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Processo nº 723/07
2ª Secção
Relator: Conselheiro João Cura Mariano
Acordam, em conferência, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
Relatório
No âmbito do processo comum n.º 6/00.0 TRLSB, da 2.ª Secção, da 4ª Vara Criminal
de Lisboa, foi julgado, com intervenção de Tribunal colectivo, o arguido A. o
qual foi condenado, por acórdão proferido em 14 de Julho de 2006, pela prática,
em autoria material, de dois crimes de denúncia caluniosa, na pena de 9 meses de
prisão, por cada um, e, em cúmulo destas, na pena unitária de 1 ano de prisão,
com execução suspensa pelo período de 3 anos.
Inconformado com esta decisão, o arguido interpôs recurso para o Tribunal da
Relação de Lisboa que confirmou a decisão da 1ª instância, por acórdão de 31 de
Maio de 2007.
Desta decisão recorreu o arguido para o Tribunal Constitucional, nos seguintes
termos:
“A., «arguido» no processo em epígrafe não se conformando com o douto «acórdão»
de fls. – e sem prescindir de, em arguição autónoma, invocar a inexistência
jurídica do mesmo, bem como as respectivas nulidades insanáveis – vem dele
interpor recurso para o Tribunal Constitucional.”
Convidado a corrigir este requerimento, o arguido apresentou novo requerimento
com o seguinte conteúdo:
“– O recurso é interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC;
– As normas violadas cuja inconstitucionalidade se pretende ver declarada são:
artigos 1º, n.º 1, alínea a), 58º, n.º 2, do CPP e dos artigos 120.º, n.º 1,
alíneas b), n.ºs 2 e 3, e 121º, n.º 1, alíneas a), b), e n.ºs 2 e 3, do CP,
interpretados no sentido de que os actos processuais realizados por entidade
incompetente são susceptíveis de suspender ou de interromper a prescrição do
procedimento criminal;
– As normas que essa interpretação viola são os artigos 2.º, 3.º, n.º 3, 32.º,
n.ºs 1 e 9 da Constituição, bem como 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do
Homem e o artigo 8.º, n.º 2, da Constituição
– A questão da inconstitucionalidade foi suscitada a fls. , nas alegações de
recurso para a Relação de Lisboa.”
Foi proferida decisão sumária em 1/9/2007, de não conhecimento do recurso
interposto, com os seguintes fundamentos:
“No recurso deduzido com fundamento na alínea b), do nº 1, do artº 70º, da LTC,
pode questionar-se a constitucionalidade da interpretação duma norma contida na
decisão recorrida.
Contudo, também nessa situação, o controlo exercido pelo Tribunal
Constitucional tem natureza estritamente normativa, não sendo a decisão
judicial que é objecto de fiscalização, enquanto operação subsuntiva do caso
concreto à norma, mas sim o critério normativo utilizado para efectuar tal
operação, como resultado interpretativo duma determinada norma.
Requisito essencial para que este controlo seja efectuado é o de que a decisão
recorrida tenha assumido como sua ratio decidendi a interpretação normativa cuja
constitucionalidade se questiona.
O recorrente pretende a verificação da constitucionalidade “dos artigos 1.º,
n.º 1, alínea a), 58.º, n.º 2, do CPP e dos artigos 120.º, n.º 1, alíneas b),
n.ºs 2 e 3, e 121º, n.º 1, alíneas a), b), e n.ºs 2 e 3, do CP, interpretados no
sentido de que os actos processuais realizados por entidade incompetente são
susceptíveis de suspender ou de interromper a prescrição do procedimento
criminal”.
Ora, da leitura atenta do acórdão recorrido constata-se que o mesmo nunca
perfilhou tal interpretação, uma vez que considerou que não se verificava a
prescrição do procedimento criminal, relativamente aos crimes pelos quais o
arguido foi condenado, por ter ocorrido acto processual (constituição de
arguido) que simultaneamente interrompia e suspendia o prazo prescricional.
Tendo relevado tal acto como interruptivo e suspensivo da prescrição, o acórdão
recorrido, implicitamente, considerou que o mesmo era válido, tendo sido
praticado por entidade competente, pelo que efectuou a interpretação contrária à
apontada pelo recorrente no seu requerimento de correcção da interposição do
recurso.
Daqui se conclui que a interpretação normativa, cuja constitucionalidade o
recorrente pretendia ver apreciada, não foi perfilhada pela decisão recorrida,
pelo que não pode o Tribunal Constitucional conhecer do recurso interposto,
devendo ser proferida decisão sumária nesse sentido, nos termos do artº 78º - A,
nº 1, da LTC.”
Desta decisão reclamou o recorrente para a conferência, com os seguintes
fundamentos:
“Podendo ter escolhido exactamente o contrário, a douta prancha ora reclamada
escolheu afirmar que o «acórdão recorrido, implicitamente, considerou que» o
acto «interruptivo da prescrição era válido, tendo sido praticado pela entidade
competente, pelo que efectuou a interpretação contrária à apontada pelo
recorrente no seu requerimento de correcção da interpretação do recurso.»
Ora, esta interpretação do acórdão em pauta, segundo a qual existiu uma decisão
implícita (qualquer que fosse o sentido) é insustentável e proibida por lei –
conduzindo à era do obscurantismo e à vigência da Lei Mental, agora saída da
cabeça de cada juiz. Com efeito, em nenhum caso pode haver decisões judiciais
implícitas num Estado de direito. Todas têm de ser expressas. E mais: em
Portugal, têm de ser fundamentadas, expressamente (artigo 6.º, 1, da CEDH, 20.º,
n.º 4, 205.º, n.º 1, da CRP).
Assim, a douta prancha ora em reclamação violou o direito fundamental do
recorrente, que resulta das disposições conjugadas dos artigos 6.º, 1, da CEDH,
e dos artigos 20.º, n.º 4, 205.º, n.º 1, da CRP, de não ser penalizado por
pretensas decisões implícitas alegadamente saídas da cabeça dos juízes, à guisa
da Lei Mental.”
O Ministério Público pronunciou-se no sentido do indeferimento da reclamação
deduzida.
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Fundamentação
Pretende o recorrente que o Tribunal Constitucional verifique a
inconstitucionalidade “dos artigos 1.º, n.º 1, alínea a), 58.º, n.º 2, do CPP e
dos artigos 120.º, n.º 1, alíneas b), n.ºs 2 e 3, e 121º, n.º 1, alíneas a), b),
e n.ºs 2 e 3, do CP, interpretados no sentido de que os actos processuais
realizados por entidade incompetente são susceptíveis de suspender ou de
interromper a prescrição do procedimento criminal”.
No recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade o Tribunal só pode
apreciar a constitucionalidade de normas ou interpretações normativas que tenham
sido ratio dedidendi da decisão recorrida.
Se é verdade que o acórdão recorrido aplicou as referidas normas para considerar
o acto de interrogatório do arguido como interruptivo e suspensivo do prazo de
prescrição, já não é verdade que tenha considerado que esse acto tenha sido
realizado por entidade incompetente, pelo que a interpretação normativa cuja
apreciação se requereu não constituiu ratio decidendi da decisão recorrida.
Estando ausente este pressuposto essencial ao conhecimento do recurso de
constitucionalidade, foi correcta a decisão reclamada, pelo que deve ser
indeferida a reclamação.
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Decisão
Pelo exposto, indefere-se a reclamação deduzida por A. da decisão sumária
proferida em 1/9/2007.
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Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta,
tendo em consideração os critérios do artº 9º, do D.L. 303/98, de 7 de Outubro
(artº 6º, nº 2, do mesmo diploma).
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Lisboa, 13 de Novembro de 2007
João Cura Mariano
Mário José de Araújo Torres
Rui Manuel Moura Ramos