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Processo nº 607/07
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
A – Relatório
1- A. reclama para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º
3 do art.º 78.º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual versão, da
decisão sumária proferida pelo relator, no Tribunal Constitucional, que decidiu
não conhecer do recurso de constitucionalidade interposto pelo reclamante do
acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 19 de Março de 2007.
2 – Alicerçando a sua reclamação, o reclamante alega o
seguinte:
«1- No que diz respeito aos recursos de constitucionalidade mencionados nos
pontos 3, a) e 3, b) da decisão sumária ora em crise, cremos que não é correcta
a interpretação do Exmo. relator no sentido de que o objecto dos ditos recursos
são as decisões recorridas em si mesmas;
2- Com efeito, no seu requerimento de interposição do dito recurso
mencionado no ponto 3, a), o ora reclamante alegou expressamente o seguinte:
«A norma cuja constitucionalidade o ora recorrente pretende ver apreciada é a
constante do artigo 400º, nº 1 al. a) do CPP quando interpretada no sentido
plasmado no douto acórdão ora recorrido de que o despacho de fls. 431 (que
«indeferiu as restantes diligências probatórias requeridas pelo arguido por não
se vislumbrar, por ora, qualquer relevância das mesmas para a descoberta da
verdade material») constitui um despacho de mero expediente para os efeitos nela
previstos»;
3- E ainda que, «a norma em causa interpretada com o aludido sentido é
manifestamente inconstitucional pois viola as garantias constitucionais de
defesa do processo criminal consagradas no art. 32º, nºs 1 da Constituição da
República Portuguesa, incluindo o direito ao recurso e o princípio da dignidade
da pessoa humana e do estado de direito democrático (na sua vertente da
protecção dos cidadãos contra a prepotência, o arbítrio e a injustiça)
consagrados nos art. 1º e 2º do mesmo diploma e próprio direito a um processo
equitativo e justo consagrado no art. 20º, nº 4 da CRP».
4- Pelo que, salvo o devido respeito por opinião contrária, é manifesto
que o objecto do aludido recurso é a norma em causa (ou seja, a constante da al.
a) do nº 1 do art. 400º do CPP) interpretada com o sentido adoptado na decisão
recorrida, ou seja, o de que um despacho que indefere diligências probatória
requeridas pelo arguido é um despacho de mero expediente para os efeitos
previstos na aludida norma (art. 400º, nº 1, al. a) do CPP);
5- E no seu requerimento de interposição de recurso de fls., o ora
reclamante alegou expressamente o seguinte:
«A norma cuja constitucionalidade o ora recorrente pretende ver apreciada é a
constante do artigo 98º, nº 1 do CPP quando interpretada no sentido plasmado no
douto acórdão ora recorrido de que a sua violação não configura uma situação de
nulidade processual, mas tão só e mera irregularidade (de harmonia com o art.
118º, nº 2 do CPP)»
6- E que «a norma em causa interpretada com o aludido sentido é
manifestamente inconstitucional pois viola as garantias constitucionais de
defesa do processo criminal consagradas no art. 32º, nºs 1 Constituição da
República Portuguesa, incluindo o direito ao recurso e o princípio da dignidade
da pessoa humana e do estado de direito democrático (na sua vertente da
protecção dos cidadãos contra a prepotência, o arbítrio e a injustiça)
consagrados nos art. 1º e 2º do mesmo diploma e próprio direito a um processo
equitativo e justo consagrado no art. 20º da CRP».
7- Pelo que, é aqui também manifesto que aquilo que o recorrente
pretende por em causa no recurso sub judice é apenas a inconstitucional
interpretação que da aludida norma é feita na decisão recorrida;
8- Por outro lado, quanto aos recursos mencionados nos pontos 3, b) e 3,
c), cremos que também não é correcto o entendimento do Exmo. Relator de que se
impunha ao recorrente o dever de prudência técnica no sentido da antecipação da
interpretação que das normas em causa foi feita pelo acórdão recorrido;
9- Na verdade, desde logo, não se percebe muito bem qual será a
utilidade prática da norma constante do nº 1 do art. 98º do CPP, que se destina
apenas ao arguido enquanto tal (e, portanto, já não ao seu defensor), se se
entender que a sua violação consubstancia apenas uma irregularidade processual;
10- E, assim sendo, como poderia o recorrente contar com tão «insólita»
interpretação?
11- Finalmente, salvo o devido respeito por opinião contrária, o recorrente
desde o início do processo que sustentou que a sua actuação foi feita a coberto
do direito de liberdade de expressão e de informação e que a excessiva protecção
e primazia que estava a dada ao direito á honra dos assistentes era
manifestamente inconstitucional;
12- Pelo que, cremos também que aquela concreta questão de
inconstitucionalidade foi adequadamente suscitada durante o processo:
Termos em que a presente reclamação deverá ser julgada totalmente procedente,
com a consequente revogação da decisão sumária ora reclamada e a sua
substituição por outra em que sejam admitidos os três recursos de
constitucionalidade interpostos pela ora reclamante.».
3 – O Procurador-Geral Adjunto, no Tribunal Constitucional,
respondeu dizendo que a “presente reclamação é manifestamente improcedente”,
porquanto, “na verdade, a argumentação do reclamante em nada abala os
fundamentos da decisão reclamada, no que respeita à evidente inverificação dos
pressupostos de admissibilidade do recurso”»
4 – A decisão reclamada tem o seguinte teor:
«1- A. recorre para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do
disposto na alínea b) do n.º 1 do art.º 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de
Novembro, na sua actual versão (LTC), do acórdão do Tribunal da Relação de
Guimarães, de 19 de Março de 2007.
2 – Este acórdão decidiu:
- rejeitar, por irrecorribilidade da respectiva decisão, nos
termos do art.º 400.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Penal (CPP), o
recurso intercalar interposto pelo ora recorrente de um despacho proferido pelo
juiz de 1.ª instância, do seguinte teor: “Indefiro as restantes diligências
probatórias requeridas pelo arguido (documental) por não se vislumbrar, por ora,
qualquer relevância das mesmas para a descoberta da verdade material. No
entanto, o Tribunal, se chegar à conclusão, no decurso da produção da prova em
sede de audiência de discussão e julgamento, que as diligências requeridas, ou
outras, se revelam essenciais para a descoberta da referida legalmente verdade
material – cfr. artigo 340.º, n.º 1 do Código de Processo Penal –, determinará,
oficiosamente, a sua produção”;
- julgar improcedentes dois recursos intercalares interpostos
de decisões proferidas na audiência de discussão e julgamento, em 1.ª instância
(despachos de fls. 2192 e de fls. 2145), que determinaram o desentranhamento dos
documentos e requerimentos apresentados pelo arguido, em virtude destes, “na
circunstância, não estarem subscritos pelo seu defensor”, por, não obstante tais
elementos devessem ter sido admitidos, nos autos, em obediência ao disposto no
art.º 98.º, n.º 1, do C. P. Penal, a inobservância deste preceito configurar uma
simples irregularidade processual sujeita ao regime do art.º 123.º, n.º 1, do
mesmo Código, que estava sanada, porquanto essa irregularidade “só determina a
invalidade do acto a que se refere e dos termos subsequentes que possa afectar
quando tiver sido arguida pelos interessados no próprio acto ou, se a este não
tiverem assistido, nos três dias seguintes a contar daquele em que tiverem sido
notificados para qualquer termo do processo ou intervindo em algum acto nele
praticado” e os prazos “já haverem decorrido há muito”, pois “o arguido foi
notificado desses despachos em 19 de Dezembro de 2005 e 9 de Janeiro de 2006 e o
seu defensor em 12 de Dezembro de 2005 (1.º) e 4 de Janeiro de 2006 (2.º) e não
foi invocada qualquer irregularidade e as alegações de recurso em apreciação
deram entrada na Secretaria do Tribunal em 10 e 18 de Janeiro, respectivamente”;
- dar parcial provimento ao recurso interposto da sentença
condenatória de 1.ª instância e condenar o ora recorrente pela autoria moral e
material de um crime de ofensa a pessoa colectiva, p. e p. pelo art.º 187.º, n.º
1, do Código Penal; de um crime de ofensa a pessoa colectiva, p. e p. pelos
art.ºs 187.º, nºs 1 e 2, e 183.º n.º 1, alínea a), do Código Penal; de dois
crimes de difamação, p. e p. pelo art.º 180.º, n.º 1, e agravado pelo art.º
184.º, ambos do Código Penal, em cúmulo jurídico, na pena unitária de 350 dias
de multa à taxa diária de €3,00, mantendo, no mais, o decidido em 1.ª instância.
3 – O recorrente interpôs recurso de constitucionalidade de
todos estes segmentos decisórios do acórdão do tribunal de 2.ª instância, em
três diferentes e autónomos requerimentos, pretendendo, em cada um,
respectivamente, a apreciação da inconstitucionalidade:
a) da “norma constante do art.º 400.º, n.º 1, alínea a), do
CPP quando interpretada no sentido plasmado no douto acórdão ora recorrido de
que o despacho de fls. 431 (que «indeferiu as restantes diligências probatórias
requeridas pelo arguido por não se vislumbrar, por ora, qualquer relevância das
mesmas para a descoberta da verdade material») constitui um despacho de mero
expediente para os efeitos nela previstos”, por violação das “garantias
constitucionais de defesa em processo criminal consagradas no art.º 32.º, nºs 1
e 2 da Constituição, incluindo o direito ao recurso e o princípio da dignidade
da pessoa humana e do estado de direito democrático (na sua vertente da
protecção dos cidadãos contra a prepotência, o arbítrio e a injustiça) e o
direito a um processo equitativo e justo consagrado no art.º 20.º, n.º 4, da
CRP”.
No requerimento de interposição de recurso, o recorrente alega
que “a questão concreta de constitucionalidade não foi suscitada durante o
processo porque o ora recorrente não teve oportunidade processual para o fazer,
porquanto apenas se viu confrontado com ela na decisão ora em crise, sendo certo
que o recorrente não poderia contar com tal interpretação (da norma em causa)
dado que o tribunal a quo procedeu à admissão do recurso sem qualquer dúvida ou
embargo”;
b) da “norma constante do art.º 98.º, n.º 1, do CPP, quando
interpretada no sentido plasmado no douto acórdão ora recorrido de que a sua
violação não configura uma situação de nulidade processual, mas tão só
irregularidade (de harmonia com o art.º 118.º, n.º 2, do CPP)”, por violação
“garantias constitucionais de defesa em processo criminal consagradas no art.º
32.º, nºs 1 e 2 da Constituição, incluindo o direito ao recurso e o princípio da
dignidade da pessoa humana e do estado de direito democrático (na sua vertente
da protecção dos cidadãos contra a prepotência, o arbítrio e a injustiça) e o
direito a um processo equitativo e justo consagrado no art.º 20.º, n.º 4, da
CRP”.
No requerimento de interposição de recurso, o ora recorrente
afirma que “a questão concreta de constitucionalidade não foi suscitada durante
o processo porque o ora recorrente não teve oportunidade processual para o
fazer, porquanto apenas se viu confrontado com ela na decisão ora em crise,
sendo certo que o recorrente não poderia contar com tal interpretação (da norma
em causa) dado que o tribunal a quo procedeu à admissão do recurso sem qualquer
dúvida ou embargo”;
c) das “normas constantes dos art.ºs 180.º, n.º 1, 182.º, n.º
1, alínea a), 184.º e 187.º, nºs 1 e 2, do Código Penal quando interpretadas no
sentido plasmado no douto acórdão ora recorrido de que no caso sub judice o
direito à honra, ao bom nome e à reputação dos assistentes deverá prevalecer
sobre o direito de liberdade de expressão e informação consagrados nos art.ºs
37.º e 38.º, nºs 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa e nos art.ºs
19.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem de 10-12-48 e 10.º, n.º 1, da
Convenção Europeia dos Direitos do Homem de 4-11-50”, por violação dos “aludidos
direitos de liberdade de expressão e informação consagrados nos art.ºs 37.º e
38.º, nºs 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa, 19.º da Declaração
Universal dos Direitos do Homem de 10-12-48 e 10.º, n.º 1, da Convenção Europeia
dos Direitos do Homem de 4-11-50 e o próprio disposto no art.º 18.º, n.º 2 do
Diploma Fundamental”.
No requerimento de interposição de recurso, diz que “a questão
concreta de constitucionalidade foi suscitada na defesa do arguido e na própria
motivação do seu recurso”.
4 – Todos os recursos foram admitidos pelo tribunal a quo.
Todavia, porque se configura uma situação que se enquadra na hipótese recortada
no n.º 1 do art.º 78.º-A da LTC e porque o despacho que admitiu os recursos não
vincula o Tribunal Constitucional, conforma se estabelece no n.º 3 do art.º 76.º
do mesmo diploma, passa a decidir-se imediatamente.
5 – O objecto do recurso de fiscalização concreta de
constitucionalidade, previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 280º da
Constituição e na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC, disposição esta que
se limita a reproduzir o comando constitucional, apenas se pode traduzir numa
questão de (in)constitucionalidade da(s) norma(s) de que a decisão recorrida
haja feito efectiva aplicação ou que tenha constituído o fundamento normativo do
aí decidido.
Trata-se de um pressuposto específico do recurso de
constitucionalidade cuja exigência resulta da natureza instrumental (e
incidental) do recurso de constitucionalidade, tal como o mesmo se encontra
recortado no nosso sistema constitucional, de controlo difuso da
constitucionalidade de normas jurídicas pelos vários tribunais, bem como da
natureza da própria função jurisdicional constitucional (cf. Cardoso da Costa,
«A jurisdição constitucional em Portugal», in Estudos em homenagem ao Professor
Doutor Afonso Rodrigues Queiró, Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra, I,
1984, pp. 210 e ss., e, entre outros, os Acórdãos n.º 352/94, publicado no
Diário da República II Série, de 6 de Setembro de 1994, n.º 560/94, publicado no
mesmo jornal oficial, de 10 de Janeiro de 1995 e, ainda na mesma linha de
pensamento, o Acórdão n.º 155/95, publicado no Diário da República II Série, de
20 de Junho de 1995, e, aceitando os termos dos arestos acabados de citar, o
Acórdão n.º 192/2000, publicado no mesmo jornal oficial, de 30 de Outubro de
2000).
Por outro lado, importa acentuar que, neste domínio da
fiscalização concreta de constitucionalidade, a intervenção do Tribunal
Constitucional se limita ao reexame ou reapreciação da questão de
(in)constitucionalidade que o tribunal a quo apreciou ou devesse ter apreciado.
Na verdade, a resolução da questão de constitucionalidade
há-de poder, efectivamente, reflectir-se na decisão recorrida, implicando a sua
reforma, no caso de o recurso obter provimento.
Tal só é possível quando a norma cuja constitucionalidade o
Tribunal Constitucional aprecie haja constituído a ratio decidendi da decisão
recorrida, ou seja, o fundamento normativo do aí decidido.
Concretizando, ainda, aspectos do seu regime, cumpre acentuar
que, sendo o objecto do recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade
constituído por normas jurídicas que violem preceitos ou princípios
constitucionais, não pode sindicar-se, no recurso de constitucionalidade, a
decisão judicial em sim própria, mesmo quando esta faça aplicação directa de
preceitos ou princípios constitucionais, quer no que importa à correcção, no
plano do direito infraconstitucional, da interpretação normativa a que a mesma
chegou, quer no que tange à forma como o critério normativo previamente
determinado foi aplicado às circunstâncias específicas do caso concreto
(correcção do juízo subsuntivo).
Deste modo, é, sempre, forçoso que, no âmbito dos recursos
interpostos para o Tribunal Constitucional, se questione a
(in)constitucionalidade de normas, não sendo, assim, admissíveis os recursos
que, ao jeito da Verfassungsbeschwerde alemã ou do recurso de amparo espanhol,
sindiquem, sub species constitutionis, a concreta aplicação do direito efectuada
pelos demais tribunais, em termos de se assacar ao acto judicial de “aplicação”
a violação (directa) dos parâmetros jurídico-constitucionais. Ou seja, não cabe
a este Tribunal apurar e sindicar a bondade e o mérito do julgamento efectuado
in concreto pelo tribunal a quo.
A intervenção do Tribunal Constitucional não incide sobre a
correcção jurídica do concreto julgamento, mas apenas sobre a conformidade
constitucional das normas aplicadas pela decisão recorrida, cabendo ao
recorrente, como se disse, nos recursos interpostos ao abrigo da alínea b) do
n.º 1 do artigo 70.º, o ónus de suscitar o problema de constitucionalidade
normativa num momento anterior ao da interposição de recurso para o Tribunal
Constitucional [cf. Acórdão n.º 199/88, publicado no Diário da República II
Série, de 28 de Março de 1989; Acórdão n.º 618/98, disponível em
www.tribunalconstitucional.pt, remetendo para jurisprudência anterior (por
exemplo, os Acórdãos nºs 178/95 - publicado no Diário da República II Série, de
21 de Junho de 1995 -, 521/95 e 1026/9, inéditos e o Acórdão n.º 269/94,
publicado no Diário da República II Série, de 18 de Junho de 1994)].
A este propósito, escreve Carlos Lopes do Rego («O objecto
idóneo dos recursos de fiscalização concreta de constitucionalidade: as
interpretações normativas sindicáveis pelo Tribunal Constitucional», in
Jurisprudência Constitucional, 3, p. 8) que “É, aliás, perceptível que, em
numerosos casos – embora sob a capa formal da invocação da inconstitucionalidade
de certo preceito legal tal como foi aplicado pela decisão recorrida – o que
realmente se pretende controverter é a concreta e casuística valoração pelo
julgador das múltiplas e específicas circunstâncias do caso sub judicio […]; a
adequação e correcção do juízo de valoração das provas e de fixação da matéria
de facto provada na sentença (…) ou a estrita qualificação jurídica dos factos
relevantes para a aplicação do direito […]».
Finalmente, deve referir-se que decorre, ainda, dos referidos
preceitos que a questão de inconstitucionalidade tenha de ser suscitada em
termos adequados, claros e perceptíveis, durante o processo, de modo que o
tribunal a quo ainda possa conhecer dela antes de esgotado o poder jurisdicional
do juiz sobre tal matéria e que desse ónus de suscitar adequadamente a questão
de inconstitucionalidade em termos do tribunal a quo ficar obrigado ao seu
conhecimento decorre a exigência de se dever confrontar a norma sindicanda com
os parâmetros constitucionais que se têm por violados, só assim se
possibilitando uma razoável intervenção dos tribunais no domínio da fiscalização
da constitucionalidade dos actos normativos.
É evidente a razão de ser deste entendimento: o que se visa é
que o tribunal recorrido seja colocado perante a questão da validade da norma
que convoca como fundamento da decisão recorrida e que o Tribunal
Constitucional, que conhece da questão por via de recurso, não assuma uma
posição de substituição à instância recorrida, de conhecimento da questão de
constitucionalidade, fora da via de recurso.
É por isso que se entende que não constituem já momentos
processualmente idóneos aqueles que são abrangidos pelos incidentes de arguição
de nulidades, pedidos de aclaração e de reforma, dado terem por escopo não a
obtenção de decisão com aplicação da norma, mas a sua anulação, esclarecimento
ou modificação, com base em questão nova sobre a qual o tribunal não se poderia
ter pronunciado (cf., entre outros, os acórdãos n.º 496/99, publicado no Diário
da República II Série, de 17 de Julho de 1996, e Acórdãos do Tribunal
Constitucional, 33º vol., pp. 663; n.º 374/00, publicado no Diário da República
II Série, de 13 de Julho de 2000, BMJ 499º, pp. 77, e Acórdãos do Tribunal
Constitucional, 47º vol., pp.713; n.º 674/99, publicado no Diário da República
II Série, de 25 de Fevereiro de 2000, BMJ 492º, pp. 62, e Acórdãos do Tribunal
Constitucional, 45º vol., pp.559; n.º 155/00, publicado no Diário da República
II Série, de 9 de Outubro de 2000, e Acórdãos do Tribunal Constitucional, 46º
vol., pp. 821, e n.º 364/00, inédito).
Por outro lado, importa reconhecer que não basta que se
indique a norma que se tem por inconstitucional, sendo, antes, necessário que se
problematize a questão de validade constitucional da norma (dimensão normativa)
através da alegação de um juízo de antítese entre a norma/dimensão normativa e
o(s) parâmetro(s) constitucional(ais), indicando-se, pelo menos, as normas ou
princípios constitucionais que a norma sindicanda viola ou afronta.
Tais exigências têm sido deveras reiteradas pela nossa
jurisdição constitucional.
De forma contínua e sistemática, tem este Tribunal
estabelecido que «“Suscitar a inconstitucionalidade de uma norma jurídica é
fazê-lo de modo tal que o tribunal perante o qual a questão é colocada saiba que
tem uma questão de constitucionalidade determinada para decidir. Isto reclama,
obviamente, que (...) tal se faça de modo claro e perceptível, identificando a
norma (ou um segmento dela ou uma dada interpretação da mesma) que (no entender
de quem suscita essa questão) viola a Constituição; e reclama, bem assim, que se
aponte o porquê dessa incompatibilidade com a lei fundamental, indicando, ao
menos, a norma ou princípio constitucional infringido.” Impugnar a
constitucionalidade de uma norma implica, pois, imputar a desconformidade com a
Constituição não ao acto de aplicação do Direito – concretizado num acto de
administração ou numa decisão dos tribunais – mas à própria norma, ou, quando
muito, à norma numa determinada interpretação que enformou tal acto ou decisão
(cf. Acórdãos nºs 37/97, 680/96, 663/96 e 18/96, este publicado no Diário da
República, II Série, de 15-05-1996). [§] É certo que não existem fórmulas
sacramentais para formulação dos pedidos, nem sequer para suscitação da questão
de constitucionalidade. [§] Esta tem, porém, de ocorrer de forma que deixe claro
que se põe em causa a conformidade à Constituição de uma norma ou de uma sua
interpretação (...) – cf. o referido Acórdão n.º 618/98 e os acórdãos para os
quais remete.
Importa, todavia, notar que tal doutrina sofre restrições,
como se salientou naquele Acórdão n.º 354/94.
Acontece isso nas situações excepcionais ou anómalas, nas
quais o interessado não dispôs de oportunidade processual para suscitar a
questão de constitucionalidade antes proferida ou não era exigível que o
fizesse, designadamente por o tribunal a quo ter efectuado uma aplicação de todo
insólita e imprevisível.
Usando os termos do recente Acórdão n.º 192/2000, dir-se-á,
ainda, que “quem pretenda recorrer para o Tribunal Constitucional com fundamento
na aplicação de uma norma que reputa inconstitucional tem, porém, a oportunidade
de suscitar a questão de constitucionalidade perante o tribunal recorrido, antes
de proferido o acórdão da conferência de que recorre...”.
E é claro que não poderá deixar de entender-se que o
recorrente tem essa oportunidade quando a apreensão do sentido com que a norma é
aplicada numa decisão posteriormente proferida poderá/deverá ser perscrutado
no(s) articulado(s) processual(ais) funcionalmente previsto(s) para discretear
juridicamente sobre as questões cuja resolução essa decisão tem de ditar, por
antecedentemente colocadas, e em que aquele sentido, cuja constitucionalidade se
poderá questionar, se apresenta como sendo um dos plausíveis a ser aplicados
pelo juiz.
Ao encararem ou equacionarem, na defesa das suas posições, a
aplicação das normas, as partes não estão dispensadas de entrar em linha de
conta com o facto de estas poderem ser entendidas segundo sentidos divergentes e
de os considerar na defesa das suas posições, aí prevenindo a possibilidade da
(in)validade da norma em face da lei fundamental.
Digamos que as partes têm um dever de prudência técnica na
antevisão do direito plausível de ser aplicado e, nessa perspectiva, quanto à
sua conformidade constitucional. O dever de suscitação da inconstitucionalidade
durante o processo e pela forma adequada enquadra-se dentro destes parâmetros
acabados de definir.
6.1 – Ora, analisando o caso sub judicio à luz destes
criteria, constata-se se que o Tribunal Constitucional não pode tomar
conhecimento dos recursos de constitucionalidade, por falta dos respectivos
pressupostos específicos.
Senão vejamos.
6. 2 – No recurso de constitucionalidade mencionado no ponto
3, a), o que o recorrente pretende discutir é a correcção do juízo de
qualificação jurídica do despacho de fls. 431 como despacho de expediente ou
como proferido no uso de poder discricionário, efectuado pela decisão recorrida,
com o consequente efeito da sua irrecorribilidade estabelecido na alínea a) do
n.º 1 do art.º 400.º do CPP.
O acórdão recorrido qualificou, à face do sistema
jurídico-processual penal, esse despacho como uma decisão proferida no uso de
poder discricionário e como não definitiva, por entender que o arguido poderia,
caso viesse a revelar-se essencial para a decisão da causa, requerer, na
audiência de julgamento, a produção da prova (documental), anteriormente
recusada, ou até ser a mesma ordenada, oficiosamente, pelo tribunal, e subsumiu
essa concreta qualificação à hipótese recortada na alínea a) do n.º 1 do art.º
400.º do CPP, ou seja, como sendo um despacho irrecorrível, por ter a natureza
de despacho de expediente.
O recorrente não questiona, sob o prisma da
constitucionalidade, que a referida norma estabeleça que os despachos de
expediente sejam irrecorríveis.
O que ele controverte é a inclusão, nesse tipo de actos, do
despacho em causa.
Objecto do recurso de constitucionalidade é, pois, a decisão
em si mesma. Ora não cabe ao Tribunal Constitucional sindicar a correcção dos
juízos de qualificação, à face do sistema jurídico, do conteúdo dos despachos
judiciais.
Sendo assim, não pode tomar-se conhecimento desse recurso.
6. 3 – Mutatis mutandis, pode-se concluir do mesmo jeito,
relativamente à questão de constitucionalidade, posta nos termos do ponto 3, b).
Também, aí, o que o recorrente discute é a correcção da
interpretação feita pelo acórdão recorrido, defendendo que a violação do art.º
98.º, n.º 1, do CPP, “de harmonia com o art.º 118.º, n.º 2, do CPP” configura
uma situação de nulidade e não de irregularidade.
Deste modo, o objecto do recurso constitucional é a decisão
judicial.
Ora, como se disse, não cabe ao Tribunal Constitucional
sindicar a correcção da interpretação do direito infraconstitucional em que se
abonou o decidido.
Mas, mesmo admitindo que possa entender-se que o recorrente
haja colocado uma questão de inconstitucionalidade normativa, ou referida a
determinada interpretação normativa dos preceitos dos art.ºs 98.º, n.º 1, e
118.º, n.º 2, do CPP, sempre, terá de concluir-se que o recorrente não cumpriu o
ónus da sua adequada suscitação, perante o tribunal a quo, em termos deste dela
ser obrigado a conhecer, e que não estava dispensado de o fazer, ao contrário do
que alega no seu requerimento de interposição de recurso.
Na verdade, tendo o recorrente apodado, nos recursos
intercalares de fls. 2292 a 2296 e 2320 a 2324, os despachos judiciais de
violação das normas constantes dos art.ºs 63.º, n.º 1, e 98.º, n.º 1, ambos os
preceitos do CPP, não poderia deixar de antecipar a interpretação, feita pela
decisão recorrida, no sentido de a sua violação consubstanciar tão só a
irregularidade prevista no art.º 123.º do CPP e não uma nulidade sujeita ao
regime estabelecido nos art.ºs 119.º a 122.º do mesmo código.
Na verdade, as violações de normas processuais, por parte de
decisões jurisdicionais, no sistema dicotómico do Código de Processo Penal, são
sancionadas, ou com o efeito da nulidade, ou com o efeito da irregularidade.
Sendo assim, cabia, claramente, no dever de prudência técnica
do recorrente a antecipação da interpretação feita pelo acórdão recorrido e a
colocação do problema da sua inconstitucionalidade.
Jamais, se pode considerar que essa interpretação seja
“insólita” ou “imprevisível”.
Deste modo, não pode, também, tomar-se conhecimento deste
recurso de constitucionalidade, por falta do referido pressuposto específico de
suscitação antecipada de tal questão.
6.4 – E, também, não pode tomar-se conhecimento do recurso
indicado no ponto 3, c).
Na verdade, independentemente de o recorrente não precisar a
dimensão normativa dos art.ºs 180.º, n.º 1, 182.º, n.º 1, alínea a), 184.º e
187.º, nºs 1 e 2 do Código Penal, cuja constitucionalidade pretende ver
apreciada, pois remete a sua determinação para o acórdão recorrido – deficiência
esta que, todavia, seria suprível, mediante o convite a que alude o n.º 5 do
art.º 75.º-A da LTC que, porém, se torna inútil pelo que, de seguida, se dirá –,
constata-se que o recorrente integra nessa dimensão normativa todas as
particularidades do caso sub judice, ao pretender questionar a
constitucionalidade dessas normas “quando interpretadas no sentido plasmado no
douto acórdão ora recorrido de que no caso sub judice o direito à honra, ao bom
nome e à reputação dos assistentes deverá prevalecer sobre o direito de
liberdade de expressão (…)”.
Uma vez mais, o que o recorrente pretende é que o Tribunal
Constitucional aprecie a correcção da decisão judicial, em si mesma, no que toca
ao balanceamento efectuado das circunstâncias do caso perante os dois direitos
fundamentais alegados como estando em confronto (direito à honra e liberdade de
expressão e de informação).
Mas, para além desta razão, outra acresce no sentido do não
conhecimento do recurso de constitucionalidade.
É que, ao contrário do que alega, o recorrente não
problematizou, perante o tribunal a quo, em termos deste dela estar obrigado a
conhecer, a questão de inconstitucionalidade de qualquer dimensão normativa ou
interpretação normativa de tais preceitos do Código Penal, mesmo se referida às
particularidades do caso.
Nas suas alegações (conclusão 3.20), o recorrente limita-se a
dizer que, “ao ter decidido como decidiu, a douta sentença recorrida violou as
normas contidas nos art.ºs 13.º, 14.º, 15.º, 31.º, n.º 1, alínea b), 71.º, 72.º,
180.º, nºs 1 e 2, als a) e b), 184.º e 187.º do Código Penal, 37.º e 38.º da
Constituição da República Portuguesa, 19.º da Declaração Europeia dos Direitos
do Homem e 10.º, n.º 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem”.
O que equivale a dizer que o recorrente alega que a decisão
recorrida violou directamente normas de direito infraconstitucional, normas
constitucionais e normas de direito internacional.
Naquela expressão, jamais se pode ver equacionado qualquer
problema de validade constitucional das referidas normas do Código Penal,
susceptíveis (numa prognose antecipada) de serem aplicadas à decisão da causa,
por atentarem contra determinadas normas constitucionais, como sejam os art.ºs
37.º e 38.º da CRP, que identifica.
Temos, pois, de concluir que o recorrente não cumpriu o ónus
de adequada suscitação da questão de constitucionalidade, não podendo tomar-se
conhecimento do recurso.
7 – Destarte, atento tudo o exposto, o Tribunal Constitucional
decide não tomar conhecimento do recurso. Custas pelo recorrente, fixando-se a
taxa de justiça em 8 UCs.».
B – Fundamentação
5 – O reclamante, na argumentação que desenvolve, em nada
abala a correcção dos fundamentos em que se abona a decisão reclamada, razão
pela qual aqui se renovam.
Relativamente ao aí expendido, apenas se dirá a mais o
seguinte: no que tange à norma constante do art.º 400.º, n.º 1, alínea a) do CPP
é, por demais, evidente que o que o reclamante pretende submeter à apreciação do
Tribunal Constitucional é a correcção da qualificação e da subsunção jurídicas
efectuadas pelo tribunal a quo relativamente ao seu pedido de realização de
certas provas, como se diz na decisão reclamada.
Todavia, tais momentos da aplicação do direito não cabem na
competência de fiscalização concreta normativa do Tribunal Constitucional.
Acresce que a norma não foi entendida pelo acórdão recorrido
nos termos em que o reclamante a configurou no seu requerimento de interposição
de recurso, do qual faz o excerto constante da reclamação ou seja, enquanto
norma que estabeleça que o indeferimento de diligências probatórias “por não se
vislumbrar, por ora, qualquer relevância das mesmas para a descoberta da verdade
material constitui um despacho de mero expediente”. O que o tribunal asseverou
foi, como resulta do teor da decisão recorrida, a fls. 2546-2548, que não é
recorrível para a Relação um despacho que não rejeitou em definitivo o pedido de
realização de diligências probatórias, por ter considerado, nessa altura, que a
sua realização não era pertinente, mas admitiu que a sua produção pudesse ter
lugar em audiência de julgamento, se então fossem requerida.
Constata-se assim que, independentemente da bondade do
afirmado na decisão sumária ora reclamada, o reclamante pretende questionar a
conformidade constitucional do que corresponde apenas a um segmento da norma,
desprezando a segunda parte.
Donde resulta que o reclamante pretende converter em objecto
do recurso uma outra norma que não a entendida pelo tribunal a quo.
E no tocante à previsibilidade da qualificação jurídica feita
pelo tribunal de recurso, pode ainda dizer-se que ela não corresponde a mais do
que a uma subsunção jurídica a uma norma regente do direito de recurso [o art.º
400.º, n.º 1, alínea a) do CPP] que o reclamante estava a exercer de uma norma
que já havia sido definida pelo tribunal de 1.ª instância para indeferir a
realização das diligências de provas, com a condição estabelecida (a de em
julgamento ela poder ter lugar, se pertinente).
Enquanto norma reguladora da admissibilidade do recurso que
pretendia exercer, cabia, claramente, no dever de prudência técnica do
recorrente a antecipação da interpretação feita pelo acórdão recorrido e a
colocação do problema da sua inconstitucionalidade.
A reclamação deve, pois, ser indeferida.
C – Decisão
6 – Destarte, atento tudo o exposto, o Tribunal Constitucional
decide indeferir a reclamação.
Custas pelo reclamante, com taxa de justiça que se fixa em 20
UCs.
Lisboa, 25 de Setembro de 2007
Benjamim Rodrigues
Joaquim Sousa Ribeiro
Rui Manuel Moura Ramos