposto no artigo 60.º,
n.º 1, alínea a), do Decreto‑Lei n.º 186‑A/99”.
O Juiz do Tribunal de Turno do Porto proferiu, na mesma
data, o seguinte despacho:
“Neste Tribunal não existe qualquer sala de audiências que permita a
realização do julgamento sumário, com observância do formalismo legal.
Importa, por igual, frisar que o edifício onde se encontra instalado
é de acesso reservado ao público, o que impede o cumprimento do artigo 387.º,
n.º 1, do CPP.
Verifica‑se, assim, a impossibilidade da realização de audiência
imediata, referida no artigo 387.º do CPP.
Nestes termos, determino que o arguido seja notificado para
comparecer no próximo dia 29 de Outubro de 2007, pelas 10 horas, no Tribunal
competente, a fim de aí ser julgado em processo sumário – artigo 387.º, n.º 2,
alínea a), do CPP.”
Distribuído o processo ao 1.º Juízo do Tribunal de
Pequena Instância Criminal do Porto, o respectivo Juiz, em 29 de Outubro de
2007, exarou o seguinte despacho: “Ao Ministério Público, uma vez que no
tribunal de turno foi apenas requerido o adiamento do início da audiência, nos
termos do artigo 387.º, n.º 2, alínea a), do CPP, não tendo sido deduzida
acusação”.
Dada vista dos autos ao representante do Ministério
Público junto desse Juízo, o mesmo consignou, na mesma data, que “Reservamos
para o início da audiência de julgamento o poder de substituir a apresentação
de acusação pela leitura do auto de notícia elaborado pelo órgão de polícia
criminal detentor”.
Ainda nesse dia 29 de Outubro de 2007, o Juiz do 1.º
Juízo do Tribunal de Pequena Instância Criminal do Porto exarou o seguinte
despacho:
“Não foi deduzida, até ao momento, acusação no processo, sendo certo que o Digno
Procurador Adjunto, no douto requerimento que antecede, se limita a referir que
reserva «para o inicio da audiência de julgamento o poder de substituir a
apresentação de acusação pela leitura do auto de notícia elaborado pelo órgão
de polícia criminal detentor».
Ora, se é certo que o auto de notícia contém factos susceptíveis de integrarem
o elemento objectivo do crime de condução em estado de embriaguez, o mesmo é, no
entanto, totalmente omisso quanto:
– aos factos susceptíveis de integrarem o elemento subjectivo do mesmo crime, ou
seja, a culpa na forma de dolo ou negligência, sendo certo que a jurisprudência
é unânime no entendimento de que tais factos devem constar da acusação (vide,
por todos, o acórdão da Relação de Guimarães, de 7 de Abril de 2003, in
Colectânea de Jurisprudência, tomo II, págs. 291‑294);
– às disposições legais aplicáveis, já que se refere apenas «Tipificação: Crimes
contra a segurança das comunicações»;
– às provas que fundamentam a acusação.
Conclui‑se, assim, que, pretendendo o Ministério Público substituir a
apresentação da acusação pela simples leitura do auto de notícia, sem qualquer
«aditamento» que o complete nos aspectos supra referidos, deve a acusação ser
rejeitada por não conter a narração completa dos factos que integram a prática
do crime, não indicar as disposições legais aplicáveis nem as provas que a
fundamentam (cf. artigos 283.º, n.º 3, alíneas b) a d), e 311.º, n.ºs 2, alínea
a), e 3, alíneas b), c) e d), do CPP).
Realizar a audiência de julgamento, em processo sumário, tendo por acusação
apenas o que consta do auto de notícia violaria o princípio constitucional da
estrutura acusatória do processo criminal e poria em causa as garantias de
defesa do arguido, que desconheceria, face à mera leitura daquele auto, a
totalidade dos factos necessários ao preenchimento do tipo legal, a sua
qualificação jurídica e a prova.
Pelo exposto, determino a remessa dos presentes autos ao DIAP do Porto para
tramitação sob outra forma processual (artigo 390.º, alínea a), do Código
Processo Penal).”
Foi deste despacho que o referido representante do
Ministério Público interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da
alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, através de requerimento onde refere
que a decisão recorrida, “ao recusar a aplicação do artigo 389.º, n.º 2, do
mesmo diploma legal [CPP], com os fundamentos que sustentou e remetendo os autos
para o DIAP, fez uma inconstitucional interpretação quer dos preceitos legais
que aplicou, quer do que se recusou a aplicar, na medida em que com essa sua
concreta actuação violou o princípio do caso julgado formal, uma vez que voltou
a pronunciar‑se acerca de uma questão já ultrapassada (leia‑se, processualmente
precludida), no sentido de que relativamente a ela se encontrava já esgotado o
poder jurisdicional com o proferimento do anterior despacho judicial que
procedeu ao adiamento do início da audiência de julgamento em processo sumário,
sendo certo que, a acolher‑se a argumentação expendida no despacho judicial ora
recorrido, o que parcialmente se tenderia a conceder, deveria ter‑se enveredado
por trilhar caminho diverso, iniciando a audiência e fazendo oportuno uso dos
mecanismos da alteração (substancial, parece‑nos, porque a questão, na certeira
óptica da M.ma Juiz a quo, colocar‑se‑ia entre factos que, por serem
insuficientes, não integrariam qualquer crime, e factos que, se acrescentados de
outros, preencheriam já um tipo legal de crime) dos factos, o que se nos afigura
que seria suficiente para, dando guarida aos propósitos de celeridade
subjacentes ao processo especial sumário, não deixar de salvaguardar ainda as
garantias de defesa do arguido”.
Este recurso não foi admitido pelo despacho de 9 de
Novembro de 2007, ora reclamado, porque “o despacho recorrido não recusa,
expressa ou implicitamente, a aplicação ao caso concreto do conteúdo ou do
regime jurídico de qualquer norma jurídica e, muito menos, com fundamento na sua
inconstitucionalidade, sendo certo que apenas esta recusa, com este específico
fundamento, abriria a via de recurso para o Tribunal Constitucional”.
É contra este despacho que vem deduzida a presente
reclamação, aduzindo o magistrado reclamante:
“(…) quer‑nos parecer que tendo o Ministério Público – na sequência do despacho
da M.ma Juiz a quo que ordenou a conclusão dos autos ao Ministério Público «uma
vez que no tribunal de turno foi apenas requerido o adiamento do início da
audiência, nos termos do artigo. 387.º, n.º 2, alínea a), do CPP, não tendo sido
deduzida acusação» – reservado para o início da audiência de julgamento o uso
da faculdade concedida pelo artigo 389.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, a
posterior decisão judicial que recaiu sobre essa posição do Ministério Público
não só nega a aplicação concreta da disposição legal por este invocada (melhor,
a faculdade que se protestou exercer em devido tempo ao abrigo dessa disposição
legal), como fundamenta essa não aplicação no facto de que «realizar a audiência
de julgamento, em processo sumário, tendo por acusação apenas o que consta do
auto de notícia violaria o princípio constitucional da estrutura acusatória do
processo criminal e poria em causa as garantias de defesa do arguido, que
desconheceria, face à mera leitura daquele auto, a totalidade dos factos
necessários ao preenchimento do tipo legal, a sua qualificação jurídica e a
prova».
Não sendo de exigir fórmulas sacramentais para dizer as coisas, quer‑nos parecer
que outra coisa não fez a M.ma Juiz que não tenha sido recusar a aplicação
concreta da norma em que o Ministério Público se baseou para reservar o
exercício da faculdade invocada, fundamentando mesmo essa recusa no facto de que
a aplicação de tal norma não só seria inconstitucional por violar o princípio
constitucional da estrutura acusatória do processo criminal como poria em causa
as garantias de defesa do arguido.
Parece‑nos claro que quer pela leitura integral do despacho judicial recorrido,
quer pelos antecedentes que ao mesmo conduziram, será forçoso concluir que, em
rigor, o que a M.ma Juiz a quo fez foi declarar que recusava, por
inconstitucional, a aplicação daquela norma quando literalmente interpretada no
sentido de permitir a realização de julgamento em processo sumário nos casos em
que o Ministério Público não tenha deduzido acusação e se reserve para o início
da audiência de julgamento em processo sumário o poder de substituir a acusação
pela leitura do auto de notícia elaborado pelo órgão de polícia criminal,
revelando‑se este auto de notícia insuficiente na medida em que se mostre omisso
quanto aos factos susceptíveis de integrarem o elemento subjectivo do crime em
causa, quanto às disposições legais aplicáveis e quanto às provas que
fundamentam a acusação.”
Notificado da apresentação desta reclamação, o arguido respondeu,
preconizando o seu indeferimento porquanto, “no caso em apreço, (…) nunca
esteve em causa a recusa de aplicação de qualquer norma (nomeadamente a norma
constante do n.º 2 do artigo 389.º do CPP, como defende o Ministério Público) e
muito menos com fundamento na sua inconstitucionalidade”, pois “o que se passou
foi apenas e só a rejeição, neste caso concreto, do auto de notícia do órgão de
polícia criminal, com o qual o Ministério Público queria substituir a acusação,
nos termos do artigo 311.º, n.ºs 2, alínea a), e 3, alíneas b), c) e d), do
CPP”, rejeição fundada no facto “de este auto de notícia ser insuficiente e não
conter os factos susceptíveis de integrarem o elemento subjectivo do crime, ou
seja, a culpa; (…) nem as disposições legais aplicáveis; (…) nem as provas que
fundamentam a prática do crime”, “e por esse facto não satisfazer as exigências
legais de qualquer acusação (artigos 283.º e 311.º do CPP), tendo portanto de
ser rejeitada”.
Neste Tribunal Constitucional, o representante do Ministério Público
emitiu o seguinte parecer:
“Importa notar liminarmente que – sendo o recurso, interposto pelo
Ministério Público e rejeitado no Tribunal a quo, – exclusivamente fundado na
alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, apenas poderá reportar‑se à
recusa de aplicação da norma identificada no respectivo requerimento de
interposição – e não a quaisquer outros preceitos legais, eventualmente
aplicados no despacho reclamado, já que tal implicaria a ampliação do
respectivo objecto de modo a incluir estes últimos, bem como a invocação, como
base recursória, da alínea b) daquele artigo 70.º, n.º 1, o que se afigura
inviável face à regra de que a delimitação do objecto do recurso decorre
irremediavelmente (no que se refere ao seu máximo âmbito) do teor daquele
requerimento.
A sorte da presente reclamação dependerá, deste modo, da
determinação da existência de uma «verdadeira» recusa de aplicação normativa,
reportada ao artigo 389.º, n.º 2, do Código de Processo Penal fundada em
violação dos princípios constitucionais da estrutura acusatória do processo
penal e das garantias de defesa.
Qual a interpretação normativa feita pelo juiz a quo de tal preceito
legal?
A nosso ver, considerou‑se ser inviável a substituição da
apresentação de acusação pelo Ministério Público em processo sumário pela
simples leitura do auto de notícia, no início da audiência, sem qualquer
«aditamento», num caso em que o referido auto omitiria elementos essenciais a
qualquer acusação, nos planos fáctico (estruturantes do elemento subjectivo do
crime imputado ao arguido), da qualificação jurídica (especificação das
disposições legais aplicáveis) e probatório (indicação das provas que
fundamentam tal imputação ao arguido).
É feita, no despacho reclamado, a seguinte leitura da norma
constante do artigo 389.º, n.º 2, do Código de Processo Penal:
Em processo sumário, pode o Ministério Público substituir a
apresentação da acusação pela leitura do auto de notícia da autoridade que
tiver procedido à detenção, salvo se de tal auto não constarem todos os
elementos – fácticos, de qualificação jurídica e probatório – que
obrigatoriamente – por força das disposições gerais – devem constar de qualquer
acusação.
Ou seja: não se considerou inviável, de modo genérico, a actuação
processual ali consentida ao Ministério Público, procedendo‑se antes a uma
leitura conjugada de tal preceito legal com as disposições que regulam os
requisitos da acusação, só consentindo a «substituição» da acusação pela
leitura do auto quando este satisfaça minimamente tais requisitos gerais.
Procedeu, deste modo, o despacho recorrido a uma leitura conjugada
da norma que integra o objecto do presente recurso (a do artigo 389.º, n.º 2, do
Código de Processo Penal) com outras disposições que regem sobre os requisitos
da acusação (artigos 283.º, n.º 3, e 311.º, n.ºs 2 e 3, do Código de Processo
Penal) para concluir que a possibilidade de mera leitura do auto de notícia, no
início da audiência, pressupõe a suficiência deste, na óptica das exigências
formuladas por aqueles preceitos legais.
Sendo duvidosa a definição da precisa «linha de fronteira» entre a
verdadeira «recusa de aplicação» normativa, enquadrável na alínea a) do n.º 1
do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional, e a mera interpretação de
preceitos legais «em conformidade com a Constituição» (cf., v. g., os Acórdãos
n.ºs 170/85, 425/89, 137/89, 636/94 e 1020/96), afigura‑se que – no caso dos
autos – o juízo de inaplicabilidade de certa interpretação que – a ser feito –
violaria determinados princípios constitucionais se não fundou «única ou
primacialmente» (para utilizar a expressão de Rui Medeiros, A Decisão de
Inconstitucionalidade, pp. 331 e seguintes) no princípio da interpretação
conforme à Lei Fundamental, mais não desempenhando «o apelo à Constituição
(princípio do acusatório e das garantias de defesa) em sede hermenêutica, uma
função de apoio ou de confirmação de um sentido da norma já sugerido pelos
restantes elementos de interpretação» (cf. ainda o Acórdão n.º 285/2002).
Assim, por se afigurar que o Tribunal a quo, no despacho recorrido,
se limitou a proceder a uma leitura conjugada de diversos regimes processuais
penais, referentes aos requisitos da acusação, articulando‑os com a
possibilidade de mera «leitura» pelo Ministério Público do auto de notícia no
início da audiência em processo sumário, não será a circunstância de se
considerar que a imperativídade de tal aplicação conjugada dos regimes legais
decorre dos princípios constitucionais do acusatório e das garantias de defesa
que traduz a ocorrência de uma verdadeira «recusa de aplicação normativa»,
enquadrável no tipo recursório previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da
Lei n.º 28/82.”
Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
2. Face ao teor do requerimento de interposição de
recurso, o respectivo objecto era integrado por alegada decisão de recusa de
aplicação da norma do artigo 389.º, n.º 2, do CPP, com fundamento em
inconstitucionalidade.
Tem este Tribunal entendido que a recusa de aplicação de
norma com fundamento em inconstitucionalidade, para abrir via ao recurso
previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, tanto pode consistir numa
recusa explícita, como numa recusa implícita, e que são equiparáveis a recusas
determinadas decisões de aplicação da norma interpretada em conformidade com a
Constituição, “sempre que se esteja perante uma clara rejeição de certa
interpretação, mormente da interpretação literal ou «natural», com fundamento na
sua inconstitucionalidade” (José Manuel M. Cardoso da Costa, A Jurisdição
Constitucional em Portugal, 3.ª edição revista e actualizada, Coimbra, 2007, p.
73, nota 93). Necessário é sempre, porém, que o juízo de inconstitucionalidade
(ou de desconformidade constitucional) constitua uma verdadeira ratio decidendi,
e não um mero obiter dictum, da decisão recorrida.
No presente caso, resulta da leitura da decisão
recorrida que o elemento primordial e determinante do entendimento da
inadmissibilidade, no caso, de o Ministério Público “substituir a apresentação
da acusação pela leitura do auto de notícia da autoridade que tiver procedido à
detenção”, prevista no n.º 2 do artigo 389.º do CPP, resultou da leitura
conjugada desse preceito com as disposições dos artigos 283.º, n.º 3, alíneas b)
a d), e 311.º, n.ºs 2, alínea a), e 3, alíneas b), c) e d), do mesmo Código,
que, respectivamente, determinam que a acusação do Ministério Público,
sob pena de nulidade, deve conter a narração dos factos, a indicação das
disposições legais aplicáveis e a prova, e que o presidente do tribunal, se o
processo tiver sido remetido para julgamento, sem ter havido instrução, deve
rejeitar a acusação se a considerar manifestamente infundada, sendo tida como
tal a acusação que não contenha a narração dos factos, a indicação das
disposições legais aplicáveis ou das provas que a fundamentam, ou se os factos
não constituírem crime.
Isto é: foi com base na interpretação do direito
ordinário que a decisão recorrida entendeu só ser admissível a substituição da
acusação pela leitura do auto de notícia quando este auto contenha todos os
elementos legalmente exigíveis para a validade de qualquer acusação.
A posterior referência a que violaria a estrutura
acusatória do processo criminal e poria em causa as garantias de defesa do
arguido a realização da audiência, em processo sumário, tendo por acusação
apenas o que consta de um auto de notícia, que não possibilitava ao arguido a
conhecimento da totalidade dos factos necessários ao preenchimento do tipo
legal, a sua qualificação jurídica e a prova, constituiu um mero argumento de
conforto da justeza do entendimento a que anteriormente se chegou quanto à
interpretação tida por correcta, ao nível da interpretação do direito ordinário
aplicável, da possibilidade de substituição da acusação pelo Ministério Público
pela leitura do auto de notícia.
Só existiria recusa de aplicação de norma com fundamento
em inconstitucionalidade se o tribunal tivesse interpretado o artigo 389.º, n.º
2, do CPP no sentido de permitir essa substituição mesmo quando o auto de
notícia não contivesse os elementos exigidos para a validade da acusação, e,
depois, sustentasse que, assim interpretada, tal norma violaria princípios
constitucionais. Mas não foi esse, como se evidenciou, o caminho seguido pela
decisão recorrida.
Não encerrando esta, sequer implicitamente, uma recusa
de aplicação de norma com fundamento em inconstitucionalidade, o presente
recurso surge como inadmissível, sendo de todo irrelevante, para o efeito, a
menção a eventual violação de caso julgado.
3. Em face do exposto, acordam em indeferir a presente
reclamação.
Sem custas.
Lisboa, 10 de Janeiro de 2008.
Mário José de Araújo Torres
João Cura Mariano
Rui Manuel Moura Ramos