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Processo n.º 893/07
1ª Secção
Relator: Conselheiro Pamplona de Oliveira
ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
1.
Relatório.
A. e B. recorrem para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º
1 do artigo 70º da LTC, pretendendo impugnar o despacho proferido a fls. 352 no
Tribunal Central Administrativo Sul que lhe não admitiu o recurso que pretendiam
interpor, para o Supremo Tribunal Administrativo, do acórdão proferido naquele
Tribunal em 22 de Março de 2007.
O requerimento de interposição do recurso é o seguinte:
A. e B., recorrentes nos autos acima identificados, vêm interpor recurso para o
Tribunal Constitucional da decisão proferida nos presentes autos em relação à
qual foram notificados através do despacho de fls. 352 da inadmissibilidade do
recurso para o Supremo Tribunal Administrativo.
O presente recurso é interposto ao abrigo do artigo 70º nº 1, alínea b) da Lei
nº 28/82, de 15 de Novembro, com as alterações introduzidas pela Lei 143/85, de
26 de Novembro, pela Lei nº 85/89, de 7 de Setembro, pela Lei nº 88/95, de 1 de
Setembro, e pela Lei nº 13-A/98, de 26 de Fevereiro, com efeito suspensivo por
aplicação do artigo 78º nº 3 da supra citada lei.
A decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé não conheceu
do mérito da causa e considerou que tinha caducado o direito de acção. No mesmo
sentido está orientada a decisão proferida em sede de recurso pelo Tribunal
Central Administrativo Sul. Salvo opinião melhor fundamentada, os recorrentes
não se conformam nem partilham de tal posição, maxime, porque o prosseguimento
dos actos impugnados viola direitos constitucionalmente consagrados.
O objecto do recurso ora interposto é invocar a inconstitucionalidade e
ilegalidade do espírito que norteou a decisão proferida por entenderem os
recorrentes que:
a) As decisões proferidas pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé e pelo
Tribunal Central Administrativo Sul não se pronunciam sobre uma questão de
nulidade processual suscitada nos recursos interpostos, questão esta que se
prende com o seguinte: Os AA. e ora recorrentes foram notificados em 2 de
Fevereiro de 2006 para se pronunciarem quanto à dispensa de alegações finais
(fls. 608). Por requerimento que deu entrada em 9 de Fevereiro, os AA.
declararam que não renunciavam à apresentação de alegações escritas. Contudo, os
AA. não foram notificados para apresentarem as suas alegações, nos termos do
art. 91º, nº 4 do C.P.T.A., tendo de seguida sido notificados da douta sentença.
Ora, verificou-se in casu uma omissão de um acto prescrito na lei que, caso não
se tivesse verificado, poderia ter influenciado os termos subsequentes do
processo, conduzindo a uma decisão diferente. E legítimo que aquilo que as
partes têm a alegar na defesa dos seus interesses possa influenciar na decisão.
Regista-se por isso no caso em apreço uma nulidade, nos termos do art. 201º do
Código de Processo Civil, aplicável por via do art. 1º do C.P.T.A. A referida
nulidade tem como consequência a prevista no nº 2 do art. 201º do C.P.C., ou
seja a de considerar-se sem efeito a douta sentença proferida, recuando os
trâmites processuais ao momento em que deveriam ser notificados os AA. para
apresentarem as suas alegações.
b) O entendimento perfilhado pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé e
pelo Tribunal Central Administrativo Sul quanto às normas aplicáveis in casu
está, salvo opinião melhor fundamentada, ferido de ilegalidade na medida em que
os recorrentes invocaram a nulidade dos actos impugnados — do Despacho nº
125/2001 de 27/11/2001 emitido pelo Presidente da Câmara de Tavira e do aviso de
cobrança — e a nulidade é invocável a todo o tempo, nos termos do artigo 58º nº
1 do CPTA. Contudo, salvo o devido respeito, o Tribunal Administrativo e Fiscal
e o Tribunal Central Administrativo Sul ignoraram o espírito desta norma e
entenderam ainda assim que se verificava a caducidade do direito de acção. Além
do mais, os recorrentes invocaram, caso não se entendesse pela nulidade, a
anulação do aviso de cobrança de 12/04/2006. Ora, o prazo para pedir a anulação
é de três meses (artigo 58º, nº 2 do CPTA) e os recorrentes fizeram tal
invocação em tempo. Assim, sendo, uma vez que a impugnação tem por objecto a
anulação ou a declaração de nulidade (artigo 50º nº 1 do CPTA) é necessário
inicialmente apreciar se um acto é nulo ou anulável para depois aferir qual o
prazo para a impugnação. Todavia, o Tribunal Administrativo e Fiscal e o
Tribunal Central Administrativo Sul partilham a posição de que os recorrentes
não dispunham já do direito de acção por via da caducidade e que dispunham de um
prazo de três meses a contar da notificação do Despacho nº 125/2001 para
solicitar a anulação do mesmo. Salvo o devido respeito, não foram apreciados os
pedidos nos seus precisos termos e com base nos prazos previstos na lei. Por um
lado, foi ignorada a invocação de nulidade do Despacho nº 125/2001 e não foi
considerado que era possível impugnar em separado o aviso de cobrança, o qual
estava em tempo de ser declarado nulo ou anulável. Para o Tribunal
Administrativo e Fiscal e para o Tribunal Central Administrativo Sul o aviso de
cobrança não foi considerado como um acto aparte, mas sim como sendo decorrente
do Despacho nº 125/2001. Não foi considerado o disposto no artigo nº 51º nº 3 do
CPTA que estabelece que ainda que os recorrentes não tivessem impugnado o
Despacho nº 125/2001 isso não impediria que fosse impugnado o aviso de cobrança
de 11.342,13€. Como tal, e salvo melhor entendimento, tais invocações foram
objecto de apreciação que não vai de encontro ao espírito da lei e caso houvesse
lugar a uma apreciação pautada pela legalidade poderia ter havido lugar ao
conhecimento do mérito da causa.
c) O não conhecimento do mérito da causa e a supra referida interpretação não
conforme às mencionadas disposições legais tem como consequência a prática de
actos que violam direitos constitucionalmente consagrados, a saber:
Artigo nº 20º nºs. 1 — primeira parte — e 4 da Constituição da República
Portuguesa (os recorrentes têm visto negadas as decisões sobre o mérito da causa
e as invocações legais que têm feito não têm sido apreciadas nos seus precisos
termos. Além do mais, a primeira providência cautelar interposta na pendência da
presente acção — 193/05.0BELLE — foi objecto de sentença também sem conhecimento
do mérito da causa quando já se mostrava em muito ultrapassado o prazo que a lei
estabelece para decisão das providências cautelares);
- Artigo 21º da CRP – os recorrentes têm vindo a resistir legitimamente a uma
decisão da Câmara Municipal de Tavira que ofende os seus direitos;
- Artigo 22º da CRP – as decisões anteriormente proferidas nos presentes autos
não conheceram do mérito da causa e por isso não aplicaram o espírito deste
artigo, uma vez que há in casu responsabilidade da recorrida por ter praticado
actos que resultam na violação dos direitos, liberdades e garantias dos
recorrentes, além de causarem sérios prejuízos a estes;
- 58º nº 1 da CRP – todos têm direito ao trabalho e os meios que permitiam aos
recorrentes exercer a sua actividade foram destruídos;
- 62º da CRP – está em causa a garantia do direito à propriedade privada;
- 65º da CRP – o direito à habitação é um direito fundamental que a Ré e ora
recorrida desrespeitou e continua a desrespeitar com a pendência do acto ora
impugnado (A decisão nos presentes autos ainda não tinha transitado em julgado e
no dia 11 do corrente mês de Julho de 2007 a recorrida emitiu um ofício que
enviou aos recorrentes informando que no dia 25 deste mesmo mês prosseguiriam os
actos de limpeza e demolição, os quais na prática farão ruir pelo menos em parte
a habitação dos recorrentes, onde residem também duas crianças netas dos
recorrentes);
- Artigo 72º nº 1 da CRP – as pessoas idosas como é o caso dos recorrentes que
nasceram ambos em 1937, têm direito à segurança económica e condições de
habitação e convívio familiar. Salvo opinião melhor fundamentada, todos esses
direitos lhes estão a ser negados com os actos impugnados nos presentes autos.
A interpretação dada aos referidos preceitos fundamenta a decisão em crise, cuja
constitucionalidade e legalidade se requer que seja apreciada, tendo sido
suscitada esta questão aquando:
a) da interposição da acção (os artigos 63º a 70º da p.i. indicam que “os
trabalhos de limpeza levados a cabo pela autarquia na sequência do despacho nº
125/2001 consubstanciam um acto nulo nos termos do artigo 133º. 2, d) do Código
de Procedimento Administrativo por ofenderem direitos fundamentais”)
b) da interposição de recurso para o Tribunal Central Administrativo Sul;
da interposição de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo;
d) (e também aquando da interposição de recurso para o Tribunal Central
Administrativo Sul da decisão sobre o processo cautelar nº 193/05.0BELLE que
corre na pendência da presente acção).
A pretensão foi liminarmente indeferida, no Tribunal Constitucional, através do
decisão sumária do seguinte teor:
Pretendem os recorrentes impugnar o despacho proferido a fls. 352 no Tribunal
Central Administrativo Sul, invocando 'a inconstitucionalidade e ilegalidade do
espírito que norteou a decisão proferida'.
O recurso é interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei
28/82 de 15 de Novembro. No entanto, tal recurso só admissível quando tem por
objecto normas jurídicas, e não, como no caso acontece, quando visa sindicar
directamente a decisão recorrida. Na verdade, ao permitir o recurso de decisões
dos tribunais 'que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada
durante o processo', o dito preceito legal sublinha o carácter normativo do
recurso, ficando assim excluída a possibilidade de, através dele, se analisar a
conformidade constitucional das decisões jurisdicionais.
Com este fundamento, se rejeita liminarmente o recurso.
Inconformados, os recorrentes reclamam contra esta decisão sumária, nos termos
do n.º 3 do artigo 78º-A da LTC, dizendo:
A. e B., recorrentes nos autos acima identificados, tendo sido notificados da
decisão sumária proferida nos presentes autos, vêm, nos termos do disposto no nº
3 do artigo 78º-A da Lei do Tribunal Constitucional, reclamar para a
conferência, porquanto:
Quando os recorrentes e ora reclamantes invocam “a inconstitucionalidade e
ilegalidade do espírito que norteou a decisão proferida” não pretendem em
primeira linha “sindicar directamente a decisão recorrida”, mas sim a aplicação
de determinadas normas ao caso concreto.
Afigura-se aos recorrentes, salvo melhor entendimento, que quando a lei permite
o recurso de decisões dos tribunais ‘que apliquem norma cuja
inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo” não pretenderá o
legislador que os recorrentes venham invocar a inconstitucionalidade ou a
ilegalidade de determinadas normas jurídicas à luz do todo o ordenamento
jurídico nacional ou à luz da Constituição da República Portuguesa completamente
isoladas de uma efectiva aplicação num caso concreto.
Assim, in casu, os recorrentes não vêm por em causa abstractamente a
inconstitucionalidade ou a ilegalidade das normas aplicadas pelo tribunal a quo,
mas também não pretendem atacar a decisão mas sim a forma inconstitucional e
ilegal como consideram que as normas foram aplicadas ao caso concreto. Ou seja,
a aplicação das normas invocadas no recurso da forma como foram invocadas e
interpretadas levaram a orientar o desfecho do presente processo de uma forma
inconstitucional e ilegal. É este, salvo opinião melhor fundamentada, o
entendimento dos recorrentes.
O que os ora reclamantes suscitaram durante o processo, nos termos da alínea b)
do nº 1 do artigo 70.º da Lei 28/82 de 15 de Novembro foi a
inconstitucionalidade e ilegalidade das normas jurídicas invocadas no âmbito da
sua aplicação ao caso concreto, pela escolha, oportunidade, forma e
interpretação com que foram invocadas e serviram de fundamento à decisão.
Mais concretamente, sempre se dirá que, o Tribunal Central Administrativo Sul,
ao confirmar a orientação do tribunal de primeira instância, que aplicou as
invocadas normas para fundamentar a sua decisão de não decidir, aplicou-as de
forma inconstitucional e ilegal, colidindo com direitos constitucionalmente
consagrados (incluindo o direito à habitação do qual os recorrentes vão deixar
de beneficiar com a rejeição do presente recurso) que foram mencionados durante
o processo quando foi suscitada a inconstitucionalidade e ilegalidade da
aplicação de tais normas no caso concreto. E o que está em causa no recurso
interposto é precisamente a aplicação normativa e não “a conformidade
constitucional das decisões jurisdicionais”.
Nestes termos, o recurso não deverá ser liminarmente rejeitado.
Caso assim não se entenda,
A decisão sumária foi proferida nos termos do n.º 1 do artigo 78º-A da LTC. Ora,
nos termos do nº 2 do mesmo artigo, o disposto no nº 1 só se aplica se o
recorrente for notificado nos termos do nº 5 ou nº 6 do artigo 75º-A do mesmo
diploma, o que não sucedeu in casu.
Pelo exposto, os recorrentes requerem que a decisão sumária proferida não
produza efeitos e que seja o recorrente previamente notificado nos termos do nº
5 do artigo 75º-A da LTC.
2.
Fundamentos.
Contestam, em suma, a decisão reclamada com dois fundamentos: o primeiro
pretende responder ao argumento de que através deste recurso se visaria afinal
sindicar directamente a decisão recorrida; o segundo fundamento tem raiz
processual, entendendo os reclamantes que só é admissível a emissão de decisão
sumária de não conhecimento do recurso 'se o recorrente for notificado nos
termos do nº 5 ou nº 6 do artigo 75º-A do mesmo diploma, o que não sucedeu in
casu.'
Mas não têm razão.
Na verdade, quanto ao primeiro fundamento, bastará atentar na circunstância de
que nem sequer na presente reclamação os recorrentes logram definir a norma que
pretendem impugnar ou, pelo menos, identificar o preceito legal em que a mesma
se contem, antes insistindo na afirmação de que visam contestar a forma como
foram interpretadas normas jurídicas que 'levaram a orientar o desfecho do
presente processo de uma forma inconstitucional e ilegal'. Tal improfícua
afirmação, porque desacompanhada de qualquer menção atinente à identificação das
normas acusadas de desconformidade constitucional, corresponde, afinal, à
conclusão já detectada na decisão em reclamação: a de que, ao contrário do que
impõem os artigos 70º n.º 1 alínea b) e 75º-A n.º 1 da LTC, o recurso não tem
por objecto normas jurídicas, visando sindicar directamente a decisão recorrida
– embora sob o prisma da sua alegada desconformidade constitucional.
Quanto ao segundo fundamento, cumpre fazer notar que o convite ao
aperfeiçoamento previsto no n.º 5 do artigo 75º-A da LTC permite efectivamente
conferir ao recorrente oportunidade para reparar das irregularidades formais de
que padeça o seu requerimento de interposição do recurso. Todavia, este convite,
destinando-se a colmatar deficiências de forma do requerimento de interposição,
não visa fazer superar a inverificação dos pressupostos a que deve obedecer a
interposição do recurso, pelo que se não justifica sempre que, como no caso
acontece, é patente que não ocorrem os pressupostos legais de admissão do
recurso, designadamente por a decisão recorrida não ser, sequer, uma decisão
definitiva.
3.
Decisão.
Em face do exposto, decide-se indeferir a reclamação mantendo a decisão sumária
de não conhecimento do recurso.
Custas pelos reclamantes, fixando-se a taxa de justiça em 25 UC.
Lisboa, 14 de Novembro de 2007
Carlos Pamplona de Oliveira
Maria João Antunes
Gil Galvão