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Processo n.º 482/2008
3.ª Secção
Relatora: Conselheira Maria Lúcia Amaral
Acordam, em Conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
I
Relatório
1. Em 4 de Julho de 2008 foi proferida decisão sumária em que se entendeu não
tomar conhecimento do recurso de constitucionalidade que tem por objecto,
conforme delimitado pelos recorrentes, a inconstitucionalidade das normas
ínsitas nos artigos 432º, alínea b) e 434º, ambos do Código de Processo Penal
quando interpretadas no sentido de que há limites ao conhecimento pelo Supremo
Tribunal de Justiça do quantum exacto da pena.
Esta decisão assentou nos seguintes fundamentos essenciais:
5. No presente caso, o recurso de constitucionalidade tem por objecto, nos
termos do respectivo requerimento, a apreciação da “inconstitucionalidade das
normas ínsitas nos arts. 432.º, alínea b) e 434.º, ambos do CPP, quando
interpretadas, como o foram nas decisões recorridas, no sentido de que há
limites ao conhecimento pelo STJ do quantum exacto da pena.” Segundo os
recorrentes, tal interpretação viola o artigo 32º, n.º 1, da Constituição.
Na verdade, a suscitação da questão de constitucionalidade ocorreu, conforme
declaram os recorrentes, no requerimento de interposição do recurso de
constitucionalidade, altura em que se encontrava esgotado o poder jurisdicional
do juiz do tribunal a quo.
Ora, à data das suas alegações de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça,
não podia deixar de considerar-se exigível, aos recorrentes, que previssem que o
entendimento que veio a ser adoptado no acórdão de 2 de Abril de 2008 do Supremo
Tribunal de Justiça (cujo mérito não está em causa para o presente efeito, de
verificação dos pressupostos do recurso de constitucionalidade) não era novo na
jurisprudência daquele Supremo Tribunal, conforme consta da respectiva (e
transcrita) fundamentação, em que se remete, na nota 11, para o Acórdão do
Supremo Tribunal de Justiça, de 29 de Março de 2007, processo n.º 1034/07. Quer
dizer, a aplicação da norma impugnada no requerimento de recurso não foi uma
questão nova totalmente imprevisível para os recorrentes antes de proferida a
decisão de fls. 824 e segs., mas sim uma solução jurídica perfeitamente
previsível, em resultado de uma corrente jurisprudencial que se pode dizer
reiterada no Supremo Tribunal de Justiça (vide, o Acórdão do Supremo Tribunal de
Justiça, de 1 de Fevereiro de 2002, processo n.º 02P1232, disponível em
www.dgsi.pt/jstj).
Pelo que sobre os recorrentes recaía o ónus de definirem e conduzirem uma
estratégia processual adequada, o que se reconduzia, no caso, a suscitar desde
logo, perante o Supremo Tribunal de Justiça, a inconstitucionalidade do
entendimento que agora pretendem submeter à apreciação deste Tribunal, não sendo
tal ónus dispensado apenas pela invocação, no incidente pós-decisório de fls.
874 e 875, de dúvidas sobre “o normativo que esteve subjacente ao entendimento
de que está vedado ao STJ o conhecimento do quantum exacto da pena, a menos que
haja violação das regras da experiência ou a desproporção da quantificação
efectuada”, nem relevando, obviamente, a invocação, no requerimento de
interposição de recurso, de que “face ao disposto no art. 41.º n.º 1 do CPP, que
o acórdão de 7 de Maio contornou, não era de todo previsível a posição
assumida.”
Considerando que o controlo da constitucionalidade é concebido pela Constituição
como respeitando a normas e não aos preceitos ou disposições que as veiculam,
tal não corresponde a qualquer exigência de onerosidade desproporcionada,
tratando-se, muito simplesmente, do ónus, que este Tribunal tem afirmado
repetidamente na sua jurisprudência e que recai sobre as partes, de estas
“analisarem as diversas possibilidades interpretativas susceptíveis de virem a
ser seguidas e utilizadas na decisão e utilizarem as necessárias precauções, de
modo a poderem, em conformidade com a orientação processual considerada mais
adequada, salvaguardar a defesa dos seus direitos” (cfr., nesse sentido, o
Acórdão n.º 22/2002, disponível em www.tribunalconstitucional.pt).
Falta, pois, um pressuposto indispensável ao conhecimento do objecto do recurso:
não foi suscitada durante o processo, nos termos exigidos pela alínea b) do n.º
1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional, a inconstitucionalidade da
norma que os recorrentes pretendem seja apreciada pelo Tribunal Constitucional.
2. Notificado desta decisão, A. veio reclamar para a conferência, dizendo o
seguinte:
1. Foi o signatário o mandatário do recorrente do processo que deu origem ao
Acórdão 505/03.
2. Não parece, que seja substancialmente diferente a questão que se discute nos
presentes daqueloutra, apesar de não estarmos perante um recurso interposto per
saltum.
3. Substancialmente diferente é o facto de daquela vez se não ter conseguido
saber que norma sustentava a tese do Supremo quando, agora, ao menos, apesar de
se ter fugido do artigo 410° n° 1 do CPP, expressamente invocado para impor que
o Supremo conhecesse da medida da pena, ficou-se a saber que o Supremo invocou
1egislação concreta, isto é, não conheceu da medida da pena louvando-se, para o
efeito, especialmente, nos arts. 432°, alínea b) e 434°, ambos do CPP.
4. Reza o artigo 432°, alínea b) do CPP que se recorre para o STJ de decisões
que não sejam irrecorríveis proferidas pelas relações, em recurso, nos termos do
art. 400°.
5. Determina, por seu lado, o artigo 434° do CPP que, sem prejuízo do disposto
no artigo 410º n°s 2 e 3, o recurso interposto para o STJ visa exclusivamente o
reexame da matéria de direito.
6. Segundo a decisão reclamada, «… a suscitação da questão da
constitucionalidade ocorreu, conforme declaram os recorrentes, no requerimento
de interposição do recurso de constitucionalidade, altura em que se encontrava
esgotado o poder jurisdicional do juiz do tribunal a quo…» e pois,
intempestivamente, já que «...sobre os recorrentes recaía o ónus de definirem e
conduzirem uma estratégia processual adequada, o que se reconduzia, no caso, a
suscitar desde logo, perante o Supremo Tribunal de Justiça, a
inconstitucionalidade do entendimento que agora pretendem submeter à apreciação
deste Tribunal...»
7. Não pode o reclamante deixar de reiterar, que, de novo, foi surpreendido com
a decisão inicial do STJ, decisão que, afirma, sem qualquer justificação, que,
apesar de a lei ordinária dizer que o Supremo reexamina de direito as questões
que lhe são colocadas, desde que haja recurso, tal não iria ocorrer no seu caso.
8. Quis, por isso, saber qual era o fundamento legal para que tal não ocorresse,
dizendo desde logo que era para poder impugnar tal dimensão interpretativa para
o TC, o que, naturalmente, permitia ao Supremo pronúncia sobre a questão – é
impossível reagir contra o desconhecido, sendo bem fácil tomar posição sobre o
que se diz expressamente pretende‑se – e veio a saber que se invocavam duas
normas concretas, que dizem o contrário, para impedir o conhecimento de um
recurso, admitido sem qualquer restrição. Mesmo, assim, em tal tomada de
posição, fugiu-se ao, também chamado à liça, artigo 410º n° 1 do CPP.
9. A fixação do quantum exacto da pena é, visto o teor do artigo 71° do CP, uma
questão de direito. Apurados os factos há que subsumi-los à norma.
10. A lei não limita, desde que haja recurso, em sede de direito, o conhecimento
do STJ.
11. É ao STJ a quem compete, em última instância, decidir sobre a lei e o
direito.
12. Não havendo na lei qualquer limitação ao conhecimento de determinada matéria
de direito, não pode o STJ impô-la, prejudicando quem, suportado na norma que
permite o recurso, se serviu dela.
13. Carece de sentido impugnar, na perspectiva da constitucionalidade, uma opção
processual, como foi a do caso, e o foram também todas as versões anteriores
conhecidas do STJ, até esta, em que o Supremo Tribunal de Justiça limita os seus
poderes e funções, mas não fundamenta a sua opção, em sede de direito.
14. Que dimensão normativa se poderia impugnar? Que interpretação de que normas
se questionariam se não se conhecem as mesmas?
15. Carece, assim, de sentido a tese da decisão reclamada que a decisão do STJ
não foi surpresa, que este Venerando Tribunal não pode tomar posição sobre a
dimensão interpretativa que se questiona – foi-lhe colocada antes de se saber
que normas iriam ser invocadas – e que, pois, o recurso não foi atempado.
3. O representante do Ministério Público junto deste Tribunal Constitucional
respondeu à reclamação nos termos seguintes:
1°
A presente reclamação é manifestamente desprovida de fundamento.
2°
Na verdade, a argumentação do reclamante em nada abala os fundamentos da decisão
reclamada, no que toca à evidente inverificação dos pressupostos do recurso, em
consequência do incumprimento dos ónus que incidiam sobre o recorrente.
Cumpre apreciar e decidir.
II
Fundamentos
4. A presente reclamação não pode obter provimento, por não abalar os
fundamentos em que se baseou a decisão reclamada, como, aliás, salienta o
Magistrado do Ministério Público em funções neste Tribunal.
Da análise da reclamação sub judice verifica-se que o primeiro argumento
aventado pelo reclamante prende-se com a existência de jurisprudência deste
Tribunal nos termos da qual, num caso substancialmente idêntico aos olhos do
reclamante, terá sido conhecido do objecto do processo, não tendo, pois, sido
considerada a falta de um pressuposto processual nos termos em que foi feito na
decisão sumária objecto da presente reclamação.
Importa, por isso, e apenas para que melhor se compreenda a razão pela qual a
presente reclamação deve improceder, atentar, de forma breve, ao que ficou
decidido no Acórdão 505/03, de 28 de Outubro de 2003 (disponível em
www.tribunalconstitucional.pt).
Assim, e apenas no que se refere ao preenchimento dos pressupostos processuais,
porque é disso mesmo que ora se trata, pode ler-se no Acórdão citado:
1. Por acórdão de fls. 2372 e seguintes, o Tribunal Colectivo da Comarca do
Fundão decidiu condenar o arguido (…) como autor material de um crime de
falsificação de documentos, previsto e punível pelo artigo 256º, n.º s 1, alínea
a), e 3, do Código Penal, na pena de três anos de prisão.
2. Deste acórdão recorreu (…) para o Supremo Tribunal de Justiça (fls. 2410),
tendo na motivação respectiva (fls. 2410 e seguintes) concluído do seguinte
modo:
“1- Os factos dos autos ocorreram há mais de 6 anos, não havendo notícia de o
recorrente ter cometido qualquer ilícito após.
2- A lei prevê para o crime cometido pena alternativa de multa ou prisão, isto é
pena de prisão de 6 meses a 5 anos ou pena de multa de 60 a 600 dias.
3- A mesma lei determina que a primeira tem aplicação preferencial, desde que
esta realize, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição.
4- A medida concreta da pena é fixada, nos termos do n° 1 do artigo 71° do CP,
ou seja, em função da culpa, tomando-se em conta as exigências de prevenção de
futuros crimes e as demais do n° 2 daquele preceito, que deponham a favor ou
contra o arguido.
5- Não tem qualquer sentido sujeitar quem quer que seja a cumprir uma pena de
prisão mais de 6 anos sobre o cometimento dos factos, mantendo o arguido bom
comportamento.
6- Só essa situação, por si, justificava a opção pela pena não detentiva.
7- Se de outra forma se entendesse, face ao previsto no artigo 50° do CP, a pena
devia ser declarada suspensa na sua execução, face às circunstâncias específicas
do recorrente.
8- Face à moldura penal abstracta, no que à multa concerne, vistos os critérios
supra referidos, adequar-se-ia a multa de 200 dias de multa à taxa diária de 5€.
9- Face à moldura penal abstracta, no que à prisão concerne, ponderados os
critérios supra referidos, adequar-se-ia a pena de 9 meses de prisão.
10- Por se verificarem os respectivos condicionalismos, a pena de prisão, a ser
determinada, deve ser suspensa na sua execução.
11- A decisão recorrida, ao fixar as penas de modo e medida diferentes, violou
os artigos 70°, 71°, eventualmente o 72° e ainda o artigo 50°, todos do CP.
12- Revogando-se a mesma nos termos sobreditos, far-se-á justiça.”
Na resposta à motivação do recurso (fls. 2430 e seguintes), o Ministério Público
formulou as seguintes conclusões:
“1. O arguido falsificou os elementos identificativos de vinte veículos
automóveis;
2. Destes, vendeu nove a pessoas que desconheciam a falsificação;
3. Em julgamento não confessou os factos e não mostrou arrependimento;
4. Estes automóveis foram submetidos à inspecção anual obrigatória (após o
quarto ano de matriculação) e a falsificação não foi detectada;
5. Só foi descoberto por delação de um ex-empregado [...];
6. A falsificação denunciada foi confirmada em exame pericial especializado,
confrontado o arguido em julgamento com o perito que elaborou o exame, continuou
a negar a evidência da falsificação a que procedeu em cada um dos veículos;
7. Além destes veículos outros houve que não foi possível examinar devido à
morosidade da investigação e ao pedido de aceleração processual apresentado na
fase de inquérito;
8. Mesmo sem prova da falsificação de mais veículos, os vinte falsificados dão
uma ideia muito clara que este comportamento não foi episódico ou esporádico,
mas sim uma actividade em dose apreciável de grande reiteração, quiçá bastante
lucrativa;
9. O arguido continua a ser o dono da oficina (…), continua a ter os mesmos
meios para continuar a mesma actividade criminosa e a ligeireza nas explicações
de procedimentos e a irresponsabilidade demonstrada em julgamento, são sérias
indicações de uma personalidade deformada que não se demoverá desta actividade
delituosa sem cumprimento efectivo de pena de prisão;
10. A pena de 3 anos e 3 meses de prisão traduz a culpa do arguido e as
exigências de prevenção geral e especial que se fazem sentir e teve em atenção o
grau elevado de ilicitude do facto, o dolo intenso e reiterado com que agiu, o
modo como agiu e o prejuízo que causou aos adquirentes e à sociedade;
11. Esta pena, superior a 3 anos de prisão, é impeditiva da suspensão da
execução da pena, nos termos do nº 1 do art. 50º do CP;
12. Mas, mesmo que a mesma fosse inferior, a mera censura do facto e a ameaça da
prisão não são, neste caso, suficientes nem adequadas às finalidades da punição,
exigindo-se que a ressocialização do arguido passe pelo cumprimento de pena de
prisão;
13. Nenhuma das normas penais apontadas pelo recorrente foram violadas, devendo
ser negado integral provimento ao recurso, confirmando-se o douto acórdão
recorrido.”
3. Por acórdão de 30 de Janeiro de 2003 (fls. 2452 e seguintes), o Supremo
Tribunal de Justiça negou provimento ao recurso do arguido, podendo ler-se no
respectivo texto, para o que aqui releva, o seguinte:
“[...]
[...] impugna também o recorrente a medida da pena que lhe foi infligida.
Pretende ele que, a improceder a opção pela pena de multa, a prisão deve ser
fixada em 9 meses de prisão.
Vejamos, pois, começando por analisar os poderes de cognição deste Tribunal em
matéria de medida concreta da pena.
Mostra-se hoje afastada a concepção da medida da pena concreta, como a «arte de
julgar»: um sistema de penas variadas e variáveis, com um acto de
individualização judicial da sanção em que à lei cabia, no máximo, o papel de
definir a espécie ou espécies de sanções aplicáveis ao facto e os limites dentro
dos quais deveria actuar a plena discricionariedade judicial, em cujo processo
de individualização interviriam, de resto coeficientes de difícil ou impossível
racionalização.
De acordo com o disposto nos arts.º s 70º a 82º do Código Penal a escolha e a
medida da pena, ou seja a determinação das consequências do facto punível, é
levada a cabo pelo juiz conforme a sua natureza, gravidade e forma de execução,
escolhendo uma das várias possibilidades legalmente previstas, traduzindo-se
numa autêntica aplicação do direito. Não só o Código de Processo Penal regulou
aquele procedimento, de algum modo autonomizando-o das determinação da
culpabilidade (cfr. arts. 369º a 371º), como o nº 3 do art. 71º do Código Penal
(e antes dele o nº 3 do art. 72º na versão originária) dispõe que «na sentença
devem ser expressamente referidos os fundamentos da medida da pena», alargando a
sindicabilidade, tomando possível o controlo dos tribunais superiores sobre a
decisão de determinação da medida da pena.
Mas importa considerar os limites de controlabilidade da determinação da pena em
recurso de revista, como é o caso.
Não oferece dúvidas de que é susceptível de revista a correcção das operações de
determinação ou do procedimento, a indicação de factores que devam considerar-se
irrelevantes ou inadmissíveis, a falta de indicação de factores relevantes, o
desconhecimento pelo tribunal ou a errada aplicação dos princípios gerais de
determinação.
Tendo sido posto em dúvida que a valoração judicial das questões de justiça ou
de oportunidade caibam dentro dos poderes de cognição do tribunal de revista
(Cfr. Jescheck, Tratado de Derecho Penal, § 82 II 3), deve entender-se que a
questão do limite ou da moldura da culpa estaria plenamente sujeita a revista,
bem como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já
não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, para
controlo do qual o recurso de revista seria inadequado, salvo perante a violação
das regras da experiência ou a desproporção da quantificação efectuada (Neste
sentido, Maurach e Zipp, Derecho Penal, § 63 nº m. 200, Figueiredo Dias, Direito
Penal Português. As Consequências Jurídicas do Crime, pág. 197 e Simas Santos,
Medida Concreta da Pena. Disparidades, pág. 39).
Ao crime de falsificação em causa corresponde, como se viu, a moldura penal
abstracta de prisão de 6 meses a 5 anos ou de multa de 60 dias a 600.
Encontrada a moldura penal abstracta, é nela que funcionam todas as
circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime deponham a favor ou
contra o agente, designadamente:
– O grau de ilicitude do facto (o modo de execução deste e a gravidade das suas
consequências, bem como o grau de violação de deveres impostos ao agente);
– A intensidade do dolo ou negligência;
– Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o
determinaram;
– As condições pessoais do agente e a sua situação económica;
– A conduta anterior ao facto e posterior a este, especialmente quando esta seja
destinada a reparar as consequências do crime;
– A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto,
quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.
Retomando elementos já adiantados a propósito da opção pela pena de prisão,
importa notar que, no domínio da ilicitude, está provado que o arguido
falsificou 20 automóveis e vendeu 9 deles, assim prejudicando os seus
adquirentes.
Aproveitou, nesse trabalho minucioso prolongado no tempo, os meios de que
dispunha para o exercício da sua actividade lícita, aumentando, assim, a
eficácia da sua actuação.
No que se refere à sua culpa, personalidade e condições pessoais, deve
salientar-se que agiu com dolo intenso que perdurou no tempo, atento todo o
trabalho desenvolvido na viciação de tantos veículos.
Como se viu, não interiorizou o significado pessoal e social da sua conduta
delituosa, nem aceitou ter praticado os factos apurados, mesmo se confrontado
com elementos de grande significado probatório.
Daí que sejam, no caso e como se viu, acentuadas as necessidades da prevenção
geral e especial.
Não tem antecedentes criminais, é de condição social modesta e ter uma situação
económica pelo menos média.
Isto posto, a defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela
consciência colectiva (prevenção geral positiva ou de integração), é a
finalidade primeira, que se prossegue, no quadro da moldura penal abstracta,
entre o mínimo, em concreto, imprescindível à estabilização das expectativas
comunitárias na validade da norma violada e o máximo que a culpa do agente
consente; entre esses limites, satisfazem-se, quando possível, as necessidades
da prevenção especial positiva ou de socialização (Ac. do STJ de 17-09-1997,
proc. nº 624/97).
A medida das penas determina-se, já o dissemos, em função da culpa do arguido e
das exigências da prevenção, no caso concreto, atendendo-se a todas as
circunstâncias que, não fazendo parte do tipo, deponham a favor ou contra ele.
A esta luz, e atendendo aos poderes de cognição que a este Supremo Tribunal
assistem, impõe-se concluir que a pena concreta fixada e que tem alguma
expressão no quadro da moldura abstracta, o recorrente contesta, se situa dentro
da sub-moldura a que se fez referência e que dentro dela foram sopesados todos
aqueles elementos de facto que se salientaram.
Deste modo, não se mostrando a violação das regras da experiência ou a
desproporção da quantificação efectuada, não está aberto o caminho para a
censura deste Supremo Tribunal de Justiça
[...].”
4. (…) requereu ainda o esclarecimento da decisão do Supremo (fls. 2492 e
seguinte), pedindo que se concretizasse:
“[...]
[...] nomeadamente, que norma permitiu o entendimento de que ao STJ está vedado
o conhecimento sobre o quantum exacto da pena, a menos que haja «... violação
das regras da experiência ou a desproporção da quantificação efectuada ...».
[...].”
Por acórdão de 20 de Março de 2003 (fls. 2495 e seguintes), o Supremo Tribunal
de Justiça decidiu desatender o pedido de aclaração formulado pelo arguido, por
nada haver a esclarecer.
5. (…) interpôs então recurso para o Tribunal Constitucional, nos seguintes
termos (fls. 2500):
“(…), com os sinais dos autos, não se conformando com o douto acórdão na parte
em que decidiu não sindicar o quantum exacto da pena com o argumento de que «...
não se mostrando violação das regras da experiência ou da desproporção da
quantificação efectuada, não está aberto o caminho para a censura deste Supremo
Tribunal de Justiça...», mas sem indicação da norma, apesar de expressamente
solicitada, que permitiu tal entendimento, do mesmo interpõe recurso para o
Tribunal Constitucional, o que faz nos seguintes termos:
– O recurso é interposto ao abrigo do artigo 70°, n° 1 , al. b) da Lei 28/82 de
15/9;
– Pretende-se ver apreciada a inconstitucionalidade da norma ínsita no artigo
432º, al. d) do CPP, que prevê o tipo de recurso interposto, apesar da decisão
recorrida o não ter conseguido indicar;
– Tal interpretação da norma viola o artigo 32°, n° 1 da CRP;
– A questão da inconstitucionalidade não foi suscitada anteriormente, porquanto
não era de todo previsível a posição assumida, tanto mais que, conforme já se
referiu, a decisão recorrida nem sequer conseguiu indicar a norma onde se
sustentou.
[...].”
O recurso foi admitido por despacho de fls. 2502.
5. Atentando a tramitação processual do processo donde foi tirado o Acórdão
505/03 verifica-se que naquela situação o recorrente não alegou a
inconstitucionalidade no âmbito do processo.
Ora, também no processo que nos ocupa, conforme ficou já decidido na decisão
sumária objecto da presente reclamação e conforme aliás ficou expressamente
admitido pelo reclamante, a questão de inconstitucionalidade não foi suscitada
durante o processo.
Qual é, então, a diferença entre a tramitação processual de ambos processos que
justifica, à luz do entendimento deste Tribunal, que, num caso, o recurso seja
conhecido e, noutro, não?
A resposta a esta questão determina que se analise com cautela como deve ser
verificado o preenchimento do pressuposto processual sub judice.
6. Os pressupostos processuais específicos para o recurso de
constitucionalidade interposto ao abrigo do disposto no artigo 70º, n.º 1,
alínea b) da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (Lei do Tribunal Constitucional)
são (i) a aplicação como ratio decidendi, pelo tribunal recorrido, da(s)
norma(s) cuja inconstitucionalidade se alega; (ii) o esgotamento dos recursos
ordinários que no caso cabiam e (iii) que a inconstitucionalidade normativa
tenha sido suscitada pelo recorrente durante o processo.
O Tribunal Constitucional vem atribuindo a esta última exigência processual, e
que por ora nos importa, um sentido funcional na medida em que, conforme ficou
já dito na decisão sumária recorrida e decorre de ampla jurisprudência deste
Tribunal, do que se trata aqui é de permitir ao tribunal a quo que venha tomar
posição sobre a questão de inconstitucionalidade invocada.
É este o sentido, por exemplo, do Acórdão n.º 352/94 [publicado no Diário da
República (doravante DR), II série, de 6 de Setembro de 1994], onde se pode ler
que este pressuposto processual deve ser tomado, “não num sentido puramente
formal (tal que a inconstitucionalidade pudesse ser suscitada até à extinção da
instância)”, mas “num sentido funcional”, tal que que essa invocação haverá de
ter sido feita em momento em que o tribunal a quo ainda pudesse conhecer da
questão”, “antes de esgotado o poder jurisdicional do juiz sobre a matéria a que
(a mesma questão de constitucionalidade) respeita”.
A razão de ser desta jurisprudência, que se afigura uniforme e constante,
entronca na própria natureza da intervenção do Tribunal Constitucional que é, em
sede de fiscalização concreta, pautada por um julgamento restrito à apreciação
da questão de constitucionalidade, em via de recurso para reapreciação ou
reexame.
Todo o sistema de fiscalização está, pois, gizado em torno de um ónus das partes
do processo, o qual se traduz na necessidade de suscitar atempadamente a questão
de inconstitucionalidade junto do tribunal a quo.
Este ónus não é, de forma alguma, uma “mera questão de forma”. Pelo contrário,
afigura-se um pilar da nossa justiça constitucional, uma vez que suporta a
intervenção deste Tribunal como tribunal de recurso no que respeita a apreciação
da questão de constitucionalidade.
É neste sentido que se pode ler no Acórdão n.º 560/94, publicado no DR, II
série, de 10 de Janeiro de 1995, que “a exigência de um cabal cumprimento do
ónus da suscitação atempada – e processualmente adequada – da questão de
constitucionalidade não é, pois, [...] uma ‘mera questão de forma secundária’. É
uma exigência formal, sim, mas essencial para que o tribunal recorrido deva
pronunciar-se sobre a questão de constitucionalidade para que o Tribunal
Constitucional, ao julgá-la em via de recurso, proceda ao reexame (e não a um
primeiro julgamento) de tal questão” (assim, também, o Acórdão n.º 155/95,
publicado no DR, II série, de 20 de Junho de 1995).
7. Ainda no seguimento deste entendimento deve deixar-se desde já dito que os
pedidos de aclaração e reforma de uma decisão, ou a arguição da sua nulidade,
enquanto incidentes pós-decisórios, não são já momentos adequados para,
atempadamente, suscitar uma questão de inconstitucionalidade normativa.
Com efeito, nestes casos, “porque o poder jurisdicional se esgota, em princípio,
com a prolação da sentença, e porque a eventual aplicação de uma norma
inconstitucional não constitui erro material, não é causa de nulidade da decisão
judicial, nem torna esta obscura e ambígua, há-de ainda entender-se que o pedido
de aclaração de uma decisão judicial ou a reclamação da sua nulidade não são já,
em princípio, meios idóneos e atempados para suscitar a questão de
inconstitucionalidade” (Cfr. o citado Acórdão n.º 352/94 a jurisprudência aí
citada).
8. Sucede que, conforme ficou também expresso na decisão sumária objecto da
presente reclamação, casos há em que o tribunal a quo, num momento em que já não
poderia, em princípio, ser suscitada a questão de inconstitucionalidade por
força do esgotamento do poder de pronúncia desse tribunal, profere verdadeiras
“decisões surpresa”.
Nestas hipóteses a orientação deste Tribunal, segundo jurisprudência igualmente
pacífica, sofre uma restrição, na medida em que se permite à parte recorrente
que invoque, pela primeira vez, a questão da inconstitucionalidade directamente
junto do Tribunal Constitucional.
Esta restrição é, como é fácil de ver, excepcional e prende-se com a
impossibilidade de exigir ao interessado que tivesse, em momento oportuno,
suscitado a questão de inconstitucionalidade. Sendo necessário que esta
impossibilidade resulte de uma interpretação insólita e imprevisível da norma
cuja inconstitucionalidade é invocada por parte do tribunal a quo (Cfr. neste
sentido, o citado Acórdão n.º 352/94).
Note-se, porém, que esta restrição da orientação perfilhada por este Tribunal
não determina que sobre as partes deixe de recair o ónus de alegação da
inconstitucionalidade mencionado.
Por isso mesmo, este Tribunal vem reafirmando que “(...) não pode deixar de
recair sobre as partes em juízo o ónus de considerarem as várias possibilidades
interpretativas das normas de que se pretendem socorrer, e de adoptarem, em face
delas, as necessárias cautelas processuais (por outras palavras, o ónus de
definirem e conduzirem uma estratégia processual adequada). E isso –
acrescentar-se-ia – também logo mostra como a simples ‘surpresa’ com a
interpretação dada judicialmente a certa norma não será de molde (ao menos,
certamente, em princípio) a configurar uma dessas situações excepcionais em que
seria justificado dispensar os interessados da exigência da invocação prévia da
inconstitucionalidade perante o tribunal a quo. (...) Mas, (…) se alguma vez tal
for de admitir, então haverá de sê-lo apenas numa hipótese em que a
interpretação judicial seja tão insólita e imprevisível que seria de todo o
ponto desrazoável dever a parte contar (também) com ela. (Cfr. Acórdão n.º
479/89 (DR, II Série, de 24 de Abril de 1992) e, para além dos demais, os
Acórdãos n.ºs 94/88 e 90/85, publicados no DR, II Série, respectivamente de 22
de Agosto de 1988 e de 11 de Julho de 1985, e os Acórdãos n.ºs 565/96, de 16 de
Abril de 1996 e 660/96, de 8 de Maio de 1996 (ambos disponíveis em
www.tribunalconstitucional.pt) onde se afirma que não existe “surpresa”
relevante na interpretação perfilhada na decisão recorrida quando a doutrina e a
jurisprudência se dividem quanto à interpretação da norma impugnada).
9. O que se mencionou permite agora uma resposta à questão inicialmente
colocada. Naturalmente, não cabe a este Tribunal pronunciar-se, novamente, sobre
o processo de onde foi tirado o Acórdão n.º 505/2003. Todavia, o argumento
aventado pelo ora reclamante determina que se deixe desde já dito que não são do
mesmo tipo as situações em presença.
Desde logo porque a publicitação do Acórdão n.º 505/2003, e o seu conhecimento
pelo reclamante, retirou, de forma cabal, o elemento “surpresa” à decisão do
tribunal a quo. Quer isto dizer que se a parte que recorreu no âmbito do
processo que deu origem ao Acórdão n.º 505/2003 não podia eventualmente esperar
a decisão do tribunal a quo nos termos em que foi proferida, já do ora
reclamante, podendo e devendo conhecer o Acórdão n.º 505/2003 deste Tribunal já
citado, seria expectável uma diligência processual diferente. Designadamente
cumprindo o ónus de suscitação da questão de inconstitucionalidade no âmbito do
processo (i.e. em momento anterior ao da pronúncia definitiva do Supremo
Tribunal de Justiça no âmbito do acórdão recorrido). Afigura-se, pois, que este
facto é só por si suficiente para justificar a diferença das situações em
presença.
10. Por maioria de razão, e já quanto ao segundo argumento esgrimido pelo
reclamante, que passa pela repetição do que invocou quanto à imprevisibilidade
da decisão do tribunal a quo, cumpre reiterar o que ficou já referido na decisão
sumária objecto da presente reclamação: à data das alegações de recurso para o
Supremo Tribunal de Justiça, não podia deixar de considerar-se exigível, ao
reclamante, que previsse que o entendimento que veio a ser adoptado no acórdão
de 2 de Abril de 2008 do Supremo Tribunal de Justiça (cuja decisão quanto à
questão de constitucionalidade propriamente dita, repita-se, não está em causa
para o presente efeito de verificação dos pressupostos do recurso de
constitucionalidade) não era novo na jurisprudência daquele Supremo Tribunal,
conforme consta da respectiva fundamentação, em que se remete, na nota 11, para
o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 29 de Março de 2007, processo n.º
1034/07.
Por outras palavras, a aplicação da norma impugnada no requerimento de recurso
não foi uma questão nova totalmente imprevisível para o reclamante antes de
proferida a decisão de fls. 824 e segs., mas sim uma solução jurídica
perfeitamente previsível, previsibilidade esta que resulta de uma corrente
jurisprudencial que se pode dizer reiterada no Supremo Tribunal de Justiça (cfr.
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 1 de Fevereiro de 2002, processo n.º
02P1232, disponível em www.dgsi.pt em cuja fundamentação se pode ler a dado
passo: “(…) o Supremo Tribunal está limitado para na sua intervenção quando se
trate de fixar concretamente as penas. Com efeito, como tem sido entendido aqui
(nota 6: Cfr. por todos, Ac. STJ de 9/11/2000, in Sumários STJ disponível em
http://www.cidadevirtual.pt/stj/jurisp/bo14crime.html.), «no recurso de revista
pode sindicar-se a decisão de determinação da medida da pena, quer quanto à
correcção das operações de determinação ou do procedimento, à indicação dos
factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, à falta de
indicação de factores relevantes, ao desconhecimento pelo tribunal ou à errada
aplicação dos princípios gerais de determinação, quer quanto à questão do limite
da moldura da culpa, bem como a forma de actuação dos fins das penas no quadro
da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum
exacto da pena, salvo perante a violação das regras da experiência, ou a sua
desproporção da quantificação efectuada» (nota 7: Cfr. a solução que, para o
mesmo problema, aponta Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As
Consequências Jurídicas do Crime, págs. 197, § 255).”
11. Atendendo ao que ficou exposto, a decisão sumária reclamada confirma-se
quanto ao seu fundamento essencial.
Na verdade, é sobre o recorrente que incumbe o ónus de alegar de forma atempada,
adoptando uma estratégia processual adequada, a questão de inconstitucionalidade
da norma. No caso, tal teria ocorrido se o reclamante tivesse suscitado, perante
o Supremo Tribunal de Justiça, a inconstitucionalidade do entendimento que agora
pretende submeter à apreciação deste Tribunal, não sendo tal ónus dispensado
apenas pela invocação, no incidente pós-decisório de fls. 874 e 875, de dúvidas
sobre “o normativo que esteve subjacente ao entendimento de que está vedado ao
STJ o conhecimento do quantum exacto da pena, a menos que haja violação das
regras da experiência ou a desproporção da quantificação efectuada”.
A suscitação da questão de inconstitucionalidade nesse momento teria permitido
ao Supremo Tribunal de Justiça tomar posição sobre esta, fazendo eventualmente
uso da jurisprudência deste Tribunal constante do Acórdão n.º 505/03 já citado.
12. Entendimento diferente do que se pugna na presente decisão redundaria no
derrubar de um dos pilares em que assenta o nosso sistema de fiscalização
concreta: o de que o Tribunal Constitucional não se deve substituir à instância
recorrida, assumindo os seus poderes de cognição uma natureza essencialmente
reavaliadora de uma anterior decisão judicial.
Esta “alteração edificativa”, à luz dos dados que a Constituição da República
Portuguesa actualmente nos fornece (artigo 280.º, n.º 1, alínea b)), deve ser
rejeitada.
Assim sendo, a decisão sumária reclamada, ao não tomar conhecimento do objecto
de recurso por força da falta de um pressuposto processual – não foi suscitada
durante o processo, nos termos exigidos pela alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º
da Lei do Tribunal Constitucional, a inconstitucionalidade da norma que o
reclamante pretende que seja apreciada pelo Tribunal Constitucional – merece
total confirmação.
III
Decisão
Pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide indeferir a
presente reclamação, confirmando a decisão reclamada.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de
conta.
Lisboa, 24 de Setembro de 2008
Maria Lúcia Amaral
Carlos Fernandes Cadilha
Gil Galvão