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Processo n.º 713/06
Plenário
Relator: Conselheiro Joaquim de Sousa Ribeiro
Acordam, em plenário, no Tribunal Constitucional
I - RELATÓRIO
1. Requerente e pedido
Um grupo de vinte e quatro deputados à Assembleia da República (do Partido
Socialista) veio requerer, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo
281.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) e no n.º 1 dos artigos 51.º
e 62.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, a declaração de
inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma contida no n.º 1 da
Resolução da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira n.º 12/2006/M,
que «determina a extensão da aplicação do regime previsto no n.º 1 do artigo
46.º do Decreto Legislativo Regional n.º 14/2005/M — Estrutura Orgânica da
Assembleia Legislativa da Madeira — aos deputados independentes».
O teor da norma questionada é o seguinte:
«1 − É extensivo aos deputados independentes que não integrem nenhum grupo
parlamentar o disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 46.º do Decreto
Legislativo Regional n.º 14/2005/M, de 5 de Agosto, nos seguintes termos:
Deputado independente - 15×14 SMNR (salário mínimo nacional em vigor na
Madeira)/mês.
2 − (…)».
A remissão da Resolução para a norma da alínea a) do n.º 1 do artigo 46.º do
Decreto Legislativo Regional n.º 14/2005/M deve ser entendida como querendo
referir-se à redacção dada ao artigo 46.º, n.º 1, alínea a), do Decreto
Legislativo Regional n.º 24/89/M, de 7 de Setembro, pelo artigo 29.º do Decreto
Legislativo Regional n.º 14/2005/M, de 5 de Agosto, redacção que passou a ser a
seguinte:
«Artigo 46.º
Gabinetes dos partidos e dos grupos parlamentares
1 − Os partidos com um único deputado e os grupos parlamentares dispõem, para a
utilização de gabinetes constituídos por pessoal da sua livre escolha, nomeação,
exoneração e qualificação, de uma verba anual calculada nos seguintes termos:
a) Deputado único/partido e grupos parlamentares − 15×14 SMNR (salário mínimo
nacional em vigor na Madeira)/mês/número de deputados.»
2. Fundamentos do pedido
Os requerentes fundamentaram o pedido nos seguintes termos:
O Decreto Legislativo Regional n.º 14/2005/M, ao dar nova redacção ao artigo
46.º, n.º 1, do Decreto Legislativo Regional n.º 24/89/M, que regula a Estrutura
Orgânica da Assembleia Legislativa da Madeira, determinou a atribuição de verbas
destinadas a gabinetes de apoio aos deputados dos partidos e grupos
parlamentares, optando então, deliberadamente, por não atribuir quaisquer verbas
aos deputados independentes.
Em 6 de Junho de 2006, através da Resolução n.º 12/2006/M, a Assembleia
Legislativa da Região Autónoma da Madeira veio prescrever que o regime previsto
no referido artigo 46.º, n.º 1, alínea a), fosse alargado aos deputados
independentes.
Sucede que as categorias ou formas de actos legislativos estão
constitucionalmente fixados, especificamente nos n.ºs 1 a 5 do artigo 112.º da
Constituição. Um Decreto Legislativo Regional não pode ser modificado por mera
Resolução, visto que a Resolução é, sob o ponto de vista formal e
constitucional, um acto hierarquicamente inferior.
Ora, a Resolução n.º 12/2006/M opera uma verdadeira modificação do Decreto
Legislativo Regional n.º 14/2005/M, pois altera substancialmente o seu conteúdo.
Deste modo, ainda que se entenda que o citado Decreto gerou uma omissão legal
susceptível de configurar a violação de um imperativo constitucional decorrente
dos princípios da igualdade ou da equiparação no que respeita aos deputados
independentes, a correcção dessa eventual “lacuna” só poderia ser feita através
de um acto legislativo de valor equivalente ao do Decreto Legislativo Regional
que regula esta matéria.
E a forma não é irrelevante, uma vez que só os Decretos Legislativos Regionais,
e não as Resoluções, estão sujeitos à assinatura do Representante da República
que pode, inclusivamente, requerer a fiscalização preventiva da sua
constitucionalidade.
De resto, quando a Assembleia da República, numa situação análoga, decidiu
alterar a lei que atribui verbas aos grupos parlamentares para financiamento dos
gabinetes dos grupos parlamentares conferindo verbas para o mesmo fim, também,
aos deputados únicos representantes de um partido e aos deputados independentes,
fê-lo por acto legislativo de valor hierárquico equivalente e, além disso,
distinguiu o deputado único representante de um partido dos deputados
independentes, atribuindo a estes uma verba inferior.
Os requerentes concluem, assim, pela inconstitucionalidade da citada Resolução
da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira.
3. Resposta do órgão autor da norma
Notificado para se pronunciar sobre o pedido, o Presidente da Assembleia
Legislativa da Região Autónoma da Madeira veio alegar, em síntese, o seguinte:
A Constituição estipula, no artigo 180.º, n.º 4, que «aos deputados não
integrados nos grupos parlamentares são assegurados os direitos e garantias
mínimos, nos termos do Regimento».
Esta disposição é expressamente aplicável às Assembleias Legislativas da Regiões
Autónomas, nos termos do artigo 232.º, n.º 4, da Constituição.
A aplicação do princípio constitucional da igualdade entre deputados da mesma
assembleia nunca poderia envolver a negação em absoluto do direito a verbas
destinadas aos gabinetes dos deputados independentes, face a uma situação em que
esse mesmo direito é reconhecido a todos os restantes deputados.
A Resolução apenas pretende pôr termo à discriminação resultante do artigo 46.º,
n.º 1, do Decreto Legislativo regional n.º 24/89/M, na redacção do Decreto
Legislativo Regional n.º 14/2005/M.
Não há violação do princípio constitucional das formas de lei nem do princípio
da hierarquia das normas.
Na verdade, a Constituição criou, no seu artigo 180.º, n.º 4, aplicável às
Assembleias Legislativas das Regiões Autónomas, por força do artigo 232.º, n.º
4, uma reserva de Regimento a favor da definição do estatuto mínimo dos
deputados independentes (e demais deputados não integrados nos grupos
parlamentares).
Esta remissão para o Regimento, tendo subjacente um princípio de igualdade e de
proibição de discriminação entre deputados de uma mesma assembleia política,
afasta a necessidade de intervenção legislativa.
Ademais, a Resolução não tem qualquer efeito político decisório inovador e mais
não faz do que integrar uma lacuna ou suprir uma omissão violadora da
Constituição.
A Resolução limitou-se a repor a juridicidade violada através da omissão de
reconhecimento expresso aos deputados independentes de um direito criado por
anterior acto legislativo a favor de todos os restantes deputados.
Conclui, assim, o órgão autor da norma pela não inconstitucionalidade da
Resolução n.º 12/2006/M.
4. Memorando
Discutido em Plenário o memorando apresentado pelo Presidente do Tribunal
Constitucional, nos termos do artigo 63.º, n.º 1, da LTC, e fixada a orientação
do Tribunal, cumpre agora decidir em harmonia com o que então se estabeleceu.
II - FUNDAMENTAÇÃO
5. A Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira aprovou, através do
Decreto Legislativo Regional n.º 14/2005/M, uma alteração ao artigo 46.º, n.º 1,
do Decreto Legislativo Regional n.º 24/89/M, estabelecendo uma verba destinada
aos gabinetes de apoio aos deputados dos partidos e aos grupos parlamentares de
15×14 SMNR (salário mínimo nacional em vigor na Madeira), por mês e por número
de deputados.
Esta verba constitui um apoio financeiro ao exercício da actividade parlamentar,
destinando-se a fazer face aos encargos decorrentes do funcionamento dos
gabinetes das representações parlamentares.
Como este Tribunal reconheceu no Acórdão n.º 376/2005 (Diário da República, II
Série, de 19 de Agosto de 2005), a Assembleia Legislativa da Região Autónoma da
Madeira é o órgão constitucionalmente competente para legislar sobre esta
matéria. É o que resulta do artigo 227.º, n.º 1, alínea a), conjugado com o
artigo 232,º, n.º 4, e ainda do artigo 227.º, n.º 1, alínea p), conjugado com o
artigo 232.º, n.º 1, todos da Constituição.
A Assembleia produziu esse Decreto Legislativo Regional dentro da legítima
faculdade de autoconformação do seu próprio funcionamento. Como se sustenta no
já citado Acórdão n.º 376/2005:
«(…) como a determinação e satisfação das necessidades humanas e materiais, no
domínio da “utilização dos gabinetes parlamentares”, de “assessoria, contactos
com os eleitores e outras actividades correspondentes aos mandatos dos
Deputados”, demandam, necessariamente, a previsão de verbas para o seu pagamento
há-de ver-se implicada na faculdade de regulação interna a possibilidade da
previsão de tais verbas.»
Posteriormente à aprovação deste Decreto Legislativo Regional, a mesma
Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira decidiu aprovar uma nova
norma relativa aos deputados independentes, atribuindo-lhes a mesma verba
estabelecida para os deputados únicos dos partidos e para os grupos
parlamentares, no n.º 1 do artigo 46.º do Decreto Legislativo Regional n.º
24/89/M, na redacção dada pelo Decreto Legislativo Regional n.º 14/2005/M.
Fê-lo através da Resolução n.º 12/2006/M, que estabelece:
«1 − É extensivo aos deputados independentes que não integrem nenhum grupo
parlamentar o disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 46.º do Decreto
Legislativo Regional n.º 14/2005/M, de 5 de Agosto, nos seguintes termos:
Deputado independente - 15×14 SMNR (salário mínimo nacional em vigor na
Madeira)/mês.»
A Resolução determina, portanto, que os deputados independentes que não integrem
nenhum grupo parlamentar beneficiarão de verbas equivalentes às que são
atribuídas aos deputados dos partidos e aos grupos parlamentares. Concedeu,
assim, a essa categoria de deputados, condições exactamente iguais àquelas de
que beneficiavam todos os outros deputados.
Mas não é o conteúdo da norma expressa na Resolução que é questionado, senão
antes a validade constitucional da forma de Resolução. O que cumpre decidir é se
a resolução é a forma constitucionalmente adequada para regular a matéria
constante da norma em apreço – a atribuição de uma verba aos deputados
independentes para despesas com o funcionamento dos respectivos gabinetes
parlamentares.
Vejamos, então, o que estabelece, a este propósito, a Constituição.
6. A respeito da organização e funcionamento da Assembleia da República, a
Constituição define os direitos dos grupos parlamentares no n.º 2 do artigo
180.º:
«Artigo 180.º
(Grupos parlamentares)
1. (…)
2. Constituem direitos de cada grupo parlamentar:
a) Participar nas comissões da Assembleia em função do número dos seus membros,
indicando os seus representantes nelas;
b) Ser ouvido na fixação da ordem do dia e interpor recurso para o Plenário da
ordem do dia fixada;
c) Provocar, com a presença do Governo, o debate de questões de interesse
público actual e urgente;
d) Provocar, por meio de interpelação ao Governo, a abertura de dois debates em
cada sessão legislativa sobre assunto de política geral ou sectorial;
e) Solicitar à Comissão Permanente que promova a convocação da Assembleia;
f) Requerer a constituição de comissões parlamentares de inquérito;
g) Exercer iniciativa legislativa;
h) Apresentar moções de rejeição do programa do Governo;
i) Apresentar moções de censura ao Governo;
j) Ser informado, regular e directamente, pelo Governo, sobre o andamento dos
principais assuntos de interesse público.»
A concreta regulamentação dos direitos dos grupos parlamentares, a que se refere
este n.º 2 do artigo 180.º, integra, em princípio, o Regimento da Assembleia,
não estabelecendo a Constituição reserva de lei para regular os termos exactos
do exercício desses direitos.
A Constituição faculta ainda aos grupos parlamentares, em norma autónoma,
constante do n.º 3 do mesmo artigo 180.º, o direito de disporem de locais de
trabalho e de pessoal técnico da sua confiança, exigindo a forma de lei para a
sua determinação:
«3. Cada grupo parlamentar tem direito a dispor de locais de trabalho na sede da
Assembleia, bem como de pessoal técnico e administrativo da sua confiança, nos
termos que a lei determinar.»
Até 1997, o artigo 180.º da Constituição nada estabelecia quanto aos deputados
não integrados nos grupos parlamentares. Na revisão constitucional de 1997, foi
aditado o n.º 4, que determina:
«4. Aos Deputados não integrados em grupos parlamentares são assegurados os
direitos e garantias mínimos, nos termos do Regimento.»
Esta disposição estabelece, no essencial, que, de entre os direitos atribuídos
aos grupos parlamentares, há 'um mínimo' que não poderá deixar de ser
reconhecido aos deputados não integrados nesses grupos. Como os direitos dos
grupos parlamentares, previstos no n.º 2, constarão do Regimento, a Constituição
não exige, em princípio, nenhum acréscimo de forma para os direitos e garantias
mínimos dos deputados não integrados nos grupos parlamentares. Esses direitos
'mínimos' constarão do Regimento.
Todas estas disposições do artigo 180.º são expressamente aplicáveis às
Assembleias Legislativas Regionais, nos termos do artigo 232.º, n.º 4, da
Constituição.
7. A questão que se levanta é a de saber se, tendo a Assembleia Legislativa da
Região Autónoma da Madeira deliberado conceder uma verba aos deputados não
integrados nos grupos parlamentares para 'a utilização de gabinetes constituídos
por pessoal da sua livre escolha', o poderia ter feito por mera Resolução, ou
se, pelo contrário, o deveria ter feito sob a forma de Decreto Legislativo
Regional.
Como vimos, a Constituição admite, em termos gerais, que a regulação dos
direitos dos grupos parlamentares e dos direitos e garantias dos deputados não
integrados nesses grupos, previstos no artigo 180.º, n.º 2, seja feita através
do Regimento da Assembleia e, portanto, sob a forma de Resolução.
Foi o que, desenvolvidamente, fez a Assembleia Legislativa da Região Autónoma da
Madeira, no artigo 12.º do seu Regimento, que concretiza e alarga os direitos
enunciados no artigo 180.º, n.º 2, da Constituição:
«Artigo
12.º
Poderes e direitos dos grupos parlamentares
1 − Constituem poderes de cada grupo parlamentar:
a) Exercer iniciativa legislativa;
b) Participar nas comissões da Assembleia Legislativa em função do número
dos seus membros, indicando os seus representantes;
c) Ser ouvido na fixação da ordem do dia e interpor recurso para o Plenário
da ordem do dia fixada;
d) Provocar, com a presença do Governo, o debate de questões de interesse
público actual e urgente;
e) Determinar a ordem do dia de um certo número de reuniões, nos termos do
artigo 66.º do Regimento;
f) Provocar, por meio de interpelação ao Governo Regional, a abertura de
dois debates em cada sessão legislativa sobre assunto de política geral ou
sectorial;
g) Propor à Comissão Permanente que promova a convocação da Assembleia
Legislativa;
h) Requerer a constituição de comissões parlamentares de inquérito;
i) Requerer a constituição de comissões eventuais;
j) Requerer o processamento de urgência de projectos ou propostas;
l) Requerer a apreciação das contas da Região;
m) Requerer a interrupção da reunião plenária, nos termos regimentais;
n) Ser informado pelo Governo Regional, regular e directamente, sobre o
andamento dos principais assuntos de interesse público nos termos do Estatuto da
Região;
o) Apresentar propostas de moção.
2 − Cada grupo parlamentar tem direito a dispor de locais de trabalho na sede da
Assembleia Legislativa ou fora dela, bem como de pessoal técnico e
administrativo da sua confiança.»
No artigo 13.º desse mesmo Regimento, a Assembleia Legislativa da Região
Autónoma da Madeira, dando cumprimento ao artigo 180.º, n.º 4, da Constituição,
estendeu alguns desses poderes e direitos aos deputados que sejam único
representante de um partido e aos deputados eleitos por um partido que não se
constituam em grupo parlamentar:
«Artigo 13.º
Extensão dos poderes de grupo parlamentar
Ao deputado que seja único representante de um partido ou aos deputados eleitos
por um partido que não se constituam em grupo parlamentar são atribuídos os
poderes enunciados nas alíneas a), b), c), d), e), j) e l) do n.º 1 e no n.º 2
do artigo anterior.»
Mas, quando a Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira regulou os
termos em que os grupos parlamentares beneficiariam de apoio para pessoal
técnico e administrativo da sua confiança, fê-lo sempre por acto legislativo.
Foi assim desde o primeiro diploma que regulou esta matéria: o Decreto Regional
n.º 4/77M, de 19 de Abril (artigo 6.º). Essa forma foi sucessivamente mantida em
alterações posteriores, sendo também aquela a que obedece a disciplina em vigor,
fixada no Decreto Legislativo Regional n.º 14/2005/M, já acima transcrito.
Em congruência, incluiu também, neste mesmo Decreto Legislativo Regional, a
regulação das verbas a atribuir aos deputados únicos de partido não integrados
nos grupos parlamentares, para efeitos de contratação de pessoal técnico e
administrativo.
Deste modo, os direitos e garantias dos deputados não integrados em grupos
parlamentares estão regulados no artigo 13.º do Regimento da Assembleia
Legislativa da Região Autónoma da Madeira. Mas a atribuição de verbas aos grupos
de deputados e aos deputados únicos de partido é feita por Decreto Legislativo
Regional e, em concreto, através do actual artigo 46.º do Decreto Legislativo
Regional que regula a Estrutura Orgânica da Assembleia Legislativa da Região
Autónoma da Madeira.
Precisamente, a mesma diferença se nos depara a nível nacional. O Regimento da
Assembleia da República regula, nos artigos 1.º a 11.º, os poderes e direitos
dos deputados e dos grupos parlamentares. Mas é a Lei n.º 28/2003, de 30 de
Julho (organização e funcionamento dos serviços da Assembleia da República),
que, por coincidência também no seu artigo 46.º, procede à atribuição de verbas
aos deputados − a todos os deputados − para despesas com os gabinetes de apoio
aos deputados.
Compreende-se esta distinção. Regulando o Regimento da Assembleia a organização
e funcionamento internos do órgão parlamentar, excluem-se do seu âmbito aqueles
direitos e regalias dos deputados de carácter prestativo, que impliquem
directamente custos financeiros.
8. Neste quadro, o que há a saber é, pois, qual a forma a que deverá obedecer a
atribuição de verbas aos deputados independentes da Assembleia Legislativa da
Região Autónoma da Madeira, para que eles possam dispor de pessoal técnico e
administrativo da sua confiança, que os auxilie no bom desempenho das suas
funções.
Afirma o Presidente da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira que
a Resolução n.º 12/2006/M apenas regula os 'direitos e garantias mínimos' dos
deputados não integrados nos grupos parlamentares, de que fala o artigo 180.º,
n.º 4, da Constituição, e que, nos termos deste mesmo preceito, esses direitos
devem constar do Regimento da Assembleia. A referida Resolução expressaria,
portanto, 'o exercício de uma competência regimental'.
É manifesto, todavia, que, quando o legislador constituinte, em 1997, aditou o
n.º 4 do artigo 180.º, remetendo a regulação dos direitos e garantias mínimos
dos deputados não integrados em grupo parlamentar para o Regimento, teve
fundamentalmente em vista reconhecer aos deputados não integrados nos grupos
parlamentares alguns dos direitos que enuncia o n.º 2, do mesmo artigo 180.º, os
quais deverão, de facto, constar do Regimento. Não teve ele em mente o
específico direito dos deputados a disporem de pessoal técnico e administrativo
da sua confiança, previsto no n.º 3, que é o único de todos os direitos
enunciados no artigo 180.º para o qual a Constituição exige a forma de lei no
que respeita à regulação do seu exercício.
Constata-se, na verdade, do debate parlamentar sobre esta matéria, que a
inclusão do n.º 4 visou dar garantia constitucional à inserção no Regimento da
Assembleia da República da concessão aos deputados não integrados em grupos
parlamentares de (alguns) dos direitos conferidos pelo n.º 2 do artigo 180.º aos
grupos parlamentares. Particularmente significativa dessa intenção é uma
intervenção do Deputado Carlos Coelho: «Não fazia, portanto, sentido que essa
individualização do Deputado não integrado em grupo parlamentar e o respeito
pelos direitos próprios que a esse Deputado devem ser reconhecidos ficassem
apenas em sede de Regimento e não tivesse consagração constitucional.» (DAR, 1.ª
Série, n.º 102, p. 3842.)
Fica, assim, claro que o âmbito de incidência do n.º 4 do artigo 180.º abrange
apenas os direitos propriamente regimentais, os poderes reconhecidos aos
deputados independentes de activação e participação nos trabalhos parlamentares.
A forma constitucionalmente adequada para regular o direito dos grupos
parlamentares a disporem de pessoal técnico e administrativo da sua confiança
está expressamente regulada no artigo 180.º, n.º 3.
Mas, tendo como destinatários os grupos parlamentares, essa norma também não é
aplicável directamente aos deputados não integrados nos grupos parlamentares.
Temos que concluir, pois, que, no que respeita à forma de atribuição daquele
direito específico a esta categoria de deputados, a Constituição é omissa.
Destarte, torna-se necessário, para determinar a forma constitucionalmente
adequada para conferir um tal direito aos deputados não integrados nos grupos
parlamentares, recorrer aos parâmetros gerais de uma correcta hermenêutica
constitucional.
Já vimos que a Constituição exige expressamente, no artigo 180.º, n.º 3, a forma
de lei para a regulação dos termos em que se exercerá o direito de cada grupo
parlamentar a 'dispor de locais de trabalho na sede da Assembleia, bem como de
pessoal técnico e administrativo da sua confiança'.
O deputado independente não é um 'grupo parlamentar' pelo que não se subsume na
previsão do artigo 180.º, n.º 3. Mas a atribuição de verbas aos deputados
independentes para pessoal técnico e administrativo da sua confiança é, porém,
uma situação substancialmente idêntica às situações previstas no n.º 3 do artigo
180.º
A natureza dos destinatários da Resolução n.º 12/2006/M e dos destinatários do
artigo 180, n.º 3, da Constituição é, essencialmente, a mesma; a finalidade das
verbas previstas nessa Resolução e implicadas por esse preceito constitucional
é, precisamente, a mesma.
Dada a extrema similitude de situações, a transposição da exigência de forma de
lei, contida nesta norma, para a regulação do direito dos deputados
independentes a verbas para que possam dispor de pessoal técnico e
administrativo da sua confiança é claramente imposta por uma razão de analogia
legis. Não há qualquer justificação plausível que nos permita exigir a forma de
lei no caso de os grupos parlamentares serem os beneficiários das verbas e não
exigir a mesma forma no caso de se tratar de deputados não integrados em grupos
parlamentares.
É antes um elementar princípio de congruência na leitura da Constituição que
impõe que a forma constitucionalmente exigida para atribuir verbas para pessoal
técnico e administrativo aos deputados independentes seja a mesma que é exigida
para atribuir verbas, com a mesma finalidade, a todos os restantes deputados.
Porque a realização das condições de efectividade do direito atribuído aos
grupos parlamentares no n.º 3 do artigo 180.º tem directas implicações
orçamentais, a Constituição subtraiu a sua determinação ao Regimento, exigindo,
para o efeito, um acto em forma de lei. Por igualdade de razão, a idêntico
regime deve obedecer a concessão do direito em questão aos deputados
independentes. Sendo assim, ele não pode considerar-se abrangido pelo âmbito de
previsão do n.º 4, não se integrando nos direitos que formam o estatuto dos
deputados independentes a que esta norma se refere, pelo que não vale, em
relação a ele, a remissão para o Regimento aí estabelecida.
A necessidade de uma intervenção legislativa sai reforçada pelo disposto no
lugar paralelo do artigo 158.º, alínea d), da CRP, onde também se exige a forma
de lei para os 'subsídios a atribuir aos deputados'.
É certo que a verba atribuída para pessoal técnico e administrativo não é um
'subsídio' aos deputados, no sentido histórico do termo. Na verdade, o termo
'subsídio' denota antes as importâncias pecuniárias periodicamente auferidas
pelos deputados como compensação pelo encargo assumido com o desempenho das suas
funções, não compreendendo qualquer outro tipo de apoios financeiros.
De qualquer modo, ambos os direitos dos deputados, tanto àquela verba, como aos
subsídios, implicam sempre a realização de prestações com a natureza e o
significado de despesas orçamentais. Essa nota comum ajuda a identificar o
princípio fundamentador, à luz do qual se compreende bem a exigência de acto
legislativo nas duas situações específicas referidas: ela decorre de um
princípio de legalidade em matéria orçamental ou financeira. Este princípio de
legalidade tem razões substantivas que se ligam a um maior controlo crítico do
exercício do poder sempre que esteja em causa a utilização de meios financeiros
obtidos por via tributária.
É, pois, o próprio conteúdo e alcance da disposição que atribui uma verba anual
aos deputados independentes para fazerem face às despesas com a constituição de
um gabinete de apoio técnico e administrativo que justifica que ela deva
revestir a forma de Decreto Legislativo Regional. Expressamente prevista, no que
aos grupos parlamentares se refere, por aplicação conjugada dos artigos 180.º,
n.º 3, e do n.º 4 do artigo 232.º, essa forma normativa é ainda exigível, por
força do procedimento analógico acima referido, para a concessão de idêntico
direito aos deputados independentes.
9. Esta conclusão não é infirmada pela alegação do Presidente da Assembleia
Legislativa da Região Autónoma da Madeira de que a Resolução não tem qualquer
efeito político decisório inovador e mais não faz do que integrar uma lacuna ou
suprir uma omissão violadora da Constituição, conferindo aos deputados
independentes os direitos e garantias mínimos que o artigo 180.º, n.º 4, lhes
reconhece. Deste modo, a Resolução n.º 12/2006/M ter-se-ia pois limitado a repor
a juridicidade violada através da omissão de reconhecimento expresso aos
deputados independentes de um direito criado por anterior acto legislativo a
favor de todos os restantes deputados.
Contudo, não é exacto que o conteúdo da norma contida na referida Resolução não
pudesse deixar de ser aquele que acabou por constar dessa mesma Resolução. Na
verdade, a situação dos deputados independentes não integrados nos grupos
parlamentares não teria de ser exactamente igual à situação dos deputados dos
partidos e dos deputados integrados em grupos parlamentares. As verbas que lhes
são atribuídas poderiam ser diferentes: poderiam ser menos elevadas − como
sucede, por exemplo, no que respeita à Assembleia da República (artigo 46.º do
actual Estatuto do Deputados) − ou até, porventura, mais elevadas do que as
atribuídas aos deputados dos partidos e aos deputados integrados em grupos
parlamentares.
Deste modo, não se pode dizer que a Resolução n.º 12/2006/M apenas tenha vindo
colmatar uma intolerável omissão legislativa à luz do princípio da igualdade,
que pudesse ser sindicável por este tribunal. Pois os termos em que deve ser
assegurada a igualdade de condições entre os deputados da mesma Assembleia
Legislativa, no que respeita a pessoal técnico e administrativo, não excluem
toda e qualquer margem de livre conformação dessa mesma Assembleia.
Em suma, a norma da Resolução n.º 12/2006/M definiu os direitos dos deputados
independentes em termos que não resultam, concreta e necessariamente, da lei e
da Constituição. Deliberou no âmbito da sua margem de livre decisão. Contudo,
não o fez pela forma constitucionalmente adequada que, a ser respeitada, abriria
possibilidades acrescidas de controlo político e jurídico da decisão.
10. No caso vertente, contudo, há razões de equidade e de segurança jurídica
que justificam a restrição dos efeitos da inconstitucionalidade, nos termos do
artigo 282.º, n.º 4, da Constituição, de modo a salvaguardar os efeitos já
produzidos e executados antes da declaração.
A Resolução padece de um vício formal que, em rigor, não se pode dizer que fosse
absolutamente manifesto em termos de primeira aparência. Gerou, assim, uma
situação e um investimento de confiança, entre a data da sua aprovação e a data
desta decisão, o que não poderá, por razões de equidade e de segurança jurídica,
deixar de ser considerado.
III - Decisão
Pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide:
a) Declarar a inconstitucionalidade, com força
obrigatória geral, da norma contida no n.º 1 da Resolução da Assembleia
Legislativa da Região Autónoma da Madeira n.º 12/2006/M, por violação do
princípio que se extrai das disposições conjugadas dos artigos 180.º, n.º 3,
232.º, n.º 4, e 158.º, alínea d), da Constituição da República Portuguesa.
b) Ressalvar, nos termos do artigo 282.º, n.º 4, da
Constituição, os efeitos produzidos até à publicação deste acórdão pela norma
cuja declaração de inconstitucionalidade agora se emite.
Lisboa, 13 de Fevereiro de 2008
Joaquim de Sousa Ribeiro
Mário José de Araújo Torres
Benjamim Rodrigues
Maria Lúcia Amaral
Maria João Antunes
Carlos Pamplona de Oliveira
João Cura Mariano
Gil Galvão
Vítor Gomes
José Borges Soeiro
Ana Maria Guerra Martins
Carlos Fernandes Cadilha (vencido de acordo com a declaração de voto junto)
Rui Manuel Moura Ramos
DECLARAÇÃO DE VOTO
Votei vencido por entender que a norma do n.º 4 do artigo 180º da Constituição é
meramente supletiva em relação às precedentes disposições dos n.ºs 2 e 3 do
mesmo artigo e destina-se a permitir a extensão limitada de direitos e garantias
que sejam reconhecidos aos deputados que integrem os grupos parlamentares,
incluindo os que envolvam a atribuição de locais de trabalho e de pessoal
técnico e administrativo, aos deputados independentes.
Encontrando-se satisfeito o princípio da reserva de lei relativamente a direitos
e garantias que devam ser atribuídos aos deputados que integrem grupos
parlamentares, mediante a aprovação de Decreto Legislativo Regional, a
insuficiência da forma regimental para extensão desses direitos e garantias a
outros deputados apenas se verificaria se o regime definido para estes tivesse
carácter inovatório, isto é, viesse a contemplar aspectos que não tivessem sido
anteriormente regulados por diploma legislativo.
Não sendo esse o caso, nada impedia que o regime do artigo 46º, n.º 1, do
Decreto Legislativo Regional n.º 14/2005/M fosse tornado extensivo aos deputados
independentes por Resolução da Assembleia Legislativa Regional, passando essa
matéria a integrar, por essa forma, o Regimento da Assembleia, que nada obsta a
que possa ser constituído por disposições avulsas.
Carlos Fernandes Cadilha