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Processo n.º 735/06
1ª Secção
Relator: Conselheiro Pamplona de Oliveira
ACORDAM NO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
1.
A. propôs no Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu providência cautelar a
pedir a suspensão da eficácia do despacho de 10 de Janeiro de 2005 do Ministro
da Educação que, em suma, lhe confirmou a aplicação da pena disciplinar de
inactividade por um ano inicialmente determinada por despacho de 16 de Agosto de
2004 da autoria da Directora Regional de Educação do Centro.
O pedido improcedeu por sentença de 23 de Novembro de 2005, com fundamento na
não verificação dos requisitos previstos nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo
120º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
O interessado recorreu da sentença para o Tribunal Central Administrativo Norte
mediante a alegação de erros de julgamento e invocou a inconstitucionalidade do
n.º 2 do artigo 50º do citado Código de Processo.
Por acórdão de 18 de Maio de 2006 o Tribunal Central Administrativo Norte negou
provimento ao recurso e confirmou a sentença recorrida.
Na parte que agora interessa salientar, ponderou:
«[...] Dispõe o art. 120º do CPTA, sob a epígrafe — Critérios de decisão — que:
1- Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, as providências cautelares
são adoptadas:
a) Quando seja evidente a procedência da pretensão formulada ou a formular no
processo principal, designadamente por estar em causa a impugnação de acto
manifestamente ilegal, de acto de aplicação de norma já anteriormente anulada ou
de acto idêntico a outro já anteriormente anulado ou declarado nulo ou
inexistente;
b) Quando estando em causa a adopção de uma providência conservatória, haja
fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção
de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa
assegurar no processo principal e não seja manifesta a falta de fundamento da
pretensão formulada ou a formular nesse processo ou a existência de
circunstâncias que obstem ao seu conhecimento de mérito.
Dispõe o art. 50º, n. º 2 do CPTA que, sem prejuízo das demais situações
previstas na lei, a impugnação de um acto administrativo suspende a eficácia
desse acto quando esteja apenas em causa o pagamento de uma quantia certa, sem
natureza sancionatória, e tenha sido prestada garantia por qualquer das formas
previstas na lei Tributária.
Entende o recorrente que esta norma ao não permitir a suspensão automática ex
lege das penas disciplinares logo que impugnado judicialmente o acto
administrativo que as aplica é materialmente inconstitucional por violação do
princípio da presunção da inocência e da tutela judicial efectiva.
A questão que o recorrente coloca face a este art. 50º, n.º 2 não é enquadrável
no disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 120º do CPTA.
Efectivamente o recorrente coloca a tónica no facto de esta norma processual ser
materialmente inconstitucional por impedir que a pena disciplinar aplicada no
seguimento de um processo disciplinar fique automaticamente suspensa pelo mero
facto de ser judicialmente impugnado o acto administrativo que a aplicou.
Ora, a alínea a) do n.º 1 de art. 120º do CPTA só autoriza a deferir
automaticamente a providência cautelar quando seja evidente a procedência da
pretensão do interessado, isto é, quando seja evidente que o direito que ele
exerce no processo principal será inexoravelmente reconhecido por decisão
judicial.
Ora, o facto de o acto impugnado não ficar automaticamente suspenso nos seus
efeitos pela mera propositura do meio processual impugnatório adequado não
contende, em momento algum, com o mérito da pretensão a formular nesse processo,
trata-se de questão colateral alheia ao conteúdo do acto administrativo
impugnado e bem assim alheia aos meios de defesa que o interessado apresenta
contra o acto.
De facto, tal suspensão de eficácia do acto não teria nunca a virtualidade de se
vir a repercutir em termos de reconhecimento ou não dos interesses do
interessado, mas limitar-se-á a postergar para momento posterior a execução da
pena disciplinar, sem em nada a alterar.
De todos os modos, com os presentes autos o recorrente já obtém o efeito que
pretenderia obter com tal norma, se a mesma o permitisse, uma vez que já está
legalmente estabelecida no art. 128º do CPTA a proibição de executar o acto
administrativo.
Parece, pois, que a arguição de tal inconstitucionalidade material deveria ter
sido feita no processo principal e não neste já que, tratando-se de questão que
não contende com a validade do acto não pode, nem deve, ser apreciada ao abrigo
da alínea a) do n.º 1 do art. 120º do CPTA.
Quanto ao terceiro vício imputado à sentença recorrida desde já se dirá que a
exemplo do anterior também não procede.
De facto o fumus boni iuris de máxima intensidade a que se refere aquela alínea
a) do n.º 1 do art. 120º não se basta com meras presunções, traduz-se numa
certeza da procedência do processo principal, desde logo evidenciada pelos
exemplos referidos na própria norma.
A presunção de inocência a que o recorrente faz apelo, para se deferir a
providência cautelar que intentou ao abrigo da alínea a) já referida, como já
atrás se disse, não basta para que o juiz possa considerar a sua pretensão
formulada no processo principal manifestamente procedente. Trata-se precisamente
de uma mera presunção que, se obriga a considerar o agente inocente até ser
condenado por decisão transitada em julgado, por outro lado não permite, nem
consente, que se considere, sem mais, procedente a sua pretensão.
De facto o juiz cautelar não pode considerar manifesta a evidência da pretensão
a formular no processo principal sob pena de estar a comprometer a decisão final
nesse mesmo processo. De todos os modos, e fazendo apelo ao processo penal, como
o faz o recorrente, a presunção de inocência não impede que grande parte dos
arguidos aguardem os seus julgamentos em prisão preventiva uma vez que isso se
justifica por razões de interesse público e até por vezes do próprio arguido.
Ora no caso dos autos tal presunção de inocência não deve ser valorada ao abrigo
do disposto na alínea a), mas sim da alínea b) já referida, para efeitos de se
determinar se se verifica ou não o fundado receio da constituição de uma
situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação
para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal. E na
ponderação que deva ser feita destes interesses deverão os mesmos ser conjugados
com o interesse público em conflito nos termos do disposto no n.º 2 do mesmo
art. 120º.
Concluindo poder-se-á dizer que se a presunção de inocência faculta a valoração
dos interesses do recorrente face aos interesses públicos em presença, por outro
lado a mesma presunção de inocência não serve de argumento para que se considere
manifestamente procedente a pretensão formulada no processo principal.
Quanto ao erro de julgamento no que toca à não consideração do periculum in mora
decorrente da diminuição dos rendimentos do agregado familiar do recorrente.
Está fora de dúvida que uma diminuição do orçamento de uma família de forma
substancial, como é o caso, necessariamente que causa perturbação ao “trem de
vida” diário.
No entanto, não se poderá dizer que o agregado familiar fique completamente
desprovido de rendimentos já que lhe restam cerca de €1.300 mensais para acudir
a todas as despesas mensais.
De facto o agregado familiar tem despesas fixas de monta face aquele valor
mensal, mas isso não impede que com uma redução nas despesas variáveis não
consiga “governar” a sua vida de modo a manter uma vida condigna e satisfatória.
É preciso não esquecer que grande parte dos portugueses vive com dignidade com
quantias bem inferiores as disponíveis pelo recorrente e a sua família.
E perante esta realidade não é evidente que com tal diminuição patrimonial
mensal se venha a constituir uma situação de facto consumado ou que se venham a
verificar prejuízos de difícil reparação.
Não é assim evidente que a não suspensão dos efeitos do acto administrativo
impugnado seja de molde a criar graves prejuízos ou ainda uma situação que seja
insuportável para o recorrente e o seu agregado familiar que seja insuportável.
Por tudo o que fica exposto acordam os juízes que compõem este TCA Norte em
negar provimento ao recurso e em confirmar a decisão recorrida com os
fundamentos atrás expostos.[...]»
2.
O recorrente começou por pedir a aclaração deste acórdão, o que lhe foi
indeferido por acórdão de 29 de Junho de 2006, e, depois, recorreu para o
Tribunal Constitucional ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei n.º
28/82 de 15 de Novembro, dizendo, em suma:
[...] 12. Deste modo, e ao abrigo do disposto na alínea b) do nº 1 do art. 70 da
Lei nº 28/82, interpõe-se o presente recurso, exercendo o Venerando Tribunal
Constitucional a sua actividade cognitiva sobre os seguintes preceitos
jurídicos:
sobre o nº 2 do art. 50º do CPTA, no segmento em que determina que a impugnação
de um acto administrativo com natureza sancionatória não suspende a eficácia de
tal acto, não devendo, como tal, o Tribunal cautelar suspender automaticamente
os efeitos de tal acto quando tal lhe for requerido, o que representa uma
violação do princípio da presunção da inocência e do próprio direito fundamental
à tutela judicial efectiva, consagrados nos art.s 32º/2 e 268º/4 da
Constituição;
sobre a alínea a) do nº 1 do art. 120º do CPTA, quando interpretada no sentido
de sentido de que o juiz cautelar não tem de considerar, para efeitos de decisão
da providência cautelar, a acção principal manifestamente procedente quando, por
força do princípio da presunção da inocência, não pode deixar de presumir que os
factos imputados não ocorreram — o que representa uma violação do princípio da
presunção da inocência consagrado no nº 2 do art. 32º da Lei Fundamental
sobre a alínea b) do nº 1 do art. 120º do CPTA, quando interpretada no sentido
de que não constitui prejuízo de difícil reparação passar-se a dispor apenas de
300 euros mensais para assegurar o sustento de quatro pessoas, o que representa
uma ofensa inadmissível do princípio da dignidade humana por violação do
princípio da dignidade da pessoa humana e do direito a um mínimo de
sobrevivência, consagrado no art. 1º da Constituição.
O recurso foi admitido e, na sua alegação, o recorrente concluiu:
1ª Ao determinar que a impugnação de um acto administrativo com natureza
sancionatória não suspende a eficácia de tal acto, o nº 2 do art. 50º do CPTA é
materialmente inconstitucional por violação dos princípios constitucionais da
presunção da inocência e da tutela judicial efectiva, consagrados nos art.s
32º/2 e 268º/4 da Constituição.
2ª A alínea a) do nº 1 do art. 120º do CPTA, quando interpretada no sentido de
sentido de que o juiz cautelar não tem de considerar, para efeitos de decisão da
providência cautelar, a acção principal manifestamente procedente quando não
estejam ou não tenham sido dados por provados, inclusive pelo próprio juiz
cautelar, os factos imputados ao arguido, é materialmente inconstitucional por
violação do princípio da presunção da inocência, transformando esta presunção
numa presunção de culpabilidade e procedendo a uma intolerável inversão do ónus
da prova.
3ª A alínea b) do nº 1 do art. 120º do CPTA, quando interpretada no sentido de
que não constitui prejuízo de difícil reparação para efeitos de concessão de
tutela cautelar passar-se a dispor apenas de 300 euros mensais para assegurar o
sustento de quatro pessoas, é materialmente inconstitucional por violação do
princípio da dignidade da pessoa humana e do direito a um mínimo de
sobrevivência, consagrado no art. 1º da Constituição.
Nestes termos,
Deve ser concedido provimento ao presente recurso e declarar-se a
inconstitucionalidade das normas submetidas à apreciação deste douto Tribunal ou
da interpretação delas efectuada pelo Tribunal Central Administrativo.
A entidade recorrida contra-alegou, sustentando o seguinte:
A) O artigo 50.º/2 do CPTA ao consagrar a regra do efeito «meramente devolutivo»
quando se trate de impugnação de um acto administrativo com natureza
sancionatória não enferma de inconstitucionalidade por violação do princípio da
presunção de inocência do arguido nem restringe o direito à tutela jurisdicional
efectiva, revelando-se conforme aos parâmetros constitucionais do acesso à
justiça administrativa, não se descortinando uma restrição à garantia do recurso
contencioso, pois o interessado não fica impedido, de modo injustificado, de
obter protecção para os seus direitos e interesses legalmente protegidos.
B) O instituto da suspensão da eficácia adequa-se perfeitamente ao justo
equilíbrio entre os princípios constitucionais do direito à tutela jurisdicional
efectiva de que devem gozar os administrados e da presunção da prossecução do
interesse público que incumbe à Administração, resultante da autoridade própria
das decisões administrativas.
C) A interpretação e aplicação feitas pelo douto Acórdão recorrido das normas
previstas nas alíneas a) e b) do n.º1 do artigo 120º do CPTA à situação em
apreço (providência cautelar de suspensão da eficácia do acto administrativo de
10/01/2005, de Sua Excelência a Ministra da Educação) não violam os princípios
da presunção de inocência do arguido e da dignidade da pessoa humana,
consagrados, respectivamente, nos artigos 32º/2 e 1.º da Constituição.
D) A alegada inconstitucionalidade do artigo 50º/2 do CPTA, suscitada pelo
recorrente, não constitui o objecto deste recurso.
E) As restantes “inconstitucionalidades” relacionadas com as normas vertidas nas
alíneas a) e b) do nº1 do artigo 120º do CPTA, não passam de meras
interpretações, sem significado, para o objecto do presente recurso,
destinando-se unicamente a atacar a decisão recorrida.
F) As “inconstitucionalidades” ou “interpretações” trazidas pelo recorrente não
podem ser objecto de recurso constitucional, como o Venerando Tribunal
Constitucional, uniformemente, vem decidindo.
Termos em que,
deve ser negado provimento ao presente recurso, confirmando-se a douta sentença
recorrida, como é de inteira JUSTIÇA.
3.
Ao recorrente foi dada oportunidade para responder às questões levantadas pela
entidade recorrida, nesta peça, mas nada disse.
Importa decidir, começando naturalmente pelas questões suscitadas com carácter
prévio que, a procederem, impedem que o Tribunal conheça do objecto do recurso.
O recorrente definiu, como objecto do seu recurso:
– o n.º 2 do artigo 50º do Código de Processo dos Tribunais Administrativos, 'no
segmento em que determina que a impugnação de um acto administrativo com
natureza sancionatória não suspende a eficácia de tal acto, não devendo, como
tal, o Tribunal cautelar suspender automaticamente os efeitos de tal acto quando
tal lhe for requerido;
– a alínea a) do n.º 1 do artigo 120º do mesmo Código 'interpretada no sentido
de que o juiz cautelar não tem de considerar, para efeitos de decisão da
providência cautelar, a acção principal manifestamente procedente quando, por
força do princípio da presunção da inocência, não pode deixar de presumir que os
factos imputados não ocorreram;
– a alínea b) do n.º 1 do mesmo artigo 120º 'interpretada no sentido de que não
constitui prejuízo de difícil reparação passar-se a dispor apenas de 300 euros
mensais para assegurar o sustento de quatro pessoas'.
Ora, tendo em conta que o presente recurso, interposto ao abrigo da alínea b) do
n.º 1 do artigo 70º da LTC, tem carácter normativo, nele só cabendo a impugnação
de normas jurídicas efectivamente aplicadas na decisão do tribunal recorrido,
importa desde já excluir da nossa análise o problema da conformidade
constitucional da norma do n.º 2 do artigo 50º do Código de Processo dos
Tribunais Administrativos, que não foi manifestamente aplicado no aresto sob
recurso. De facto, o Tribunal recorrido entendeu – porque o recorrente
pretendia, no recurso interposto, beneficiar desse regime – que a previsão
legal, isto é, o alcance normativo do aludido preceito, se reporta a uma outra
situação que não a contemplada nos autos, sendo aqui inaplicável.
Não foi, portanto, aplicada e, por essa razão, não pode integrar o objecto do
presente recurso, qualquer norma extraída do mencionado n.º 2 do artigo 50º do
Código de Processo dos Tribunais Administrativos.
Quanto às duas 'normas' restantes, a solução é idêntica, mas por razões
diferentes; é que, ao pretender sindicar aplicações do preceito na dimensão
concreta do julgamento efectuado, o recorrente não está verdadeiramente a
impugnar um comando jurídico genérico, mas a pretender obter uma avaliação
directa da decisão recorrida, mediante a impugnação do juízo nela contido.
Com efeito, pedir através deste recurso ao Tribunal Constitucional que imponha
ao tribunal recorrido um julgamento de que o juiz considere a acção principal
manifestamente procedente, ou que constitui prejuízo de difícil reparação
passar-se a dispor apenas de 300 euros mensais para assegurar o sustento de
quatro pessoas, é solicitar ao Tribunal uma análise directa da decisão recorrida
através da invocação de questões nas quais se não distingue natureza normativa e
que, portanto, se situam claramente fora do âmbito do recurso de que tratamos.
4.
Em suma, pelas razões expostas o Tribunal decide não conhecer do recurso.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 12 UC.
Lisboa, 26 de Setembro de 2007
Carlos Pamplona de Oliveira
Maria João Antunes
José Borges Soeiro
Gil Galvão
Rui Manuel Moura Ramos