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Processo n.º 647/06
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Mário Torres
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,
1. A. e mulher B., notificados do Acórdão
n.º 230/2007 – que negou provimento ao recurso por eles interposto contra o
acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 13 de Dezembro de 2005, não julgando
inconstitucional a norma do artigo 66.º, n.º 2, do Código das Custas Judiciais
(CCJ), aprovado pelo Decreto‑Lei n.º 224‑A/96, de 26 de Novembro, interpretado
no sentido de que as custas devidas pelo expropriado saem do depósito da
indemnização, não constituindo o valor do depósito limite máximo do valor das
custas – vieram requerer a sua reforma, nos termos das alíneas a) e b) do n.º 2
do artigo 669.º do Código de Processo Civil (CPC), com os seguintes
fundamentos:
“1.º – A fls. 40 do Acórdão n.º 230/2007, são referidos os três sentidos de que
se reveste o princípio da proporcionalidade, por referência ao considerado pelo
Acórdão n.º 608/99, publicado no Diário da República, II Série, de 16 de Março
de 2000.
2.º – O primeiro desses sentidos, segundo esses Acórdãos, é o do «equilíbrio
entre a consagração do direito de acesso ao direito e aos tribunais e os custos
inerentes a tal exercício».
3.º – O Acórdão de que se requer a reforma considerou terem sido respeitadas as
exigências do princípio da proporcionalidade, segundo esse primeiro sentido,
por ter entendido, a fls. 40, que ... o quantitativo superior ao valor da
indemnização depositada nos autos (15 000,00 €), ainda que actualizado, não
cria ónus de tal modo pesados que, na prática, inviabilizem o acesso aos actos
judiciais, …
4.º – Ora, não entrando aqui em linha de conta, por não ser esta a sede própria,
com a posição dos requerentes, quanto ao princípio da proporcionalidade, na
interpretação do Acórdão, não ser violado, ainda que os expropriados entreguem
ao Estado a terra expropriada, a indemnização arbitrada e o valor das custas,
5.º – cumpre dizer que ocorreu no Acórdão um manifesto lapso dos juízes na
qualificação jurídica dos factos e na apreciação dos elementos do processo, por
terem tomado como base da sua decisão factos que não correspondem à realidade,
ao considerarem que o valor das custas a pagar suplanta em 15 000,00 € o valor
da indemnização depositada pela entidade expropriante.
6.º – Tal determinou que tivessem sido consideradas como respeitadas neste
processo as exigências do princípio da proporcionalidade, no sentido de existir
um equilíbrio entre a consagração do direito de acesso ao direito e aos
tribunais e os custos inerentes a tal exercício.
7.º – Esse equilíbrio não existe na verdade e só por lapso na qualificação
jurídica dos factos e na apreciação dos elementos do processo assim foi
considerado.
8.º – Assim, constatando‑se que não existe esse equilíbrio,
terá que se concluir que foi violado o princípio da proporcionalidade no seu
todo
9.º – e determinar‑se a reforma do Acórdão, no sentido das
conclusões das alegações de recurso apresentadas para o Tribunal Constitucional.
10.º – Com efeito, constata‑se de fls. 40 do Acórdão n.º 230/2007 que o que
levou o Acórdão a considerar respeitadas as exigências do princípio da
proporcionalidade e, portanto, a existência de um equilíbrio entre a
consagração do direito de acesso ao direito e aos tribunais e os custos
inerentes a tal exercício, foi o facto de ter considerado que o quantitativo de
custas superava o valor da indemnização depositada nos autos no montante de 15
000,00 €, o que não criaria, no entender do Acórdão, ... ónus de tal modo
pesados que, na prática, inviabilizem o acesso aos actos judiciais, …
11.º – Ou seja, entende o Tribunal que, vendo os expropriados consumido o valor
da indemnização no pagamento das custas e desembolsando ainda mais 15 000,00 €,
manter‑se‑iam, ainda assim, respeitadas as exigências do princípio da
proporcionalidade.
12.º – Todavia, o quantitativo das custas superior ao valor da indemnização
depositada é muito superior aos 15 000,00 €, que só por lapso do Tribunal foram
considerados no Acórdão.
13.º – Na verdade, o valor em que as custas superam a indemnização depositada é
de 111 816,46 €, quantia mais de 7 vezes superior aos referidos 15 000,00 €, e,
portanto, as exigências do princípio da proporcionalidade não estão reunidas,
pois tal quantia cria nos expropriados/recorrentes ónus tão pesados, que, na
prática, esta sim, inviabiliza o acesso destes aos actos judiciais,
14.º – razão pela qual deverá reformar‑se o Acórdão, como se requer.
15.º – Com efeito, por sentença de 30 de Junho de 2000 do Tribunal da Comarca de
Évora, foi fixada aos expropriados a indemnização, então em escudos, de 39 542
317$00, a que correspondem 197 236,25 €, sendo este o valor da indemnização que
deverá estar depositado.
16.º – As custas notificadas aos expropriados/recorrentes foram no valor de 489
188,42 €,
17.º – sendo possível, na sequência de ter sido já parcialmente atendida a
reclamação da conta de custas, com base em cálculo aritmético, determinar que o
valor da conta de custas estará actualmente em 309 052,71 €,
18.º – montante também referido pelo Ministério Público junto ao Tribunal
Constitucional, nas suas contra‑alegações de recurso (cf. fl. 3 das
contra‑alegações).
19.º – Assim sendo, o quantitativo superior ao valor da indemnização depositada
é de 111 816,46 €, valor que se obtém subtraindo dos 309 052,71 € de custas os
197 236,25 € da indemnização depositada,
20.º – valor bem diferente dos 15 000,00 €, que, por lapso, foram considerados
no Acórdão em causa.
21.º – Na verdade, nem o valor da indemnização depositada (197 236,25 €) nem o
quantitativo de custas superior a tal indemnização (111 816,46 €) correspondem
aos 15 000,00 € tidos em conta pelo Acórdão.
22.º – Nas alegações de recurso, e respectivas conclusões, para o Tribunal
Constitucional, os recorrentes referem‑se por várias vezes a uma quantia de 15
000,00 €.
23.º – No entanto, a quantia de 15 000,00 € que referem é o valor de custas
totais que os expropriados/recorrentes pedem que venha a ser fixado,
24.º – entendendo ser esse o valor de custas que respeitaria os princípios
constitucionais da proporcionalidade, do direito ao acesso ao direito e aos
tribunais, bem como do direito à justa indemnização por expropriação por
utilidade pública, consagrados nos artigos 2.º, 18.º, n.º 2, 20.º, n.º 1, 62.º,
n.º 2, e 266.º, n.º 2, da Constituição.
25.º – A aceitar o Tribunal Constitucional, como se pediu, fixar o valor das
custas totais do processo de expropriação em 15 000,00 €, os
expropriados/recorrentes ainda receberiam 182 236,25 € (indemnização depositada
197 236,25 € menos 15 000,00 €).
26.º – Poderá, pois, ter sido a referência feita pelos expropriados/recorrentes
aos 15 000,00 €, que defendem como sendo o valor das custas que respeitaria os
princípios constitucionais invocados, que tenha contribuído para o manifesto
lapso em que o Tribunal incorreu, na apreciação dos elementos do processo e na
consequente qualificação jurídica dos factos,
27.º – e que levou o Acórdão a considerar não ser violado o princípio da
proporcionalidade, se os expropriados/recorrentes fossem condenados a pagar de
custas, para além do valor da indemnização depositada, a quantia de 15 000,00 €.
28.º – No entanto, da qualificação jurídica dos factos, tendo os
expropriados/recorrentes que pagar, para além do valor da indemnização
depositada, mais 111 816,46 €, em lugar dos mais 15 000,00 € considerados no
Acórdão, terá que se chegar necessariamente a conclusão diferente, quanto ao
respeito pelo princípio da proporcionalidade, e quanto ao peso do ónus imposto
aos expropriados/recorrentes e à inviabilização, na prática, do acesso aos actos
judiciais.
29.º – Na verdade, o respeito pelo princípio da proporcionalidade e o equilíbrio
entre a consagração do direito de acesso ao direito e aos tribunais e os custos
inerentes a tal exercício é bem diferente se os expropriados/recorrentes
tiverem que ficar sem a terra, sem o valor da indemnização (197 236,25 €) e
pagar mais 15 000,00 €, como considerou o Acórdão n.º 230/2007,
30.º – do que os expropriados/recorrentes ficarem sem a terra, sem o valor da
indemnização (197 236,25 €) e pagarem ainda mais 111 816,46 €, como na prática
resultaria do Acórdão n.º 230/2007, que tal não quis nem previu, por manifesto
lapso dos juízes na apreciação dos elementos e documentos do processo e na
qualificação jurídica dos factos, pelo que deverá ser reformado o Acórdão dos
autos, no sentido das alegações e conclusões dos recorrentes/expropriados.
31.º – A forçosa reforma do Acórdão, no sentido requerido, estará conforme o
entendimento da Doutrina maioritária, que considera que o acesso ao direito e
aos tribunais só é assegurado, se não for impedido às pessoas em geral, por
insuficiência de meios económicos, por exemplo, através de um regime de custas
judiciais tão gravoso que o torne insuportável, acrescentando que o referido
direito proíbe que os encargos com a justiça legalmente fixados o dificultem
consideravelmente (J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da
República Portuguesa Anotada, Coimbra, 1993, págs. 164 e 165), o que seria o
caso, se os recorrentes/expropriados tivessem de pagar mais 111 816,46 €.
32.º – A reforma do Acórdão no sentido requerido estará também conforme o
entendimento da Jurisprudência do Tribunal Constitucional, que defende que
33.º – o legislador ordinário é livre na fixação do montante das custas, mas
essa liberdade tem o limite de a justiça ser acessível à generalidade dos
cidadãos sem o recurso ao sistema de apoio judiciário, tendo em consideração o
nível geral dos rendimentos, por forma a não tornar incomportável para o comum
das pessoas o custeio de uma demanda judicial (Acórdão do Tribunal
Constitucional, n.º 70/98, de 4 de Fevereiro de 1998, BMJ, n.º 474, pág. 19),
(Acórdão n.º 247/99, de 29 de Abril de 1999, BMJ, n.º 486, pág. 104), (Acórdão
do Tribunal Constitucional, n.º 255/2007, www.pgdlisboa.pt)
34.º – e que, mesmo para as pessoas com recursos económicos, a exigência de
pagamento de custas de montante exorbitante em correlação com a aleatória
vantagem derivada do recurso aos tribunais é susceptível de restringir o direito
de acesso ao direito e aos tribunais (Acórdão do Tribunal Constitucional, n.º
487/97, de 2 de Junho de 1997, BMJ, n.º 469, pág. 83) (Acórdão do Tribunal
Constitucional, n.º 1182/96, de 20 de Novembro de 1996, Acórdãos do Tribunal
Constitucional, 35.º vol., pág. 447)
35.º – e ainda que, por entre outros, os Acórdãos n.ºs 86/88, 444/91 e 529/94,
publicados na 2.ª Série do Diário da República, de, respectivamente, 22 de
Agosto de 1988, 2 de Abril de 1992 e 20 de Dezembro de 1994, onde, sobre o
artigo 20.º da Constituição, que prescreve o direito geral à protecção jurídica,
abarcando, por entre outros, o direito de acesso aos tribunais, ou o direito de
acesso à tutela jurisdicional, se diz que implica a garantia de uma eficaz e
efectiva protecção jurisdicional, que, citando Gomes Canotilho e Vital Moreira
(Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª edição, pág. 162), constitui
um elemento integrante do princípio material da igualdade ... e do próprio
princípio democrático.
36.º – De referir ainda que, como atrás se disse, por despacho proferido no 2.º
Juízo Cível do Tribunal de Instrução Criminal e de Comarca de Évora, a
reclamação da conta de custas elaborada nos autos de expropriação registados sob
o n.º 130/97, em que são expropriados os ora recorrentes, foi parcialmente
atendida (cf. fls. 2217, 2223), contrariamente ao que, também por lapso, refere
o Acórdão n.º 230/2007 (cf. fl.1)
37.º – e que os expropriados/recorrentes, pessoas com mais de 70 anos de idade,
reformados da função pública, desesperados com a possibilidade de, no fim das
suas vidas, serem confrontados com o facto que não previram, quando há mais de
10 anos se iniciou o processo de expropriação, de lhes poder vir a ser exigido o
pagamento da quantia de 111 816,46 €, de que não dispõem, apresentaram já queixa
no Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, contra o Estado Português, quanto ao
valor das custas, queixa essa que foi aceite e a que foi dado o n.º 24768/06 e
que aguarda, por ora, a decisão dos tribunais nacionais.
Termos em que, e nos mais de Direito Constitucional, que V. Ex.as Ex.mos
Senhores Conselheiros, com a Vossa experiência e sabedoria, não deixareis de
suprir, deverá ser reformado o Acórdão n.º 230/2007, no sentido das alegações e
conclusões apresentadas, com o que se fará Justiça.”
2. Notificado da apresentação desse
requerimento, o representante do Ministério Público no Tribunal Constitucional
apresentou a seguinte resposta:
“1.º – O pedido deduzido carece manifestamente de fundamento, traduzindo uso
anormal do incidente pós‑decisório previsto no artigo 669.º, n.º 2, do Código de
Processo Civil.
2.º – Na verdade, limita‑se o reclamante a discordar da
solução encontrada por este Tribunal, impugnando‑a em termos substanciais –
traduzindo tal forma de impugnação a utilização de um inexistente «recurso» dos
Acórdãos proferidos em secção pelo Tribunal Constitucional.”
Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
3. Relativamente ao pedido de reforma do
Acórdão n.º 230/2007, há que reconhecer que assiste razão aos recorrentes. Na
verdade, nesse Acórdão, por lapso manifesto, considerou‑se que as custas da
responsabilidade dos recorrentes excediam em € 15 000 o valor da indemnização
depositada, o que não corresponde à realidade evidenciada pelos autos.
Destes resulta que a indemnização pela
expropriação do prédio dos recorrentes foi fixada em 39 542 317$00, a que
correspondem 197 236,25 €.
Por outro lado, tendo os recorrentes
reclamado da conta de custas, no valor de € 491 058,91 (fls. 2191‑2192), tal
reclamação foi parcialmente deferida, por despacho de 1 de Abril de 2005 (fls.
223‑2227), no que respeita ao aduzido nos n.ºs 1.º a 11.º e 13.º a 20.º, dessa
reclamação (fls. 2202‑2215), o que implicará a redução daquele valor para € 309
052,71 (correspondente a 61 959 505$00), segundo cálculo dos recorrentes,
coincidente com o indicado nas alegações do Ministério Público neste Tribunal,
e, consequentemente, que as custas da responsabilidade dos recorrentes excedam
em € 111 816,46 (correspondentes a 22 417 187$00), e não em apenas € 15 000,00
(correspondente a 3 007 230$00), o valor da indemnização pela expropriação.
Constatado o lapso, há que reconhecer que o
valor de € 15 000,00, apontado como correspondendo ao valor das custas que
excedia o valor da indemnização, foi um dos elementos expressamente considerados
como relevantes, no Acórdão reclamado, para fundar o juízo de não
inconstitucionalidade, por não violação do princípio da proporcionalidade. Na
verdade, após recordar que tal princípio, de acordo com a jurisprudência deste
Tribunal, se reveste, pelo menos, de três sentidos, o primeiro dos quais é o de
“equilíbrio entre a consagração do direito de acesso ao direito e aos tribunais
e os custos inerentes a tal exercício”, afirmou-se: “Na medida em que o
quantitativo superior ao valor da indemnização depositada nos autos (15 000,00
€), ainda que actualizado, não cria ónus de tal modo pesados que, na prática,
inviabilizem o acesso aos actos judiciais, respeita as exigências do primeiro
sentido”.
Nestes termos, deferindo o pedido de reforma
formulado pelos recorrentes, há que proceder à reponderação do juízo emitido no
Acórdão n.º 230/2007.
4. O presente recurso vem interposto, ao
abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional,
contra o acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 13 de Dezembro de 2005, que
negou provimento ao agravo deduzido contra o aludido despacho de 1 de Abril de
2005, na parte em que indeferiu a reclamação da conta no segmento em que os
recorrentes sustentavam que do artigo 66.º, n.º 2, do CCJ resulta que o valor do
depósito da indemnização por expropriação determina o limite máximo das custas.
Nesse acórdão desenvolveu‑se a seguinte
fundamentação:
“Assim, há que decidir se a conta de custas, com as alterações
referidas a fls. 2217 e que aqui se dá por reproduzida, foi elaborada em
violação do disposto no artigo 66.º, n.º 2, do CCJ e ainda dos princípios
constitucionais da proporcionalidade, do acesso ao direito e aos tribunais e da
justa indemnização.
Defendem, mas sem razão, os agravantes, baseando‑se no
disposto no artigo 66.º, n.º 2, do CCJ (aí se estabelece que: «As custas devidas
pelo expropriado saem do depósito da indemnização»), que as custas, em processo
de expropriação, têm como limite máximo o montante depositado como
indemnização.
Na verdade, tal preceito, inserido na secção de oportunidade
do pagamento voluntário das custas, apenas nos diz que o pagamento do montante
das custas, em processo de expropriação, se processa, retirando‑o do depósito da
indemnização devida ao expropriado, o que se encontra em conformidade com o
estabelecido no artigo 51.º, n.º 3, do Decreto‑Lei n.º 438/91, de 9 de
Novembro, e no artigo 52.º, n.º 3, da Lei n.º 168/99, de 18 de Setembro (da
quantia depositada como indemnização pela entidade expropriante e sobre o
montante de que haja acordo, deve reter‑se, se necessário, a quantia provável
das custas no caso de o expropriado decair no recurso).
Tal pagamento, à custa da indemnização devida ao expropriado,
processa‑se no prazo de pagamento voluntário e oficiosamente (ao contrário de
outros depósitos à ordem do tribunal em que é necessário requerimento do devedor
– cf. n.º 1 do referido artigo 66.º).
Não se estabelece, neste artigo 66.º do CCJ, qualquer critério
para determinação do montante de custas, nem se estabelece qualquer limite
máximo de custas; trata‑se de uma norma relativa à forma de pagamento do
montante das custas, em que o Estado visa assegurar o pagamento integral ou
parcial do seu crédito de custas, até por poderem, ao expropriado/devedor, não
ser conhecidos outros bens, sendo certo que esta forma de pagamento se não
esgota com o levantamento do devido se este for superior ao depósito.
Acresce que, como norma relativa ao modo de pagamento das
custas, tem como pressuposto a sua anterior determinação segundo os critérios
legais – primeiramente há que determinar o montante das custas e seu responsável
e só depois é que tem aplicação tal normativo.
Por isso, não podem as custas devidas pelos expropriados estar
limitadas ao montante depositado – nem a letra da lei nem a sua ratio permitem
a interpretação pretendida pelos agravantes.
Por outro lado, as custas mostram‑se calculadas, com as
alterações admitidas, de acordo com os critérios legalmente estabelecidos no
CCJ, não havendo, ao contrário do que alegam os agravantes, qualquer violação
dos invocados princípios constitucionais.
Com efeito, não se mostra que haja qualquer violação do
princípio da proporcionalidade, também chamado da proibição do excesso.
Sabe‑se que tal princípio é um princípio geral do direito, com
consagração constitucional, como vem referido no Acórdão do Tribunal
Constitucional n.º 302/2001, de 27 de Junho, publicado no Diário da República,
II Série, de 6 de Novembro de 2001.
E que, como escrevem Gomes Canotilho e Vital Moreira na
Constituição da República Portuguesa Anotada, se desdobra em três
sub‑princípios:
«– princípio da adequação, isto é, as medidas restritivas
legalmente previstas devem revelar‑se como meio adequado para a prossecução dos
fins visados pela lei (salvaguarda de outros direitos ou bens
constitucionalmente protegidos);
– princípio da exigibilidade, ou seja, as medidas restritivas
previstas na lei devem revelar‑se necessárias (tornaram‑se exigíveis) porque os
fins visados pela lei não podiam ser obtidos por outro meios menos onerosos para
os direitos, liberdades e garantias;
– princípio da proporcionalidade em sentido restrito, que
significa que os meios legais restritivos e os fins obtidos devem situar‑se numa
justa medida, impedindo‑se a adopção de medidas legais restritivas
desproporcionadas, excessivas, em relação aos fins obtidos.»
No caso concreto, as custas mostram‑se calculadas de acordo
com as normas legais, com critério igual para igual situação e sem
arbitrariedades.
Por outro lado, não se verifica qualquer desproporcionalidade
entre o serviço prestado e aquele custo – trata‑se de processo volumoso (já são
13 volumes), trabalhoso e com complexidade, em que questões há, suscitadas pelos
expropriados, que determinaram a realização de pareceres técnicos.
Existe, por isso, correspondência ou adequação do seu custo (e
já se verifica uma redução da taxa de justiça) com a actividade desenvolvida no
processo e com a utilidade que os expropriados visavam obter com o recurso ao
Tribunal, certo que o montante das custas não pode estar dependente do sucesso
ou insucesso do pedido.
E se o montante é elevado resulta do modo – manifestamente
excessivo e infundado por recair, essencialmente, em rendimentos de uma pedreira
inexistente e em benefícios da entidade expropriante em consequência da
expropriação – como foi exercido o direito dos agravantes à indemnização, certo
que as custas são da responsabilidade de quem a elas deu causa (cf. artigo 446.º
do CPC), não podendo os ora agravantes escudar‑se em parecer técnico, pois bem
sabiam da inexistência da invocada pedreira.
Também não há violação do princípio de acesso ao direito e à
justiça estabelecido no artigo 20.º da Constituição, «direito a ver
solucionados os conflitos, segundo o direito estabelecido, por um órgão que
ofereça garantias de imparcialidade e independência e perante o qual as partes
se encontram em condições de plena igualdade no que diz respeito à defesa dos
respectivos pontos de vista (designadamente sem que a insuficiência de meios
económicos possa prejudicar tal possibilidade)» – Acórdão do Tribunal
Constitucional n.º 211/93, no Diário da República, II Série, n.º 2875/93.
No caso concreto e antes de mais, tem de se afirmar não se
mostrar comprovado que os agravantes se encontrem em situação de insuficiência
económica.
Depois, mesmo que exista essa insuficiência económica, também
se não mostra que estejam impedidos de exercer os seus direitos em juízo –
atente‑se que as partes manifestaram já as suas posições sobre o objecto do
processo (o que garante a defesa dos seus direitos), nada podendo trazer de útil
na defesa do direito objecto dos autos (dado o trânsito da decisão que fixou o
montante da indemnização) o montante das custas a pagar, certo que o pagamento
só ocorrerá se possuírem bens para pagar.
Por fim, também não há qualquer violação do princípio da justa
indemnização pela expropriação.
Com efeito, uma coisa é a indemnização (já fixada por acórdão
transitado em julgado), outra diversa é a determinação do montante e pagamento
de custas devidas pelo recurso aos Tribunais, sabido que não constitui princípio
constitucional a gratuidade dos serviços de justiça e que são bem diferentes os
critérios legais de determinação dos respectivos montantes (os previstos no
Código das Expropriações para aquela e no Código das Custas Judiciais para
estas).
E pelo crédito de custas responde todo o património do
devedor, incluindo, logicamente, o valor da indemnização (cf. artigo 601.º do
Código Civil).”
5. Neste Tribunal Constitucional, o
primitivo Relator – face ao teor do requerimento de interposição de recurso em
que os recorrentes referiam pretender ver apreciada a inconstitucionalidade (por
violação dos artigos 2.º, 18.º, n.º 2, 20.º, n.º 1, 62.º, n.º 2, e 266.º, n.º 2,
da CRP, e nomeadamente dos princípios constitucionais da proporcionalidade, do
direito de acesso ao direito e aos tribunais, bem como do direito à justa
indemnização por expropriação por utilidade pública, neles consagrados) das
normas constantes dos artigos 6.º, n.º 1, alínea s), 13.º, n.º 1, 14.º, alínea
j), 15.º, n.º 2, 18.º, n.º 2, 40.º, n.º 1, 41.º e 66.º, n.º 2, do CCJ, na versão
anterior às alterações introduzidas pelo Decreto‑Lei n.º 324/2003, de 27 de
Dezembro, “com a interpretação com que foram aplicadas na decisão recorrida” –
convidou os recorrentes a indicarem com precisão a norma ou normas cuja
inconstitucionalidade pretendem ver apreciada, enunciando a interpretação
normativa que impugnam.
Os recorrentes, em resposta a esse convite,
enunciaram oito interpretações normativas, cujo teor consta, ipsis verbis, das
conclusões 38.ª, 39.ª, 40.ª, 41.ª, 42.ª, 43.ª, 44.ª e 45.ª das suas alegações, a
seguir transcritas, alegações cuja apresentação foi determinada por despacho do
primitivo Relator, contendo advertência da eventualidade de não se tomar
conhecimento da totalidade dessas interpretações, por falta de respectiva
aplicação pelo tribunal recorrido.
6. As alegações apresentadas pelos
recorrentes terminam com a formulação das seguintes conclusões:
“1.ª As normas cuja inconstitucionalidade os recorrentes
pretendem ver apreciada são do Código das Custas Judiciais, aprovado pelo
Decreto‑Lei n.º 224‑A/96 de 26 de Novembro, na versão anterior às alterações
introduzidas pelo Decreto‑Lei n.º 324/2003, de 27 de Dezembro (cf. artigo 14.º,
n.º 1, do referido diploma). (...)
2.ª A reclamação da conta de custas apresentada pelos aqui
recorrentes foi parcialmente atendida, constatando‑se por cálculo aritmético que
o valor das custas terá baixado de 489 188,42 € para 309 052,71 €, valor de
custas que continua a ser exorbitante e desproporcionado, violador dos
princípios constitucionais.
3.ª Deverá, por isso, ser afastada a aplicação das normas do
Código das Custas Judiciais, por inconstitucionais, quando interpretadas no
sentido de permitirem alcançar um valor de custas exorbitante e
desproporcionado, que exceda, ou consuma, o valor do depósito da indemnização,
sob pena de violação combinada dos princípios constitucionais da
proporcionalidade, do acesso ao direito e aos tribunais e da justa indemnização
em expropriação por utilidade pública, consagrados nomeadamente nos artigos
2.º, 18.º, n.º 2, 20.º, n.º 1, 62.º, n.º 2, e 266.º da Constituição da República
Portuguesa.
4.ª O acórdão recorrido fez uma incorrecta interpretação e
aplicação das normas jurídicas do Código das Custas Judiciais, em violação,
nomeadamente, dos princípios constitucionais da proporcionalidade, do direito ao
acesso ao direito e aos tribunais e da justa indemnização em expropriação por
utilidade pública, pelo que deverá ser revogado.
5.ª O n.º 2 artigo 66.º do Código das Custas Judiciais, que
diz que «As custas devidas pelo expropriado saem do depósito da indemnização»,
deve ser interpretado no sentido de que o valor do depósito da indemnização
corresponde, na pior das hipóteses, ao valor máximo das custas, sendo esta a
interpretação que resulta da letra da lei, e do que terá sido o espírito do
legislador, que, dada a variedade da realidade da vida, e sendo a generalidade
característica da previsão normativa, não pôde prever situações anormais, como
é a do caso vertente.
Na verdade, não podem as custas sair do depósito da
indemnização, se essas custas forem superiores ao valor depositado,
concluindo‑se que é o montante do depósito da indemnização o limite máximo das
custas em processo de expropriação, e no processo dos autos, e que, não tendo
entendido assim, o acórdão recorrido, foram violados os princípios
constitucionais da proporcionalidade, do acesso ao direito e aos tribunais e da
justa indemnização em expropriação por utilidade pública.
6.ª Nas regras de interpretação das normas jurídicas, como nos
diz o Prof. Oliveira Ascensão «... A letra não é só o ponto de partida, é também
um elemento irremovível de toda a interpretação. Quer isto dizer que o texto
funciona também como limite da busca do espírito» (cf. José de Oliveira
Ascensão, O Direito – Introdução e Teoria Geral, 2.ª ed., Fundação Calouste
Gulbenkian, pág. 354).
Acrescenta o Código Civil que não pode ser considerado pelo
intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de
correspondência verbal.
Assim sendo, o acórdão recorrido, ao não ter aceitado a
interpretação que os recorrentes fazem do n.º 2 do artigo 66.º do Código das
Custas Judiciais, de que o montante do depósito da indemnização é o limite
máximo das custas no processo dos autos, e ao vir dizer que o legislador apenas
pretendeu garantir, ainda que parcialmente, o crédito das custas, e dizer que o
entendimentos dos recorrentes implica uma interpretação extensiva, alegadamente
contrária à lei, face ao seu carácter excepcional, errou, violando princípios
constitucionais, pelo que deverá ser revogado.
7.ª É irrelevante para a interpretação que os recorrentes
fazem da norma do n.º 2 do artigo 66.º do Código das Custas Judiciais, no
sentido de que o valor do depósito da indemnização corresponde na pior das
hipóteses ao valor máximo das custas, a circunstância de tal norma estar
inserida numa Secção do Código das Custas, denominada «oportunidade do pagamento
voluntário das custas», sendo falso que tal norma seja apenas relativa à forma
de pagamento e que não possa ser interpretada no sentido em que os recorrentes a
interpretam.
8.ª A estar a norma do n.º 2 do artigo 66.º do Código das
Custas Judiciais, como afirma o acórdão recorrido, em conformidade com o
estabelecido no artigo 51.º, n.º 3, do Decreto‑Lei n.º 438/91, de 9 de Novembro
(Código das Expropriações, na versão aplicável aos autos), que diz: «... Se
houver recurso, o juiz atribuirá imediatamente aos interessados, nos termos do
número anterior, o montante sobre o qual se verifique acordo, retendo, porém,
se necessário, a quantia provável das custas do processo no caso de o
expropriado ou os demais interessados decaírem no recurso», e em conformidade
com o estabelecido no artigo 52.º, n.º 3, da Lei n.º 168/99, de 18 de Setembro
(versão do Código das Expropriações não aplicável aos autos) (o texto é idêntico
nas duas versões do Código das Expropriações), tal só vem reforçar a
interpretação que os recorrentes fazem do n.º 2 do artigo 66.º do Código das
Custas Judiciais, pois o Código das Expropriações também não admite a
possibilidade de as custas consumirem, ou excederem, o montante do depósito da
indemnização.
De facto, o artigo 51.º, n.º 3, do Decretro‑Lei n.º 438/91, de
9 de Novembro, entende que o depósito da indemnização é suficiente para que
dele saia para os interessados o montante da indemnização em relação ao qual
haja acordo, e que ainda sobeje montante de que possa ser retida parte para a
possibilidade de decaimento em recurso, o que justifica a interpretação da
referida norma no sentido em que o fazem os recorrentes.
9.ª É por demais evidente que o legislador não quis sequer que
o valor das custas «consuma» o valor da indemnização, quanto mais que o exceda,
em centenas de milhares de euros, sob pena de violação de vários princípios
constitucionais, entre os quais o princípio da justa indemnização por
expropriação de utilidade pública, constante do artigo 62.º, n.º 2, da
Constituição da República Portuguesa.
Entende‑se que foi o pensamento do legislador querer que o
valor do depósito da indemnização em processo de expropriação por utilidade
pública correspondesse, na pior das hipóteses, ao valor máximo das custas, pois
existe na letra da lei correspondência literal, quando diz que as custas devidas
pelo expropriado saem do depósito da indemnização, ainda que se possa considerar
que o pensamento foi imperfeitamente expresso, por ausência de previsão.
10.ª O valor do processo de expropriação que serviu de base
para o cálculo das custas tal como foram calculadas, e a grande diferença entre
o valor fixado pela arbitragem e o valor requerido pelos
expropriados/recorrentes, resultou de estes terem entendido ter direito a serem
indemnizados pela existência de massas minerais na sua propriedade, massas essa
que já haviam sido exploradas como pedreiras e que ficariam definitivamente
inutilizadas, como na verdade ficaram, com a construção da auto‑estrada para que
foram expropriados.
(À data da declaração de utilidade pública, segundo a lei
então vigente, Decreto‑Lei n.º 89/90, de 16 de Março, que definiu o que é uma
pedreira, embora apenas com o fim de determinar os princípios orientadores do
exercício das actividades de prospecção, pesquisa e exploração dos recursos
geológicos, não existiam no local «pedreiras», tal como entendidas pela referida
lei, pois tais massas minerais não estavam à data em exploração, embora tivessem
sido exploradas, ainda antes do referido Decreto‑Lei vir definir, para efeitos
técnicos, o que se entende por pedreira e pudessem a qualquer momento voltar a
ser exploradas, pois estavam longe de se encontrar esgotadas, conforme consta do
relatório dos peritos da Universidade de Évora e como resulta do facto de essa
mesma pedra ter sido utilizada na construção da auto‑estrada.)
11.ª Por falta de conhecimentos técnicos que lhes permitissem
avaliar o bem, (pedreiras/massas minerais) os recorrentes socorreram‑se da
opinião de um conceituado geólogo, que avaliou as massas minerais em 3 640 000
000$00.
12.ª O próprio Tribunal de Évora sentiu necessidade de ordenar
oficiosamente a realização de uma perícia, que foi efectuada por três geólogos
da Universidade de Évora, que elaboraram relatório, que está junto aos autos,
onde avaliaram as pedreiras/massas minerais em valores entre 1 583 500.000$00 e
1 945 500 000$00, o que bem atesta que tais pedreiras/massas minerais existem,
e que têm valor económico.
13.ª O facto de o Tribunal ter tomado por si próprio a
iniciativa de pedir a referida perícia aos geólogos da Universidade de Évora
mostra que equacionou a hipótese de atribuir indemnização pelas
pedreiras/massas minerais inviabilizadas pela expropriação, o que poderia de
facto ter sucedido, não fosse a circunstância de o processo ter tido, só no
Tribunal da Comarca de Évora, três juízes diferentes.
14.ª Os expropriados/recorrentes, se tivessem antecipado o
valor das custas, não poderiam ainda assim reduzir o pedido, pois tal redução
careceria de justificação técnica. E aceitar que devessem ter optado por não
recorrer do acórdão arbitral, inibidos face ao risco das custas,
consubstanciaria o reconhecimento da negação do acesso ao direito e aos
tribunais por razões económicas.
15.ª Conclui‑se, assim, i) que era legítima a expectativa que
os recorrentes tinham de serem indemnizados pela perca definitiva das suas
pedreiras/massas minerais; ii) que o valor do recurso, utilizado para o cálculo
das custas, teve na origem um parecer técnico; iii) e que tais pedreiras/massas
minerais existiam de facto.
Não tem, pois, razão o acórdão recorrido, que deverá ser
revogado, ao vir dizer, sobre o valor das custas, «e se o montante é elevado
resulta do modo – manifestamente excessivo e infundado por recair,
essencialmente, em rendimentos de uma pedreira inexistente ... – como foi
exercido o direito dos agravantes à indemnização…».
16.ª A aplicação das leis tem que resultar em soluções justas.
Os expropriados/recorrentes, pessoas com mais de 70 anos, funcionários públicos
reformados, não podem ficar sem o bem expropriado por utilidade pública, sem o
valor da indemnização, que reverte para o Estado absorvida pelas custas, e
verem‑se ainda forçados a vender algum bem que possam ter adquirido ao longo da
sua vida de trabalho, para pagarem as custas de um processo a que não deram
causa, que nunca quiseram e no qual foram envolvidos pela entidade expropriante
com o apoio do Estado, pelo facto de terem entendido que tinham direito a ser
indemnizados pelo valor da pedra das suas massas minerais, cuja existência e
valor está largamente documentada nos autos, que sabiam terem sido já exploradas
como pedreiras e de cuja pedra se serviu a própria entidade expropriante na
construção da auto‑estrada.
Conclui‑se, assim, que certamente não é isto que a Lei e o
Estado de Direito pretendem, restando aos recorrentes o Tribunal Constitucional,
como garante da interpretação e aplicação clara dos princípios constitucionais a
que foram cegos os tribunais recorridos, não podendo deixar de revogar‑se o
acórdão recorrido.
17.ª Sentem os expropriados/recorrentes necessidade de dizer
ao Tribunal Constitucional que, face à situação de desespero em que se
encontram e tendo em conta os prazos impostos pela Convenção Europeia dos
Direitos do Homem (uma vez que consideram que o prazo se conta do acórdão da
Relação de Évora), apresentaram já ao Tribunal Europeu dos Direitos do Homem uma
queixa contra o Estado Português, relacionada com as custas judiciais em que
foram condenados no processo objecto do presente recurso. Essa queixa foi já
admitida, tendo ficado com o n.º 24768/06 – Segunda Secção. Por indicação do
Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, deverão os aí queixosos informar o
Tribunal de qualquer desenvolvimento do caso, enviando cópia de todas as
decisões pertinentes.
18.ª O acórdão recorrido andou mal, ao entender que o depósito
da indemnização não é o limite máximo das custas devidas pelos
expropriados/recorrentes, tendo violado os princípios constitucionais da
proporcionalidade e do acesso ao direito e aos tribunais, consagrados,
nomeadamente, nos artigos 2.º, 18.º, n.º 2, 20.º, n.º 1, e 266.º, n.º 2, da
Constituição, bem como o direito a uma justa indemnização por expropriação por
utilidade pública, constante do n.º 2 do artigo 62.º da Constituição da
República Portuguesa, que constitui um direito fundamental de natureza análoga,
existindo inconstitucionalidade material, pelo que deverá ser revogado.
19.ª A norma contida no artigo 66.º, n.º 2, do Código das
Custas Judiciais, na versão referida, que diz: «As custas devidas pelo
expropriado saem do depósito da indemnização», conjugada e não conjugadas, com o
disposto nos artigos 6.º, n.º 1, alínea s), 13.º, n.º 1, e tabela a que se
refere, artigo 14.º, corpo e alínea j), artigo 15.º, n.º 2, artigo 18.º, n.º 2,
e tabela a que se refere, artigo 40.º, n.º 1, e 41.º, deverá ser declarada
inconstitucional, quando interpretada no sentido de que:
As custas devidas pelo expropriado saem do depósito da
indemnização, total ou parcialmente, não constituindo o valor do depósito
limite máximo do valor das custas, que podem ser superiores ao valor da
indemnização que foi determinada ao expropriado.
20.ª A Constituição da República Portuguesa prevê que a lei só
pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente
previstos na Constituição, devendo as restrições limitar‑se ao necessário para
salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos
(artigo 18.º, n.º 2, da Constituição).
No que se refere à actuação da Administração Pública, a
Constituição refere que os órgãos e agentes administrativos devem actuar, no
exercício das suas funções, com respeito, além do mais, pelo princípio da
proporcionalidade (artigo 266.º, n.º 2, da Constituição).
O princípio da proporcionalidade (ou da proibição do excesso)
é um corolário do princípio da confiança, arraigado na ideia de Estado de
Direito democrático constante do artigo 2.º da Constituição, e tem
essencialmente a ver com a ideia de justa medida no quadro das desvantagens dos
meios em relação às vantagens dos fins.
A doutrina, também citada pelo Acórdão recorrido, tem
entendido que o princípio da proporcionalidade, em sentido lato, comporta três
vertentes, a da adequação, no sentido de as medidas restritivas deverem
constituir o meio adequado à prossecução do fim visado pela lei, da sua
exigibilidade por serem necessárias, e da proporcionalidade stricto sensu, no
sentido de as medidas e os fins obtidos deverem situar‑se em justa medida, isto
é, aquelas não serem desproporcionadas ou excessivas em relação a estes (J. J.
Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada,
Coimbra, 1993, págs. 127 e 128).
Ora, as custas impostas aos expropriados/recorrentes não estão
conforme o princípio da adequação, pois, face ao seu valor, não se mostram
adequadas, sendo antes excessivas, à prossecução dos fins visados pelo Código
das Custas, que são o estabelecimento de uma taxa de justiça devida pelo recurso
aos tribunais, que não colida com outros direitos ou bens constitucionalmente
protegidos.
21.ª As custas impostas aos expropriados/recorrentes
contrariam também o princípio da exigibilidade, pois não se revelam necessárias
aos fins visados pela lei, podendo tais fins ser obtidos por outros meios menos
onerosos para os direitos, liberdades e garantias dos expropriados/recorrentes,
através da fixação do valor das custas num montante que não consuma, ou exceda,
o valor da indemnização fixada aos expropriados.
22.ª As custas impostas aos expropriados/recorrentes também
não estão conforme o princípio da proporcionalidade em sentido restrito, pois os
meios legais restritivos não se situam numa justa medida em relação aos fins
obtidos pelos expropriados/recorrentes, pois estes ficam sem o bem expropriado,
sem o valor da indemnização e ainda terão que pagar centenas de milhares de
euros em custas. A lei impõe aos recorrentes medidas legais restritivas,
desproporcionadas e excessivas, em relação aos fins obtidos, sendo por isso
inconstitucional.
No mesmo sentido tem decidido a jurisprudência do Tribunal
Constitucional, considerando que a contracção do acesso ao direito e aos
tribunais, com a prossecução do interesse público constitucionalmente protegido
com a tributação, deve ser avaliada à luz do princípio da proporcionalidade
implícito no n.º 2 do artigo 18.º da Constituição (Acórdão do Tribunal
Constitucional, n.º 1182/96, de 20 de Novembro de 1996, Acórdãos do Tribunal
Constitucional, 35.º vol., pág. 447).
23.ª O acórdão recorrido citou a mesma doutrina e idêntica
jurisprudência, tendo, erradamente, concluído em sentido contrário ao dos
recorrentes, ao considerar que não se verificou qualquer violação do princípio
da proporcionalidade, por, segundo afirmou, não se verificar ... qualquer
desproporcionalidade entre o serviço prestado e aquele custo (referindo‑se às
custas judiciais superiores a 300 000 € e de valor muito superior ao valor da
indemnização fixada na expropriação) – trata‑se de processo volumoso (já são 13
volumes) trabalhoso e com complexidade, em que questões há, suscitadas pelos
expropriados, que determinaram a realização de pareceres técnicos.
24.ª A complexidade e trabalho de um processo judicial mede‑se
pela complexidade das questões e pela qualidade com que são tratadas, e não pelo
seu volume. Sendo certo que alguns dos pareceres técnicos e também jurídicos,
constantes do processo, não foram requeridos pelos recorrentes.
25.ª Alguns dos pareceres técnicos resultaram de questões
também por si suscitadas, na medida em que foram os recorrentes, mas também a
entidade expropriante, que recorreram da decisão arbitral que determinou o valor
da indemnização, sem atribuir qualquer valor às massas minerais inviabilizadas.
No entanto, o volume do processo resulta da própria circunstância de se tratar
de um processo de expropriação, que necessariamente contém, entre outros
elementos, a vistoria ad perpetuam rei memoriam, laudo de arbitragem,
relatórios dos peritos, etc. Os recorrentes não podem ser penalizados em termos
de custas, por se considerar que o processo dos autos é volumoso.
26.ª Alguns dos pareceres técnicos que o acórdão recorrido
considera que contribuíram para o volume do processo, que por ser volumoso,
justifica, em seu entender, o montante exorbitante das custas fixadas aos
expropriados/recorrentes, foram atempadamente pagos. Foram pagos os pareceres
técnicos e jurídicos juntos pelas partes, tal como foram pagos aqueles que
foram ordenados oficiosamente.
Por esta razão, pelo menos estas peças constantes do processo
não deveriam contar para o cômputo do número de volumes processuais, nem para o
volume do processo, quer estes sejam ou não tidos em conta no apuramento da
conta de custas, segundo o critério do acórdão recorrido. Nem tão‑pouco devem
contar para a classificação do processo como trabalhoso, ou complexo, para
efeito de determinação do valor das custas a pagar pelos
expropriados/recorrentes.
Sendo certo que a circunstância de um processo ser volumoso
não obriga a que seja muito trabalhoso ou de grande complexidade. Veja‑se, por
exemplo, o acórdão recorrido, que das 13 folhas que o compõem, aproximadamente
10 são a reproduzir as alegações dos recorrentes.
Outras circunstâncias há que contribuíram para o avolumar do
processo dos autos, sem qualquer intervenção dos ora recorrentes. Foi o caso do
recurso da entidade expropriante para o Tribunal da Relação de Évora, recurso
esse que veio a ganhar, interposto de decisão que não lhe admitiu o recurso da
decisão arbitral, por alegada extemporaneidade, uma vez que o juiz considerou o
processo urgente, quando não o era manifestamente naquela fase.
De qualquer forma, a actividade jurisdicional dos autos,
envolvida pela acção, incidente, ou recurso, e a sua complexidade, seria a
mesma, quer os recorrentes, com base em parecer técnico, tivessem atribuído às
pedreiras/massas minerais o valor de 1 €, ou 1 000 000 €.
Tendo o acórdão recorrido, da interpretação que fez do que é o
princípio da proporcionalidade, chegado à conclusão que as custas impostas aos
expropriados, em valor exorbitante e muito superior ao valor da indemnização,
respeitam tal princípio constitucional, sendo, em seu entender, proporcionadas,
na justa medida e não excessivas em relação aos fins obtidos, violou princípios
constitucionais, pelo que deverá ser revogado.
27.ª Em Portugal vigora o regime da taxa fixa proporcional ao
valor da causa, que tem muitas vezes, e indiscutivelmente no caso dos autos, o
inconveniente da desproporcionalidade entre o serviço judicial realizado e o
seu custo. E, sendo uma taxa, está sujeita às imposições e princípios
constitucionais que lhe são aplicáveis, designadamente e em especial, o
princípio da proporcionalidade.
A doutrina tem‑se pronunciado neste sentido, afirmando que,
«enquanto os impostos obedecem ao exigente princípio da legalidade fiscal e a
sua medida tem por base o princípio da capacidade contributiva, as taxas (e
demais tributos bilaterais) bastam-se com a reserva à lei parlamentar (ou
decreto‑lei parlamentarmente autorizado) do seu regime geral e a sua medida
assenta no princípio da proporcionalidade taxa/prestação estadual proporcionada
ou taxa/custos específicos causados à comunidade (estadual ou local)» (José
Casalta Nabais, Direito Fiscal, 2.ª edição, Almedina, pág. 20).
A jurisprudência do Tribunal Constitucional tem também
decidido no sentido de que taxa de justiça é uma verdadeira taxa,
distinguindo‑a de um imposto, face à sua natureza bilateral, estando assim
sujeita ao princípio da proporcionalidade.
Assim, as custas judiciais, enquanto taxas e apesar da sua
particularidade e regime próprios, designadamente quanto à sua forma de cálculo
e determinação, feita governamentalmente através de tabelas fixas, não podem
deixar de observar e respeitar os princípios fundamentais em que assentam a
existência e aplicação de todas e quaisquer taxas.
28.ª Para obviar ao inconveniente da desproporcionalidade
entre o serviço judicial realizado e o seu custo, a lei estabelece graus de
redução da taxa de justiça, envolvendo todo o sistema de custas a ideia matriz
de fixação da taxa de justiça à luz do princípio da proporcionalidade, por
referência à actividade judicial desenvolvida nas acções, recursos, incidentes
ou procedimentos.
No quadro do referido regime geral da taxa de justiça fixada
proporcionalmente ao valor da causa, com base em critério estritamente
objectivo, a lei estabelece a determinação da taxa de justiça relativa ao
processo de expropriação em causa, com base no valor para efeito de custas nela
previsto (artigo 6.º, n.º 1, alínea s), do Código de Custas Judiciais), em taxa
de justiça fixa prevista na tabela a que se reporta o artigo 13.º do CCJ, tendo
em conta as reduções dos artigos 14.º, alínea j), e 18.º, n.º 2, e o disposto no
n.º 2 do artigo 66.º do CCJ.
Ressalta com evidência, que a taxa de justiça resultante da
decisão, mantida pelo acórdão recorrido, que operando a correcção da conta de
custas, que se manterá superior a 300 000 €, se revela ainda muito
desproporcionada em relação à actividade processual desenvolvida na acção em
causa e ao benefício alcançado pelos expropriados, sendo inconstitucional.
Também no sentido da salvaguarda do princípio da
proporcionalidade no âmbito das custas judiciais, vem o disposto no artigo 27.º
do Código das Custas Judiciais, com as alterações introduzidas pelo Decreto‑Lei
n.º 324/2003, de 27 de Dezembro, permitir ao juiz fixar em 250 000 € o valor do
processo para efeito de custas. Norma esta que não poderá deixar de ser tida em
consideração, tendo em vista a revogação do acórdão recorrido, que se deverá
verificar.
29.ª O princípio constitucional do direito ao acesso ao
direito e aos tribunais, previsto no n.º 1 do artigo 20.º da Constituição da
República Portuguesa, impõe que a todos, incluindo aos
expropriados/recorrentes, seja assegurado tal direito de acesso, para defesa
dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser
denegada por insuficiência de meios económicos.
30.ª Esta norma constitucional garante, por um lado, a defesa
de direitos e, por outro, a necessidade da lei ordinária assegurar que ninguém
seja impedido de aceder à justiça em razão de insuficiência de meios
económicos, em termos de salvaguarda do princípio da igualdade.
Assim, a lei ordinária, sob risco de inconstitucionalidade,
não pode estabelecer exigências graves de acesso ao direito e aos tribunais,
que tornem tal acesso intoleravelmente difícil, como seria no caso dos
recorrentes, se ficassem sem o bem expropriado, sem o valor da indemnização e
ainda tivessem que pagar custas de centenas de milhar de euros.
É entendimento da doutrina que o acesso ao direito e aos
tribunais só é assegurado se não for impedido às pessoas em geral, por
insuficiência de meios económicos, por exemplo, através de um regime de custas
judiciais tão gravoso que o torne insuportável, acrescentando que o referido
direito proíbe que os encargos com a justiça legalmente fixados o dificultem
consideravelmente (J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da
República Portuguesa Anotada, Coimbra, 1993, págs. 164 e 165).
No mesmo sentido se tem pronunciado a jurisprudência
constitucional, ao considerar que o legislador ordinário é livre na fixação do
montante das custas, mas essa liberdade tem o limite de a justiça ser acessível
à generalidade dos cidadãos sem o recurso ao sistema de apoio judiciário, tendo
em consideração o nível geral dos rendimentos, por forma a não tornar
incomportável para o comum das pessoas o custeio de uma demanda judicial
(Acórdão do Tribunal Constitucional, n.º 70/98, de 4 de Fevereiro de 1998, BMJ,
n.º 474, pág. 19).
Indo mais longe, tem a jurisprudência constitucional
considerado que, mesmo para as pessoas com recursos económicos, a exigência de
pagamento de custas de montante exorbitante em correlação com a aleatória
vantagem derivada do recurso aos tribunais é susceptível de restringir o
direito de acesso ao direito e aos tribunais (Acórdão do Tribunal
Constitucional, n.º 487/97, de 2 de Junho de 1997, BMJ, n.º 469, pág. 83).
No sentido de que a liberdade do legislador ordinário na
fixação do custo do acesso à justiça está limitada pela razoabilidade e
proporcionalidade, ou seja, pela acessibilidade das pessoas de medianas
possibilidades económicas sem terem de recorrer ao apoio judiciário e que a
ponderação da proporcionalidade entre o resultado obtido e a carga
constrangedora, não pode deixar de ter presente os quantitativos concretos das
custas do processo, pronunciou‑se também a jurisprudência constitucional
(Acórdão do Tribunal Constitucional, n.º 1182/96, de 20 de Novembro de 1996,
Acórdãos do Tribunal Constitucional, 35.º vol., pág. 447).
A jurisprudência do Tribunal Constitucional tem também
concluído que a lei que estabeleça custas inacessíveis à generalidade das
pessoas, ou inviabilizantes, ou particularmente onerosas, para o acesso aos
tribunais pelos cidadãos médios é inconstitucional, por violação do acesso à
justiça e aos tribunais (Acórdãos do Tribunal Constitucional, n.º 70/98, de 4 de
Fevereiro de 1998, BMJ, n.º 474, pág. 19, e n.º 247/99, de 29 de Abril de 1999,
BMJ, n.º 486, pág. 104).
Não tem, pois, razão o acórdão recorrido, que deverá ser
revogado, quando diz, defendendo que o valor das custas não viola o princípio do
direito de acesso ao direito e aos tribunais, que ... as partes manifestaram já
as suas posições sobre o objecto do processo (o que garante a defesa dos seus
direitos), nada podendo trazer de útil na defesa do direito objecto dos autos
(...) o montante das custas a pagar, ou quando diz, ... uma coisa é a
indemnização (...) outra diversa é a determinação do montante das custas devidas
pelo recurso aos tribunais, sabido que não constitui princípio constitucional a
gratuitidade dos serviços de justiça ... (cf. fl. 13 do acórdão).
31.ª Em todas a reclamações de contas de custas, antes dessas
reclamações terem lugar, já as partes, em momento anterior, manifestaram as
suas posições nos processos, pelo que não se compreende o alcance do acórdão
recorrido quanto a esta questão, nem porque é que, no caso dos recorrentes, a
situação deveria ser diferente.
Os recorrentes não pretendem, nem nunca defenderam, a
gratuitidade dos serviços de justiça. No entanto, entre a gratuitidade e um
valor de custas exorbitante, em que o Estado fica com o bem expropriado e com o
valor da indemnização, tendo os expropriados ainda que pagar centenas de
milhares de euros, vai uma grande distância, que o acórdão recorrido não poderia
deixar de ter tido em consideração. Conclui‑se, assim, também aqui ter o acórdão
recorrido violado os princípios constitucionais, nomeadamente o do direito de
acesso ao direito e aos tribunais, pelo que deverá ser revogado.
32.ª As expropriações por utilidade pública têm um fim social.
Contudo, não pode ser imposto aos expropriados/recorrentes que fiquem sem o
bem, sem o valor da indemnização e que ainda tenham que pagar custas de valor
exorbitante, só porque ousaram contestar o valor fixado na arbitragem, o que
fizeram com base num parecer técnico (junto a fls. 447 a 467) que, face ao
montante que veio a resultar da perícia ordenada oficiosamente (junta aos autos
a fls. 538 a 604), não se pode considerar que tenha sido um pedido infundado ou
desfasado da realidade.
33.ª Não é verdade, como afirma o acórdão recorrido, que o
montante das custas seja elevado face ao valor do processo, em resultado do modo
… manifestamente excessivo e infundado por recair, essencialmente, em
rendimentos de uma pedreira inexistente ..., pois o que esteve sempre em causa
foi o valor das massas minerais dos expropriados/recorrentes, que já haviam sido
exploradas como pedreiras, antes mesmo de a lei das pedreira à data em vigor ter
definido o que é uma pedreira (definição apenas com o fim de determinar os
princípios orientadores do exercício das actividades de prospecção, pesquisa e
exploração dos recursos geológicos – Decreto‑Lei n.º 89/90, de 16 de Março) e
que, face à construção da auto‑estrada, que até utilizou recursos minerais de
tais massas, a sua exploração ficou definitivamente inviabilizada.
Na defesa de que tais massas minerais eram susceptíveis de
serem indemnizadas, estavam os expropriados/recorrentes acompanhados pela
doutrina majoritária (cf. Fernando Alves Correia, As Garantias do Particular na
Expropriação por Utilidade Pública, Coimbra, 1982).
34.ª O acórdão recorrido deveria ter interpretado as normas
constantes dos artigos 6.º, n.º 1, alínea s), 13.º, n.º 1, 14.º, alínea j),
15.º, n.º 2, 18.º, n.º 2, 40.º, n.º 1, 41.º e 66.º, n.º 2, do Código das Custas
Judiciais, com respeito pelos princípios constitucionais da proporcionalidade,
do direito ao acesso ao direito e aos tribunais, bem como do direito à justa
indemnização por expropriação por utilidade pública, consagrados nomeadamente
nos artigos 2.º, 18.º, n.º 2, 20.º, n.º 1, 62.º, n.º 2, e 266.º, n.º 2, da
Constituição, fixando tais custas em montante substancialmente inferior, que não
excedesse, ou consumisse, o valor do depósito da indemnização, assim
respeitando os invocados princípios constitucionais.
35.ª Na fixação do montante das custas com respeito pela
Constituição, ou na definição do seu critério de cálculo, deveria o acórdão
recorrido ter‑se servido da interpretação analógica das normas do artigo 16.º do
Código das Custas Judiciais, ou do n.º 3 do artigo 10.º do Código Civil,
operando uma excepcional redução no valor da causa para efeitos de custas,
interpretando os artigos 6.º, alínea s), 14.º, alínea j), e 18.º, n.º 2, do
Código das Custas Judiciais conforme as regras e princípios constitucionais
invocados, por forma a chegar a um valor de custas consentâneo com a utilidade
económica da acção para os expropriados/recorrentes, com a complexidade do
processo e com o direito dos expropriados ao acesso ao direito e aos tribunais e
à justa indemnização, à luz do que o próprio legislador vejo explicitar, na
redacção do artigo 27.º do Código das Custas Judiciais, com as alterações
introduzidas pelo Decreto‑Lei n.º 324/2003, de 27 de Dezembro, ao admitir que
não se considere o valor do processo acima de 250 000 € para efeitos de custas.
36.ª Os recorrentes impugnam as interpretações normativas
feitas pelo acórdão recorrido das normas constantes dos artigos 6.º, n.º 1,
alínea s), 13.º, n.º 1, 14.º, alínea j), 15.º, n.º 2, 18.º, n.º 2, 40.º, n.º 1,
41.º e 66.º, n.º 2, do Código das Custas Judiciais, conducentes a fixar as
custas do processo em valor superior ao do depósito da indemnização, por
violarem os princípios constitucionais da proporcionalidade e do acesso ao
direito e aos tribunais, consagrados, nomeadamente, nos artigos 2.º, 18.º, n.º
2, 20.º, n.º 1, e 266.º, n.º 2, da Constituição, bem como o direito a uma justa
indemnização por expropriação por utilidade pública, consagrado no n.º 2 do
artigo 62.º da Constituição da República Portuguesa, pelo que o acórdão deverá
ser revogado.
37.ª Concluem os recorrentes que deverá ser apreciada a
inconstitucionalidade de cada uma das referidas normas, quando interpretadas no
sentido que para cada uma delas se indica.
38.ª Concluem que deverá ser declarada inconstitucional a
norma contida no artigo 6.º, n.º 1, alínea s), do Código das Custas Judiciais,
na versão referida, que diz: 1. Nos casos a seguir enunciados considera-se como
valor para efeito de custas: s) Nos recursos em expropriação, o da diferença
entre a indemnização fixada na arbitragem e a importância indicada pelo
recorrente; ... conjugada e não conjugada, com o disposto nos artigos 13.º, n.º
1, e tabela a que se refere, 14.º, corpo e alínea j), 15.º, n.º 2, 18.º, n.º 2,
e tabela a que se refere, 40.º, n.º 1, 41.º e 66.º, n.º 2, quando interpretada
no sentido de que:
Considera‑se como valor para efeito de custas, nos recursos em
processo de expropriação por utilidade pública, o da diferença entre a
indemnização fixada na arbitragem e a importância indicada pelo recorrente,
qualquer que seja a actividade jurisdicional envolvida pela acção, incidente, ou
recurso, e a sua complexidade, e qualquer que seja o benefício efectivamente
auferido pelo expropriado no processo de expropriação, e ainda que o valor das
custas calculadas seja superior ao valor da indemnização que foi determinada ao
expropriado.
39.ª Concluem que deverá ser declarada inconstitucional a
norma contida no artigo 13.º, n.º 1, e tabela a que se refere, do Código das
Custas Judiciais, na versão referida, que diz: Sem prejuízo do disposto nos
artigos seguintes, a taxa de justiça é a constante da tabela anexa, sendo
calculada sobre o valor das acções, dos incidentes ou dos recursos, conjugada e
não conjugada, com o disposto nos artigos, 6.º, n.º 1, alínea s), 14.º, corpo e
alínea j), 15.º, n.º 2, 18.º, n.º 2, e tabela a que se refere, 40.º, n.º 1, 41.º
e 66.º, n.º 2, quando interpretada no sentido de que:
Sem prejuízo do disposto nos artigos seguintes ao artigo 13.º,
a taxa de justiça é a constante da tabela anexa, sendo calculada sobre o valor
das acções, dos incidentes ou dos recursos, qualquer que seja a actividade
jurisdicional envolvida pela acção, incidente, ou recurso, e a sua complexidade,
e qualquer que seja o benefício efectivamente auferido pelo expropriado no
processo de expropriação, e ainda que o valor das custas calculadas seja
superior ao valor da indemnização que foi determinada ao expropriado.
40.ª Concluem que deverá ser declarada inconstitucional a
norma contida no artigo 14.º, corpo e alínea j), do Código das Custas
Judiciais, na versão referida, que diz: A taxa de justiça é reduzida a metade
nos seguintes casos: j) Recursos para os tribunais de 1.ª instância, conjugada e
não conjugada, com o disposto nos artigos 6.º, n.º 1, alínea s), 13.º, n.º 1 e
tabela a que se refere, 15.º, n.º 2, 18.º, n.º 2 e tabela a que se refere, 40.º,
n.º 1, 41.º e 66.º, n.º 2, quando interpretada no sentido de que:
A taxa de justiça é reduzida a metade, nos recursos para os
tribunais de 1.ª instância, qualquer que seja a actividade jurisdicional
envolvida pela acção, incidente, ou recurso, e a sua complexidade, e qualquer
que seja o benefício efectivamente auferido pelo expropriado no processo de
expropriação, e ainda que o valor das custas calculadas seja superior ao valor
da indemnização que foi determinada ao expropriado.
41.ª Concluem que deverá ser declarada inconstitucional a
norma contida no artigo 15.º, n.º 2, do Código das Custas Judiciais, na versão
referida, que diz: Nos casos previstos no número anterior, a taxa de justiça é
reduzida a um oitavo quando não houver ou não for possível oposição, podendo o
juiz, justificadamente, reduzi‑la até metade de 1 UC, conjugada e não conjugada,
com o disposto nos artigos 6.º, n.º 1, alínea s), 13.º, n.º 1 e tabela a que se
refere, artigo 14.º, corpo e alínea j), 18.º, n.º 2 e tabela a que se refere,
40.º, n.º 1, 41. ° e 66.º, n.º 2, quando interpretada no sentido de que:
Em processo de expropriação, nos casos previstos no n.º 1 do
artigo 15.º, a taxa de justiça, que não seja reduzida pelo juiz até metade de 1
UC, é reduzida a um oitavo, qualquer que seja a actividade jurisdicional
envolvida pela acção, incidente, ou recurso, e a sua complexidade, e qualquer
que seja o benefício efectivamente auferido pelo expropriado no processo de
expropriação, e ainda que o valor das custas calculadas seja superior ao valor
da indemnização que foi determinada ao expropriado.
42.ª Concluem os recorrentes que deverá ser declarada
inconstitucional a norma contida no artigo 18.º, n.º 2 e tabela a que se refere,
do Código das Custas Judiciais, na versão referida, que diz: Nas apelações,
revistas e agravos de decisões proferidas em quaisquer acções ou incidentes, sem
prejuízo do disposto no artigo 16.º, a taxa de justiça é de metade da constante
na tabela, conjugada e não conjugada, com o disposto nos artigos 6.º, n.º 1,
alínea s), 13.º, n.º 1 e tabela a que se refere, artigo 14.º, corpo e alínea j),
artigo 15.º, n.º 2, 40.º, n.º 1, 41.º e 66.º, n.º 2, quando interpretada no
sentido de que:
Nas apelações, revistas e agravos de decisões proferidas em
quaisquer acções ou incidentes, não tendo o juiz fixado a taxa de justiça nos
termos do artigo 16.º, a taxa de justiça é de metade da constante na tabela,
qualquer que seja a actividade jurisdicional envolvida pela acção, incidente, ou
recurso, e a sua complexidade, e qualquer que seja o benefício efectivamente
auferido pelo expropriado no processo de expropriação, e ainda que o valor das
custas calculadas seja superior ao valor da indemnização que foi determinada ao
expropriado.
43.ª Concluem os recorrentes que deverá ser declarada
inconstitucional a norma contida no artigo 40.º, n.º 1, do Código das Custas
Judiciais, na versão referida, que diz: Sem prejuízo do disposto no regime do
acesso ao direito e aos tribunais, a parte vencedora, na proporção em que o
seja, tem direito a receber do vencido, desistente ou confitente, em cada
instância e no Supremo Tribunal de Justiça ... uma quantia a título de
procuradoria, que entra em regra de custas, conjugada e não conjugada, com o
disposto nos artigos 6.º, n.º 1, alínea s), 13.º, n.º 1 e tabela a que se
refere, artigo 14.º, corpo e alínea j), artigo 15.º, n.º 2, artigo 18.º, n.º 2 e
tabela a que se refere, 41.º e 66.º, n.º 2, quando interpretada no sentido de
que:
Sem prejuízo do disposto no regime do acesso ao direito e aos
tribunais, a parte vencedora, na proporção em que o seja, tem direito a receber
do vencido, desistente ou confitente, em cada instância e no Supremo Tribunal de
Justiça, uma quantia a título de procuradoria, que entra em regra de custas,
qualquer que seja a actividade jurisdicional envolvida pela acção, incidente,
ou recurso, e a sua complexidade, e qualquer que seja o benefício efectivamente
auferido pelo expropriado no processo de expropriação, e ainda que o valor das
custas calculadas seja superior ao valor da indemnização que foi determinada ao
expropriado.
44.ª Concluem os recorrentes que deverão ser declaradas
inconstitucionais as normas contidas no artigo 41.º do Código das Custas
Judiciais, na versão referida, que dizem: 1. A procuradoria é arbitrada pelo
tribunal, tendo em atenção o valor e a complexidade da causa, entre um quarto e
metade da taxa de justiça devida. 2. Quando o tribunal a não arbitre, a
procuradoria é igual a metade da taxa de justiça devida, conjugadas e não
conjugadas, com o disposto nos artigos, 6.º, n.º 1, alínea s), 13.º, n.º 1 e
tabela a que se refere, artigo 14.º, corpo e alínea j), artigo 15.º, n.º 2,
artigo 18.º, n.º 2 e tabela a que se refere, artigo 40.º, n.º 1, e 66.º, n.º 2,
quando interpretadas no sentido de que:
A procuradoria é arbitrada pelo tribunal, tendo em atenção o
valor e a complexidade da causa, entre um quarto e metade da taxa de justiça
devida, e, quando o tribunal a não arbitre, a procuradoria é igual a metade da
taxa de justiça devida, qualquer que seja a actividade jurisdicional envolvida
pela acção, incidente, ou recurso, e a sua complexidade, e qualquer que seja o
benefício efectivamente auferido pelo expropriado no processo de expropriação,
e ainda que o valor das custas calculadas seja superior ao valor da indemnização
que foi determinada ao expropriado.
45.ª Concluem os recorrentes que deverá ser declarada
inconstitucional a norma contida no artigo 66.º, n.º 2, do Código das Custas
Judiciais, na versão referida, que diz: As custas devidas pelo expropriado saem
do depósito da indemnização, conjugada e não conjugada, com o disposto nos
artigos 6.º, n.º 1, alínea s), 13.º, n.º 1 e tabela a que se refere, artigo
14.º, corpo e alínea j), artigo 15.º, n.º 2, artigo 18.º, n.º 2 e tabela a que
se refere, artigo 40.º, n.º 1, e 41.º, quando interpretada no sentido de que:
As custas devidas pelo expropriado saem do depósito da
indemnização, total ou parcialmente, não constituindo o valor do depósito
limite máximo do valor das custas, que podem ser superiores ao valor da
indemnização que foi determinada ao expropriado.
46.ª O Tribunal deverá tomar conhecimento da
constitucionalidade das normas contidas nos artigos 6.º, n.º 1, alínea s), 13.º,
n.º 1, 14.º, alínea j), 15.º, n.º 2, 18.º, n.º 2, 40.º, n.º 1, e 41.º do
referido Código das Custas Judiciais, com as interpretações indicadas para cada
uma delas, por ter quanto a elas o acórdão recorrido aplicado, como ratio
decidendi, também as dimensões interpretativas, na parte que se referem a
«qualquer que seja a actividade jurisdicional envolvida pela acção, incidente,
ou recurso, e a sua complexidade, e qualquer que seja o benefício efectivamente
auferido pelo expropriado no processo de expropriação, e ainda que o valor das
custas calculadas seja superior ao valor da indemnização que foi determinada aos
expropriados».
47.ª Na verdade, o acórdão recorrido refere‑se à actividade
jurisdicional envolvida e à sua complexidade – devendo entender‑se que tais
referências abrangem a acção, incidentes e recursos, pois fazem parte do mesmo
processo – ao dizer ... não se verifica qualquer desproporcionalidade entre o
serviço prestado e aquele custo – trata‑se de processo volumoso (já são 13
volumes) trabalhoso e com complexidade ... (cf. fl. 12 do acórdão). Aplicou,
pois, o tribunal recorrido, como ratio decidendi, estas dimensões
interpretativas, que deverão ser apreciadas no recurso de constitucionalidade.
48.ª O acórdão recorrido refere‑se também ao benefício
efectivamente auferido pelos expropriados no processo de expropriação e à
possibilidade do valor das custas calculadas ser superior ao valor da
indemnização determinada aos expropriados. Tais referências são feitas ao dizer
o acórdão recorrido ... que o montante das custas não pode estar dependente do
sucesso ou insucesso do pedido – ... as custas são da responsabilidade de quem a
elas deu causa ... não podendo os ora agravantes escudar‑se em parecer técnico
... (cf. fl. 12 do acórdão), assim como ... sabido que não constitui princípio
constitucional a gratuitidade dos serviços de justiça e que são bem diferentes
os critérios legais de determinação dos respectivos montantes (referindo‑se ao
Código das Expropriações e ao Código das Custas Judiciais) (cf. fl. 13 do
acórdão). Aplicou o tribunal recorrido, como ratio decidendi, também estas
dimensões interpretativas, que também deverão ser apreciadas no recurso de
constitucionalidade.
49.ª Face ao exposto e às presentes conclusões, deverá, nos
termos do n.º 2 do artigo 80.º da Lei n.º 28/82 de 15 de Novembro, ser concedido
provimento ao presente recurso e ser revogado o acórdão recorrido, para que
possa vir a ser proferida decisão que venha a fixar o valor das custas com
respeito pelos princípios constitucionais da proporcionalidade, do direito ao
acesso ao direito e aos tribunais, bem como do direito à justa indemnização por
expropriação por utilidade pública, consagrados nomeadamente nos artigos 2.º,
18.º, n.º 2, 20.º, n.º 1, 62.º, n.º 2, e 266.º, n.º 2, da Constituição, em valor
que não exceda, nem consuma o valor do depósito da indemnização, valor esse que
os recorrentes defendem dever ser de 15 000 €.”
7. O representante do Ministério Público no
Tribunal Constitucional apresentou contra‑alegações, concluindo:
“1.º Nenhum preceito ou princípio constitucional impede que,
referentemente ao cálculo das custas devidas no âmbito de um processo
expropriativo, se apliquem os princípios gerais da causalidade e da sucumbência
– dependendo o valor tributário da acção do valor da pretensão deduzida pelo
expropriado que pretende controverter o juízo arbitral e decai, por o tribunal,
em decisão definitiva, entender que era despropositado o valor indicado pelo
expropriado, para além do encontrado em tal juízo, por ele impugnado.
2.º Deste modo, não pode inferir‑se da Constituição que o
valor da indemnização arbitrada – e depositada nos autos – funcione como limite
máximo para o valor das custas devidas pelo expropriado, calculadas em função
do valor económico dos interesses controvertidos e do decaimento ou sucumbência,
independentemente do grau da concreta actividade jurisdicional realizada ao
longo da tramitação da causa.
3.º Termos em que deverá improceder o presente recurso.”
8. O Acórdão n.º 230/2007, nesta parte não
afectado pelo deferimento do pedido de reforma, começou por apreciar a questão
prévia da delimitação do objecto do recurso, consignando‑se a este propósito:
“1. O presente recurso foi interposto ao abrigo da alínea b)
do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional, e, como se sabe, para
se poder conhecer deste tipo de recurso, torna‑se necessário, a mais do
esgotamento dos recursos ordinários e de que a inconstitucionalidade normativa
tenha sido suscitada durante o processo, que a norma ou dimensão normativa
impugnada tenha sido aplicada, como ratio decidendi, pela decisão recorrida. A
questão prévia suscitada no despacho que ordenou a produção de alegações, no
sentido da impossibilidade de se tomar conhecimento da totalidade do presente
recurso, prende‑se, justamente, com o preenchimento deste último requisito, que
importa averiguar.
Na resposta ao convite de aperfeiçoamento do requerimento de
recurso proferido pelo ora relator indicam‑se oito normas, que os recorrentes
pretendem ver apreciadas pelo Tribunal Constitucional, correspondentes a
interpretações normativas de preceitos do Código das Custas Judiciais:
[reproduzem-se as oito “normas” enunciadas pelos recorrentes,
coincidentes com as indicadas nas conclusões 38.ª, 39.ª, 40.ª, 41.ª, 42.ª,
43.ª, 44.ª e 45.ª da sua alegação, atrás reproduzidas]
Começando por esta última dimensão normativa [a reproduzida na
conclusão 45.ª, do seguinte teor: «As custas devidas pelo expropriado saem do
depósito da indemnização, total ou parcialmente, não constituindo o valor do
depósito limite máximo do valor das custas, que podem ser superiores ao valor da
indemnização que foi determinada ao expropriado»], verifica‑se que,
efectivamente, a decisão recorrida considerou que «não podem as custas devidas
pelos expropriados estar limitadas ao montante depositado».
Todavia, não pode dizer‑se que a decisão recorrida tenha
afirmado a irrelevância da «actividade jurisdicional envolvida pela acção,
incidente ou recurso, e a sua complexidade», bem como do «benefício
efectivamente auferido pelo expropriado no processo de expropriação», para o
cálculo do montante da taxa de justiça e da procuradoria.
Na verdade, o que pode ler‑se no acórdão do Tribunal da
Relação de Évora recorrido, como reconhecem os próprios recorrentes nas suas
alegações, depois de se referir que as custas se mostram calculadas de acordo
com as normas legais, é, antes, que se trata «de um processo volumoso (já são 13
volumes), trabalhoso e com complexidade, em que questões há, suscitadas pelos
expropriados, que determinaram a realização de pareceres técnicos. Existe, por
isso, correspondência ou adequação do seu custo (e já se verifica uma redução da
taxa de justiça) com a actividade desenvolvida no processo e com a utilidade que
os expropriados visavam obter com o recurso ao Tribunal, certo que o montante
das custas não pode estar dependente do sucesso ou insucesso do pedido».
As interpretações normativas identificadas pelos recorrentes
não constituíram, portanto, ratio decidendi para o tribunal recorrido. E não
pode, assim, tomar‑se conhecimento do presente recurso, na parte em que incide
sobre a interpretação dos artigos 6.º, n.º 1, alínea s), 13.º, n.º 1 e tabela a
que se refere, 14.º, corpo e alínea j), 15.º, n.º 2, e 18.º, n.º 2 e tabela a
que se refere, todos do Código das Custas Judiciais, aprovado pelo Decreto‑Lei
n.º 224‑A/96, de 26 de Novembro, enunciada pelos recorrentes, pois o tribunal
recorrido apoiou‑se, antes, na consideração da actividade desenvolvida no
processo e da utilidade que os expropriados visavam obter com o recurso ao
Tribunal.
2. A questão de constitucionalidade refere‑se, pois, apenas à
dimensão normativa do artigo 66.º, n.º 2, do Código das Custas Judiciais,
aprovado pelo Decreto‑Lei n.º 224‑A/96, de 26 de Novembro, interpretado no
sentido de que as custas devidas pelo expropriado saem do depósito da
indemnização, não constituindo o valor do depósito limite máximo do valor das
custas, consistindo em decidir se tal dimensão limita de modo inadmissível ou
excessivamente oneroso a garantia de acesso aos tribunais, consagrada no artigo
20.º da Constituição, bem como o direito à «justa indemnização» por expropriação
por utilidade pública, consagrado no artigo 62.º, n.º 2, da Lei Fundamental.”
9. Mantêm‑se igualmente incólumes, por
estranhos à razão que determinou o deferimento do pedido de reforma, as
seguintes considerações do Acórdão n.º 230/2007, já relativas ao mérito da
questão de constitucionalidade que se considerou integrar o objecto do recurso:
“3. Quanto à conformidade da interpretação normativa em apreço
com a garantia consagrada no artigo 20.º da Constituição, adiante‑se que ela não
se mostra, do ponto de vista da «constrição» do direito de acesso ao direito e
aos tribunais, desprovida de razoabilidade ou justeza.
Como este Tribunal afirmou no Acórdão n.º 352/91 (publicado no
Diário da República, II Série, de 17 de Dezembro de 1991):
«[…]
O direito de acesso aos tribunais não compreende [...] um
direito a litigar gratuitamente, pois [...] não existe um princípio
constitucional de gratuitidade no acesso à justiça (cf., neste sentido, também
o Acórdão n.º 307/90, Diário da República, 2.ª Série, de 4 de Março de 1991).
O legislador pode, assim, exigir o pagamento de custas
judiciais, sem que, com isso, esteja a restringir o direito de acesso aos
tribunais. E, na fixação do montante das custas, goza ele de grande liberdade,
pois é a si que cabe optar por uma justiça mais cara ou mais barata.
Essa liberdade constitutiva do legislador tem, no entanto, um
limite – limite que é o de a justiça ser realmente acessível à generalidade dos
cidadãos sem terem que recorrer ao sistema de apoio judiciário.
É que o nosso ordenamento jurídico concebe o sistema de apoio
judiciário como algo que apenas visa garantir o acesso aos tribunais aos
economicamente carenciados, e não como um instrumento ao serviço também das
pessoas de médios rendimentos (salvo, naturalmente, se estas houverem de
intervir em acções de muito elevado valor).
Na fixação das custas judiciais, há‑de, pois, o legislador ter
sempre na devida conta o nível geral dos rendimentos dos cidadãos de modo a não
tornar incomportável para o comum das pessoas o custeio de uma demanda judicial,
pois se tal suceder, se o acesso aos tribunais se tornar insuportável ou
especialmente gravoso, violar‑se‑á o direito em causa.
[…].»
E acrescentou‑se, mais adiante, no mesmo aresto:
«[…]
Como todas as decisões legislativas, as decisões que o
legislador toma em matéria de custas no que concerne ao quantum delas, são,
obviamente, sindicáveis sub specie constitutionis. Mas, ao menos em geral, (...)
tais decisões só haverão de ser taxadas de constitucionalmente ilegítimas
quando inviabilizem ou tornem particularmente oneroso o acesso aos tribunais
para o cidadão médio.»
Esta ideia foi também reiterada no Acórdão n.º 467/91
(publicado no Diário da República, II Série, de 2 de Abril de 1992), onde se
afirmou:
«[…] esse espaço de conformação [o espaço de conformação do
legislador em matéria de custas] tem os limites que são dados pela irredutível
dimensão de defesa da tutela jurisdicional dos direitos, postulando soluções
legislativas que assegurem um acesso igual e efectivo aos tribunais. Então, o
princípio da proporcionalidade vem aqui ‘alicerçar um controlo
jurídico‑constitucional da liberdade de conformação do legislador e situar
constitucionalmente o espaço de prognose legislativa’ (J. J. Gomes Canotilho,
Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador, Coimbra 1982, p. 274).
O asseguramento da garantia do acesso aos tribunais subentende
uma programação racional e constitucionalmente adequada dos custos da justiça: o
legislador não pode adoptar soluções de tal modo onerosas que impeçam o cidadão
médio de aceder à justiça.
[…].»
De acordo com o que se considerou no Acórdão n.º 608/99
(publicado no Diário da República, II Série, de 16 de Março de 2000), «na área
em questão» [matéria de custas judiciais], o princípio da proporcionalidade
reveste, «pelo menos, três sentidos: o de ‘equilíbrio entre a consagração do
direito de acesso ao direito e aos tribunais e os custos inerentes a tal
exercício’; o da responsabilização de cada parte pelas custas ‘de acordo com a
regra da causalidade, da sucumbência ou do proveito retirado da intervenção
jurisdicional’; e o do ajustamento dos ‘quantitativos globais das custas a
determinados critérios relacionados com o valor do processo, com a respectiva
tramitação, com a maior ou menor complexidade da causa e até com os
comportamentos das partes’».
Aqui chegados, há que reconhecer que se o
lapso cometido em nada afecta as subsequentes considerações do Acórdão n.º
230/2007 enquanto afirmam o respeito pelos apontados segundo e terceiro sentidos
do princípio da proporcionalidade – quanto ao segundo, “na medida em que o
débito de custas superior ao valor da indemnização depositada está, no caso dos
autos, ligado ao valor indicado pelos recorrentes para o bem expropriado, valor
que não veio, a final, a ser considerado o correcto e adequado pelo tribunal –
isto é, com decaimento ou sucumbência da sua pretensão”; e quanto ao terceiro,
“na medida em que o débito de custas superior ao valor da indemnização
depositada nos autos é uma consequência do valor da acção de expropriação e de
questões específicas suscitadas (ao menos também) pelos expropriados” –, já se
considera relevante quando ao afirmado respeito pelo primeiro sentido do
princípio da proporcionalidade. Na verdade, se era defensável que um
quantitativo de custas superior em € 15 000,00 ao valor da indemnização
depositada nos autos “não cria ónus de tal modo pesados que, na prática,
inviabilizem o acesso aos actos judiciais”, o mesmo já não se sucede quando se
constata que afinal, sendo o montante das custas de cerca de € 309 052,71 (cerca
de 62 000 000$00) e o montante da indemnização de € 197 236,25 (39 542 317400),
o valor das custas que excede o valor da indemnização é de € 111 816,46 (22 417
187$00).
De acordo com os critérios definidos pela
citada jurisprudência deste Tribunal, que considera como limites à liberdade de
conformação do legislador em matéria de custas o de “assegurar que a justiça
seja realmente acessível à generalidade dos cidadãos sem terem que recorrer ao
sistema de apoio judiciário”, deve o legislador, na fixação das custas
judiciais, “ter sempre na devida conta o nível geral dos rendimentos dos
cidadãos de modo a não tornar incomportável para o comum das pessoas o custeio
de uma demanda judicial, pois se tal suceder, se o acesso aos tribunais se
tornar insuportável ou especialmente gravoso, violar‑se‑á o direito em causa”
(Acórdão n.º 352/91).
Como, por último, se salientou no recente
Acórdão n.º 255/2007 (cuja doutrina foi reproduzida no Acórdão n.º 299/2007):
“7. A propósito do direito de acesso aos tribunais, na sua
vertente de proibição de denegação de justiça por insuficiência de meios
económicos, tem este Tribunal seguido uma impressiva jurisprudência de acordo
com a qual, conquanto a Constituição não imponha a gratuitidade daquele acesso,
o que será vedado ao legislador é o estabelecimento de regras de onde resulte
que os encargos que hão‑de ser suportados por quem recorre aos órgãos
jurisdicionais possam, na prática, constituir um entrave inultrapassável ou um
acentuadamente grave ou incomportável sacrifício para desfrutarem de tal
direito.
E tem também essa jurisprudência perfilhado a perspectiva que,
revestindo as custas judiciais a característica de uma taxa – e não de um
imposto – inserir‑se‑á na liberdade conformativa do legislador a fixação dos
respectivos montantes. Mas, se isso é assim, resulta identicamente da assinalada
jurisprudência que a falada liberdade de conformação «não implica que as normas
definidoras dos critérios de cálculo sejam imunes a um controlo de
constitucionalidade, quer no que toca à sua aferição segundo as regras de
proporcionalidade, decorrentes do princípio do Estado de direito (artigo 2.º da
Constituição), quer no que respeita à sua apreciação à luz da tutela
constitucional do direito de acesso à justiça (artigo 20.º da Constituição)»
(cf. Acórdão n.º 1182/96, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 35.º volume,
pp. 447 e seguintes).
Na postura que ressalta do entendimento do Tribunal, não sendo
imposta constitucionalmente a gratuitidade do acesso aos tribunais, do mesmo
passo que é imposta a não denegação da justiça por insuficiência de meios
económicos, os institutos denominados de assistência judiciária ou de apoio
judiciário «não podem ser perspectivados como instrumentos generalizados ou
pressupostos primários de acesso ao direito», como se disse no já citado
Acórdão n.º 495/96. De harmonia com a doutrina desse aresto, que aqui se
perfilha por inteiro, tais institutos são, antes, «um remédio, uma solução a
utilizar, de forma excepcional, apenas pelos cidadãos economicamente carenciados
ou desfavorecidos, e não de forma indiscriminada pela globalidade dos
cidadãos», o que não deixa de implicar «necessariamente, que também o sistema
das custas judiciais tenha de ser um sistema proporcional e justo que não torne
insuportável ou inacessível para a generalidade das pessoas o acesso aos
tribunais»”.
São estes limites, impostos pelo princípio
da proporcionalidade e pelo próprio direito de acesso aos tribunais (que fica
comprometido quando o risco de ter de pagar custas incomportáveis funciona como
inibidor do recurso à justiça por parte dos cidadãos), que são claramente
desrespeitados, quando, como no presente caso ocorreu, o critério normativo
adoptado pelas instâncias determina a fixação das custas devidas pelos
recorrentes em € 309 052,71 (cerca de 62 000 000$00), do que resulta que, tendo
os recorrentes ficado privados do seu prédio por força da expropriação, não só a
indemnização que lhes era devida pela expropriação (€ 197 236,25 ou 39 542
317400) lhes é totalmente absorvida pelas custas, como ainda terão de pagar a
mais, de custas, o valor de € 111 816,46 (22 417 187$00).
Neste contexto, e ao invés do decidido no
Acórdão n.º 230/2007, impõe-se a emissão de um juízo de inconstitucionalidade,
por violação do princípio da proporcionalidade, em conjugação com o direito de
acesso aos tribunais.
10. Mas já é de manter – por não afectadas
pelo lapso que determinou o deferimento do pedido de reforma – o juízo de não
violação do artigo 62.º, n.º 2, da CRP, porquanto, como se referiu no Acórdão
n.º 230/2007:
“6. Resta a questão da violação do direito à «justa
indemnização» por expropriação por utilidade pública, consagrado no artigo
62.º, n.º 2 da Constituição.
Tal invocação também não é, porém, procedente, na medida em
que a indemnização por expropriação por utilidade pública visa compensar os
expropriados do prejuízo que sofrem. Assim, no seu cálculo não podem ser
tomados em consideração os custos inerentes à sua actuação, julgada
improcedente, no processo de expropriação, mas tão‑só os danos que foram
realmente suportados pelos expropriados em consequência da expropriação, os
quais se medem pelo valor do bem expropriado considerado correcto e adequado
pelo tribunal. Como se disse na decisão recorrida, «uma coisa é a indemnização
(já fixada por acórdão transitado em julgado), outra diversa é a determinação do
montante e pagamento de custas devidas pelo recurso aos Tribunais».
O artigo 66.º, n.º 2, do Código das Custas Judiciais, aprovado
pelo Decreto‑Lei n.º 224‑A/96, de 26 de Novembro, dispõe sobre o pagamento das
custas devidas pelo expropriado na acção de expropriação por utilidade pública,
e não sobre o cálculo da indemnização devida, não existindo qualquer impedimento
constitucional, do ponto de vista do direito consagrado no artigo 62.º, n.º 2,
da Constituição, a que o valor indemnizatório depositado não garanta a
realização do crédito de custas, por o montante das custas devidas pelo
expropriado ser, em consequência do decaimento ou sucumbência da sua pretensão
relativa a um valor mais elevado, superior ao montante da indemnização
depositada.
Não se verifica, pois, qualquer inconstitucionalidade por
violação do direito à «justa indemnização» por expropriação por utilidade
pública, como pretendem os recorrentes.”
11. Em face do exposto, acordam em:
a) Deferir o pedido de reforma do Acórdão
n.º 230/2007;
b) Julgar inconstitucional, por violação das
disposições conjugadas dos artigos 18.º, n.º 2, e 20.º, n.º 1, da Constituição
da República Portuguesa, a norma do artigo 66.º, n.º 2, do Código das Custas
Judiciais, aprovado pelo Decreto‑Lei n.º 224‑A/96, de 26 de Novembro,
interpretada por forma a permitir que as custas devidas pelo expropriado excedam
de forma intolerável o montante da indemnização depositada, como flagrantemente
ocorre em caso, como o presente, em que esse excesso é superior a € 100 000,00;
e, em consequência,
c) Conceder provimento ao recurso,
determinando a reformulação da decisão recorrida, em conformidade com o
precedente juízo de inconstitucionalidade.
Sem custas.
Lisboa, 25 de Setembro de 2007.
Mário José de Araújo Torres
João Cura Mariano
Joaquim de Sousa Ribeiro
Benjamim Silva Rodrigues (Com a declaração de que acompanho o acórdão
precisamente com base nas considerações expendidas no voto de vencido aposto no
proc. n.º 317/07 – pela violação intolerável do princípio da proporcionalidade
no sentido da justa medida e da justiça)
Rui Manuel Moura Ramos