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Processo n.º 726/07
1.ª Secção
Relator: Conselheiro José Borges Soeiro
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
I – Relatório
A. foi condenado, na 2.ª Vara Criminal de Lisboa como autor material, em
concurso real, de cinco crimes de abuso sexual de crianças, previstos e puníveis
pelo artigo 172.º, n.º 2 do Código Penal, na pena conjunta de 7 anos e 6 meses
de prisão, bem como na pena acessória de expulsão do território nacional por 10
anos.
O arguido interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, visando o
reexame da matéria de facto e da matéria de direito, tendo esta instância
decidido, no parcial provimento da impugnação, revogar o acórdão recorrido no
segmento em que decretou a expulsão do arguido do território nacional,
confirmando-o quanto ao mais.
Recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça, tendo proferido as seguintes
conclusões na sua motivação de recurso:
“1. Foi o ora recorrente notificado para reformulação das alegações apresentadas
em tempo, o que fez. Ora, a partir do momento que é junta a procuração a
advogado escolhido pelo arguido, diz a lei e a CRP que cessa imediatamente a
nomeação mandatária oficiosa. O tribunal recorrido decidiu, em violação do texto
constitucional, recusar o documento subscrito por advogado devidamente mandatado
e com procuração junta aos autos, devendo ser considerada inconstitucional a
interpretação do n.º 2 do artigo 39.º do CPC diversa desta que permite, desde a
constituição do mandato, e apenas a este, o exercício da sua representação e
defesa.
2. Sendo que nem há prova de sangue; esperma ou outra que incrimine o
recorrente. Não o tendo feito, e porque o devia fazer, deve, de imediato,
restituir-se o recorrente à liberdade sob pena de violação do artigo 32º, da
CRP. A douta sentença agora confirmada, pelo douto acórdão recorrido diz que se
provou que houve violação de uma menina de oito anos; que esta violação terá
ocorrido reiteradamente; mas que ninguém viu as violações; que não existem
provas materiais ou testemunhais; e que estas violações só foram conhecidas
passados anos depois, sem prova material o que implica a aplicação do princípio
in dubio pro reo.
3. Impunha o bom senso que o tribunal recorrido revogasse esta medida tão
absurda e devolvesse à liberdade o recorrente, repetindo o julgamento, o que não
fez nem fundamentou, até porque a notificação foi feita para casa da ofendida.
4. Impõe a CRP a igual posição de todos os cidadãos em matéria de direito e
deveres, assim como a proibição de arbítrio, coisa que em nosso entender foi
completamente escamoteada pelo tribunal de primeira instância e ignorado pelo
tribunal recorrido. Aliás, nada foi dito ou justificado para realizar um
julgamento sem as garantias mínimas do arguido; nem para o manter preso até
agora e muito menos para recusar as alegações do advogado por si escolhidos, o
que para além de ilegal é inconstitucional.
5. Para além de normas e princípios constitucionais violados de modo expresso
foi ainda violado o princípio do contraditório e do in dubio pro reo. Se
condenar sem prova é grave; não é o mesmo que condenar numa multa de trânsito,
condenar por violação de uma menina de oito anos! A lei e a CRP, a experiência
comum, o bom-senso, aconselhavam a que as garantias constitucionais fossem
religiosamente salvaguardadas. Mas não foram, o que se impõe corrigir.
6. A douta sentença ainda não transitou em julgado; foi interposto recurso que
tem, nos termos da lei, efeito suspensivo. Esta douta sentença foi colocada em
crise através de recurso ordinário; enquanto não transitar a aliás douta
sentença, e porque não foi ordenada a prisão preventiva, a prisão é ilegal, e
viola a CRP!
7. O princípio do contraditório foi violado; e o princípio da presunção de
inocência foi também violado! A pressa na justiça, em particular em matéria tão
delicada é má conselheira e em geral dá disparate. A ansiedade em realizar a
justiça também não leva a resultados que determinem a confiança nessa mesma
justiça.
8. Pelo que a nulidade do julgamento implica a sua repetição e imediata
restituição do recorrente à liberdade e termo de identidade e residência. Nos
termos do artigo 122.º, n.º 1 do CPP, as nulidades tornam inválido o acto em que
se verificam e a declaração da sua existência e procedência determinam quais os
actos que passam a considerar-se inválidos, ordenando-se a sua repetição artigo
122º, n.º 2). O douto acórdão recorrido ainda assim decidiu julgar e condenar
com base em tais contradições e ilegalidades suscitadas, o que viola a lei e a
CRP.
9. De acordo com Ac. do STJ de 21/03/1990, processo n.º 40639; “A
individualização da pena far-se-á essencialmente em função da culpa e da
ilicitude, das motivações do crime, das exigência de prevenção e demais
circunstâncias que deponham a favor ou contra o agente”; e de acordo com o Ac.
do STJ de 15/11/1989 BMJ n.º 391, 239: “No doseamento das penas, deverá
atender-se, entre outra às seguintes circunstâncias: grau de ilicitude,
gravidade das consequências, intensidade do dolo, sentimentos manifestados na
preparação dos crimes, fins que os determinaram, situação económica e conduta
posterior aos factos”, o que, salvo o devido respeito não foi feito e podia e
devia ser feito.
[…]”
No Acórdão referido decidiu-se, nomeadamente, que:
“Do exame da motivação de recurso resulta que o arguido A., sob a epígrafe de
questão prévia, ali alega haver sido violado o seu direito de defesa, bem como o
princípio da igualdade constitucionalmente consagrado, porquanto, tendo sido
convidado a aperfeiçoar as conclusões da motivação por si apresentada
respeitante ao recurso interposto do acórdão de 1a instância, o Tribunal da
Relação não aceitou a motivação/conclusões que o seu mandatário entretanto
constituído apresentou, o que fez em detrimento das alegações apresentadas pela
defensora oficiosa.
Da análise dos autos resulta que o Exm.º Desembargador relator, face à falta
(ausência total) de conclusões da referida motivação de recurso, convidou o
arguido a formulá-las.
Em data posterior, foi junta aos autos procuração passada pelo arguido
constituindo mandatário judicial, mandatário que, com data de 28 de Novembro de
2006, apresentou nova motivação de recurso. Entretanto, com data de 27 de
Novembro de 2006, a defensora oficiosa fez juntar ao processo articulado no qual
reproduziu a motivação já apresentada e formulou conclusões.
Perante o incidente assim surgido foi proferida decisão que não aceitou a
motivação de recurso apresentada pelo mandatário do arguido, com o fundamento de
que após o suprimento da falta de conclusões pela Exm. ª Defensora do arguido...
ficou precludido o direito de apresentar novas conclusões.
Notificada esta decisão ao arguido, na pessoa do seu mandatário, certo é que
nada foi dito ou requerido, razão pela qual a mesma há muito que transitou em
julgado.
Deste modo, face à exceptio judicati formada, obviamente que estamos impedidos
de nos pronunciarmos sobre a questão prévia suscitada pelo arguido, impedimento
que também decorre da circunstância de aquela questão ser estranha à 1ª decisão
ora impugnada, isto é, não se trata de questão apreciada ou sequer abordada no
acórdão recorrido, antes de questão apreciada e decidida em momento anterior à
sua prolação.
Há pois que rejeitar o recurso nesta parte – artigos 420º, n.º 1 e 414º, n.º 2.
Situação análoga se verifica relativamente à questão que o arguido argúi da
ilegalidade da medida de coacção de prisão preventiva a que se encontra
submetido, o que é patente.
Com efeito, não só se trata de matéria que extravasa o âmbito e o conteúdo do
acórdão recorrido, como se trata de matéria decidida há muito, com a qual o
arguido se conformou e que só com o recurso da decisão final suscitou.
E o mesmo sucede no que tange à questão que o arguido ora pretende ver sindicada
atinente à pena que lhe foi aplicada.
É que o arguido só no recurso ora interposto para este Supremo Tribunal pôs em
causa a medida concreta das penas, parcelares e conjunta, razão pela qual o
Tribunal da Relação não se pronunciou sobre aquela questão, a significar que o
recurso deve ser rejeitado, também, nesta parte.
No que concerne à invocada nulidade do julgamento, face à sua efectuação na
ausência do arguido e sem que para o mesmo houvesse sido convocado, situação que
aquele entende violar o princípio do contraditório, implicando a repetição da
audiência, cumpre consignar que o Tribunal da Relação de Lisboa pronunciou-se
expressamente sobre tal matéria, a qual foi submetida à sua apreciação pelo
arguido, tendo sido exarado no respectivo acórdão:
«Regressando à marcha do processo destaca-se:
- que o arguido prestou TIR, indicando morada para passar a receber as
notificações;
- que o arguido ausentou-se dessa morada, não indicando nenhuma outra ao
tribunal onde pudesse ser encontrado;
- que o arguido foi notificado da acusação;
- que o tribunal realizou o julgamento na ausência do arguido, tendo procedido à
sua notificação, em conformidade tendo ordenado a realização de várias
diligências com vista à detenção do arguido para comparência nas diversas
sessões da audiência de discussão e julgamento;
- que o arguido esteve sempre representado por defensor oficioso, que não
requereu a audição do arguido em nenhuma das sessões designadas para a audiência
de julgamento.
A audiência de julgamento ‘na ausência do arguido regularmente notificado’
obedeceu pois, estritamente, ao ritual, pressupostos e condicionalismos
legalmente determinados, não enfermando, por isso, de ‘nulidade’ (designadamente
a “nulidade insanável” cominada pelo artigo 119º, alin. c) do CPP para a
‘ausência do arguido nos casos em que a lei exigir e, no caso, não exigia a
respectiva comparência’), pelo que não subiste qualquer razão quanto à pugnada
repetição do julgamento.»
Como este Supremo Tribunal vem afirmando em diversos acórdãos, a lei adjectiva
penal ao estabelecer na alínea c) do n.º 1 do artigo 400º a inadmissibilidade de
recurso relativamente a acórdãos proferidos, em recurso, pelas Relações, que não
ponham termo à causa, abrange todas estas decisões (processualmente denominadas
de interlocutórias), independentemente da forma como o respectivo recurso é
processado e julgado pela Relação, isto é, quer o recurso seja autónomo ou
inserido em impugnação da decisão final.
Com efeito, a circunstância de certa e determinada decisão, que não ponha termo
à causa, não haver sido impugnada autonomamente, antes em conjunto com a
sentença, acórdão ou decisão final, não tem a virtualidade de alterar o regime
previsto na alínea e) do n.º 1 do artigo 400º, já que a lei não estabelece ali
qualquer distinção, estabelecendo a irrecorribilidade, tout court, de todas as
decisões proferidas, em recurso, pela Relação, que não ponham termo à causa.
Deste modo, certo é serem irrecorríveis todas aquelas decisões.
É evidente que a decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa sobre a
invocada nulidade do julgamento não pôs termo à causa.
Assim sendo, é a mesma irrecorrível e, como tal, deve o recurso na parte em que
a impugna ser rejeitado – artigos 420º, n.º 1 e 414º, n.º 2.
Finalmente, pretende o arguido que este Supremo Tribunal sindique a matéria de
facto, sob a alegação de que foi condenado sem provas, com violação dos
princípios da presunção de inocência e do in dubio pro reo, posto que inexiste
nos autos a mínima prova documental, decorrente de exame ou testemunhal.
Os poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça circunscrevem-se ao
reexame da matéria de direito, designadamente em recurso de decisões proferidas
pelas Relações – artigos 432º, alínea b) e 434º.
Daqui resulta, obviamente, estar vedado a este Supremo Tribunal o reexame da
matéria de facto, o que significa que a decisão proferida pelo Tribunal da
Relação sobre aquela matéria se tornou definitiva, sendo pois irrecorrível.
Assim sendo, há também que rejeitar o recurso no segmento em que o arguido
pretende se proceda ao reexame da matéria de facto – artigos 420º, n.º 1 e 414º,
n.º2.
Relativamente à invocação segundo a qual as instâncias incorreram na violação
dos princípios da presunção de inocência e do in dubio pro reo, posto que o
condenaram sem provas, cumpre consignar que o princípio da presunção de
inocência, como garantia subjectiva de matriz constitucional, constitui a
dimensão jurídico-processual do princípio jurídico-material da culpa concreta
com suporte axiológico-normativo da pena’, traduzindo-se na absoluta proibição
de inversão do ónus da prova ou de juízos de pré-culpabilidade, com antecipação
da condenação, bem como no direito do arguido a exigir a individualização
concreta dos factos imputados – única forma de se poder defender – e a prova da
sua culpabilidade perante o seu caso concreto, sendo que só após o trânsito em
julgado da decisão que o condene pode o arguido ser considerado culpado.
Ora, no caso vertente é patente não estarmos perante situação de falta ou de
insuficiência de individualização dos factos imputados, bem como de carência de
prova de que os mesmos foram protagonizados pelo arguido’, tal como é notória a
existência de juízos de pré-culpabilidade.
Quanto à alegada violação do princípio in dubio pro reo, certo é que este
Supremo Tribunal de Justiça só pode aferir da sua eventual violação quando da
decisão impugnada resulta, de forma evidente, que o tribunal recorrido ficou na
dúvida em relação a qualquer facto e que, nesse estado de dúvida decidiu contra
o arguido, posto que saber se o tribunal recorrido deveria ter ficado em estado
de dúvida, é uma questão de facto que exorbita os poderes de cognição do Supremo
Tribunal enquanto tribunal de revista.
Do exame dos acórdãos impugnados, tendo em atenção a decisão de facto que lhes
subjaz, decorre que as instâncias não ficaram na dúvida em relação a qualquer
facto.
Deste modo, por total e manifestamente infundado há que rejeitar o recurso nesta
parte – artigo 420º, n.º 1.
Termos em que se acorda rejeitar o recurso.”
Inconformado com o assim decidido veio interpor recurso de constitucionalidade
para este Tribunal.
Foi o Recorrente, por despacho do Conselheiro Relator de fls. 580, convidado,
nos termos do artigo 75.º-A, n.º 2 da Lei do Tribunal Constitucional, a indicar
a norma ou o princípio constitucional que considerava violado na sua dimensão
normativa.
Veio responder a esse convite no requerimento junto de fls. 582, no qual
invocou:
“Por violação das normas constantes nos arts. 1º, 3º, 13º, 18º, 20º, 27º, 28º,
32º, 202º e 205º da CRP e do Princípio do In Dúbio Pro Reo; Essas normas
encontram-se violadas de forma expressa por negar as garantias constitucionais
do processo criminal previstas na Constituição da República Portuguesa. Tendo
tais violações sido suscitadas no douto acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
que dá por improcedente o recurso por ele apresentado e no Recurso para o
Venerando STJ do douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que recusou as
Alegações subscritas por quem já tinha procuração junta nos autos.”
De seguida, foi notificado para produzir alegações, tendo-as concluído pela
seguinte forma:
“1ª
O arguido tem, como mínimo, os seguintes direitos constitucionais: a) Ser
informado no mais curto prazo, em língua que entenda e de forma minuciosa, da
natureza e da causa da acusação contra ele formulada; b) Dispor do tempo e dos
meios necessários para preparação da sua defesa ; c) Defender-se a si próprio ou
ter a assistência de um defensor da sua escolha e, se não tiver meios para
remunerar um defensor, poder ser assistido gratuitamente por um defensor
oficioso, quando os interesses da justiça o exigirem; O Acórdão recorrido diz
que afinal o preceito permite que seja o tribunal a decidir qual o Advogado que
melhor serve os interesses do Réu, se o que ele escolheu ou o oficioso.
2ª
A douta sentença não transitou ainda em julgado; Foi interposto recurso que tem,
nos termos da lei, efeito suspensivo. Esta, e aliás, douta sentença foi colocada
em crise através do recurso ordinário; Enquanto não transitar, a aliás douta
sentença, a prisão é ilegal, já que como se alcança de fls. 315, e não tendo
transitado em julgado, deve o recorrente ser restituído de imediato à liberdade,
já que Qualquer pessoa acusada de uma infracção presume-se inocente enquanto a
sua culpabilidade não tiver sido legalmente provada.
3ª
Foi feita notificação para local que se sabia que o arguido ali não residia, e
de que não podia pois receber notificação, pois aquela era a residência da
queixosa!!! E esta, manifestamente, não ia informar o Recorrente da acusação,
para que este se pudesse defender!!.. Sempre que havia sido notificado directa e
pessoalmente, esteve presente; Desta vez não recebeu notificação porque ali não
residia; aquela era a morada da queixosa, onde os factos, como diz a acusação,
se teriam passado.
4ª
O Princípio in dúbio pró reo não foi suficientemente valorado, como é
peremptório o douto acórdão ao afirmar que dos factos provados resulta
absolutamente a prova da culpa, concluindo-se contra o Recorrente todas as
presunções legais. O tribunal decidiu julgar à revelia, matéria tão grave?!
Acaso andava o recorrente fugido à justiça?! Acaso não compareceu duas vezes
perante as autoridades e prestou declarações?! Impunha o bom senso e a
experiência que se fizessem os esforços para que o recorrente se pudesse
defender, como o determina a CRP, o que não só não aconteceu, como o douto
acórdão do STJ vem , pelo silencio, dizer tal julgamento é plenamente válido,
apesar da grosseira violação da CRP.
5ª
O Principio do Contraditório foi violado; E o Principio da Presunção de
Inocência foi também e igualmente violado!! A pressa na justiça, em particular
em matéria tão delicada, é má conselheira e em geral dá disparate. A ansiedade
em realizar a justiça, também não leva a resultados que determinem a confiança
nessa mesma justiça.
6ª
Nos presentes autos está em causa a inconstitucionalidade dada pela
interpretação do julgador à norma do CPP que permite realizar o julgamento sem o
mínimo de garantias de defesa; já que a isso se opõe expressamente a CRP. E
ainda a violação do art. 32.º da CRP que permite a toda pessoa ser assistida em
processo por Advogado por si directamente escolhido, sendo inconstitucional a
interpretação que diz que a norma permite ao tribunal decidir contra a vontade
do réu na escolha de mandatário, quando este já havia junto procuração nos
autos;
7ª
Esta decisão e interpretação que diz que, é possível julgar; condenar; prender
sem que o arguido tenha conhecimento da acusação para dela se defender é
manifestamente ilegal e inconstitucional, e viola grosseiramente a CRP!!
8ª
‘Esquecendo’ que foi da acusação, elemento fundamental para o direito da defesa,
que o arguido foi notificado, tendo a mesma sido entregue em casa da queixosa
logo a CRP está violada na medida em que o direito à defesa é um direito
constitucional. E a INCONSTITUCIONALIDADE da interpretação dada ao preceito do
CPP, que permite considerar notificado o arguido da acusação na pessoa da
queixosa (?), tendo todos os actos de julgamento sido praticados na sua
ausência, sem direito à defesa.”
O Exmo. Procurador-Geral Adjunto, na sua contra-alegação, concluiu pela seguinte
forma:
“[…]
1.
Não tendo o arguido/recorrente referenciado normativamente, em termos
inteligíveis, quais as normas legais ou interpretação normativa, efectivamente
aplicadas pelo STJ no acórdão recorrido, que considerava inconstitucionais,
carece o recurso interposto de objecto idóneo.
2.
Na verdade, a natureza normativa do controlo da constitucionalidade, cometido a
este Tribunal Constitucional, determina que o objecto dos seus poderes
cognitivos é sempre integrado por ‘normas’, identificadas necessariamente pelo
recorrente, a quem incumbe o ónus da delimitação do objecto do recurso.
3.
Termos em que deverá notificar-se o arguido/recorrente para se pronunciar sobre
a questão prévia ora suscitada, impeditiva da apreciação do mérito do recurso
interposto.”
Notificado desta peça processual, veio o Recorrente, a fls. 695, sustentar que
“[…]
2- O arguido tem direito a conhecer a acusação para se poder defender?! Acaso
este direito constitucional foi respeitado, quando em, vez do recorrente foi
notificada a Queixosa;
3- Quando as alegações do advogado oficioso foram apresentadas, não existia já
junto aos autos procuração outorgada pelo recorrente?! Como se pode ter
dificuldade em compreender que o direito à defesa e a CRP foi grosseiramente
violada também aqui?!
4- Não está aqui em questão a discussão do mérito; Mas se a lei aplicada o foi
na verdadeira e correcta interpretação da CRP ou se a interpretação dada a tais
preceitos não são uma grosseira violação da CRP, criando outros códigos AD HOC à
revelia do comando constitucional.
5- E salvo o devido respeito e ao contrário do que diz o Senhor PG Adjunto, cabe
ao Tribunal Constitucional saber e decidir se as normas do C.P.Penal aplicadas
violam ou não a CRP; Se foram aplicadas de acordo com o comando constitucional.
6- É claro que quer a PGR quer os Tribunais quer os demais operadores
judiciários, têm prima facie o dever de respeitar a CRP e de aplicar o direito
de acordo com os comandos constitucionais e não contra estes, sob pena de termos
diversas normas processuais, conforme o julgador.
7- E em tal caso, ninguém saberia onde começam e acabam os seus direitos
processuais e constitucionais.
[…]”
Decidindo.
II – Fundamentação
Para que se possa conhecer do objecto do recurso interposto ao abrigo do artigo
70.º, n.º 1, alínea b) da Lei do Tribunal Constitucional é necessário que se
encontrem preenchidos diversos pressupostos – a suscitação, pelo recorrente, de
inconstitucionalidade de uma norma durante o processo, constituindo essa norma
fundamento (ratio decidendi) da decisão recorrida, bem como o prévio esgotamento
dos recursos ordinários.
Constata-se, na situação em apreço, que a arguição de inconstitucionalidade é
imputada à decisão recorrida, consequentemente, a uma decisão jurisdicional e
não a uma qualquer norma jurídica.
Ora, como resulta dos artigos 280.º, n.º 1, alínea b) da Constituição e 70.º,
n.º 1, alínea b) da Lei do Tribunal Constitucional, para que se possa lançar mão
do meio de fiscalização concreta ali previsto, impõe-se a suscitação antecipada
(isto é, durante o processo) de uma questão de inconstitucionalidade normativa,
não competindo a este Tribunal apreciar a conformidade jurídico-constitucional
da decisão recorrida nem, de qualquer outro modo, sindicar as decisões
proferidas por outros Tribunais.
No entanto, o Recorrente limita-se a afrontar a decisão recorrida, imputando-lhe
o vício de inconstitucionalidade, não invocando nenhuma questão de
constitucionalidade de qualquer norma de forma a, adequadamente, convocar a
pronúncia do Tribunal Constitucional ao abrigo do recurso previsto no citado
artigo 70.º, n.º 1, alínea b).
Com efeito, para que se possa interpor recurso de fiscalização concreta, à
sombra dos mencionados preceitos legais, é necessário que o recorrente haja
suscitado, em tempo, uma questão de constitucionalidade normativa, de forma
clara e perceptível (neste sentido, entre outros, cfr. Acórdão n.º 269/94,
publicado no Diário da República, II Série, de 18 de Junho de 1994).
Verifica-se, aliás, como bem acentua o Exmo. Procurador Geral Adjunto na sua
contra-alegação, a fls. 691, que o Recorrente “limita-se a passar em revista a
tramitação global do processo perante as instâncias, impugnando actos e
vicissitudes processuais que qualifica como violadores de normas ou princípios
constitucionais, sem ter em conta o teor do acórdão recorrido e a sua verdadeira
‘ratio decidendi’ – sendo evidente que tal estratégia processual priva a
impugnação deduzida do objecto idóneo, impossibilitando a definição consistente
das questões normativas sobre as quais iria este Tribunal exercer os seus
poderes cognitivos.”
Esquece ainda o Recorrente que, relativamente às questões de índole processual,
como sejam a sua representação em juízo, por mandatário, e prisão preventiva, a
ratio decidendi do acórdão recorrido fundou-se na exceptio judicati formada
pelas instâncias.
Quanto ao mais, isto é, quanto à sua ausência na audiência de discussão e
julgamento, bem como às invocadas violações dos princípios in dubio pro reo, do
contraditório e da presunção de inocência, consignou-se, na decisão recorrida, a
irrecorribilidade de tais matérias, decorrente da aplicação dos artigos 400.º,
n.º 1, alínea c) e 420.º, n.º 1 e 414.º, n.º 2, todos do Código de Processo
Penal.
Assim, não poderão tais invocações integrar o objecto do recurso de
constitucionalidade interposto, pois que, reitera-se, a natureza normativa do
recurso de constitucionalidade, preconizada no artigo 70.º, n.º 1, alínea b) da
Lei do Tribunal Constitucional, determina que o objecto dos poderes cognitivos
deste Tribunal é sempre integrado por normas, devidamente suscitadas e
identificadas pelo recorrente, a quem pertence o ónus de delimitação do objecto
do recurso.
III – Decisão
Nestes termos, acordam, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional, em não
conhecer do objecto do recurso.
Custas pelo Recorrente, fixando a taxa de justiça em 12 UC.
Lisboa, 26 de Setembro de 2007
José Borges Soeiro
Gil Galvão
Carlos Pamplona de Oliveira
Maria João Antunes
Rui Manuel Moura Ramos