Imprimir acórdão
Processo nº 715/07
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
A – Relatório
1 – A. recorre para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto
na alínea b) do n.º 1 do art. 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua
actual versão, do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 29 de Maio de 2007,
que rejeitou o recurso interposto pela recorrente do acórdão do Tribunal da
Relação do Porto, de 31 de Maio de 2006, pretendendo a apreciação da questão de
constitucionalidade das normas constantes dos artigos 399.º, 432.º e 433.º do
Código de Processo Penal, quando interpretadas no sentido de que não é
admissível recurso da decisão do Tribunal da Relação proferida em incidente de
recusa de juiz.
2 – Discorrendo sobre a questão da inadmissibilidade de recurso do
acórdão da Relação que decida o incidente de recusa de intervenção de juiz, o
acórdão recorrido discreteou do seguinte modo:
«2.2. A questão da admissibilidade de recurso do acórdão da Relação que
decida o incidente de recusa de intervenção de juiz não tem recebido resposta
uniforme, por parte do Supremo Tribunal de Justiça. No sentido da
inadmissibilidade, pronunciaram-se, desde logo, os acórdãos de 28.09.00, proc.
nº 2194/00-5ª e o de 15.05.02-3ª, proc. nº 1267/02[1], sendo certo, porém, que a
maioria das decisões tinha vindo a aceitar a recorribilidade, assentando a
solução, fundamentalmente, na obediência ao princípio geral enunciado no art.
399º, do C.P.P.[2] : ‘é permitido recorrer dos acórdãos, das sentenças e dos
despachos cuja irrecorribilidade não estiver prevista na lei’.
Mas a dúvida voltaria a ser actualizada no âmbito do acórdão de 21.05.05, proc.
nº 2818/05[3], que – apesar de ter admitido o recurso, ‘embora no limite das
dúvidas, e na perspectiva do critério do favor do recurso’ – tornou a sinalizar
que ‘a admissibilidade do recurso da decisão da Relação no incidente de recusa
pode efectivamente, ser questionada, pela natureza da decisão que está em causa
e pelo paralelismo com o grau hierárquico de decisão final no incidente relativo
a impedimento’.
2.3. Ao abordar questão de idêntica natureza (recorribilidade de acórdão da
Relação que decidiu o incidente previsto no art. 182º, do C.P.P.), o Supremo
Tribunal de Justiça, no acórdão de 16.02.05, proc. nº 4551/04[4], elaborou o
seguinte raciocínio:
(...)
“... Da conjugação das normas dos artigos 400º, 427º e 432º do Código de
Processo Penal resulta que decisões de natureza processual ou que não ponham
termo ao processo não são recorríveis para o Supremo Tribunal. Pressuposto do
recurso para o Supremo Tribunal (salvo casos específicos que a lei especialmente
preveja - artigo 433° do Código de Processo Penal) é, pois, a natureza da
decisão de que se recorre: decisões finais e não decisões sobre questões
processuais avulsas (salvo, por razões de racionalidade intraprocessual, quando
o recurso de decisões interlocutórias suba com recurso que deva ser do
conhecimento do Supremo Tribunal - artigo 432°, alínea f) do CPP).
É a razão e o sentido da norma do artigo 400°, n°1, alínea c), do Código de
Processo Penal. Como pode haver recurso de todas as decisões que não sejam de
expediente ou que não dependam da livre discricionariedade do juiz, e, por
regra, o recurso é interposto para as relações, as decisões proferidas por
estas, em recurso, que não ponham termo à causa, não são recorríveis, pois o
processo não termina, podendo ter, na sequência, outras decisões, designadamente
a decisão final, submetida, então, às regras gerais dos recursos. Em tais casos,
a garantia do recurso não exige e a racionalidade do modelo não seria compatível
com a previsão de recurso até ao Supremo Tribunal para decisão de questões
processuais intermédias que não definem o direito do caso, mas apenas determinam
um certo modo de ordenação e sequência processual.
Mas se é assim, a mesma razão valerá para os casos em que a relação intervenha,
não como instância formal de recurso, mas como instância de decisão no processo,
em outro grau, para questão incidental cujo conhecimento a lei lhe defira. Na
coerência e racionalidade do sistema, não há razão para distinguir entre uns e
outros casos.
Deste modo, a decisão que concretamente está em causa [decisão de não tomar
conhecimento do incidente previsto no art. 182°] não se integra em qualquer das
hipóteses previstas de recurso para o Supremo Tribunal (artigo 432° do CPP).
Não se trata de decisão proferida pela relação em primeira instância (artigo
432°, nº 1, alínea a), do CPP), isto é, em que a competência em razão da matéria
e da hierarquia para a decisão do caso e do objecto do processo caiba, em
primeiro grau de conhecimento, e segundo as leis de organização e competências
dos tribunais, aos tribunais da relação,
Não constitui também, é manifesto, situação que se enquadre nas alíneas c), d) e
e) do artigo 432° do CPP.
Resta a alínea b) desta disposição. Mas, a conjugação das normas da alínea b) do
artigo 432° e do artigo 400°, nº 1, alínea c), do CPP tem de ser interpretada em
equilíbrio sistémico do regime dos recursos. Nesta perspectiva, a norma da
alínea c) do nº 1 do artigo 400°, quando se refere a decisões proferidas, em
recurso, pelas relações, que não tenham posto termo à causa, quer significar,
salvo contradição interna do sistema, que a competência em razão da hierarquia
para proferir decisões que não ponham termo à causa cabe às relações, que
decidem, em matérias interlocutórias, em última instância – quer seja decisão
proferida em recurso, quer seja por ocasião de um recurso ou por intervenção
incidental directamente deferida pela lei.
…
O artigo 400°, nº 1, alínea c), do CPP abrange, assim, todas as decisões
interlocutórias, subtraindo-as à competência do Supremo Tribunal (salvo, como se
referiu e por razões de eficácia e racionalidade processual, quando o recurso de
decisões interlocutórias tenha de subir com o recurso para cujo conhecimento
seja competente o Supremo Tribunal).
Só assim não será, por razões de conformidade constitucional com a garantia de
defesa que o recurso também constitui, quando seja caso de decisões que afectem
directa, imediata e substancialmente, direitos fundamentais do arguido, como
sejam as decisões relativas à aplicação de medidas de coacção privativas da
liberdade (cfr. acórdão do Tribunal Constitucional de 30 de Novembro de 2004,
DR, II série, de 18 de Janeiro de 2005)”.
2.3.1. Posto isto, é altura de concluir como se concluiu no citado ac. nº
2322/06:
“Cremos que esta doutrina se aplica por inteiro à decisão aqui impugnada, em que
o Tribunal da Relação indeferiu o requerimento de recusa.
É certo, repete-se, que o art. 399° do CPP fixou o princípio geral de que é
permitido recurso das decisões cuja irrecorribilidade não estiver prevista na
lei.
Mas também é verdade que as possibilidades de recurso para o Supremo Tribunal de
Justiça são as taxativamente previstas no art. 432° ou, por força do artigo
seguinte, os ‘outros casos que a lei especialmente preveja’.
Norma especial que autorize o recurso deste tipo de decisões da relação ao
abrigo do art. 433° não a encontramos, designadamente no local mais apropriado,
no capítulo do CPP que regula a matéria dos impedimentos, recusas e escusas – o
que não deixa de ser sintomático quando comparado com o regime do CPP de 1929,
em cujo art. 114°, §7°, se previa expressamente uma hipótese de recurso para o
tribunal da relação, no caso de a suspeição ter sido deduzida contra juiz da 1ª
instância.
Quanto às possibilidades de recurso abertas pelo art. 432°, estando
inquestionavelmente afastadas, pela própria natureza das coisas, as das alíneas
e), d) e e), resta ponderar as das alíneas a) e b).
Como sublinhou o Senhor Procurador-Geral Adjunto no seu parecer, a decisão do
Tribunal da Relação de Lisboa não constitui decisão proferida em primeira
instância porque este Tribunal não funcionou como tribunal de 1ª instância
segundo as regras de organização, funcionamento e competência dos tribunais.
Enfim, não se trata de decisão proferida em processo que, pelo seu objecto, seja
da competência, em 1ª instância, do Tribunal da Relação. Está, assim, igualmente
afastada a possibilidade de recurso por via da alínea a).
Por outro lado, embora também não se trate de uma decisão proferida, em recurso,
porquanto o Tribunal da Relação não interveio como instância formal de recurso,
é sempre uma decisão interlocutória, sobre questão processual avulsa que não pôs
termo à causa e, assim, abrangida, de acordo com aquela interpretação, pela
alínea c) do nº 1 do art. 400º do CPP, que dita a sua irrecorribilidade.
Dir-se-á que, neste modo de ver as coisas, estaremos face a decisão não
controlável por via de recurso, o que traduzirá uma solução conflituante com o
direito ao recurso, instituído como uma das garantias de defesa que o processo
penal tem de assegurar, nos termos do nº 1 do art. 32° da CRP, ou até que
postergará o direito de acesso aos tribunais, igualmente consagrado na
Constituição, no seu art. 20°.
Bem.
Em relação à primeira garantia, a garantia do duplo grau de jurisdição,
relembramos, como o acórdão acima invocado, que apenas tem sido defendida pela
jurisprudência do Tribunal Constitucional relativamente a decisões penais
condenatórias e a decisões respeitantes à situação do arguido face à privação ou
restrição de liberdade ou de quaisquer outros direitos fundamentais. “A garantia
de um duplo grau de jurisdição tem que ver essencialmente com a definição da
situação jurídico-criminal do arguido em matéria que contenda com a privação,
limitação ou restrição dos seus direitos e garantias fundamentais da liberdade e
segurança (...) e não, directamente, com o cumprimento das regras procedimentais
ou processuais a que o legislador subordine as decisões judiciais sobre tal
matéria” (ac. do TC nº 390/04, de 2 de Junho, em “Acórdãos do Tribunal
Constitucional, 59° vol., 543). Aliás, “sempre se entendeu, na jurisprudência do
Tribunal Constitucional que a faculdade de recorrer em processo penal constitui
uma tradução da expressão do direito de defesa, correspondendo mesmo a uma
imposição constitucional a consagração do recurso de sentenças condenatórias ou
de actos judiciais que durante o processo tenham como efeito a privação ou a
restrição da liberdade ou de outros direitos fundamentais, mas sempre recusou
que a Constituição impusesse a recorribilidade de todos os despachos proferidos
em processo penal» (ac. também do TC, nº 30/2001, de 30 de Janeiro, DR, II
Série, de 23.03.01, pág. 5268 e segs.)
Por outro lado, a garantia constitucional de acesso aos Tribunais apenas demanda
que o grau de jurisdição único previsto para determinada situação se possa
pronunciar de modo formalmente válido sobre a questão.
No caso, não se vê que Tribunal da Relação não estivesse em condições de se
pronunciar validamente sobre o pedido de recusa, sendo de sublinhar, como mais
uma vez o fez o Senhor Procurador-Geral Adjunto, que a decisão do incidente
concretamente deduzido é, nos termos da lei, da competência do tribunal
imediatamente superior, e não do seu presidente, como sucede no âmbito do
processo civil, onde, apesar disso, se exclui expressamente o recurso (cfr.
arts. 130°, nº 3 e 13.º, nº 1°, do CPC) – o que sem dúvida constitui garantia
processual satisfatória, dado o distanciamento do Tribunal da Relação
relativamente ao caso concreto.
Curiosamente, para o caso de impedimento, a lei consagra expressamente o direito
ao recurso, na hipótese de o juiz o não reconhecer, no nº 1 do art. 42° do CPP –
o que se compreende, porquanto, ao contrário da recusa, em que o juiz responde
ao requerimento e o tribunal superior decide (art. 44°) aqui, é o próprio juiz
visado que decide se se considera ou não impedido.
Enfim, chegamos à conclusão de que o acórdão por que o Tribunal da Relação (...)
decidiu o requerimento de recusa (...) não é susceptível de recurso para o
Supremo Tribunal de Justiça.’[5]
2.3.2. Na resposta à questão da inadmissibilidade de recurso, suscitada pelo
Ministério Público, a arguida veio arguir ‘a inconstitucionalidade da
interpretação dos artigos 399º, 432° e 433º do CPP, quando interpretados no
sentido de que não é admissível recurso de decisão da Relação proferida em
incidente de recusa de juiz, por violação dos artigos 20.º, nº 1 e 32°, nº 1 da
CRP’.
Para lá do que ficou dito sobre a jurisprudência firme do Tribunal
Constitucional, haverá que ter presente o ensinamento de Gomes Canotilho e Vital
Moreira, em anotação a tais disposições[6]
(...) “ A LC nº 1/97 incluiu expressamente como candidato positivo das garantias
de defesa o direito ao recurso (nº 1, II parte). Trata-se de explicitar que, em
matéria penal, o direito de defesa pressupõe a existência de um duplo grau de
jurisdição, na medida em que o direito ao recurso integra o núcleo essencial das
garantias de defesa constitucionalmente asseguradas. Na falta de especificação,
o direito ao recurso traduz-se na reapreciação da questão por um tribunal
superior, quer quanto à matéria de direito quer quanto à matéria de facto. Era
esta, de resto, a posição já defendida pela doutrina e acolhida pela
jurisprudência do Tribunal Constitucional desde sempre (cfr., por último, Acs TC
nºs 638/98, 202/99 e 415/01)”
(...) “O direito de acesso aos tribunais e à tutela judicial efectiva não
fundamenta um direito subjectivo ao duplo grau de jurisdição. Discute-se em que
medida o direito de acesso aos tribunais inclui o direito ao recurso das
decisões judiciais, traduzido no direito ao duplo grau de jurisdição. A chamada
doutrina de ‘2ª instância em matéria penal’ encontra-se expressamente consagrada
no art. 14°-5 do PIDCP e resulta já do art. 32°-1 da CRP (cfr. Acs TC nºs 210/86
e 8/87). Não existe, porém, um preceito constitucional a consagrar a ‘dupla
instância’ ou o duplo grau de jurisdição em termos gerais (cfr. Acs. TC nºs
31/87, 65/88, 163/90, 259/97 e 595/98). Todavia, o recurso das decisões
judiciais que afectem direitos fundamentais, designadamente direitos, liberdades
e garantias, mesmo fora do âmbito penal, pode apresentar-se como garantia
imprescindível destes direitos. Em todo o caso, embora o legislador disponha de
liberdade de conformação quanto à regulação dos requisitos e graus de recurso,
ele não pode regulá-lo de forma discriminatória, nem limitá-lo de forma
excessiva. (...)‘
2.4. A decisão que admita o recurso (...) não vincula o tribunal superior (nº
3., do art. 414°, do C.P.P.), sendo que o recurso é rejeitado sempre que (...)
se verifique causa que devia ter determinado a sua não admissão nos termos do
artigo 414º, nº 2.
3. Nos termos expostos – e na procedência da questão suscitada pelo
Ministério Público – decide-se rejeitar o recurso interposto por A., por
inadmissibilidade.».
3 – Alegando no Tribunal Constitucional, a recorrente rematou o seu
discurso argumentativo com as seguintes conclusões:
«1 - A decisão sobre incidente de recusa de juiz é tomada, como o foi, em sede,
em 1ª Instância, pelo Tribunal da Relação.
2 - Segundo a lei ordinária, são recorríveis todos os acórdãos, sentenças e
despachos cuja irrecorribilidade não esteja prevista na lei.
3 - Não está prevista na lei a irrecorribilidade da decisão da Relação que tome
posição sobre incidentes de recusa. Antes pelo contrário, a mesma está prevista
(artigo 42°, nº 3 do CPP).
4 - Assim, carece de sentido a interpretação que a decisão recorrida fez dos
artigos 399°, 432° e 433°, todos do CPP.
5 - Mas, para além disso, tal interpretação é violadora, nomeadamente, dos
artigos 20°, nº 1 e 32°, nº 1, ambos da CRP, por impedir quer a defesa dos
direitos, quer o direito ao recurso e ao duplo grau de jurisdição, que
consubstancia aquele, garantido constitucionalmente desde a revisão de 1997.
6 - Impõe-se, pois, que sejam proferidos juízos de inconstitucionalidade da
interpretação dos normativos questionados, nos termos reclamados.
7 - Assim se fará justiça.».
4 – Por sua vez o Procurador-Geral Adjunto, no Tribunal
Constitucional concluiu as suas contra-ordenações dizendo:
«1. Não viola a Lei Fundamental a interpretação normativa que não
admite a impugnação, perante o Supremo Tribunal de Justiça, do acórdão da
Relação que haja rejeitado o incidente de recusa do juiz.
2. Termos em que não deverá proceder o presente recurso.».
B – Fundamentação
5 – Do objecto do recurso de constitucionalidade.
Antes de mais cumpre notar que o objecto do recurso de
constitucionalidade surge como um dado para o Tribunal Constitucional.
Na verdade, não cabe na sua competência sindicar o juízo de
determinação do direito infraconstitucional que constituiu o fundamento
normativo da decisão levado a cabo pelo acórdão recorrido. Se o melhor direito,
em face dos preceitos legais, é aquele a que se arrimou a decisão recorrida ou é
aquele que a recorrente defende é questão que o Tribunal Constitucional não pode
resolver. A sua competência queda-se apenas por saber se o direito aplicado é ou
não direito válido à face da Constituição.
Por outro lado, há-de notar-se que a recorrente, conquanto tenha
definido correctamente a concreta norma que foi aplicada pelo acórdão recorrido
como ratio decidendi do seu julgado, a distraiu de um arco legislativo em parte
diverso daquele em que, em rectas contas, se baseou a decisão recorrida.
Na verdade, do discurso desenvolvido pelo acórdão recorrido resulta
que o resultado interpretativo aplicado foi por ele inferido, essencialmente, da
“conjugação” dos art.s 400.º, n.º 1, alínea c), e 432.º, alínea b), do Código de
Processo Penal (CPP) e não, como alegou a recorrente no seu requerimento de
interposição de recurso de constitucionalidade e nas suas alegações, dos art.s
399.º, 432.º e 433.º do CPP”.
Tal facto não impede, porém, que se conheça da questão de
constitucionalidade. É que, por um lado, não pode deixar de
considerar-se como, também, havendo sido aplicados tais preceitos, na medida em
que os mesmos foram convocados como instrumentos da actividade hermenêutica
desenvolvida tendente à determinação, no âmbito do sistema legal, da concreta
norma a aplicar à decisão do caso.
Por outro lado, estando nitidamente recortada a questão de
constitucionalidade, não se afigura decisivo o facto de o critério normativo
aplicado poder ser inferido de modo mais preciso ou directo de outro ou outros
preceitos legais: tal circunstância, para além de contender com a interpretação
que a recorrente fez da decisão recorrida, respeita também à bondade da
actividade interpretativa levada a cabo, no plano do direito
infraconstitucional, e já se disse que essa escapa à competência sindicante do
Tribunal Constitucional.
6 – Do mérito do recurso.
6.1 – Como se vê dos autos, a recorrente requereu a declaração de
impedimento da juíza de instrução criminal (incidente de recusa de juiz), por
considerar verificada uma situação da sua falta de imparcialidade (cf. art.
41.º, n.º 2, do CPP).
A juíza, por despacho, não reconheceu a existência de um tal
impedimento para intervir na instrução criminal.
Inconformada com esta decisão, a recorrente recorreu para o Tribunal
da Relação, mas sem êxito porquanto esse tribunal julgou improcedente o pedido
de recusa do juiz, “mantendo-se a Sr.ª Juíza como titular da instrução em
causa”.
Discordando dessa decisão, a ora recorrente recorreu para o Supremo
Tribunal de Justiça (STJ).
Esse recurso foi, todavia, rejeitado com base na sua
inadmissibilidade legal, nos termos da fundamentação acima transcrita.
A questão que vem posta é, assim, a de saber se “as normas
constantes dos artigos 399.º, 432.º e 433.º [e 400.º, n.º 1, alínea c)] do
Código de Processo Penal, quando interpretadas no sentido de que não é
admissível recurso da decisão do Tribunal da Relação proferida em incidente de
recusa de juiz” são conformes ou não à Lei fundamental.
Sustenta a recorrente que elas violam “nomeadamente, os artigos
20.º, n.º 1 e 32.º, n.º 1, ambos da CRP, por impedir[em] quer a defesa dos
direitos, quer o direito ao recurso e ao duplo grau de jurisdição, que
consubstancia aquele, garantido constitucionalmente desde a revisão de 1997”.
6.2 – Mas tal posição não merece acolhimento. É certo que o art.
32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa (CRP) consagra, agora
expressamente depois da revisão de 1997, o direito ao recurso como uma garantia
fundamental própria do processo criminal inserida na garantia constitucional de
asseguramento de todos os meios de defesa.
O preceito limitou-se, assim, a acolher a tese que a jurisprudência
anterior do Tribunal Constitucional, bem como a doutrina, tinham vindo a
desenvolver sobre a matéria.
Nesta medida a explicitação densificou eo nomine, neste domínio do
processo criminal, um dos postulados normativos constitucionais que já
decorriam, de acordo com o princípio da máxima expansividade e efectividade dos
direitos e garantias constitucionais, da garantia constitucional do
asseguramento de “todas as garantias de defesa”, conferindo-lhe, todavia, por
esta via, uma expressão própria.
O Tribunal Constitucional tem, porém, construído uma sólida
jurisprudência no sentido de que o direito constitucional ao recurso que é
postulado pela garantia do asseguramento de todas as garantias de defesa se
basta com a existência de um duplo grau de jurisdição relativamente a decisões
penais condenatórias e a decisões respeitantes à situação do arguido face à
privação ou restrição de liberdade ou a quaisquer outros direitos fundamentais
(cf., entre outros, os Acórdãos n.º 265/94, publicado nos Acórdãos do Tribunal
Constitucional 27.º vol., p. 751, n.º 189/01, publicado nos Acórdãos do Tribunal
Constitucional, 50º vol., p. 285, n.º 369/01 (inédito), n.º 435/01 (inédito),
n.º 49/03, publicado no Diário da República, II Série, de 16 de Abril de 2003),
n.º 377/03 (inédito), e n.º 390/04, publicado no Diário da República II Série,
de 7 de Julho de 2004, e Acórdãos do Tribunal Constitucional, 59.º vol., p. 543.
Como se escreveu no último aresto:
“A consagração de um duplo grau de jurisdição em matéria penal
decorre essencialmente da exigibilidade constitucional de se conferir um grau
elevado de asseguramento, de concretização e de realização aos direitos e
garantias fundamentais da liberdade e segurança dos cidadãos (sendo igualmente
invocável relativamente a outros direitos e garantias fundamentais), dado que
estes são directamente atingidos pelas decisões condenatórias e outras decisões
judiciais que limitem ou restrinjam a liberdade. A existência de um segundo grau
de reexame jurisdicional das medidas de privação, limitação ou restrição desses
direitos fundamentais corresponde assim ao patamar que a Constituição tem como
minimamente tolerável para que se possam haver por arredados os perigos de uma
ofensa inconsistente de tais direitos”.
Posicionando-se dentro desta linha de pensamento, o Tribunal
Constitucional reconheceu, por outro lado, a não obrigatoriedade constitucional
da existência de um duplo grau de jurisdição relativamente a determinadas normas
processuais que denegam a possibilidade de o arguido recorrer de determinados
despachos ou decisões proferidas na pendência do processo (v.g., quer de
despachos interlocutórios, quer de outras decisões, Acórdãos n.º 259/88, n.º
118/90 e n.º 353/91, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 12º vol., p. 735;
15º vol., p. 397, e 19º vol., p. 563, Acórdão n.º 30/01, publicado no Diário da
República II Série, de 23 de Março de 2001 - também in Acórdãos do Tribunal
Constitucional, 49º vol., pp. 171 - relativo à irrecorribilidade da decisão
instrutória que pronuncie o arguido pelos factos constantes da acusação
particular quando o Ministério Público acompanhe essa acusação particular).
Abordando a questão na perspectiva da resposta a dar ao caso de
arguição da nulidade do acórdão de 2.ª instância, escreveu-se no referido
Acórdão n.º 390/04:
«O Tribunal Constitucional sempre entendeu a garantia do duplo grau
de jurisdição enquanto respeitando ao direito ao recurso relativo a decisões
penais condenatórias e ainda quanto às decisões penais respeitantes à situação
do arguido face à privação ou restrição da liberdade ou de quaisquer outros
direitos fundamentais.
Paradigmático de uma tal leitura da Constituição é o discurso
expendido no Acórdão n.º 265/94 (Diário da República, II Série, de 19 de Julho
de 1994), mas cujo sentido informa igualmente a fundamentação, entre outros, dos
Acórdãos n.º 610/96, n.º 468/97, n.º 216/99 e nº 113/00 (todos disponíveis em
www.tribunal constitucional.pt/jurisprudencia, estando ainda o primeiro e o
terceiro publicados, respectivamente, no Diário da República, II Série, de 6 de
Julho de 1996 e 6 de Agosto de 1999):
“A garantia do duplo grau de jurisdição existe quanto às decisões
penais condenatórias e ainda quanto às decisões penais respeitantes à situação
do arguido face à privação ou restrição da liberdade ou de quaisquer outros
direitos fundamentais.
Sendo embora a faculdade de recorrer em processo penal uma tradução da expressão
do direito de defesa (veja-se nesse sentido o Acórdão n.º 8/87 do Tribunal
Constitucional, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 9º volume, pág. 235), a
verdade é que, como se escreveu no Acórdão n.º 31/87 do mesmo Tribunal, “se
há-de admitir que essa faculdade de recorrer seja restringida ou limitada em
certas fases do processo e que, relativamente a certos actos do juiz, possa
mesmo não existir, desde que, dessa forma, se não atinja o conteúdo essencial
dessa mesma faculdade, ou seja, o direito de defesa do arguido”. E, mais à
frente, lê-se no mesmo aresto:
“Ora, a salvaguarda desse direito de defesa impõe seguramente que se consagre a
faculdade de recorrer da sentença condenatória, como se determina, aliás, de
forma expressa no n.º 5 do artigo 14º do Pacto Internacional sobre os Direitos
Civis e Políticos, aprovado para ratificação pela Lei n.º 29/78, de 12 de Junho:
«Qualquer pessoa declarada culpada de crime terá o direito de fazer examinar por
uma jurisdição superior a declaração de culpabilidade e a sentença, em
conformidade com a lei»; como imporá, também, que a lei preveja o recurso dos
actos judiciais que, durante o processo, tenham como efeito a privação ou a
restrição da liberdade ou de outros direitos fundamentais do arguido. Mas já não
impõe que se possibilite o recurso de todo e qualquer acto do juiz” (in Acórdãos
do Tribunal Constitucional, 9º vol., págs. 467-468; no mesmo sentido, veja-se o
Acórdão n.º 178/88, in Acórdãos, vol. 12º, págs. 569 e seguintes).”.
A garantia de um duplo grau de jurisdição traduz-se, deste modo, na
possibilidade de a situação de eventual ofensa ao direito de liberdade e
segurança poder ser reexaminada, concernentemente a todos os fundamentos que
poderão determinar a decisão da causa, por um tribunal diferente
hierarquicamente superior. Dito de uma forma simplista, a garantia de um duplo
grau de jurisdição tem que ver essencialmente com a definição da situação
jurídico-criminal do arguido em matéria que contenda com a privação, limitação
ou restrição dos seus direitos e garantias fundamentais da liberdade e segurança
(como é, por exemplo, o caso das decisões condenatórias ou aplicação de medidas
de coacção), e não, directamente, com o cumprimento das regras procedimentais ou
processuais a que o legislador subordine as decisões judiciais em tal matéria.
Sendo assim, não decorre forçosamente da garantia constitucional de
um duplo grau de jurisdição que haja de ser sempre admissível o recurso para o
tribunal superior nos casos em que o tribunal de recurso se pronuncie, pela
primeira vez, sobre questões que influam na decisão da causa (ressalvando-se o
recurso de constitucionalidade para o órgão jurisdicional específico não
enquadrado na hierarquia dos tribunais) ou nos de, ao proferir a decisão,
incorrer na violação de lei processual ou procedimental que seja sancionada com
o estigma da nulidade.
Nada impõe que se leve a autonomização da questão da nulidade da
decisão em relação à questão de fundo tão longe que seja constitucionalmente
exigível a existência de um 2º grau de jurisdição especificamente para esta
questão, considerando o regime de arguição e conhecimento das nulidades em
processo penal por via de recurso, a possibilidade de arguir as nulidades
perante o órgão que proferiu a decisão, quando aquele recurso não existir, e,
como no presente caso, a existência de duas decisões concordantes em sentido
condenatório (o Tribunal da Relação confirmou a decisão da 1ª instância nesse
sentido).
É claro que o legislador poderia, na sua discricionariedade
legislativa, admitir esse recurso, mesmo nas hipóteses em que o fundamento deste
resida na arguição de nulidades processuais, assim ampliando o âmbito material
do direito de recurso, mas a sua inadmissibilidade não será constitucionalmente
intolerável.».
De notar, ainda, é a posição tomada no recente Acórdão n.º 589/05,
publicado no Diário da República II Série, de 4 de Janeiro de 2006, e Acórdãos
do Tribunal Constitucional, 62.º vol. p. 223, em que tal, como no presente caso,
estava em causa uma questão incidental relativa não ao arguido no processo mas a
outro interveniente (aqui refere-se à recusa de juiz, aí referia-se à quebra de
sigilo profissional de testemunha jornalista), tendo o Tribunal Constitucional
entendido que a matéria não respeitava sequer às garantias de defesa do arguido,
por a recorrente não ser arguida e por isso não estava abrangida pelo âmbito
normativo do art. 32.º, n.º 1, da CRP, e que o segundo grau de jurisdição também
não decorria do direito de acesso aos tribunais em qualquer das dimensões
retratadas no art. 20.º, nºs 1, 4 e 5, da CRP.
Segundo resulta do recorte normativo da situação em causa no
presente recurso, a questão do impedimento do juiz no processo penal é decidida
em primeira mão pelo próprio juiz cujo impedimento haja sido arguido e só no
caso dele não reconhecer o seu impedimento legal é que cabe recurso para o
tribunal imediatamente superior (art. 41.º e 42.º do CPP).
Porém, – e tal como se passa no caso decidido pelo referido Acórdão
n.º 589/05 – trata-se de matéria que não diz respeito especificamente aos meios
de defesa do arguido.
Estamos perante matéria que não diz respeito propriamente ao objecto
da causa, ao thema do processo, mas à legitimidade substantiva de um dos
sujeitos ou intervenientes na relação processual penal, à legitimidade
substantiva do juiz para exercer as suas funções no processo, e que, como tal
tanto se pode configurar em relação ao arguido como em relação ao ofendido ou
pessoa com a faculdade de se constituir assistente, seja directamente, seja
mediatamente, aqui por referência a um determinado leque de pessoas que com eles
poderão estar em relação familiar ou análoga.
Assim sendo, tem de concluir-se que, pela sua natureza, a situação
normativa em causa não cabe no âmbito de protecção de um segundo grau de
jurisdição postulado pelo art. 32.º, n.º 1, da CRP.
6.3 – Sustenta, ainda, a recorrente que norma em causa no presente
recurso viola, também, o art. 20.º, n.º 1, da CRP, “por impedir quer a defesa
dos direitos, quer o direito ao recurso e ao duplo grau de jurisdição”.
Mas mais uma vez sem razão.
Discorrendo sobre este parâmetro constitucional, a propósito do caso
aí analisado, afirmou-se, no já referido Acórdão n.º 589/05, o seguinte:
«Como o Tribunal Constitucional afirmou no acórdão n.º 163/90, de 23 de
Maio (publicado em Acórdãos do Tribunal Constitucional, 16º volume, 1990, p. 301
ss), o direito de acesso aos tribunais para defesa dos direitos e interesses
legítimos “é, entre o mais, o direito a uma solução jurídica dos conflitos, a
que se deve chegar em prazo razoável e com observância das regras da
imparcialidade e independência, possibilitando-se, designadamente, um correcto
funcionamento do contraditório”. Mas esse acesso aos tribunais não tem que ser
assegurado sempre em mais de um grau de jurisdição: mesmo no domínio do processo
penal, “[a] Constituição não impõe [...] que o legislador consagre a faculdade
de recorrer de todo e qualquer acto do juiz”.
Por outro lado, disse este Tribunal, no acórdão n.º 673/95 (Diário da
República, 2ª Série, n.º 68, de 20 de Março de 1996, p. 3786 ss):
“[...]
Que não há aí violação do artigo 20º e mais rigorosamente do seu n.º 1, da
Constituição – [...] – é um dado que ressalta de posições ditas e reafirmadas
por este Tribunal Constitucional, apoiando‑se na doutrina e na sua já vasta
jurisprudência a propósito tirada, no sentido de que o direito de acesso aos
tribunais postulado pelo artigo 20º, n.º 1, da Lei Fundamental não garante,
necessariamente, em todos os casos e por si só, o direito a um duplo ou a um
triplo grau de jurisdição, sendo que a garantia de um duplo grau de jurisdição
referentemente a réus condenados em processo criminal não é imposta por aquele
normativo constitucional, antes decorrendo do que se preceitua no n.º 1 do
artigo 32º da Constituição.
E, igualmente, tem defendido que aquela Lei não consagra um direito geral de
recurso das decisões judiciais (afora aquelas de natureza criminal condenatória,
recurso esse, porém, que deflui da necessidade de previsão de um segundo grau de
jurisdição, necessidade essa, repete‑se, imposta pelo n.º 1 do artigo 32º).
Acrescenta, todavia, com suporte na própria doutrina, que, uma vez que a
Constituição prevê «a existência de tribunais de recurso na ordem dos tribunais
judiciais» – o mesmo acontecendo na ordem dos tribunais administrativas e
fiscais – e que lei infra constitucional, designadamente os diplomas adjectivos
fundamentais e os que regem a organização judiciária, [...], também prevêem
esses órgãos de administração de justiça funcionando como tribunais também
vocacionados para decidir em sede de impugnação das decisões emanadas de
tribunais de hierarquia inferior, então não será lícito ao legislador ordinário
suprimir em bloco os tribunais de recurso e os próprios recursos ou ir até ao
ponto de limitar de tal modo o direito de recorrer, que, na prática, se tivesse
de concluir que os recursos tinham sido suprimidos (as expressões em itálico são
extraídas da obra Recursos em Processo Civil, de Armindo Ribeiro Mendes, Lisboa
1992, pp. 100, 101 e 102; cfr., como exemplo da jurisprudência do Tribunal, e
com mais recente publicação, quanto ao tema em análise, o Acórdão n.º 447/93, no
Diário da República, 2ª Série, de 23 de Abril de 1994).
[...].”.
É, portanto, entendimento pacífico na jurisprudência constitucional que
o direito de acesso à justiça não comporta o sistemático exercício do direito ao
recurso, visando assegurar o duplo grau de jurisdição perante todas as decisões
que afectem determinado interveniente processual.
Logo, não é possível sustentar que do artigo 20º, n.º 1, da
Constituição decorre, sem mais, o direito do titular do direito ao sigilo
profissional, a quem foi ordenada a prestação de depoimento em processo penal
com quebra desse mesmo sigilo, de interpor recurso da correspondente decisão
judicial, para obter a reapreciação dessa decisão.».
Estas considerações são totalmente transponíveis para o caso dos
autos. Mesmo configurando o problema como uma questão de defesa ou de
reconhecimento de um direito do arguido [como de outros sujeitos do processo] –
o direito à decisão da causa por um órgão independente, imparcial e isento (cf.
art. 202.º e 203.º da CRP) – sempre terá de concluir-se que essa pretensão ou
esse direito é apreciado, na situação dos autos, pelo menos, por um órgão dotado
dessas exigências constitucionais.
Na verdade, mesmo descaracterizando a decisão do juiz cuja
intervenção se recurso de negação da existência do impedimento alegado, sempre
ocorre a intervenção de um tribunal superior [ou no caso do n.º 2 do art. 42.º
do CPP, de uma formação judicial do Supremo Tribunal de Justiça sem intervenção
do juiz visado].
E não decorrendo do art. 20.º, n.º 1, da CRP uma exigência de
acautelamento, em todos os casos, da existência de um segundo grau de
jurisdição, há-de concluir-se caber na discricionariedade do legislador
ordinário admiti-lo ou não em função dos diversos interesses concorrentes, como
a celeridade na obtenção de uma decisão definitiva, a natureza e valor dos
direitos a que respeita, a capacidade de resposta dos tribunais, etc.
Assim sendo, a norma em causa, ao não admitir, na dimensão
interpretativa aplicada como ratio decidendi, recurso do acórdão da relação que
decidiu o incidente de recusa do juiz de instrução criminal de 1.ª instância,
não viola o convocado parâmetro constitucional.
C – Decisão
7 – Destarte, atento tudo o exposto, o Tribunal Constitucional
decide:
a) Não julgar inconstitucionais as normas constantes dos artigos
399.º, 432.º e 433.º do Código de Processo Penal, quando interpretadas no
sentido de que não é admissível recurso da decisão do Tribunal da Relação
proferida em incidente de recusa de juiz de 1.ª instância;
b) Negar provimento ao recurso.
c) Condenar a recorrente nas custas, fixando a taxa de justiça em 25
UCs.
Lisboa, 13/11/2007
Benjamim Rodrigues
João Cura Mariano
Joaquim Sousa Ribeiro
Mário José de Araújo Torres
Rui Manuel Moura Ramos
[1] Citados no ac. de 27.09.06, proc. nº 2322/06 (relatado pelo Cons. Sousa
Fonte), e que, aqui, se seguirá de perto.
[2] 2 Como anota Maia Gonçalves (Código de Processo Penal, Anotado e Comentado),
‘neste artigo estabelece-se o princípio geral da admissibilidade de recurso das
sentenças e dos despachos judiciais, sempre que a irrecorribilidade não esteja
prevista na lei
Trata-se de uma norma idêntica à do art. 654º do CPP de 1929. Porém, se as
normas são idênticas, sucede que os casos de irrecorribilidade previstos na lei
são agora mais numerosos que aqueles que a lei anterior previa. …’
[3] Dúvidas retomadas, por exemplo, nos acórdãos de 31.05.06, proc. nº 1597/06 e
03.05.06. proc. nº 3894/06 : ‘é duvidosa a admissibilidade do recurso da decisão
que conheça do incidente de recusa, por já ter sido conhecido pelo tribunal
imediatamente superior àquele em que o incidente é deduzido’
[4] Com o seguinte sumário:
1ª A decisão do tribunal da Relação proferida, não como instância formal de
recurso, mas como instância de decisão no processo, em outro grau, sobre questão
incidental cujo conhecimento a lei lhe defira, não se integra em qualquer das
hipóteses de recurso para o Supremo Tribunal do Justiça previstas no artigo 432°
do Código de Processo Penal (CPP).
2ª Não se trata de decisão proferida pela relação em primeira instância (artigo
432°, nº 1 alínea a), do CPP), isto é, em que a competência em razão da matéria
e da hierarquia para a decisão do caso e do objecto do processo caiba, em
primeiro grau de conhecimento, e segundo as leis de organização e competências
dos tribunais, aos Tribunais da relação, e não constitui também situação que se
enquadre nas alíneas c), d) e e) do artigo 432° do CPP.
3ª A alínea b) do artigo 432° do CPP tem de ser interpretada em equilíbrio
sistémico com o artigo 400°, nº 1, alínea c) do CPP.
4ª A norma da alínea e) do nº 1 do artigo 400°, quando se refere a decisões
proferidas, em recurso, pelas relações, que não tenham posto termo à causa, quer
significar que a competência em razão da hierarquia para proferir decisões que
não ponham termo à causa cabe às relações, que decidem, em matérias
interlocutórias, em última instância – quer seja decisão proferida em recurso,
quer seja por ocasião de um recurso ou por intervenção incidental directamente
deferida pela lei.
[5] No mesmo sentido decidiu, por exemplo, o acórdão de 11.04.07, proc. nº
1130/07.
[6] Constituição da República Portuguesa, Anotada, 4ª Ed., p. 516 e 418.