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Processo n.º10/CPP
Plenário
ACTA
Aos treze dias do mês de Fevereiro de dois mil e oito, achando-se presentes o
Excelentíssimo Conselheiro Presidente Rui Manuel Gens de Moura Ramos e os Exmos.
Conselheiros Ana Maria Guerra Martins, Joaquim José Coelho de Sousa Ribeiro,
Mário José de Araújo Torres, Benjamim Silva Rodrigues, Carlos Alberto Fernandes
Cadilha, Maria Lúcia Amaral, Maria João da Silva Baila Madeira Antunes, Carlos
José Belo Pamplona de Oliveira, Gil Manuel Gonçalves Gomes Galvão, João Eduardo
Cura Mariano Esteves, Vítor Manuel Gonçalves Gomes e José Manuel Cardoso Borges
Soeiro, foram trazidos à conferência os presentes autos, para apreciação.
Após debate e votação, foi ditado pelo Excelentíssimo Conselheiro Presidente o
seguinte:
ACÓRDÃO N.º 86/2008.
I. Relatório.
1. No âmbito dos presentes autos, decidiu este Tribunal, através do Acórdão n.º
371/07, dar por verificado o recebimento, por parte do PPD/PSD, durante o ano de
2002, de um donativo indirecto, no valor de € 233.415,00, efectuado pela SOMAGUE
– Sociedade Gestora de Participações Sociais, S.A., através do pagamento, por
parte desta sociedade, de serviços prestados pela NOVODESIGN – Companhia
Portuguesa de Design, S.A, àquele partido, em violação do disposto no art. 5º,
n.º 4, da Lei n.º 56/98, na redacção dada pela Lei n.º 23/2000.
Simultaneamente, determinou que os autos fossem continuados com vista ao
Ministério Público, nos termos do disposto no art. 103º-A, n.º 2, da LTC.
2. Na sequência dessa decisão, veio o Ministério Público, aos 31.07.2007,
promover o seguinte:
«Conforme decorre dos elementos probatórios coligidos nos autos e do douto
acórdão n.º 371/2007, verifica-se que:
1. No âmbito da campanha para as eleições autárquicas
de 2001, foram prestadas ao PPD/PSD e à JSD (organização especial deste partido,
integrada na respectiva orgânica, nos termos previstos no art. 10º dos
Estatutos) pela sociedade comercial designada Novo Design – Companhia Portuguesa
de Design, SA, os serviços reflectidos nos pedidos de factura constantes de
fls.10/16 dos autos, emitidas em 15 de Março de 2002.
2. Na sequência de acordo estabelecido entre os
responsáveis pelo sector financeiro daquele partido e as administrações da Novo
Design, SA e da sociedade denominada Somague, S.G.P.S., S.A., - entidade
absolutamente estranha à dita relação contratual entre PPD/PSD e a Novo Design –
as referidas facturas, correspondentes aos serviços efectivamente prestados ao
partido, deram origem a uma factura única (n.º 20176/1), emitida à Somague (que
aparece em substituição da referência originária ao referido partido, verdadeiro
devedor), no montante de € 233.415,00, liquidada através do cheque n.º
2439635269, sacado sobre a conta n.º 277126091, titulada pela Somague S.G.P.S.,
S.A. e domiciliada no BCP.
3. Tal comportamento implica violação directa do
estatuído imperativamente no n.º 4 do artigo 5º da Lei n.º 56/98 (na redacção da
Lei n.º 23/2000), já que aos partidos políticos está vedado aceitar ou receber
quaisquer contribuições ou donativos indirectos que se traduzam no pagamento por
terceiros de despesas que lhes aproveitem, fora dos limites previstos no art.
4º.
4. Com efeito, face à matéria documentada e apurada nos
presentes autos, ocorreu manifestamente um pagamento por terceiro (a Somague) de
despesas, decorrentes de serviços prestados no âmbito de uma relação contratual
estabelecida com a Novo Design, que aproveitou inteiramente ao referido partido
político – sendo certo que o valor do donativo indirecto (€233.415,00)
ultrapassa manifestamente o limite previsto no art. 4º, n.º 1, da citada lei –
30 salários mínimos mensais nacionais por doador, isto é, € 10.440,00, já que o
salário mínimo no referido ano correspondia a € 348.
5. Tal infracção – supervenientemente conhecida e
totalmente autónoma relativamente às verificadas e sancionadas no âmbito do
processo normal de prestação de contas de 2002 – consubstancia, pois, uma
contra-ordenação, imputável:
a) ao próprio PPD/PSD, nos termos do n.º 2 do art. 14º da Lei n.º 56/98;
b) aos dirigentes do partido em causa que pessoalmente participaram na dita
infracção, nos termos do art. 14º, n.º 3, da mesma lei; neste caso, tais
dirigentes, responsáveis da Sede Nacional em 2002, são, (como decorre do
decidido definitivamente por este Tribunal, no acórdão n.º 348/06):
- o Secretário-Geral, José Luís Fazenda Arnaut Duarte;
- o Secretário-geral Adjunto para a área financeira, José Manuel de Matos Rosa;
- e ainda, face ao teor do ofício da pg. 122 dos presentes autos, subscrito pelo
Secretário-Geral actualmente em exercício – o Secretário-Geral Adjunto,
responsável pela área administrativa e financeira, José Luís Vieira de Castro.
Na verdade, todos estes dirigentes partidários, com responsabilidade estatutária
no sector administrativo e financeiro, sabiam que o partido estava legalmente
impedido de aceitar que terceiros realizassem donativos indirectos,
consubstanciados no injustificado pagamento de despesas, emergentes de relação
contratual de prestação de serviços a que eram totalmente estranhos, violando,
pois, com dolo, o referido preceito legal, no aceitar o pagamento pela Somague
de dívida que manifestamente vinculava apenas o próprio partido.
c) Às pessoas colectivas que – participando constitutivamente no referido
acordo, propiciador da atribuição de um donativo indirecto ao PPD/PSD –
violaram, com dolo, a citada disposição legal, bem sabendo que a atribuição
patrimonial, feita ao partido, era legalmente vedada (artigo 14º, n.º 5, da Lei
n.º 56/98):
- a Somague, S.G.P.S, S.A.;
- a Novo Design – Companhia Portuguesa de Design, S.A. (cuja denominação foi
ulteriormente modificada, passando a designar-se por Brandia Creating – Design e
Comunicação, S.A.).
d) Os administradores dessas pessoas colectivas que pessoalmente
participaram dolosamente no cometimento da referida infracção, bem sabendo que o
dito acordo, por eles consentido, possibilitador da atribuição patrimonial ao
partido em causa, era legalmente vedado, face à citada disposição legal
imperativa – e, que, perante a matéria de facto apurada nos autos, entende-se
serem:
- João Paulo Moreira Cardoso Sequeira (id. p. 48), que exercia em 2002 funções
na administração da Novo Design, sendo responsável pela área financeira, que deu
expresso assentimento à operação consubstanciada na alteração da identidade do
responsável pelo pagamento das facturas emitidas, apesar de bem saber que os
serviços em causa tinham sido prestados ao PPD/PSD;
- Diogo Alves Diniz Vaz Guedes (id. p. 47), presidente do Conselho de
Administração da Somague, que apôs na factura em causa a sua assinatura, a qual
caucionava o respectivo pagamento, autorizando o assumir daquele débito por tal
sociedade, bem sabendo que os serviços em causa tinham sido prestados ao partido
por outra sociedade comercial, agindo com o intuito de realizar um donativo
indirecto, que bem sabia ser vedado por lei;
- Luís Miguel Dias da Silva Santos (id. p. 96); e
- Nuno Manuel Franco Ribeiro da Silva (id. p. 91), ambos administradores
executivos da Somague, em 2002, que assinaram o cheque emitido pela Somague, que
corporizou o referido donativo indirecto, bem sabendo que o mesmo era legalmente
vedado;
Nestes termos – e em consonância com o preceituado nos n.ºs 2, 3, 5 e 6, do art.
14º da referida lei – promove-se a aplicação de coimas, ali estabelecidas, em
relação aos responsáveis pelo ilícito contra-ordenacional, atrás especificadas,
a graduar em conformidade com os critérios gerais estabelecidos no art. 18º do
Decreto-Lei n.º 433/82.
Mais se promove, nos termos da parte final do n.º 2 do art. 14º da mesma Lei n.º
56/98, que seja declarada a perda a favor do Estado dos valores (€ 233.415,00)
ilegalmente recebidos pelo PPD/PSD, através do donativo indirecto em causa».
3. Em resposta à promoção do Ministério Público, vieram pronunciar-se João Paulo
Moreira Cardoso Sequeira, Brandia Central – Design e Comunicação, S.A. (actual
denominação da Novo Design – Companhia Portuguesa de Design, S.A.), o PPD/PSD,
José Manuel de Matos Rosa, José Luís Fazenda Arnaut Duarte, Diogo Alves Diniz
Vaz Guedes, Nuno Manuel Franco Ribeiro da Silva, Luís Miguel Dias da Silva
Santos e a Somague, S.G.P.S, S.A, o que fizeram mediante as exposições cujo
conteúdo essencial se pode assim sumariamente sintetizar:
a) Caracterizando a relação negocial estabelecida entre a Brandia Central –
Design e Comunicação, S.A. (então denominada Novo Design – Companhia Portuguesa
de Design, S.A.) e o Partido Social Democrata como de prestação de serviços,
João Paulo Moreira Cardoso Sequeira começou por sustentar que tal relação, como
subsumível que deverá considerar-se à tipificação constante do art. 1154º do
Código Civil, se rege exclusivamente pelo direito privado, encontrando-se, por
consequência, sob incidência das normas constantes dos arts. 1167º, alínea b), e
767º, ambos do Código Civil, o primeiro ex vi do disposto no art. 1156º, do
mesmo diploma legal.
De acordo com a perspectiva defendida, resultará daqui que a licitude do
comportamento contratual empreendido pela Brandia Central – Design e
Comunicação, S.A., devendo aferir-se em função do que é consentido pelo direito
privado, se encontra no presente caso assegurada, quer pelas normas acima
referidas – as quais, para além de legitimarem a prestação de serviços a
partidos políticos mediante contrapartida financeira, autorizam o credor da
retribuição acordada a recebê-la, seja do respectivo devedor, seja de um
terceiro, interessado ou não no cumprimento da obrigação -, quer pela
inexistência de outras que, nesta última hipótese, paralelamente impusessem ao
prestador do serviço a retribuir o ónus de conhecer da relação ou dos motivos
subjacentes à realização por terceiro da contraprestação pecuniária previamente
acordada.
Numa segunda e complementar linha argumentativa, vem ainda sustentada a
impossibilidade de imputação à Brandia Central – Design e Comunicação, S.A. – e,
consequentemente, a quem em nome dela houver actuado – de qualquer infracção à
Lei n.º 56/98, de 18 de Agosto.
De acordo com a construção para o efeito sufragada, tal diploma
circunscrever-se-á, quanto ao respectivo âmbito de aplicação, às pessoas
singulares ou colectivas que realizem doações e aos partidos políticos que as
recebam, consistindo a acção sancionável, de um ponto de vista objectivo,
necessariamente na efectuação do financiamento proibido e/ou na sua aceitação
por parte do respectivo destinatário.
Para além do facto de a actuação empreendida pela Brandia, por se haver limitado
a uma prestação de serviços remunerada, não ser reconduzível a qualquer daquelas
categorias, defende-se ainda o relevo da circunstância de a infracção imputada
nos autos consistir, não na realização de um donativo indirecto tout court, mas
na realização de um donativo indirecto de valor superior ao máximo legalmente
permitido. E isto porque, segundo complementarmente se alega, não dispunha a
Brandia Central – Design e Comunicação, S.A, na qualidade de mero prestador de
serviços – nem, por consequência, o respondente enquanto seu administrador – de
condições para verificar se a doação em causa respeitava ou não os limites
anuais estabelecidos para os donativos de natureza partidária, limites esses
cuja violação só ao financiador e ao financiado deve poder ser imputada.
Ainda no que particularmente concerne à possibilidade de responsabilização do
respondente na qualidade de administrador da Brandia Central – Design e
Comunicação, S.A., nega-se que, designadamente por efeito da intervenção do
primeiro, haja esta celebrado com o PSD e com a Somague um qualquer acordo
tendente a viabilizar a realização de um financiamento partidário, sendo ao
invés sustentado que, não obstante haver procedido à substituição das facturas
originariamente emitidas e enviadas ao PSD, por uma outra, subsequentemente
remetida à Somague para pagamento, a Brandia Central – Design e Comunicação,
S.A. se limitou a actuar em estrita conformidade com as instruções por aquele
fornecidas, sem jamais conhecer o contexto em que se inseria tal pagamento ou
questionar o título a que intervinha esta última.
A propósito da incontestada aceitação de que o pagamento dos serviços prestados
ao PSD fosse efectuado pela Somague, consubstanciada na subsequente operação de
substituição de facturas, faz ainda o respondente notar que, para além de lhe
haver correspondido decisão procedente, não da área financeira por si então
tutelada, mas do pelouro comercial da empresa, se tratou de assunto discutido
entre todos os cinco administradores da Brandia, nenhum elemento autorizando a
diferenciar a respectiva intervenção da dos demais administradores, tanto mais
quanto certo é que a circunstância de lhe haver cabido a angariação do cliente
PSD o não torna responsabilizável por todos os actos em que se traduziu a
relação comercial assim estabelecida.
Recusando, com os fundamentos expostos, a autoria de qualquer actuação típica,
ilícita ou culposa, conclui o respondente com a ideia de que, a ser-lhe ainda
assim imputada a contra-ordenação de que vem acusado, tal imputação só poderá
fazer-se a título de negligência inconsciente, devendo, neste caso, a coima ser
fixada pelo seu valor mínimo.
b) Em sentido convergente com o acabado de percorrer estruturou a Brandia
Central - Design e Comunicação, S.A. a defesa nos autos apresentada,
alicerçando-a também no argumento segundo o qual, pressupondo a contra-ordenação
imputada a violação dolosa da disposição que proíbe o recebimento ou a aceitação
de quaisquer contribuições ou donativos indirectos que se traduzam no pagamento
por terceiros de despesas que aproveitem a partidos políticos fora dos limites
legalmente previstos, não haver realizado a respondente qualquer financiamento
ao PSD, tendo-se, outrossim, limitado a aceitar, na qualidade de prestadora de
serviços mediante retribuição, a satisfação do seu crédito por terceiro nos
termos consentidos pelo art. 767º do Código Civil.
Negando a celebração de qualquer acordo com o PSD e a Somague que visasse a
realização por parte da respondente de um qualquer donativo, directo ou
indirecto, ao primeiro, conclui a Brandia Central - Design e Comunicação, S.A.
pela ausência da responsabilidade contra-ordenacional que lhe é imputada, ainda
por certo ser que, sendo o pagamento da dívida por terceiro permitido
independentemente do interesse deste no cumprimento da obrigação, lhe não
caberia questionar ou conhecer da razão da intervenção da Somague.
c) Através de exposição datada de 22 de Agosto de 2007, subscrita pelo
secretário-geral então em funções, respondeu o Partido Social Democrata,
salientando o carácter pretérito dos factos imputados e a consequente
impossibilidade de sobre os mesmos se pronunciar a Direcção do partido à qual
coube receber a notificação para esse efeito realizada.
Não deixou, porém, de salientar a circunstância de, das sete facturas emitidas
pela Novo Design – Companhia Portuguesa de Design, S.A. e endereçadas ao PSD,
uma, no valor de € 2.919,15, haver sido liquidada através do cheque n.º
9394505139, datado de 06 de Março de 2002.
Juntou prova documental para demonstração do alegado.
d) Invocando absoluto desconhecimento dos factos imputados nos autos, José
Manuel Marques de Matos Rosa apresentou para tal desconhecimento a justificação
segundo a qual, tendo sido nomeado secretário-geral adjunto do Partido Social
Democrata aos 23 de Abril de 2002, somente a partir dessa data passou a ter
contacto com a realidade contabilística do partido.
Juntou prova documental para demonstração do alegado.
e) Confirmando ser, à data dos factos imputados, Secretário-Geral do Partido
Social Democrata, José Luís Fazenda Arnaut Duarte alegou, contudo, que deles não
teve então conhecimento e, bem assim, que pessoalmente não acompanhou os termos
em que o apoio da Somague foi concedido ao partido.
Segundo é afirmado, de forma a permitir que o Secretário-Geral do Partido Social
Democrata se concentrasse no exercício de funções de natureza política, era
prática seguida proceder à delegação de tarefas de natureza administrativa e
financeira em um ou mais Secretários-Gerais Adjuntos.
Tais tarefas – é dito ainda – foram então delegadas na pessoa de José Luís
Vieira de Castro.
f) Embora através da apresentação de defesas autónomas, Diogo Diniz Alves Vaz
Guedes e a Somague SGPS, S.A. opuseram-se à promoção do Ministério Público
mediante a invocação de argumentos essencialmente coincidentes.
Como questão para conhecimento liminar, ambos invocaram a prescrição do
procedimento contra-ordenacional nos presentes autos instaurado por reivindicado
efeito do decurso do prazo de cinco anos previsto na alínea a) do art. 27º do
Regime Geral das Contra-ordenações e das Coimas aprovado pelo Dec. Lei n.º
433/82, de 27 de Outubro, na redacção conferida pela Lei n.º 109/2001, de 24 de
Dezembro, sobre a data do cometimento da imputada contra-ordenação.
Reportando o momento da prática da infracção a 20 de Junho de 2002 por ser essa
a data de emissão do cheque sacado pela Somague para pagamento dos serviços
prestados pela Brandia Central – Design e Comunicação, S.A. ao PSD, sustentam
ambos os respondentes, para suportar aquela conclusão, que o procedimento de
aplicação de coima nos presentes autos instaurado, tendo-o sido ao abrigo do
disposto no art. 103º-A, n.º 2, da LTC, e regendo-se pelo que aí se dispõe, só
poderá ter-se por iniciado aos 27 de Junho de 2007, data da prolação do Acórdão
que deu por verificada a ocorrência da infracção e determinou a abertura de
vista ao Ministério Público nos termos do disposto no art.103º-A, n.º 2, da LTC.
Não obstante a anterioridade da instauração dos presentes autos,
defendem os respondentes que a precedente actividade neles documentada, não
apenas se não inscreve na previsão normativa do art. 103º-A, n.º 2, da LTC, como
representa uma inversão da ordem dos actos aí estabelecida, o que, na
perspectiva seguida, a tornará imprestável para, a partir dela ou com base nela,
ter por iniciado o procedimento contra-ordenacional.
Numa segunda linha de objecções à formalização da responsabilidade que lhes vem
imputada, invocam os respondentes a inconstitucionalidade material das normas
constantes dos arts. 14º, nºs 5 da LFPP, e do art. 103º-A, n.º 3, da LTC.
Para ambos os respondentes, a norma resultante do n.º 5 do art. 14º - ou,
conforme defende Diogo Diniz Alves Vaz Guedes, dos nºs 5 e 6 do art. 14º -
padecerá de inconstitucionalidade material por violação do princípio da
legalidade consagrado no art. 29º, n.º 1, da Constituição, uma vez que, ao
proceder à delimitação do ilícito através do emprego de uma formulação genérica
– “as pessoas colectivas que violem o disposto no presente capítulo” -, se
distancia dos requisitos de clareza, precisão e inteligibilidade no recorte das
condutas proibidas que devem ser observados no âmbito do direito sancionatório.
Para a respondente Somague SGPS, S.A, a norma constante do n.º 5 do art.14º será
ainda materialmente inconstitucional por consagrar um critério de fixação dos
limites da penalidade que, remetendo para múltiplos do valor do donativo
proibido concretamente realizado e não permitindo esclarecer se há lugar à
consideração, para esse efeito, da parcela que houver sido paga a título de IVA,
não se encontra objectivamente predefinido, nem é inteligível à luz do regime
legal em que se insere, o que redundará numa violação do princípio da legalidade
e da proibição da indefinição das sanções, consagrado nos arts.29º, n.ºs 1 e 3,
e 30º, n.º 1, in fine, da Constituição.
Já a inconstitucionalidade material apontada à norma do art. 103º-A,
n.º 3, da LTC, procederá, de acordo com o que vem defendido, da violação do
direito ao recurso consagrado no art. 32º, n.º 1, da Constituição, uma vez que o
processo ali previsto concentra numa única instância a competência para
instruir, apreciar e decidir o processo de contra-ordenação, não contemplando
qualquer possibilidade de recurso da decisão proferida.
No que diz respeito à prática da infracção propriamente dita, fazem
notar os respondentes que a Somague SGPS, S.A. é uma sociedade gestora de
participações sociais que, tal como sucede presentemente, detinha, ao tempo dos
factos em apreço, directa e indirectamente, participações em diversas sociedades
comerciais, nacionais e estrangeiras.
Neste contexto, alega-se que a actuação imputada nos autos foi presidida pela
convicção de que o montante de que a Somague SGPS, S.A. dispôs se conteria
dentro dos limites legais admissíveis de acordo com o disposto no art. 5º, n.º
4, da LFPP, ou, mais concretamente ainda, pelo convencimento de que, na
qualidade de entidade cabeceira do grupo, poderia aquela proceder legitimamente
à desagregação do montante objecto do donativo indirecto realizado por cada uma
das suas participadas, com a consequência de os valores assim alcançados não
excederem, por cada uma das sociedades co-financiadoras individualmente
consideradas, incluindo a própria Somague, SGPS, S.A., o limite previsto no art.
14º, n.º 1, da LFPP.
Para a hipótese, subsidiariamente configurada, de não vir a obter procedência
qualquer um dos argumentos acabados de sintetizar, sustentam os recorrentes que
a medida da respectiva responsabilidade deverá situar-se próximo do valor mínimo
legalmente previsto para a coima a aplicar.
Ambos os respondentes juntaram prova documental e apresentaram prova
testemunhal.
g) Ainda que mediante a apresentação de autónomas peças processuais, Nuno Manuel
Franco Ribeiro da Silva e Luís Miguel Dias da Silva Santos estruturaram as
respectivas defesas sob a invocação de argumentos factuais integralmente
coincidentes.
Assumindo haverem conjuntamente assinado, na qualidade de administradores da
Somague SGPS, S.A. com poderes para o acto, o cheque que serviu para efectuar o
pagamento dos serviços prestados pela Novodesign – Companhia Portuguesa de
Design, S.A. ao PSD, ambos os respondentes fizeram, contudo, notar que tal
intervenção, para além de absolutamente circunstancial, foi precedida da
observância dos procedimentos de conferência e autorização de pagamento
internamente instituídos – procedimentos esses a cargo, respectivamente, do
departamento de gestão de fornecedores e do centro de custo correspondente -, o
que conduziu a que os cheques lhes tivessem sido presentes para subscrição já
depois de emitidos e preenchidos pelos serviços da tesouraria.
Para além de a tanto se haver limitado a respectiva intervenção, ambos os
respondentes ignoravam os factos que nos autos são imputados, tendo, outrossim,
aposto as suas assinaturas no cheque na convicção de que o mesmo se destinava ao
pagamento de bens ou serviços prestados à própria Somague.
Com tal fundamento, concluem ambos os respondentes pela impossibilidade de virem
a ser responsabilizados pela prática, dolosa ou mesmo negligente, da
contra-ordenação prevista e sancionada nos termos das disposições conjugadas dos
arts. 5º, n.º 4, e 14º, nºs 1 e 6, da Lei n.º 56/98, de 18 de Agosto, com as
alterações introduzidas pela Lei n.º 23/2000, de 23 de Agosto.
Apresentaram prova testemunhal para demonstração do alegado.
4. À notificação dirigida a José Luís Vieira de Castro respondeu, na qualidade
de respectivo cônjuge, Maria do Rosário de Castro Freitas, invocando a
impossibilidade de aquele o fazer por si, por razões de saúde.
Para demonstração de tal impossibilidade, juntou dois atestados médicos.
5. O Ministério Público respondeu à excepção de prescrição do procedimento
contra-ordenacional invocada pelos respondentes Diogo Diniz Alves Vaz Guedes e
Somague SGPS, S.A., considerando-a manifestamente improcedente por não ter em
conta as especificidades da tramitação dos processos de prestação de contas dos
partidos políticos e respectivo sancionamento, nos casos legalmente previstos.
A este propósito, sustentou que, reportando-se a infracção em causa às contas do
exercício de 2002, o prazo prescricional nunca poderia iniciar-se antes do
momento idóneo para as contas serem apresentadas neste tribunal (fim do mês de
Maio do ano subsequente) e por ele valoradas nos termos legalmente previstos, ou
seja, no prazo máximo de seis meses a contar do dia da sua recepção.
No que se refere à alegada inversão da ordem dos actos prevista no art. 103º-A,
n.º 2, da LTC, considerou tratar-se de argumentação artificiosa porque assente
na premissa, viciada e insustentável, segundo a qual, no processo complementar
de sancionamento das infracções, caberia ao Ministério Público promover
liminarmente a aplicação de coima, sem precedência de qualquer indagação,
necessariamente oficiosa, fáctica ou probatória, mesmo que considerada
indispensável a um completo esclarecimento de todos os aspectos relevantes no
âmbito do ilícito contra-ordenacional.
Concluiu, nestes termos, pela improcedência da excepção invocada.
6. Notificadas as pessoas cujo testemunho foi requerido, vieram pronunciar-se,
por escrito, Luís Miguel Lopes David e Miguel Tönis, o primeiro arrolado pelos
respondentes Nuno Manuel Franco Ribeiro da Silva e Luís Miguel Dias da Silva e o
segundo ainda por Diogo Diniz Alves Vaz Guedes e pela Somague SGPS, S.A.
7. Por oficiosa iniciativa do Tribunal, foram notificados os respondentes Diogo
Diniz Alves Vaz Guedes e Somague SGPS, S.A. no sentido de providenciarem pela
junção aos autos de prova documental comprovativa da directa intervenção das
sociedades por esta participadas no financiamento da operação titulada pelo
cheque a que se reportam os autos.
Ainda por despacho do Conselheiro Presidente, foi determinada a notificação da
Somague SGPS, S.A, bem como da NovoDesign – Companhia Portuguesa de Design, S.A,
para diligenciarem pela junção aos autos de cópia do referido título.
A tal notificação respondeu a Somague SGPS, S.A., procedendo à junção aos autos
de cópia do cheque em causa e afirmando, quanto ao mais, não dispor da prova
documental perspectivada no despacho.
À mesma notificação respondeu ainda a NovoDesign – Companhia Portuguesa de
Design, S.A, (actualmente designada Brandia Central - Design e Comunicação,
S.A.), afirmando não dispor de cópia do cheque.
8. Admitida que foi, em face do teor da resposta referida em 4., a possibilidade
de o expediente remetido para notificação de José Luís Vieira de Castro não
haver chegado ao efectivo poder do respectivo destinatário, foi o acto mandado
repetir.
Efectuada que foi nova notificação, apresentou José Luís Vieira de Castro
resposta escrita, imputando os factos em causa nos presentes autos a uma
desatenção jurídica não intencional motivada pelo facto de os esforços à data
desenvolvidos se encontrarem centrados nos desafios eleitorais que o Partido
Social Democrata enfrentava, em prejuízo da atenção sobre o funcionamento
administrativo do partido.
II. Questão prévia: Da invocada prescrição do procedimento contra-ordenacional.
1. Conforme referido já, invocaram os respondentes Diogo Diniz Alves Vaz Guedes
e a Somague SGPS, S.A. a prescrição do procedimento contra-ordenacional
instaurado nos presentes autos.
De acordo com a construção para o efeito sustentada, o prazo de prescrição
aplicável, sendo de cinco anos nos termos previstos na alínea a) do art. 27º do
Regime Geral das Contra-ordenações aprovado pelo Dec. Lei n.º 433/82, de 27 de
Outubro, na redacção conferida pela Lei n.º 109/2001, de 24 de Dezembro,
ter-se-á completado antes mesmo da instauração do presente procedimento, já que
este, havendo de conformar-se com a tipificação prevista no art. 103º-A, n.º 2,
da LOFPTC, só poderá ter-se por verdadeiramente iniciado aos 27 de Junho de
2007, data da prolação do Acórdão que deu por verificada a ocorrência da
infracção e determinou a abertura de vista ao Ministério Público.
Assim, uma vez que a prática da imputada contra-ordenação remonta a 20 de Junho
de 2002, o procedimento contra-ordenacional deverá ser declarado extinto por
prescrição.
2. Com relevo para a decisão que haverá de seguir-se, é possível ter por assente
o circunstancialismo seguinte:
- por ofício datado de 11.12.2006, a Direcção-Geral dos Impostos procedeu à
comunicação de factos indiciadores da prática de infracção.
- por despacho exarado pelo Conselheiro Presidente, datado de 11.12.2006, o
expediente originado por tal comunicação foi com vista ao Ministério Público
para os efeitos tidos por convenientes.
- sob invocação do disposto no art. 103º-A, n.º 2, da LTC, o Ministério Público
tomou posição nos autos aos 20.12.2006, promovendo que o referido expediente
fosse autuado como processo complementar de prestação de contas e, por
considerar que disso dependia o apuramento seguro das possíveis
responsabilidades contra-ordenacionais indiciadas, a realização de diligências
instrutórias complementares, a levar a cabo pelo Tribunal mediante a coadjuvação
da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos, ao abrigo do preceituado nos
arts. 24º da Lei n.º 19/03, de 20 de Junho, e 9º, n.º 1, alínea c), da Lei
Orgânica n.º 2/2005, de 10 de Janeiro.
- por despacho do Conselheiro Presidente datado de 27.12.2006, foi determinada
a autuação do mencionado expediente como processo complementar aos autos de
prestação de contas do ano de 2002 e ordenada a respectiva remessa à Entidade
das Contas e Financiamentos Políticos, nos termos e para os efeitos promovidos
pelo Ministério Público.
- remetidos os autos à Entidade das Contas e Financiamentos Políticos e por esta
à Polícia Judiciária, foram realizadas diligências de inquirição nos dias
27.02.2007, 28.02.2007, 05.03.2007, 09.03.2007, 15.03.2007, 21.03.2007,
27.03.2007, 02.04.2007, 10.04.2007, 11.04.2007, 12.04.2007, 18.04.2007 e
19.04.2007.
- por despacho do Conselheiro Presidente datado de 09.05.2007, foi determinada a
notificação do PPD/PSD nos termos e para os efeitos previstos no art. 13º, n.º
2, da Lei n.º 56/98.
- aos 26.07.2007, foi proferido, pelo Plenário deste Tribunal, o
Acórdão n.º 371/07, através do qual foi dado por verificado «o recebimento, por
parte do PPD/PSD, durante o ano de 2002, de um donativo indirecto, no valor de €
233.415,00, efectuado pela SOMAGUE – Sociedade Gestora de Participações Sociais,
S.A., através do pagamento, por parte desta sociedade, de serviços prestados
pela NOVODESIGN – Companhia Portuguesa de Design, S.A. àquele Partido, em
violação do disposto no artigo 5.º, n.º 4, da Lei n.º 56/98, na redacção dada
pela Lei n.º 23/2000» e determinada a abertura de vista ao Ministério Público,
nos termos do disposto no artigo 103.º-A, n.º 2, da LTC.
- tal pagamento foi efectuado através de cheque emitido aos 20 de
Junho de 2002.
3. Conforme decorre dos termos processuais acima resumidamente descritos e
expressamente foi afirmado no Acórdão n.º 371/07, os presentes autos, tendo sido
instaurados para conhecimento de factos subjectivamente supervenientes à
apreciação das contas partidárias de 2002 e autónomos relativamente aos aí
apreciados, foram-no ao abrigo do disposto no n.º 2 do art. 103º-A da LTC.
Dispõe o art. 103º- A, da LTC o seguinte:
«1. Quando, ao exercer a competência prevista no n.º 2 do artigo 13º da Lei n.º
72/93, de 30 de Novembro, o Tribunal Constitucional verificar que ocorreu o
incumprimento de qualquer das obrigações que, nos termos do capítulo II do mesmo
diploma legal, impendem sobre os partidos políticos, dar-se-á vista nos autos ao
Ministério Público, para que este possa promover a aplicação da respectiva
coima.
2. Quando, fora da hipótese contemplada no número anterior, se verifique que
ocorreu o incumprimento de qualquer das obrigações nele referidas, o presidente
do Tribunal Constitucional determinará a autuação do correspondente processo,
que irá de imediato com vista ao Ministério Público, para que este possa
promover a aplicação da respectiva coima.
3. Promovida a aplicação de coima pelo Ministério Público, o Presidente do
Tribunal ordenará a notificação do partido político arguido, para este
responder, no prazo de 20 dias, e, sendo caso disso, juntar a prova documental
que tiver por conveniente ou, em casos excepcionais, requerer a produção de
outro meio de prova, após o que o Tribunal decidirá, em sessão plenária.»
A tese sufragada pelos respondentes assenta no pressuposto de que a actividade
processual desenvolvida até 27 de Junho de 2007, data da prolação do Acórdão n.º
371/07, não somente se não inscreve, como não tem cabimento possível na
tipificação constante do art. 103º-A, n.º 2, da LTC, o que, devendo ser
reconhecido, a tornará consequentemente imprestável para ter com base nela por
verificada a instauração do procedimento.
Vejamos se assim é.
Colocada a questão no plano dos princípios, pode dizer-se que, entre aqueles que
estruturam qualquer processo de tipo sancionatório, se conta seguramente o da
legalidade do processo, objecto de consagração expressa no art. 2º do Cód. de
Processo Penal e no art. 43º do Regime Geral das Contra-ordenações, aprovado
pelo Dec. Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro.
Sujeitando o exercício do poder estadual sancionatório à exigência de um
processo legalmente prescrito, o princípio da legalidade exclui a possibilidade
de ingerência repressiva na esfera jurídica dos particulares sem a tramitação de
um processo segundo a forma estabelecida em lei precedente.
Porém, ao invés do que parece supor a tese sufragada pelos respondentes, daí não
se segue que à lei que especialmente modela o processo se imponha que o faça em
termos de tal modo exaurientes, fechados e finais que todo e qualquer acto a
praticar, para poder considerar-se acto do processo e valer enquanto tal, careça
de haver sido – e de haver sido aí - expressamente descrito e singularmente
caracterizado pelo legislador.
Enquanto parâmetro de sindicância da regularidade da intervenção das instâncias
formais de controlo, o que do princípio da legalidade seguramente resulta é que
a declaração do direito no caso concreto não poderá ter lugar fora da sequência
articulada de actos que o processo representa, nem das «regras de
desenvolvimento processual que o integram» (cfr. Simas Santos e Leal Henriques,
em anotação ao art. 2º do Código de Processo Penal, in Código de Processo Penal
Anotado, I Volume, 1996, pg.79)
Encarada nesta perspectiva a influência modeladora da norma inscrita no n.º 2 do
art. 103º-A da LTC, não sofrerá obviamente contestação que a mesma tem por
objecto a tipificação da matriz do processo destinado à verificação, por via do
seu superveniente conhecimento, do eventual incumprimento das obrigações
constantes do regime jurídico do financiamento dos partidos políticos e das
campanhas eleitorais.
Por assim ser, também pacificamente poderá afirmar-se que, ao definir a
estrutura deste tipo de processo, a norma em presença lhe impõe momentos e
conteúdos obrigatórios, fases que o processo não poderá deixar de incluir sob
pena de preterição do princípio da legalidade.
Agora o que daí se não segue é que toda a actividade processual possível se
encontre, por via disso, imperativamente confinada ao conjunto, preciso e
limitado, dos termos expressamente descritos, designadamente ao ponto de
legitimar a afirmação de que o processo não poderá existir para além deles ou
fora deles. E, sobretudo, não vale isso para excluir que no processo possam ser
enxertados outros actos que, para além de preordenados à realização do seu fim,
surjam como expressão de um outro princípio, também ele consensualmente
integrativo do modelo processual entre nós há muito consagrado, segundo o qual
ao tribunal, enquanto entidade decidente, incumbe o poder-dever de esclarecer e
instruir autonomamente o facto sujeito a julgamento, criando ele mesmo as bases
necessárias à sua decisão (cfr. Jorge Figueiredo Dias, Direito Processual Penal,
Volume 1, 1974, pg. 72)
Justamente por assim ser, uma segunda e decisiva ordem de razões impede em
definitivo que a tese sustentada pelos respondentes pudesse ser aqui
acompanhada.
É que a construção por estes defendida assenta no postulado segundo o qual o
juízo relativo à verificação da própria infracção está definitivamente contido
na ordem de autuação que dá início ao procedimento, restando por isso ao
Ministério Público, na vista com que os autos serão imediatamente continuados, a
promoção da aplicação de coima, coima essa cuja justeza e adequação ficará então
o Plenário, em final intervenção, limitado a avaliar.
Significa isto que, para os respondentes, o juízo material concernente ao
estabelecimento dos pressupostos da responsabilidade contra-ordenacional, para
além de singularmente cometido ao Presidente do Tribunal, é prévio à instauração
do próprio procedimento, ficando este por consequência, reduzido, quanto ao seu
objecto e possível fim, à determinação das consequências jurídicas da prática da
infracção que naqueles termos haja sido verificada.
Pelos fundamentos que passaremos a enunciar, esta não é, porém, uma construção
aceitável, e isto de um ponto de vista quer teleológico, quer sistemático, quer
mesmo literal.
Desde logo porque, perscrutada a racionalidade da norma adjectiva em presença,
seja singularmente, seja no contexto da unidade do sistema jurídico em que se
insere, forçosamente seremos conduzidos à conclusão de que, tal como é próprio
de todo o juízo que antecede uma ordem de autuação (cfr. art. 213º do Cód. de
Proc. Civil), também este a que se refere o n.º 2 do art. 103º-A só poderá ser
um juízo de tipo liminar, correspondente a um controlo de natureza meramente
formal ou extrínseca.
Com efeito, só assim, como liminar e formal que é, se explica e juridicamente se
aceita que tal juízo possa ter lugar fora do processo que tenderá a
seguir-se-lhe, preceder a instauração do próprio procedimento, caber em
exclusivo ao Presidente da instância colectiva a quem compete a apreciação da
causa e não carecer sequer de ser exteriorizado ou verbalizado, designadamente
quanto aos respectivos fundamentos e critérios de ponderação.
Em segundo lugar – e situamo-nos agora no estrito plano da interpretação
sistemática -, porque nesse mesmo sentido não deixará de apontar a consonância
do segmento normativo interpretando com a unidade intrínseca do conjunto
normativo em que se insere.
Isto porque, ao considerar-se, de entre os demais tipos de processo cometidos ao
Tribunal Constitucional, aqueles que do mesmo modo contemplam a intervenção
prévia e singular do Presidente, facilmente se concluirá ser justamente de
natureza formal o controlo que, em tal fase, este é chamado a exercer através do
conjunto de poderes ou faculdades que para esse efeito se lhe encontram
atribuídos nos termos expressamente previstos na LTC.
Assim o demonstra, com efeito, o regime processual comum aos processos de
fiscalização abstracta, em especial a estrutura do processo decisório que
resulta definida nos n.ºs 2 a 4 do art. 51º daquele diploma legal.
De acordo com a tramitação aí tipificada, o requerimento através do qual é
formulado o pedido de apreciação da constitucionalidade ou da legalidade de
certas normas jurídicas é, depois de autuado e registado, concluso ao presidente
do Tribunal que decide sobre a sua admissão.
No caso de falta, insuficiência ou manifesta obscuridade das especificações que
o requerimento deve conter nos termos do n.º 1 do art. 51º da LTC, o Presidente
notifica o autor do pedido para suprir as deficiências, após o que os autos lhe
serão novamente conclusos para aquele efeito.
A decisão do Presidente que admite o pedido – resulta finalmente do n.º 4 - não
faz precludir a possibilidade de o Tribunal vir, em definitivo, a rejeitá-lo, o
que ocorrerá em sessão plenária.
Resultando da análise do regime acabado de descrever que, no âmbito dos
processos de fiscalização abstracta, preventiva ou sucessiva, da
constitucionalidade ou legalidade de certas normas jurídicas, a intervenção
prévia do Presidente se associa ao exercício de um controlo de tipo formal ou
extrínseco cujo resultado é livremente reavaliável pela instância a quem compete
o pronunciamento que porá termo aos autos, não deixará tal conclusão de
constituir um relevante subsídio interpretativo quando se trate de estabelecer a
natureza, conteúdo e alcance daquela mesma forma de intervenção, desta feita no
âmbito do processo tipificado no n.º 2 do art. 103º-A da LTC.
Sujeitando a interpretação da norma adjectiva em presença à incidência do
«postulado da coerência intrínseca do ordenamento», parece que consentânea com a
ideia de que «as normas contidas numa codificação obedecem por princípio a um
pensamento unitário» (cfr. Baptista Machado, in Introdução ao Direito e ao
Discurso Legitimador, Almedina, 1983, pg.183), será apenas a conclusão de que,
também no âmbito do procedimento tipificado no n.º 2 do art. 103º-A da LTC, a
intervenção singular do Presidente se destinará a uma avaliação de tipo liminar,
por esta se entendendo aquela apreciação que se dirige ao conhecimento, não do
objecto do processo ou de algum dos seus elementos integrantes, mas das
condições de que poderá depender a viabilidade da respectiva instauração.
Uma razão terceira e última se opõe ainda à procedência da tese sufragada pelos
respondentes.
Radica ela na própria literalidade do texto em que se objectiva a norma
interpretanda, mais propriamente na circunstância de a fórmula legislativa
utilizada para descrever o fim a que se destina a intervenção do Ministério
Público imediatamente subsequente à autuação ser integrada pela expressão “para
que este possa promover a aplicação da respectiva coima” (sublinhado nosso).
Trata-se de uma expressão legal cujo significado, para ser concordante com a
presunção segundo a qual o legislador souber exprimir o seu pensamento com
correcção e em termos adequados (cfr. art. 9º do Código Civil), só poderá ser o
de que, no âmbito da intervenção que se segue à autuação, a promoção para
aplicação de coima representa apenas uma possibilidade para o Ministério
Público.
À luz de tal postulado hermenêutico, a própria letra da lei deporá no sentido de
que, em alternativa a tal imediata tomada de posição e como forma de a tornar
ulteriormente possível, o Ministério Público se encontra legitimado a reconhecer
a insuficiência dos elementos com que é confrontado e, com base nisso, a
promover a realização de diligências destinadas a permitir «um completo
esclarecimento de todos os aspectos relevantes no âmbito do ilícito
contra-ordenacional».
Ora, foi esta, justamente, a via seguida nos autos, a qual, por corresponder a
tramitação que, pelos fundamentos vindos de enunciar, se poderá ter por
legalmente conforme ao conjunto normativo que a regula, deu origem a um
procedimento válido e atendível, designadamente para efeitos de verificação da
prescrição.
É certo que a promoção, vista já possível ao abrigo do art. 103º-A, n.º 2, da
LTC, no sentido da realização das diligências probatórias tidas por necessárias
ao completo esclarecimento dos factos precedeu a ordem de autuação ao invés de
se lhe seguir. E certo igualmente é que o despacho exarado pelo Conselheiro
Presidente para ordenar a autuação do expediente que lhe havia sido remetido
serviu concomitantemente para determinar a realização das diligências entretanto
promovidas.
Contudo, se algum vício se pudesse reconhecer nessa simples antecipação do
exercício de uma faculdade, seria seguramente um vício reconduzível à categoria
das meras irregularidades e, como tal, insusceptível de contender, pela absoluta
ausência de projecção negativa na posição processual dos visados, com a validade
do procedimento.
E se assim é, jamais tal ocorrência poderia constituir idóneo fundamento para
excluir, conforme é defendido pelos respondentes, que o procedimento se tenha
por iniciado por efeito da ordem de autuação que, em resultado de um controlo
sobre a viabilidade das condições da instauração do processo, foi feita constar
do despacho exarado pelo Conselheiro Presidente aos 27.12.2006 e, menos ainda,
para impor que o procedimento apenas pudesse ter-se por iniciado quando, após a
realização das diligências tidas por necessárias - realização essa que vimos já
processualmente legitimada por efeito de um dos princípios integrativos do
modelo que disciplina a intervenção das instâncias formais de controlo no âmbito
dos processos sancionatórios - e a subsequente verificação da infracção pela
entidade competente para o julgamento da causa, foi determinada a abertura de
vista ao Ministério Público para que renovado fosse, agora mediante actualizada
apreciação, o exercício da faculdade prevista no art. 103º-A, n.º 2, da LTC.
Concluindo-se, portanto, que o procedimento nos presentes autos instaurado se
iniciou, em válidos termos, aos 27.12.2006, é altura de verificar se o mesmo se
encontra prescrito.
A infracção tida já por verificada e cujo sancionamento é agora promovido
consubstancia-se na violação do disposto no artigo 5.º, n.º 4, da Lei n.º 56/98,
na redacção dada pela Lei n.º 23/2000.
A Lei nº 56/98, com as alterações resultantes da Lei nº 23/2000, nada dispõe de
específico sobre a prescrição do procedimento contra-ordenacional.
No seu silêncio, valerão, pois, as disposições constantes do Regime Geral das
Contra-ordenações (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, com
as alterações introduzidas pelos Decretos-Lei n.º 356/89, de 17 de Outubro, n.º
244/95, de 14 de Setembro, e pela Lei n.º 109/2001, de 24 de Dezembro).
Tendo em vista determinar a lei aplicável e fixar o prazo de prescrição a
considerar, vejamos, antes de mais, qual deve ser considerado o momento da
prática da infracção.
Resulta do disposto no art. 5º do Regime Geral das Contra-ordenações, que o
facto se considera praticado «no momento em que o agente actuou ou, no caso de
omissão, deveria ter actuado, independentemente do momento em que o resultado
típico se tenha produzido».
Consistindo a infracção tida por verificada no recebimento por parte do PPD/PSD,
de um donativo indirecto, no valor de € 233.415,00, efectuado pela SOMAGUE –
Sociedade Gestora de Participações Sociais, S.A., através do pagamento, por
parte desta sociedade, de serviços prestados pela NOVODESIGN – Companhia
Portuguesa de Design, S.A. àquele Partido, o momento da prática do facto haverá
de corresponder àquele em que foi efectuado este pagamento e, por consequência,
à data em que foi emitido o cheque sacado para o efeito, ou seja, a 20 de Junho
de 2002.
De acordo com o disposto no art. 27º do Regime Geral das Contra-ordenações, na
versão aprovada pela Lei n.º 109/2001, de 24 de Dezembro, em vigor à data da
prática dos factos, o procedimento por contra-ordenação extingue-se por efeito
da prescrição logo que sobre a prática da contra-ordenação hajam decorrido os
seguintes prazos:
a) Cinco anos, quando se trate de contra-ordenação a que seja aplicável uma
coima de montante máximo igual ou superior a € 49.879,79;
b) Três anos, quando se trate de contra-ordenação a que seja aplicável uma coima
de montante igual ou superior a € 2.493,99 e inferior a € 49.879,79;
c) Um ano, nos restantes casos.
Tendo presentes as estatuições ínsitas no art. 14º da Lei n.º 56/98, na redacção
conferida pela Lei n.º 23/2000, verifica-se que os partidos políticos
responsáveis pela violação do disposto no respectivo art. 5º, n.º4, incorrem
numa coima máxima de 400 salários mínimos mensais nacionais (cfr. n.º 2),
sujeitando-se os dirigentes dos partidos políticos que pessoalmente participarem
em tal infracção à aplicação de uma coima máxima no valor de 200 salários
mínimos mensais nacionais (cfr. n.º 3)
Para as pessoas colectivas que violarem o disposto no art. 5º, n.º 4, a coima
máxima a aplicar é equivalente ao quíntuplo do montante do donativo proibido
(cfr. n.º 5), incorrendo os respectivos administradores que pessoalmente
participarem na infracção numa coima máxima no valor de 200 salários mínimos
nacionais mensais (n.º 6)
Uma vez que o salário mínimo mensal nacional no ano de 2002 correspondia a €
348,00 (artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 325/2001, de 17 de Dezembro), conclui-se
que o limite máximo da moldura sancionatória a considerar, no que respeita aos
partidos políticos, é dado pelo valor de € 139.200 e, no que concerne aos
respectivos dirigentes, pelo valor de € 69.600, o mesmo que se aplica aos
administradores das pessoas colectivas que pessoalmente houverem participado na
infracção.
Já quanto a estas, o limite máximo da coima a atender, correspondendo ao
quíntuplo do montante objecto do donativo indirecto tido por realizado, será no
caso presente de € 1.167.075.
Tendo em conta os limites máximos que vimos de enunciar, verifica-se que o prazo
de prescrição aplicável ao procedimento contra-ordenacional instaurado nos autos
é sempre o de cinco anos previsto na alínea a) do art. 27º do Regime Geral das
Contra-ordenações, na versão aprovada pela Lei 109/2001, de 24 de Dezembro.
Ora, reportando-se a contra-ordenacção sob julgamento a 20 de Junho de 2002, tal
prazo completar-se-ia então aos 20 de Junho de 2007, o que efectivamente teria
sucedido se nenhum evento susceptível de obstar a tal decurso tivesse tido
entretanto lugar no âmbito dos presentes autos.
Simplesmente, sob a epígrafe «interrupção da prescrição», dispõe-se no art. 28º
do Regime Geral das Contra-ordenações, na redacção revista pela Lei 109/2001, de
24 de Dezembro, o seguinte:
«1 - A prescrição do procedimento por contra-ordenação interrompe-se:
a) Com a comunicação ao arguido dos despachos, decisões ou medidas contra ele
tomados ou com qualquer notificação;
b) Com a realização de quaisquer diligências de prova, designadamente exames e
buscas, ou com o pedido de auxílio às autoridades policiais ou a qualquer
autoridade administrativa;
c) Com a notificação ao arguido para exercício do direito de audição ou com as
declarações por ele prestadas no exercício desse direito;
d) Com a decisão da autoridade administrativa que procede à aplicação da coima.
2 - Nos casos de concurso de infracções, a interrupção da prescrição do
procedimento criminal determina a interrupção da prescrição do procedimento por
contra-ordenação.
3 - A prescrição do procedimento tem sempre lugar quando, desde o seu início e
ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo da prescrição acrescido
de metade.»
Interrompendo-se a contagem do prazo de prescrição, nos termos da alínea b) do
n.º 1, do art. 28º, do Regime Geral das Contra-ordenações, com a realização de
quaisquer diligências de prova, esse efeito ter-se-á produzido nos autos aos
27.02.2007, 28.02.2007, 05.03.2007, 09.03.2007, 15.03.2007, 21.03.2007,
27.03.2007, 02.04.2007, 10.04.2007, 11.04.2007, 12.04.2007, 18.04.2007 e
19.04.2007, datas em que foram realizadas as inquirições integradas no âmbito da
actividade instrutória que se sucedeu ao despacho liminar proferido pelo
Conselheiro Presidente e que abrangem todos os arguidos nos presentes autos.
Uma vez que cada um desses actos determinou o reinicio da contagem do prazo e,
sobre o momento da prática do facto, não decorreu ainda o prazo normal de
prescrição acrescido de metade (sete anos e seis meses), a conclusão só pode ser
a de que o procedimento contra-ordenacional nos presentes autos instaurado não
se encontra prescrito, o que conduz a julgar improcedente a excepção invocada
pelos respondentes.
III. Fundamentação.
1. De facto.
1.1. Factos considerados provados.
Com relevo para a decisão da causa, têm-se por demonstrados os factos seguintes:
1.1.1. Factos relativos à promoção do Ministério Público.
a) No ano de 2001, a sociedade comercial então
designada Novo Design – Companhia Portuguesa de Design, S.A. prestou ao PPD/PSD
e à JSD um conjunto de serviços no âmbito da actividade de desenvolvimento e
materialização de campanhas de design e comunicação.
b) A tal prestação de serviços seguiu-se a emissão de
sete pedidos de factura, datados de 15 de Março de 2002 e dirigidos ao PPD/PSD
na qualidade de entidade devedora.
c) O valor globalmente documentado nos sete
referidos pedidos ascendia a € 233.415,00.
d) Em momento concretamente não determinado mas
anterior a 20 de Junho de 2002, foi acordado que o valor acima referido seria
integralmente suportado pela Somague SGPS, S.A.
e) Na sequência de tal acordo, foi solicitado à Novo
Design – Companhia Portuguesa de Design, S.A. que procedesse à anulação das
facturas referidas em b) e à respectiva substituição por uma outra, de igual
valor, destinada à Somage, S.G.P.S., S.A.
f) Tal solicitação foi aceite e, em consequência, a
Novo Design – Companhia Portuguesa de Design, S.A. procedeu à anulação das
facturas mencionadas em b), bem como à respectiva substituição por uma factura
única (n.º 20176/1), esta emitida à Somague, S.G.P.S., S.A., no montante de €
233.415,00.
g) Tal factura foi liquidada através do cheque n.º
2439635269, datado de 20.06.2002 e sacado sobre a conta n.º 277126091, titulada
pela Somague S.G.P.S., S.A. e domiciliada no BCP.
h) No acordo referido em d) intervieram José Luís
Vieira de Castro e Diogo Alves Diniz Vaz Guedes, o primeiro em representação do
PPD/PSD e o segundo em representação da Somague, S.G.P.S., S.A.
i) José Luís Vieira de Castro exercia, à data, as
funções de Secretário-Geral Adjunto, sendo responsável, nessa qualidade, pela
área administrativa e financeira do partido.
j) No ano de 2002, José Luís Fazenda Arnaut Duarte
exerceu funções como Secretário-Geral do PPD/PSD e, no respectivo decurso, José
Manuel de Matos Rosa veio a ocupar o cargo de Secretário-geral Adjunto para a
área financeira.
k) Diogo Alves Diniz Vaz Guedes exercia, no ano de
2002, as funções de presidente do Conselho de Administração da Somague,
S.G.P.S., S.A..
l) Na sequência e em concretização do acordo
referido em d), Diogo Alves Diniz Vaz Guedes veio a apor a respectiva assinatura
na factura mencionada em e), desse modo autorizando a que o respectivo valor
viesse a ser pago pela Somague S.G.P.S., S.A nos termos descritos em g).
m) O cheque aludido em g) foi subscrito por Luís
Miguel Dias da Silva Santos e Nuno Manuel Franco Ribeiro da Silva, ambos
administradores executivos da Somague S.G.P.S., S.A no ano de 2002.
n) João Paulo Moreira Cardoso exercia em 2002
funções na administração da Novo Design, sendo responsável pela área financeira.
o) Em tal qualidade, acedeu à solicitação referida em
e), dando assentimento à operação especificada em f).
p) Ao proceder conforme o supra descrito, José Luís
Vieira de Castro agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que,
através do acordo realizado, conduzia o partido a aceitar, conforme era seu
propósito, o pagamento pela Somague S.G.P.S., S.A. de dívida de montante
superior a € 10.440; sabia ainda que, pelo menos em tais termos, o partido se
encontrava legalmente impedido de aceitar que terceiros realizassem pagamento de
despesas próprias e, bem assim, que a violação de tal dever era legalmente
sancionável.
q) Ao proceder conforme o supra descrito, Diogo Alves
Diniz Vaz Guedes agiu de forma livre, voluntária e consciente, com o propósito
concretizado de conduzir a Somague S.G.P.S., S.A. ao pagamento de serviços que
haviam sido prestados ao PPD/PSD, bem sabendo que, ao vincular aquela sociedade
à assunção do correspondente débito, a conduzia à realização indirecta de uma
atribuição patrimonial de valor superior a € 10.440, o que sabia ainda
corresponder a actuação vedada por lei.
r) Ao proceder conforme o supra descrito, João
Paulo Moreira Cardoso Sequeira agiu de forma livre, voluntária e consciente, com
o concretizado propósito de consequenciar a aceitação pela Novo Design -
Companhia Portuguesa de Design, S.A. de que o pagamento do valor correspondente
aos serviços prestados ao PPD/PSD fosse efectuado pela Somague S.G.P.S., S.A.
Factos alegados por João Paulo Moreira Cardoso Sequeira e pela
Brandia Central – Design e Comunicação, S.A.
s) A solicitação referida em e) foi formulada pelo
PPD/PSD.
Factos alegados por José Manuel de Matos Rosa.
t) José Manuel de Matos Rosa foi nomeado para o
cargo referido em j) aos 23 de Abril de 2002.
Factos alegados por Diogo Alves Diniz Vaz Guedes e pela Somague
S.G.P.S, S.A.
u) A Somague SGPS, SA é uma sociedade gestora de
participações sociais que detém e detinha, ao tempo dos factos supra descritos,
participações em diversas sociedades comerciais nacionais e estrangeiras, num
total de vinte e duas.
1.2. Factos considerados não provados.
Com possível relevo para apreciação da causa nenhum outro facto se
demonstrou.
Em especial, não se provou que:
1.2.1. Dos factos concernentes à promoção do Ministério Público.
- os serviços referidos em a) tivessem sido prestados no âmbito da
campanha para as eleições autárquicas.
- a sociedade Novo Design - Companhia Portuguesa de Design, S.A., designadamente
por intermédio do seu administrador João Paulo Moreira Cardoso Sequeira, tivesse
intervindo no acordo referido em d);
- em representação do PPD/PSD, tivessem intervindo em tal acordo
José Luís Fazenda Arnaut Duarte e/ou José Manuel de Matos Rosa.
- tal acordo e/ou a respectiva concretização houvessem sido
consentidos por José Luís Fazenda Arnaut Duarte e/ou José Manuel de Matos Rosa.
- Luís Miguel Dias da Silva Santos e/ou Nuno Manuel Franco Ribeiro da Silva
houvessem actuado com conhecimento de que o cheque referido em c) se destinava a
viabilizar a concretização do acordo referido em d).
- João Paulo Moreira Cardoso tivesse actuado com conhecimento de que a operação
descrita em f) se destinava a viabilizar uma atribuição patrimonial ao PPD/PSD
de valor legalmente proibido.
1.2.2. Dos factos alegados por Diogo Alves Diniz Vaz Guedes e pela Somague
S.G.P.S, S.A.
- na outorga do valor referido em f) tivessem participado as sociedades
mencionadas em u);
- à actuação descrita em d), h) e l) tivesse presidido a convicção de que o
montante em causa seria repartível pelas sociedades aludidas em u), incluindo a
própria Somague SGPS, S.A, em termos de a cada uma delas poder vir a ser
imputada a outorga de um vinte e três avos de tal valor.
1.3. Motivação da decisão de facto.
Conforme resulta da leitura dos fundamentos feitos constar do Acórdão
precedentemente proferido (Acórdão n.º 371/07), o juízo probatório concernente à
objectiva verificação dos factos integradores do evento sob julgamento foi já
formulado e expresso no âmbito dos presentes autos. E foi-o em termos que, por
conveniência de exposição, é útil aqui previamente retomar:
«Os indícios apresentados pela Direcção de Finanças de Lisboa
foram confirmados, de forma cabal, pelas diligências de instrução levadas a cabo
pela Polícia Judiciária, a pedido da ECFP.
Os depoimentos recolhidos junto de vários responsáveis e
funcionários da NOVODESIGN (João Paulo Sequeira, Cláudia Figueira, João
Baluarte, Armando Serrano, Paulo Machado e Jorge Andrade), bem como do
secretário-geral da JSD (Manuel Ricardo Almeida), confirmam que os serviços
referidos nos pedidos de factura constantes de fls. 10 a 16 dos autos, emitidas
em 15 de Março de 2002, foram efectivamente prestados pela NOVODESIGN ao PPD/PSD
e à JSD.
A prova documental junta aos autos permite concluir que os sete
pedidos de factura, dirigidos ao PPD/PSD e à JSD (uma organização especial do
PPD/PSD, integrada na orgânica deste Partido, nos termos previstos no artigo
10.º dos respectivos Estatutos) foram anulados e deram origem a uma factura
única, com a mesma data, dirigida à SOMAGUE. Tais factos resultam claros (I) dos
pedidos de factura, na medida em que a referência ao PPD/PSD e à JSD nelas
aposta foi riscada e substituída por uma referência à SOMAGUE, (II) do documento
interno da NOVODESIGN anexo aos pedidos de factura (constante de fls. 18 dos
autos), no qual se refere que “estes sete pedidos de factura vão dar origem a
uma factura única à SOMAGUE (…)”, (III) e da factura dirigida à SOMAGUE
(constante de fls. 8 dos autos), que corresponde ao teor do documento interno,
no que toca à entidade pagadora, ao descritivo e ao valor dos serviços
prestados. Esses factos foram também confirmados por vários responsáveis e
funcionários da NOVODESIGN (João Paulo Sequeira, Cláudia Figueira, Armando
Serrano, Paulo Machado, Luís Miguel Correia e Jorge Andrade) e parcialmente
admitidos por dois responsáveis da SOMAGUE (João Silvestre e João Barragan Pires
– embora estes não tenham identificado a entidade que beneficiou dos serviços
facturados pela NOVODESIGN).
[…]
Acresce que a soma do valor constante dos sete pedidos de factura
passados ao PPD/PSD corresponde exactamente ao valor da factura passada à
SOMAGUE e por esta liquidada (€ 233.415,00), pelo que se conclui que a SOMAGUE
liquidou a dívida referente ao pedido de factura acima identificado.»
Perante o que rememorado ficou, percebe-se que o esforço de compreensão a ter
aqui lugar se encontre naturalmente cingido à avaliação da força probatória dos
elementos disponíveis nos autos na sua relação com os factos atinentes à
caracterização da prestação individual e nível de intervenção de cada um dos
sujeitos visados pelo presente procedimento. E isto na perspectiva,
necessariamente dialéctica, colocada pelas versões, de oposto sentido,
introduzidas em juízo pela promoção do Ministério Público e respostas que se lhe
seguiram.
Justamente por assim ser, haverá que começar por fazer notar o seguinte:
Em matéria de apreciação da prova e no silêncio do regime adjectivo sob
aplicação, não poderá deixar de valer, pelo seu estruturante posicionamento na
matriz processual vigente no domínio do direito sancionatório, o princípio da
livre apreciação da prova, objecto de expressa consagração no art. 127º do Cód.
de Processo Penal.
Relevando da lógica da investigação orientada para a descoberta da verdade
objectiva do caso que estrutura o processo, o princípio da livre apreciação da
prova vincula a entidade julgadora à análise, conjugada e crítica, dos elementos
de prova carreados para os autos e à sua confrontação com as chamadas regras da
experiência, definíveis estas, segundo Cavaleiro Ferreira, como «[…] juízos
hipotéticos de conteúdo genérico […] assentes na experiência comum e, por isso,
independentes dos casos individuais em cuja observação se alicerçam, mas para
além dos quais mantêm validade» (cfr. Cavaleiro Ferreira, Curso de Processo
Penal, V.II, pg.30).
Ao raciocínio que em tal modo haverá de desenvolver-se impor-se-á, por seu
turno, um especial empenhamento no estabelecimento dos termos em que, pela
possibilidade de refutação da dúvida que razoavelmente se instale, deva merecer
confirmação a hipótese acusatória.
Nesta actividade, conforme reconhecido é ainda, admite-se que, perante a não
rara impossibilidade de filiar a convicção que se exige nos chamados elementos
de prova directa, vá incluída no complexo de actos em que se estrutura o juízo
probatório a possibilidade de, através de um raciocínio dedutivo ou indutivo
fundamentado nos princípios da lógica e nas máximas da experimentação comum,
inferir racionalmente a verdade dos factos incriminadores a partir de outros,
estes indiciários ou circunstanciais, que se encontrem provados plenamente.
Porém, quando se trate da chamada prova artificial ou por concurso de
circunstâncias, não poderá esquecer-se que a relação entre os indícios provados
e o facto determinante da responsabilidade deverá revestir-se da eloquência
necessária a permitir, no confronto com critérios da experiência e da lógica,
atingir a silogística conclusão de que, se são certos os indícios, certo haverá
de sê-lo também, por efeito da exclusão de outras alternativas e ainda válidas
possibilidades, o facto determinante da responsabilidade de cuja fixação se
trate (neste sentido e a propósito da prova por presunção, Carlos Climent Durán,
in La prueba penal, 1999, pg. 583 e ss.).
Definida assim a perspectiva a que sujeitará a análise que se impõe aqui
finalizar, vejamos agora qual o sentido que razoavelmente poderá extrair-se dos
elementos de prova, testemunhal e documental, produzidos ao longo dos autos.
Principiando pela actuação imputada a João Paulo Moreira Cardoso Sequeira e à
Brandia Central – Design e Comunicação, S.A., a primeira nota a salientar é a de
que os depoimentos prestados pelas testemunhas que, à data dos factos, exerciam
funções na empresa, em especial por Cláudia Barros dos Reis e Paulo Machado,
convergem na consideração de que o primeiro, na qualidade de administrador da
então designada Novo Design - Companhia Portuguesa de Design, S.A. e de
responsável pela respectiva área administrativa e financeira, aceitou que o
pagamento do valor devido pelos serviços que haviam sido prestados ao PPD/PSD
fosse efectuado pela Somague SGPS, SA, tendo dado as instruções internas
necessárias à concretização disso mesmo.
Porém, nenhum dos depoimentos prestados nos autos reconduz tal comportamento à
concretização dos termos de um acordo em que João Paulo Moreira Cardoso Sequeira
houvesse intervindo e que se destinasse a viabilizar, na parte em que
supostamente este vincularia, a realização de uma atribuição patrimonial
indirecta àquele partido político.
Pelo contrário, o que de tais depoimentos tende a resultar é que a intervenção
de João Paulo Moreira Cardoso Sequeira ocorreu depois de efectuada pelo PPD/PSD
a solicitação para que os serviços a este prestados fossem facturados à Somague,
SGPS, SA, tendo-se aquele limitado a aceder a tal solicitação e a autorizar a
realização das diligências contabilísticas necessárias a efectivar a pretendida
substituição de pagadores.
Acresce que a circunstância, assim considerada objectivamente demonstrada, de
haver sido João Paulo Moreira Cardoso Sequeira quem, acedendo ao pedido
formulado pelo PPD/PSD, consentiu em que a satisfação do crédito originado pela
prestação de serviços que com este havia sido contratada fosse efectuada pela
Somague SGPS, SA não dispõe, por si só, do nível de concludência necessário para
impor a conclusão de que, contra o afirmado pelo próprio, o mesmo conhecia a
natureza de tal operação, ou seja, o facto de equivaler ela à realização de uma
liberalidade.
E, sobretudo, não permite a prova produzida que dela se infira, com o nível de
consistência e expressividade necessário à construção do discurso narrativo
responsabilizador, a presença do tipo de conhecimento ou esclarecimento suposto
pela afirmação de que, mesmo na hipótese de haver actuado sob representação de
que se tratava ou poderia tratar-se da realização de um donativo indirecto,
sabia João Paulo Moreira Cardoso Sequeira, então administrador de uma empresa de
design e comunicação, que tal atribuição era legalmente proibida.
Relativamente ao PPD/PSD e à actuação de José Luís Fazenda Arnaut Duarte, José
Manuel de Matos Rosa e José Luís Vieira de Castro.
Principiando pelo comportamento empreendido por este último, não parecem restar
dúvidas, em face dos depoimentos circunstanciados, distanciados e credíveis,
prestados pelas testemunhas Luís Miguel Correia e Cláudia dos Reis (ambas
directamente intervenientes, enquanto funcionários da Novo-Design - Companhia
Portuguesa de Design, S.A., nos contactos que antecederam a concretização da
operação), de que foi José Luís Vieira de Castro quem, pelo lado do PPD/PSD e na
contemporânea qualidade de Secretário-Geral Adjunto responsável pela área
administrativa e financeira do partido, protagonizou o acontecimento conducente
à realização da atribuição patrimonial tida por verificada.
A pormenorizada descrição que da respectiva actuação é feita pelas testemunhas
referidas aponta ainda, de expressiva forma, para um nível de envolvimento e de
pessoal empenhamento do visado de todo incompatível com a ausência de
representação ou défice de esclarecimento supostos pela reivindicada recondução
do sucedido a uma simples e não intencional «desatenção jurídica».
Já no que diz respeito à actuação imputada aos restantes dois responsáveis
partidários visados pela promoção do Ministério Público, verifica-se inexistir
qualquer elemento de prova susceptível de apontar directamente para um
envolvimento, ainda que mediato, de qualquer um deles na formação da vontade que
conduziu à aceitação de que o pagamento do valor devido pelo partido fosse
realizado pela Somague SGPS, SA.
E se no que concerne à pessoa de José Manuel de Matos Rosa um tal modo de ver as
coisas pode considerar-se capazmente justificado em face do teor do documento
junto a fls. 205 a 207 dos autos, também no que diz respeito ao comportamento
imputado a José Luís Arnaut se entende que a circunstância de o mesmo
desempenhar, à data, o cargo de Secretário-Geral do PPD/PSD não constitui
premissa auto-suficientemente idónea para inferir, para além da dúvida razoável
e contra o afirmado pelo próprio, o caucionamento ou mesmo o conhecimento do
acordo firmado com a Somague SGPS, SA e/ou da respectiva concretização através
do efectivo pagamento do valor devido à Novo-Design - Companhia Portuguesa de
Design, S.A.
No que por último diz respeito à intervenção da Somague S.G.P.S, S.A e à
actuação de Diogo Alves Diniz Vaz Guedes, Nuno Manuel Franco Ribeiro da Silva e
Luís Miguel Dias da Silva.
Decorre incontroversamente dos elementos probatórios disponíveis nos autos, em
especial dos depoimentos prestados pelas testemunhas João Carlos Silvestre,
director financeiro da Somague SGPS, S.A. desde o ano de 2000, e João José
Pires, este funcionário da Somague Engenharia, S.A. desde 1997, haver sido Diogo
Alves Dinis Vaz Guedes quem, na então qualidade de Presidente do Conselho de
Administração da Somague SGPS, SA, determinou que por esta fosse integralmente
suportado o valor devido pelo PPD/PSD à Novo-Design - Companhia Portuguesa de
Design, S.A., finalidade cuja concretização, de resto, pessoalmente se
encarregou de assegurar através da aposição da respectiva assinatura na factura
a tanto destinada como forma de caucionar o respectivo pagamento.
Sem contestar tal actuação, alegou, porém, Diogo Alves Dinis Vaz Guedes que
assim procedeu apenas por convicto se encontrar de que, justamente por proceder
de uma sociedade gestora de participações sociais, a atribuição patrimonial em
causa haveria de considerar-se para todos os efeitos co-financiada pela
totalidade das 22 sociedades participadas, com a consequência de o respectivo
valor, em por todas se tornando correspondentemente subdivisível, não vir a
exceder relativamente a cada uma das intervenientes, incluindo a própria Somague
SGPS, S.A., o limite permitido legalmente.
A versão em tais termos sustentada – de resto coincidente com aquela que foi
apresentada pela própria Somague, SGPS, S.A -, não obstante corroborada pelo
depoimento prestado por Miguel Tönnies (antes como agora Director Geral Jurídico
da Somague SGPS, SA), não chega, todavia, a convencer em razão do seu patenteado
défice de verosimilhança e plausibilidade.
Vejamos mais de perto.
Disse-se já que, embora com as limitações assinaladas, a prova indiciária ou
circunstancial, obtida através dos chamados juízos de inferência, constitui um
meio probatório admissível no âmbito da afirmação dos factos integrativos da
responsabilidade.
Para além de admissível em termos gerais, o meio probatório em questão assumirá
decisiva relevância no âmbito da caracterização do «conteúdo da consciência de
um sujeito no momento em que este realizou um facto objectivamente típico», em
particular ao nível da determinação da «concorrência dos processos psíquicos
sobre os quais assenta o dolo». (cfr. Ramon Ragués I Vallès, El dolo y su prueba
en el proceso penal, J.M. Bosch Editor, 1999, pg. 212 e ss.).
Isto porque, conforme sabido é, o dolo - ou, melhor, o nível de representação
que a sua afirmação supõe sob um ponto de vista fáctico –, uma vez que se
estrutura sob realidade pertencente ao mundo interior do agente, apenas se
tornará apreensível, na hipótese de não ser dado a conhecer pelo próprio,
através da formulação de juízos de inferência e na presença de um
circunstancialismo objectivo, dotado da idoneidade e concludência necessárias a
revelá-lo.
Pois bem.
Que nenhuma das vinte e duas sociedades integrativas do perímetro de
consolidação da Somague SGPS, S.A. interveio efectivamente, através do seu real
custeamento, na operação de financiamento consubstanciada no pagamento da dívida
que onerava o PPD/PSD é coisa de que parece não restarem dúvidas no caso
presente.
Perante um tal dado de facto, a questão que se segue é então a de saber se e até
que ponto, em alternativa ao acolhimento da perspectiva segundo a qual se tratou
ali de uma intervenção esclarecida, quer quanto à identidade jurídica do seu
autor, quer quanto à efectiva dimensão do respectivo objecto, poderá proceder a
tese segundo a qual a outorga do valor em questão foi levada a cabo pelo
presidente do conselho de administração da Somague SGPS, SA na suposição de que
o estava a ser também em representação e no interesse das vinte e duas
sociedades participadas.
Não se tratando de figura atípica ou inominada, as sociedades de gestão de
participações sociais dispõem de regulamentação expressa, encontrando definido o
respectivo regime jurídico no Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de Dezembro,
alterado pelos Decreto-Lei n.º 318/94, de 24 de Dezembro, e Decreto-Lei n.º
378/98, de 27 de Novembro.
Converteram-se, além do mais, em objecto de extensa conceptualização
doutrinária, sendo-lhes comummente assinalada a característica de sociedades
distintas das sociedades suas participadas, funcionando estas, relativamente
àquelas, como sociedades autónomas quer formal, quer materialmente (neste
sentido, António Menezes Cordeiro, in “Sociedades Gestoras de Participações
Sociais”, O Direito, ano 133º, 2001, pg. 578 e ss.).
Ora, se as sociedades participadas, operativa e contabilisticamente autónomas,
não co-financiaram a atribuição patrimonial em causa, não é de todo verosímil
que o presidente do conselho de administração da Somague SGPS, SA haja actuado
na convicção de que tal envolvimento decorreria naturalmente do estatuto desta
última, já que, conforme resulta do que ficou dito, tal estatuto, se em algum
sentido poderá apontar, é justamente no oposto.
A versão alternativamente apresentada tem, por isso, o valor de uma construção
post facto destinada à legitimação retrospectiva de algo que verdadeiramente lhe
não correspondeu.
Já não assim no que diz respeito à intervenção de Nuno Manuel Franco Ribeiro da
Silva e Luís Miguel Dias da Silva, também eles administradores da Somague SGPS,
SA.
No que a estes concerne, toda a prova produzida, cingida que se encontra à
demonstração de haverem sido os próprios a subscrever, entre outros também
previamente preenchidos, o cheque que serviu para efectuar o pagamento do valor
devido pelo PPD/PSD à Novo-Design - Companhia Portuguesa de Design, S.A., é, ao
invés, manifestamente inconclusiva quando se trate de estabelecer o contexto em
que actuaram, não possibilitando, em razão da sua manifesta exiguidade,
sustentar a afirmação, mesmo no mero plano das probabilidades, de que dos mesmos
era naquele momento conhecida a finalidade a cuja concretização se destinava
aquele meio de pagamento.
2. De direito.
2.1. Da inconstitucionalidade material de normas integrativas do regime legal
aplicável.
2.1.1. De acordo com o pronunciamento contido no Acórdão precedentemente
proferido, o tipo legal em presença do qual haverá de conhecer-se da relevância
contra-ordenacional da actuação empreendida por cada um dos sujeitos visados
pelo presente procedimento é o correspondente à previsão do artigo 5.º, n.º 4,
da Lei n.º 56/98, na redacção dada pela Lei n.º 23/2000.
Por efeito da técnica legislativa utilizada, as consequências jurídicas em
abstracto atribuídas à violação do dever que aí se contém, encontram-se
definidas no art. 14º do referido diploma legal.
Sob a epígrafe «Sanções», dispõe-se aí o seguinte:
«1 — Sem prejuízo da responsabilidade civil ou penal a que nos termos gerais de
direito haja lugar, quem violar as regras contidas no presente capítulo fica
sujeito às sanções previstas nos números seguintes.
2 — Os partidos políticos que não cumprirem as obrigações impostas no presente
capítulo são punidos com coima mínima no valor de 10 salários mínimos mensais
nacionais e máxima no valor de 400 salários mínimos mensais nacionais, para além
da perda a favor do Estado dos valores ilegalmente recebidos.
3 — Os dirigentes dos partidos políticos que pessoalmente participem na
infracção prevista no número anterior são punidos com coima mínima no valor de 5
salários mínimos mensais nacionais e máxima no valor de 200 salários mínimos
mensais nacionais.
4 — As pessoas singulares que violem o disposto nos artigos 4.º e 4.º-A são
punidas com coima mínima no valor de 5 salários mínimos mensais nacionais e
máxima no valor de 200 salários mínimos mensais nacionais.
5 — As pessoas colectivas que violem o disposto no presente capítulo são punidas
com coima mínima equivalente ao dobro do montante do donativo proibido e máxima
equivalente ao quíntuplo desse montante.
6 — Os administradores das pessoas colectivas que pessoalmente participem na
infracção prevista no número anterior são punidos com coima mínima no valor de 5
salários mínimos mensais nacionais e máxima no valor de 200 salários mínimos
mensais nacionais.»
[…].
2.1.2. Para os respondentes Somague SGPS, SA e Diogo Alves Diniz Vaz Guedes, a
norma contida no n.º 5 padecerá de inconstitucionalidade material, o que,
devendo ser reconhecido, a tornará insusceptível de aplicação.
De acordo com a argumentação para o efeito expendida, tal inconstitucionalidade
decorrerá da violação do princípio da legalidade consagrado no art. 29º, n.º 1,
da Constituição e encontrará o seu fundamento na circunstância de, ao proceder à
delimitação do ilícito através do emprego de uma formulação genérica – “as
pessoas colectivas que violem o disposto no presente capítulo” -, se distanciar
a referida norma dos requisitos de clareza, precisão e inteligibilidade que no
recorte das condutas proibidas devem ser observados no âmbito do direito
sancionatório.
Vejamos se assim é.
Dispondo sobre o regime a que haverá de sujeitar-se a aplicação da lei criminal
propriamente dita, o art. 29º da Constituição subordina a intervenção penal a um
princípio de legalidade, princípio esse cujo conteúdo essencial, na síntese de
Figueiredo Dias (Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, pg.165), «[…] se traduz em
que não pode haver crime, nem pena, que não resultem de uma lei prévia, escrita,
e certa (nullum crimen nulla poena sine lege)».
Na qualidade de parâmetro constitucional, o princípio da legalidade impõe a
«formulação da norma penal com um conteúdo autónomo e suficiente, de modo a
possibilitar um controlo objectivo na sua aplicação individualizada e concreta».
Justamente nesta acepção, o princípio da legalidade penal encontrará expressão
no princípio da tipicidade, deste em particular decorrendo a imposição de uma
«suficiente especificação do tipo de crime» e, por oposição, «a ilegitimidade
das «definições vagas, incertas, insusceptíveis de delimitação» (J.J. Gomes
Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 4ª
edição, V.I, pg. 495).
Constitui recorrente afirmação na jurisprudência constitucional a de que, «dada
a diferente natureza dos ilícitos em causa e a menor ressonância ética do
ilícito de mera ordenação social, com reflexos nos regimes processuais próprios
de cada um deles, não é constitucionalmente imposto ao legislador a equiparação
das garantias em ambos esses regimes».
Embora daqui resultando a «inexigibilidade de uma estrita equiparação entre
processo contra‑ordenacional e processo criminal», tem este Tribunal sublinhado
também que tal afirmação é «conciliável com “a necessidade de serem observados
determinados princípios comuns que o legislador contra‑ordenacional será chamado
a concretizar dentro de um poder de conformação mais aberto do que aquele que
lhe caberá em matéria de processo penal”» (vide, por todos, Acórdão 659/06).
Nesta perspectiva, à especifica questão de saber se, designadamente na vertente
da tipicidade, os requisitos nuclearmente colocados pelo princípio da legalidade
deverão valer também no âmbito do direito contra-ordenacional, respondeu já este
Tribunal afirmativamente, tendo-o feito designadamente através do Acórdão 41/04.
Escreveu-se aí o seguinte:
«A primeira dimensão diz respeito ao nível de protecção assegurado pelo
princípio da legalidade à determinabilidade dos ilícitos contra‑ordenacionais e
respectivas sanções. Poder‑se‑á falar de uma exigência de determinação
relativamente ao conteúdo do ilícito típico nas contra‑ordenações tal como é
exigida para os crimes?
[…]
No que diz respeito à primeira dimensão, é certo que a Constituição não requer
para o ilícito de mera ordenação social o mesmo grau de exigência que requer
para os crimes. Nem o artigo 29º da Constituição se aplica imediatamente ao
ilícito de mera ordenação social nem o artigo 165º confere a este ilícito o
mesmo grau de controlo parlamentar que atribui aos crimes.
Está, porém, consolidado no pensamento constitucional que o direito
sancionatório público, enquanto restrição relevante de direitos fundamentais,
participa do essencial das garantias consagradas explicitamente para o direito
penal, isto é, do núcleo de garantias relativas à segurança, certeza, confiança
e previsibilidade dos cidadãos (cf. Acórdãos do Tribunal Constitucional nºs
158/92, de 23 de Abril, 263/94, de 23 de Março, publicados no D.R., II Série, de
2 de Setembro de 1992 e de 19 de Julho de 1994, e nº 269/2003, de 27 de Maio,
inédito). E se tal não resulta directamente dos preceitos da chamada
Constituição Penal, resultará, certamente, do princípio do Estado de Direito
consagrado no artigo 2º da Constituição.
[…]
Se é exigível que, no direito penal, estas exigências sejam intensificadas,
sendo aí os critérios de previsibilidade e segurança mais precisos, no direito
de mera ordenação social não deixa de existir uma necessidade de comunicação
segura ex‑ante do conteúdo do ilícito aos seus possíveis autores (cf., sobre
este problema no direito penal, o Acórdão nº 427/95, de 6 de Julho, publicado no
D.R., II Série, de 10 de Novembro de 1995)».
Beneficiando inquestionavelmente do entendimento que estende ao domínio do
direito contra-ordenacional a exigência de subordinação da norma tipificadora da
infracção ao ónus de configuração do conteúdo essencial do ilícito, vejamos se a
tese sustentada pelos respondentes poderá, ainda assim, proceder em face
daqueles que vêm sendo considerados os requisitos colocados pelo princípio da
legalidade.
Ao invés do que parece suposto pelos respondentes, a delimitação do ilícito em
presença não procede directamente da norma alegadamente viciada, sendo ao invés
resultado, quando normativamente reconduzida ao binómio previsão/estatuição, da
necessária conjugação do que ali se dispõe com os enunciados descritivos
insertos nos preceitos tipificadores que integram o capítulo II do diploma legal
em referência.
Para a necessidade de uma tal conjugação normativa aponta claramente, pelo seu
unívoco sentido quanto à técnica remissiva seguida, a formulação com que é dado
início ao texto legal impugnado, razão pela qual, quanto às características
desta, nenhuma dúvida interpretativa poderá suscitar-se de forma suficientemente
fundada.
Resta por isso analisar os termos em que surge expressa a norma tipificadora
considerada já aplicável ao caso sub iudice e verificar se, em face deles, é ou
não determinável o critério do ilícito colocado pela conjugação do enunciado aí
contido com a fórmula «as pessoas colectivas que violem o disposto no presente
capítulo» constante do n.º 4 do art.14º.
Sob a epígrafe «Donativos proibidos», o n.º 4 do art. 5º da Lei n.º 56/98, na
redacção dada pela Lei n.º 23/2000, dispõe o seguinte:
«Aos partidos políticos está igualmente vedado receber ou aceitar quaisquer
contribuições ou donativos indirectos que se traduzam no pagamento por terceiros
de despesas que àqueles aproveitem fora dos limites previstos no art. 4º».
A primeira nota que cumpre salientar é a de que, na tipificação a que se propõe,
o enunciado descritivo em presença perspectiva o comportamento proibido pelo
lado passivo de quem aceita o donativo, subordinando a caracterização que dele
faz ao ponto de vista da intervenção do financiado.
Apesar de assim ser, o certo é que, em se tratando de particularizar a conduta
que, uma vez empreendida por uma pessoa colectiva, ficará sujeita à incidência
do regime sancionatório definido no n.º 5 do art. 14º, não deixará de ser óbvio
para um qualquer possível autor que a relação cujo estabelecimento aqui
especialmente se proíbe é a relação de financiamento partidário indirecto e que
esta, se pode até estabelecer-se sem a anuência ou o conhecimento do
destinatário da atribuição, não é já lógica nem mentalmente configurável sem a
efectiva intervenção de um ente financiador.
Relativamente às pessoas colectivas, o mandamento que se contém na norma
tipificadora só pode ser então o de não efectuar o «pagamento de despesas que
[aos partidos políticos] aproveitem fora dos limites previstos no art. 4º»,
sendo justamente a violação deste dever de abstenção de perceptível conteúdo
que, sem prejuízo das questões relativas à comparticipação e à cumplicidade,
consequenciará a responsabilização do actuante por via da intervenção do direito
contra-ordenacional.
No segmento que às pessoas colectivas se destina, o juízo de danosidade social
que no tipo se exprime encontra-se, assim, expresso ex-ante de uma forma capaz
e, apesar de dado a conhecer através de uma técnica legislativa porventura
deficiente e evitável, não denota, porém, no plano da inteligibilidade, o nível
de imprecisão ou vacuidade necessário para, conforme pretendido é, permitir pôr
em causa o acatamento da função sistematicamente atribuída ao tipo de ilícito e
que é, conforme recorrentemente assinalado, a de exprimir um sentido de
ilicitude, individualizar uma espécie de delito e por esse modo dar a conhecer
ao destinatário da norma que tal espécie de comportamento é proibida pelo
ordenamento jurídico (cfr. Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte geral,
Tomo I, 2ª edição, pg. 285).
A alegação torna-se, assim, necessariamente improcedente.
2.1.3. Para a respondente Somague SGPS, S.A, a norma constante do n.º 5 do art.
14º será ainda materialmente inconstitucional por consagrar um critério de
fixação dos limites da penalidade que, remetendo para múltiplos do valor do
donativo proibido concretamente realizado e não permitindo esclarecer se há
lugar à consideração, para esse efeito, da parcela que houver sido paga a título
de IVA, não se encontra objectivamente predefinido, nem é inteligível à luz do
regime legal em que se insere, o que redundará numa violação do princípio da
legalidade e da proibição da indefinição das sanções, consagrado nos arts. 29º,
n.ºs 1 e 3, e 30º, n.º1, in fine, da Constituição.
Conforme procurará demonstrar-se, carece uma vez mais de razão a respondente.
Não obstante a circunstância de o vício que à norma sob aplicação é apontado se
situar agora no âmbito, não já da descrição do comportamento proibido, mas da
definição da sanção que abstractamente lhe é feita corresponder, o parâmetro de
controlo a convocar continua a ser dado pelo princípio da legalidade,
perspectivado na acepção que se deixou expressa.
Isto porque, conforme reconhecido é, o princípio da tipicidade inscrito no art.
29º da Constituição «exclui tanto as fórmulas vagas na descrição dos tipos
legais de crime, como as penas indefinidas ou de moldura tão ampla que em tal
redunde». A este nível, dele procede uma exigência de «determinação de qual o
tipo de pena que cabe a cada crime, sendo necessário que essa conexão decorra
directamente da lei» (J.J. Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da
República Portuguesa Anotada, 4ª edição, V.I, pg.495).
Que «o princípio da legalidade das sanções, o princípio da culpa, e bem assim, o
princípio da proibição de sanções de duração ilimitada ou indefinida valem, na
sua ideia essencial, para todo o direito sancionatório público, maxime, para o
domínio do direito de mera ordenação social» corresponde a entendimento que, no
contexto da problemática sobre a extensão ao processo contra‑ordenacional das
garantias constitucionalmente asseguradas ao processo criminal, este Tribunal
por mais do que uma vez deixou já expresso (cfr. Acórdãos 574/95 e 574/01).
Porém, conforme sublinhado também foi já, «[…] o legislador tem uma ampla margem
de liberdade na fixação das sanções correspondentes aos comportamentos que
decidiu tipificar como crimes (cf. Gomes Canotilho e Vital Moreira, na
“Constituição da República Portuguesa anotada”, 4ª edição, V.I, pág. 197, para
quem “resta um amplo campo à discricionariedade legislativa em matéria de
definição das penas”) embora respeitando os princípios constitucionais, entre os
quais se destacam o da necessidade das penas, o da proporcionalidade e o da
igualdade. Dentro do âmbito dessa liberdade do legislador cabe – sempre no
respeito pelos princípios constitucionais – a escolha da pena ou penas
aplicáveis aos diferentes crimes, quer na sua identidade e regime, quer na sua
medida abstracta (penalidade, pena aplicável ou “moldura penal”)». (Acórdão
548/01)
Justamente no exercício dessa autorizada margem de discricionariedade
legislativa, optou o legislador por consagrar um regime sancionatório em que os
limites mínimo e máximo da coima aplicável são estabelecidos por referência ao
valor objecto do donativo proibido: no caso das pessoas colectivas, o montante
mínimo coincidirá com o dobro do montante do donativo proibido, equivalendo o
limite máximo ao quíntuplo desse montante.
No resultado da opção legislativa em tais termos expressa não poderá
reconhecer-se, porém, a adopção de um critério de fixação dos limites da
penalidade indefinido previamente, relevando tal acusação de uma notória
confusão entre os conceitos de definição e de definitividade.
Que se trata de um modelo sancionatório inteiramente descrito e caracterizado na
lei que o prevê é afirmação capazmente demonstrável em face da especificação
particularizada da regra aritmética a seguir no estabelecimento dos limites da
moldura, bem como da categorização do elemento referencial que a tal regra
haverá de subordinar-se.
Coisa diversa - e não sujeitável já à incidência proibitiva do princípio da
legalidade das sanções - é supor tal modelo, na sua operatividade, a intervenção
mediadora de um determinado dado de facto, previamente tipificado, a extrair do
concreto circunstancialismo sob sindicância.
Trata-se, além do mais, de um modelo sancionatório por outras vezes já seguido,
incluindo no mais exigente domínio do direito penal, e do qual constitui
demonstrativo exemplo a estatuição que se continha no art. 24º, n.º1, na
redacção conferida pelo Decreto-Lei nº 394/93, de 24 de Novembro, ao entretanto
revogado Regime Jurídico das Infracções Fiscais, de resto não julgada
inconstitucional pelo Acórdão nº 548/2001.
Será também esse o sentido em que, por tudo o que ficou exposto, necessariamente
se concluirá aqui, reconhecendo-se, por consequência, a viabilidade
constitucional da formalização da responsabilidade contra-ordenacional que vier
a ser reconhecida no interior da moldura definida na norma sancionadora
impugnada.
2.1.4. Ainda no que concerne aos termos do regime sancionatório consagrado, uma
outra circunstância servirá também, na perspectiva seguida pela respondente
Somague SGPS, SA, para questionar a observância do princípio da legalidade: uma
vez que, nas hipóteses de financiamento indirecto, a norma sancionadora contida
no n.º 5 do art. 14º não possibilitará aos respectivos destinatários o
esclarecimento sobre se, na quantificação do valor do donativo proibido, haverá
lugar à consideração da parcela que houver sido paga a título de IVA, o sistema
de determinação da sanção deverá considerar-se indefinido previamente.
Trata-se, porém, de uma alegação uma vez mais difícil de acompanhar.
Desde logo porque o nível de indeterminação e ambiguidade que à norma
sancionadora é nos descritos termos imputado não existe verdadeiramente.
Com efeito, além parecer certo que, caso houvesse lugar à problematizada
dedução, a própria lei se encarregaria de o afirmar expressamente, a dúvida
suscitada perde em definitivo razão de ser no confronto com o plano da
representação valorativa consabidamente subjacente ao modelo sancionatório
consagrado: justificando-se os valores máximo e mínimo da penalidade pela sua
relação com a medida da vantagem patrimonial indevidamente atribuída ao
financiado, é seguro que, no caso dos donativos indirectos, nesta se inscreve
também a parcela de valor correspondente ao IVA devido pelo destinatário do
donativo sempre que no respectivo pagamento este houver sido igualmente
substituído pelo autor da atribuição.
2.1.5. Sob invocação, desta feita, do disposto no art. 32º, n.º 1, da
Constituição, vem ainda impugnada pelos respondentes Somague SGPS, SA e Diogo
Vaz Guedes a constitucionalidade material da norma adjectiva contida do art.
103º-A, n.º 3, da LTC.
De acordo com o essencial da argumentação para o efeito expendida,
ao concentrar numa única instância a competência para instruir, apreciar e
decidir em definitivo o processo de contra-ordenação, a referida norma violará o
direito ao recurso consagrado no n.º 1 do art. 32º do Texto Fundamental.
Conforme procurará demonstrar-se, trata-se, também aqui, de uma
alegação condenada à improcedência.
A primeira nota que cumpre salientar é a de que, ao invés do que vem afirmado,
o n.º 1 do art. 32º da Constituição não é aplicável aos processos de
contra-ordenação.
A demonstração disso mesmo encontra-se feita no Acórdão 313/07, cuja
fundamentação, aqui retomada, inclui as seguintes passagens:
«A introdução do nº 10 no artº 32º, da C.R.P., efectuada pela revisão
constitucional de 1989, quanto aos processos de contra-ordenação, e alargada,
pela revisão de 1997, a quaisquer processos sancionatórios, ao visar assegurar
os direitos de defesa e de audiência do arguido nos processos sancionatórios não
penais, os quais, na versão originária da Constituição, apenas estavam
expressamente assegurados aos arguidos em processos disciplinares no âmbito da
função pública (artigo 270.º, n.º 3, correspondente ao actual artigo 269.º, n.º
3), denunciou o pensamento constitucional que os direitos consagrados para o
processo penal não tinham uma aplicação directa aos demais processos
sancionatórios, nomeadamente ao processo de contra-ordenação.
Assim, o direito ao recurso actualmente consagrado no nº 1, do artº 32º, da
C.R.P. (introduzido pela revisão de 1997), enquanto meio de defesa contra a
prolação de decisões jurisidicionais injustas, assegurando-se ao arguido a
possibilidade de as impugnar para um segundo grau de jurisdição, não tem
aplicação directa ao processo de contra-ordenação.
Conforme se sustentou no Acórdão nº 659/06, deste Tribunal, cuja fundamentação
acompanhamos de perto, nos direitos constitucionais à audiência e à defesa,
especialmente previstos para o processo de contra-ordenação e outros processos
sancionatórios, no nº 10, do artº 32º, da C.R.P., não se pode incluir o direito
a um duplo grau de apreciação jurisdicional. Esta norma exige apenas que o
arguido nesses processos não-penais seja previamente ouvido e possa defender-se
das imputações que lhe sejam feitas, apresentando meios de prova, requerendo a
realização de diligências com vista ao apuramento da verdade dos factos e
alegando as suas razões.
A não inclusão do direito ao recurso no âmbito mais vasto do direito de defesa
constante do nº 10, do artº 32º, da C.R.P., ressalta da diferença de redacção
dos nº 1 e 10, deste artigo, sendo que ambas foram alteradas pela revisão de
1997, e dos trabalhos preparatórios desta revisão, em que a proposta no sentido
de assegurar ao arguido “nos processos disciplinares e demais processos
sancionatórios…todas as garantias do processo criminal”, constante do artº 32º
- B, do Projecto de Revisão Constitucional, nº 4/VII, do PCP, foi rejeitada
(leia-se o debate sobre esta matéria no D.A.R., II Série – RC, nº 20, de 12 de
Setembro, de 1996, pág. 541-544, e I Série, nº 95, de 17 de Julho de 1997, pág.
3412 a 3466)».
É certo que as situações tratadas, quer no Acórdão acima parcialmente
transcrito, quer no Acórdão n.º 659/06, aí citado, emergiram de processos
através dos quais se pretendia reagir contra uma coima aplicada por uma entidade
administrativa cuja decisão havia sido impugnada judicialmente, limitando-se por
isso a discussão à possibilidade de o impugnante vir a fazer uso, no interior da
ordem dos tribunais judiciais, de um duplo grau de jurisdição.
Mais radicalmente, o que aqui está em causa é a exclusão da própria
possibilidade de provocar a revisão da decisão que pela primeira vez conhece dos
pressupostos e consequências da responsabilidade contra-ordenacional.
Simplesmente, se assim ocorre de facto, não pode esquecer-se que o
pronunciamento a ter lugar no âmbito dos processos previstos no art. 103º-A da
LTC, para além de ser já um pronunciamento jurisdicional (o que impede a
ocorrência de violação do art. 20º da CRP), encontra-se legalmente cometido ao
Plenário do Tribunal Constitucional, o que, conferindo-lhe óbvias
especificidades, é de modo a justificar a previsão de um regime processual
diferenciado.
Isso mesmo foi reconhecido no Acórdão 557/06, em cuja fundamentação se escreveu
o seguinte:
«Não existe entre o processo particular previsto no artigo 103º-A da LTC e os
processos de aplicação de coimas por decisão de autoridades administrativas
regulados pelo Decreto-Lei nº 433/82, em que das decisões dessas autoridades é
admitida impugnação judicial perante o tribunal em cuja área territorial tenha
sido consumada a infracção (artigos 59º e seguintes), qualquer analogia
substancial que implique ou sequer legitime a aplicação analógica das
disposições que regulam estes últimos ao processo previsto no artigo 103º-A da
LTC. Na verdade, a aplicação das sanções aos partidos políticos é decidida, nos
casos semelhantes ao vertente, após audição dos interessados sobre a
factualidade que lhes é imputada a título de infracção, por um tribunal (o
Tribunal Constitucional), e por um tribunal agindo numa formação (o plenário)
que não torna possível que as suas decisões sejam reapreciadas por uma instância
superior (ou sequer diversa). Donde resulta que não infringe a garantia do
direito ao recurso consagrada no artigo 32º, nº 1, da Constituição a não
previsão, neste caso, de uma via de reacção legal (com o sentido de reapreciação
daquela decisão do Tribunal Constitucional em sessão plenária por uma outra e
superior instância – um recurso) que faculte a impugnação pelos interessados
daquelas decisões».
Reiterando a jurisprudência seguida no acórdão acabado de citar, conclui-se,
também aqui, que a norma adjectiva contida no art.103º-A da LTC não é
materialmente inconstitucional.
2.2. Dos pressupostos da responsabilidade.
2.2.1. Relativamente à Brandia Central – Design e Comunicação, S.A. e João Paulo
Moreira Cardoso Sequeira.
Tendo a análise que se seguirá conjuntamente por objecto a verificação dos
pressupostos da responsabilidade contra-ordenacional que vem imputada, quer à
pessoa colectiva então designada por Novo Design – Design e Comunicação, S.A.,
quer a João Paulo Moreira Cardoso Sequeira, à data seu administrador, uma
observação prévia, por facilidade de exposição, se impõe fazer desde já.
Tem ela directamente a ver com os requisitos específicos de cuja verificação, de
acordo com o regime geral aplicável, depende a responsabilização
contra-ordenacional das pessoas colectivas.
Dispõe o art. 7º do Regime Geral das Contra-ordenações o seguinte:
«1 - As coimas podem aplicar-se tanto às pessoas singulares como às pessoas
colectivas, bem como às associações sem personalidade jurídica.
2 - As pessoas colectivas ou equiparadas serão responsáveis pelas
contra-ordenações praticadas pelos seus órgãos no exercício das suas funções.»
A responsabilidade das pessoas colectivas e associações sem personalidade
jurídica é aqui consagrada como regra geral no domínio do direito
contra-ordenacional e, perante o pressuposto colocado pelo n.º 2, os termos
dessa consagração podem dizer-se conformes à doutrina segundo a qual, não
podendo a responsabilidade do ente colectivo conceber-se sem a actuação de uma
ou mais pessoas físicas, aquele apenas será responsabilizável pelos factos
ilícitos e culposos que os titulares dos seus órgãos ou os seus representantes
houverem praticado em seu nome e no seu interesse.
Ao menos de um ponto de vista estrutural, a responsabilidade contra-ordenacional
da pessoa colectiva surge, assim, como uma responsabilidade reflexa ou derivada
no sentido em que pressupõe uma actuação ilícita e culposa empreendida por uma
pessoa singular pertencente a um seu órgão e por ela levada a cabo no exercício
dessas mesmas funções.
Dito isto, analisemos então a defesa apresentada.
À possibilidade de formalização da responsabilidade contra-ordenacional que nos
presentes autos vem imputada começam os respondentes Brandia Central – Design e
Comunicação, S.A. e João Paulo Moreira Cardoso Sequeira por opor o argumento
segundo o qual a relação negocial estabelecida entre a Brandia Central – Design
e Comunicação, S.A. (então denominada Novo Design – Companhia Portuguesa de
Design, S.A.) e o Partido Social Democrata, qualificada como deve ser de
prestação de serviços, reger-se-á exclusivamente pelas normas do direito
privado, designadamente pela constante do art. 767º, n.º 1, do Código Civil, que
habilita o credor da retribuição acordada a recebê-la, seja do respectivo
devedor, seja de um terceiro, interessado ou não no cumprimento da obrigação.
De acordo com a perspectiva seguida, a referida norma assegurará capazmente a
licitude do comportamento contratual empreendido pela Brandia que, conforme
defendido é, deverá ser aqui aferida em função do que é consentido pelo direito
privado.
De um ponto de vista dogmático, trata-se, contudo, de uma linha argumentativa
cuja sustentabilidade pressupõe a negação do incontroverso postulado segundo o
qual as normas de direito privado que modelam a relação contratual estabelecida
e definem o estatuto jurídico dos contraentes apenas garantem a licitude das
respectivas actuações no pressuposto de que estas não têm subjacente a
realização de uma finalidade proibida pelo ordenamento.
Sempre que subordinada se encontre à realização de um escopo extrínseco aos
esquemas contratuais accionados e coincidente com determinado facto lesivo
pretendido evitar pelo sistema, a actuação dos contraentes incorrerá na
possibilidade de vir a ser considerada antijurídica e, como tal, tornar-se-á
passível de ser sindicada, quer no âmbito do direito público sancionatório, quer
pelas próprias formas concomitantemente previstas no direito civil (cfr. art.
280º e ss. do Código Civil).
Numa segunda ordem de razões, vem ainda sustentada a impossibilidade de
imputação à Brandia Central – Design e Comunicação, S.A. – e, consequentemente,
a quem em nome dela houver actuado – de qualquer infracção à Lei n.º 56/98, de
18 de Agosto.
De acordo com a construção para o efeito sufragada, tal diploma
circunscrever-se-á, quanto ao respectivo âmbito de aplicação, às pessoas
singulares ou colectivas que realizem doações e aos partidos políticos que as
recebam, consistindo a acção sancionável, de um ponto de vista objectivo,
necessariamente na efectuação do financiamento proibido e/ou na sua aceitação
por parte do respectivo destinatário.
A linha argumentativa assim desenvolvida conduziria a uma discussão
dogmaticamente centrada nas formas possíveis de aparição da intervenção na acção
sancionável e, deste ponto de vista, no estabelecimento, no confronto com o tipo
de ilícito em presença, das características necessárias à afirmação da autoria e
da cumplicidade.
Tal discussão torna-se, contudo, desnecessária aqui.
Com efeito, não dispensando qualquer uma das equacionáveis modalidades de
intervenção a verificação do dolo do agente (art. 8º , nº 1 do RGCO) e
pressupondo este a representação da totalidade das circunstâncias do facto
típico, a possibilidade de responsabilização do arguido João Paulo Sequeira
surge, desde logo, inviabilizada pela não demonstração de que o mesmo, ao
conduzir a Brandia Central – Design e Comunicação, S.A, na qualidade de seu
administrador, à aceitação de que o pagamento do valor devido pelo PSD fosse
efectuado pela Somague SGPS, SA, sabia que tal substituição se destinava a
viabilizar, por indirecta forma, uma atribuição patrimonial por esta àquele
proibida por lei.
Por ausência de dolo, fica necessariamente prejudicada a responsabilização
contra-ordenacional de João Paulo Sequeira e, por ausência de uma acção ilícita
e culposa imputável ao titular de um seu órgão, da própria Brandia Central –
Design e Comunicação, S.A.
Relativamente a ambos, o processo deverá ser assim arquivado.
2.2.2. Relativamente ao PPD/PSD, José Luís Fazenda Arnaut Duarte, José Manuel de
Matos Rosa e José Luís Vieira de Castro.
O tipo de ilícito a que haverá de reportar-se a análise dos pressupostos da
responsabilidade que vem imputada ao PPD/PSD e às pessoas singulares que,
segundo o Ministério Público, em representação dele terão actuado, continua a
ser o definido no n.º 4 do art. 5º da Lei n.º 56/98, na redacção dada pela Lei
n.º 23/2000.
Conforme visto já, sob a epígrafe «Donativos proibidos» dispõe-se aí o seguinte:
«Aos partidos políticos está igualmente vedado receber ou aceitar quaisquer
contribuições ou donativos indirectos que se traduzam no pagamento por terceiros
de despesas que àqueles aproveitem fora dos limites previstos no art. 4º».
Quando perspectivado do ponto de vista do financiado, pode dizer-se que o
ilícito típico em presença se inscreve na categoria dos delitos específicos
próprios, ou seja, daqueles relativamente aos quais «a especial qualidade do
autor ou do dever que sobre ele impende fundamentam a responsabilidade» (Jorge
de Figueiredo Dias, ob. cit., pg. 304).
Só relevando contra-ordenacionalmente na hipótese de proceder de um partido
político, a acção típica consiste, na modalidade de execução que agora
consideramos, em aceitar ou receber quaisquer contribuições ou donativos
indirectos de valor superior ao previsto no art. 4º, ou seja, a € 10.440.
Os donativos indirectos deverão traduzir o pagamento por terceiros de despesas
que aproveitem ao partido político.
Quanto ao tipo subjectivo de ilícito, trata-se de uma infracção dolosa, não
tendo lugar o seu sancionamento na forma negligente (cfr. art. 8º, n.º1, do
Regime Geral das Contra-ordenações).
O tipo legal supõe, assim, o dolo do agente - conhecimento da factualidade
típica e vontade de realização do tipo contra-ordenacional - em qualquer das
modalidades que o mesmo pode revestir - directo, necessário ou eventual (art.
14º do Código Penal, aplicável subsidiariamente por força do disposto no art.
32º do RGCO).
A realidade que haverá de subsumir-se à norma tipificadora em presença dá conta
de que, intervindo em representação do PPD/PSD e na qualidade Secretário-Geral
Adjunto responsável pela área administrativa e financeira do partido, José Luís
Vieira de Castro acordou em que fosse efectuado por uma entidade terceira o
pagamento do valor de € 233.415,00 devido pelo partido à Brandia Central –
Design e Comunicação, S.A. como contrapartida dos serviços que por esta haviam
sido já prestados a título oneroso.
E porque tal pagamento veio efectivamente a ocorrer, o acordo em tais termos
celebrado consequenciou um efectivo aumento de utilidades no património do
partido, assim conseguido na modalidade de poupança de despesas.
O tipo objectivo de ilícito foi, portanto, integralmente realizado.
Segundo se demonstrou ainda, José Luís Vieira de Castro agiu de forma livre,
voluntária e consciente, bem sabendo que, através do acordo realizado, conduzia
o partido a aceitar, conforme era seu propósito, o pagamento por entidade
terceira de dívida de montante superior a € 10.440, além de não ignorar que,
pelo menos em tais termos, o partido se encontrava legalmente impedido de
aceitar o pagamento por terceiros de despesas próprias.
Extrai-se daqui que José Luís Vieira de Castro representou a totalidade das
circunstâncias do facto típico e quis realizá-lo, significando isto que, no seu
momento volitivo, o dolo se verificou na modalidade de dolo directo.
Concluindo-se, portanto, pela presença de uma conduta ilícita e culposa, cabe
agora perguntar se pela mesma será ainda responsabilizável o PPD/PSD.
Disse-se já que, por força do disposto no art. 7º, n.º 2, do RGCO, a
possibilidade de responsabilizar contra-ordenacionalmente os entes colectivos
supõe que a conduta que realiza o tipo haja sido empreendida por uma pessoa
singular pertencente a um seu órgão e por ele levada a cabo no exercício dessas
mesmas funções.
De acordo com os estatutos do PPD/PSD, os secretários-gerais adjuntos são
membros do congresso nacional – art. 16º, n.º 1, e) -, são nomeados pela
Comissão Política Nacional – arts. 21º, n.º 2, d) e 25º, n.º 1, al. c) - sob
proposta do secretário geral e para coadjuvá-lo no exercício das suas
competências, no conjunto destas se destacando a faculdade de representar o
partido na celebração de quaisquer contratos que se possam traduzir em
obrigações para o partido, bem como a de dirigir o funcionamento dos respectivos
serviços centrais – alíneas a) e d) do n.º 1 do art. 25º.
Tal enquadramento estatutário permite sustentar a afirmação de que, ao proceder
conforme analisado supra, José Luís Vieira de Castro actuou na qualidade de
titular de um órgão do partido e como seu representante, tendo-o feito no âmbito
do exercício das funções de coadjuvação que lhe haviam sido cometidas enquanto
Secretário-Geral Adjunto para a área administrativa e financeira.
Assim sendo, também o PPD/PSD deverá responder contra-ordenacionalmente pela
prática da infracção.
Quanto a José Luís Fazenda Arnaut Duarte e José Manuel de Matos Rosa.
Não sendo a responsabilidade contra-ordenacional de tipo objectivo, não é
dogmaticamente possível afirmá-la na ausência de uma actuação ilícita e culposa.
Assim, apesar de se saber que, à data dos factos em apreciação, José Luís Arnaut
desempenhava as funções de Secretário Geral do PPD/PSD e que, a partir de 23 de
Abril de 2002 – ou seja, de momento anterior ainda à efectiva realização do
pagamento da dívida –, o cargo de secretário geral adjunto para a área
administrativa e financeira do partido passou a ser ocupado por José Manuel de
Matos Rosa, a possibilidade de responsabilizar qualquer um dos referidos
arguidos dependeria da demonstração de um qualquer modo de participação, ainda
que sob a forma mínima de anuência tácita, no acordo que precedeu a realização
do financiamento indirecto e/ou na operação a que a respectiva concretização deu
origem.
Porque só assim poderia concluir-se por uma «contribuição objectiva conjunta
para a realização típica» (cfr. José Francisco de Faria Costa, “Formas do
Crime”, Jornadas de Direito Criminal, Fase I, Centro de Estudos Judiciários) e
tal demonstração não foi conseguida, o presente processo deverá ser quanto a
ambos arquivado, tanto mais quanto certo é que, não tendo lugar o sancionamento
da negligência, não cabe sequer equacionar aqui uma eventual violação, por parte
do então secretário geral José Luís Arnaut, dos deveres de vigilância ou
superintendência sobre o modo como eram exercidos os poderes de coadjuvação
atribuídos ao secretário geral adjunto para a área financeira do partido.
2.2.3. Relativamente à Somague S.G.P.S, S.A., Diogo Alves Diniz Vaz Guedes, Nuno
Manuel Franco Ribeiro da Silva e Luís Miguel Dias da Silva Santos.
A propósito da delimitação do alcance vinculativo da norma inscrita no n.º 4 do
art. 5º da Lei n.º 56/98, na redacção conferida pela Lei n.º 23/2000, quando
integrada pelo estatuído no n.º 5 do art. 14º do mesmo diploma legal, disse-se
já que, relativamente aos entes terceiros, a acção típica consiste no «pagamento
de despesas que [aos partidos políticos] aproveitem fora dos limites previstos
no art. 4º».
Na modalidade de execução ora considerada, a conduta que integra o tipo
objectivo de ilícito analisar-se-á, portanto, na substituição de determinado
partido político na satisfação de uma prestação pecuniária a que este se
vinculara, correspondendo o resultado lesivo à propiciação de uma vantagem
patrimonial efectiva de expressão coincidente com o valor da despesa assim paga.
Estruturalmente doloso conforme visto já, o tipo subjectivo de ilícito exige que
aquele que realiza o pagamento de certa despesa em proveito de determinado
partido político actue com conhecimento de todos os elementos que integram o
facto típico e vontade de realizá-lo.
Pois bem.
Segundo demonstrado resultou, Diogo Alves Diniz Vaz Guedes, na qualidade de
presidente do conselho de administração da Somague SGPS, SA, determinou que por
esta fosse efectuado o pagamento da dívida, no valor de € 233.415,00, que o
PPD/PSD tinha para com a Brandia, pagamento esse que efectivamente veio a
ocorrer.
Ao assim proceder - demonstrou-se ainda - Diogo Alves Dinis Vaz Guedes agiu de
forma livre, voluntária e consciente, com o propósito concretizado de conduzir a
Somague S.G.P.S., S.A. ao pagamento de serviços que haviam sido prestados ao
PPD/PSD, bem sabendo que, ao vincular aquela sociedade à assunção do
correspondente débito, a conduzia à realização indirecta de uma atribuição
patrimonial de valor superior a € 10.440, o que sabia ainda corresponder a
actuação vedada por lei.
Perante o quadro factual em tais termos traçado não restam dúvidas de que, por
efeito de uma intervenção dolosa protagonizada pelo Presidente do respectivo
Conselho de Administração, a Somague SGPS, S.A, financiou o PPD/PSD em valor
coincidente com o montante da dívida em cujo pagamento a este se substituiu, o
que, em face das considerações desenvolvidas já a propósito dos pressupostos da
responsabilidade contra-ordenacional das pessoas colectivas, autoriza a
conclusão de que, quer Diogo Alves Dinis Vaz Guedes, quer a Somague SGPS, S.A em
representação da qual este actuou, deverão ser responsabilizados, enquanto
autores de um financiamento indirecto de valor superior ao legalmente permitido,
pela prática da contra-ordenação tipificada no n.º 4 do art. 5º da Lei n.º
56/98, na versão aprovada pela Lei n.º 23/2000.
Não já assim, naturalmente, no que concerne a Nuno Manuel Franco Ribeiro da
Silva e Luís Miguel Dias da Silva Santos relativamente aos quais, e na ausência
de uma intervenção dolosa, o processo deverá arquivar-se.
2.3. Das consequências jurídicas da contra-ordenação.
Conjugando o estatuído no art. 14º da Lei n.º 56/98, na redacção conferida pela
Lei n.º 23/2000, com o disposto no artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 325/2001, de 17
de Dezembro, quanto ao valor do salário mínimo mensal nacional no ano de 2002,
verifica-se que os partidos políticos responsáveis pela violação do disposto no
art. 5º, n.º4, daquele diploma legal incorrem numa coima mínima no valor de 10
salários mínimos mensais nacionais (€ 3.480) e máxima no valor de 400 salários
mínimos mensais nacionais e máxima de 400 salários mínimos mensais nacionais (€
139.200) [cfr. n.º 2].
Os dirigentes dos partidos políticos que pessoalmente participarem em tal
infracção sujeitar-se-ão à aplicação de uma coima mínima no valor de 5 salários
mínimos mensais nacionais (€1.740) e máxima no valor de 200 salários mínimos
mensais nacionais (€ 69.600) [cfr. n.º 3].
Por força do disposto no art.14º, n.º 4 da Lei n.º 56/98, na redacção conferida
pela Lei n.º 23/2000, a responsabilidade contra-ordenacional das pessoas
colectivas formalizar-se-á, por seu turno, no interior de uma moldura cujo
limite mínimo coincidirá com o dobro do montante do donativo proibido (€
466.830), equivalendo o limite máximo ao quíntuplo desse montante (€ 1.167.075).
Por último, os administradores das pessoas colectivas que pessoalmente
participem na infracção serão sancionados com coima mínima no valor de 5
salários mínimos mensais nacionais (€ 1.740) e máxima no valor de 200 salários
mínimos mensais nacionais (€ 69.600) [cfr. n.º 6 do art. 14º da Lei n.º 56/98,
na redacção conferida pela Lei n.º 23/2000].
Para além das normas sancionadoras acabadas de referir, importará atender ainda
ao disposto no art. 18º, n.º 1, do RGCO, segundo o qual a determinação da medida
da coima se fará em função da gravidade da contra-ordenação, da culpa, da
situação económica do agente e do benefício que este retirou da prática da
contra-ordenação.
Pois bem.
Na ponderação dos factores acima enunciados, haverá especialmente a notar a
circunstância de o montante objecto do financiamento aqui em causa exceder com
alguma expressão o limite a partir do qual a realização/recebimento do donativo
adquire relevância contra-ordenacional, o que, projectando-se sobre o desvalor
do resultado, impede que a medida das coimas a fixar venha a confinar com o
limite mínimo das molduras aplicáveis.
Não se verificando, por outro lado, fundamento justificativo para a
diferenciação concreta, no plano da respectiva valoração, das actuações
convergentemente empreendidas pelas entidades financiadora e financiada,
entende-se que a medida das respectivas responsabilidades, devendo situar-se num
equivalente ponto das distintas molduras legais aplicáveis, encontrará coerente
tradução na aplicação ao PPD/PSD de uma coima no valor de € 35.000 e à Somague,
SGPS, SA de uma coima no valor de € 600.000.
No que, por último, concerne à definição das consequências jurídicas a imputar à
actividade desenvolvida pelas pessoas singulares que em representação daquelas
actuaram, tem-se por ajustada a aplicação, quer a José Luís Vieira de Castro,
quer a Diogo Vaz Guedes, de uma coima no valor de € 10.000, montante que,
mantendo-se ainda conforme à gravidade que se apontou ao ilícito, é já apto a
garantir a eficácia sancionatória pretendida assegurar pelo sistema.
Nos termos previstos na parte final do n.º 2 do art. 14º da Lei n.º 56/98, será
declarada a perda a favor do Estado do valor ilegalmente recebido pelo PPD/PSD,
ou seja, do montante de € 233.415,00.
IV. Decisão.
Nos termos e pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide:
1º Arquivar o processo contra-ordenacional nos presentes autos instaurado contra
a Brandia Central – Design e Comunicação, S.A. pela prática da contra-ordenação
prevista no art. 5º, n.º 4, da Lei n.º 56/98, na redacção conferida pela Lei n.º
23/2000.
2º Arquivar o processo contra-ordenacional nos presentes autos instaurado contra
João Paulo Moreira Cardoso Sequeira pela participação pessoal na prática da
contra-ordenação prevista no art. 5º, n.º4, da Lei n.º 56/98, na redacção
conferida pela Lei n.º 23/2000.
3º Condenar o PPD/PSD, pela prática da contra-ordenação prevista e sancionada
pelos arts. 5º, n.º4, e 14º, n.º 2, ambos da Lei n.º 56/98, na redacção
conferida pela Lei n.º 23/2000, em coima no valor € 35.000 (trinta e cinco mil
euros).
4º Condenar José Luís Vieira de Castro, pela prática da contra-ordenação
prevista e sancionada pelos arts. 5º, n.º 4, e 14º, n.º 3, ambos da Lei n.º
56/98, na redacção conferida pela Lei n.º 23/2000, em coima no valor € 10.000
(dez mil euros).
5º Arquivar o processo contra-ordenacional nos presentes autos instaurado contra
José Luís Fazenda Arnaut Duarte e José Manuel de Matos Rosa pela participação
pessoal na prática da contra-ordenação prevista no art. 5º, n.º 4, da Lei n.º
56/98, na redacção conferida pela Lei n.º 23/2000.
6º Condenar a Somague SGPS, SA, pela prática da contra-ordenação prevista e
sancionada pelos arts. 5º, n.º 4, e 14º, n.º 5, ambos da Lei n.º 56/98, na
redacção conferida pela Lei n.º 23/2000, em coima no valor € 600.000 (seiscentos
mil euros).
7º Condenar Diogo Alves Diniz Vaz Guedes, pela prática da contra-ordenação
prevista e sancionada pelos arts. 5º, n.º 4, e 14º, n.º 6, ambos da Lei n.º
56/98, na redacção conferida pela Lei n.º 23/2000, em coima no valor € 10.000
(dez mil euros)
8º Arquivar o processo contra-ordenacional nos presentes autos instaurado contra
Nuno Manuel Franco Ribeiro da Silva e Luís Miguel Dias da Silva Santos pela
participação pessoal na prática da contra-ordenação prevista no art. 5º, n.º 4,
da Lei n.º 56/98, na redacção conferida pela Lei n.º 23/2000.
9º Declarar perdido a favor do Estado o valor de € 233.415,00 (duzentos e trinta
e três mil, quatrocentos e quinze euros), condenando o PPD/PSD à respectiva
entrega.
Ana Maria Guerra Martins
Joaquim de Sousa Ribeiro
Mário José de Araújo Torres
Benjamim Rodrigues
Carlos Fernandes Cadilha
Maria Lúcia Amaral
Maria João Antunes
Carlos Pamplona de Oliveira
Gil Galvão
João Cura Mariano
Vítor Gomes
José Borges Soeiro
Rui Manuel Moura Ramos
[1][Publicado no Diário da República nº 71/08, Série II-A de 10 de Abril]