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Processo n.º 727/07
3ª Secção
Relator: Conselheiro Vítor Gomes
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
1. A. pede esclarecimento do acórdão de fls. 200 e segs. (acórdão
n.º 487/2007) mediante requerimento do seguinte teor:
“Vem solicitar a V. Exa. o seguinte esclarecimento:
A arguida/recorrente na reclamação que levou junto de V. Exas., tendente à
admissão do recurso para esse Venerando Tribunal invocou, além do mais, a
violação do princípio constitucional “ne bis in idem” que se encontra
formalmente previsto no artº 29º, nº 5 da C.R.P.
Para tanto alegou que a acção descrita na acusação pública que foi objecto de
instrução configura apenas o crime de burla e nunca um crime de falsificação e
burla em concurso efectivo na medida em que do pedaço de vida ali descrita
resulta que há pela arguida uma unidade de resolução criminosa pelo que assim
sendo a falsificação é tão só um crime meio que está contido no crime de burla
que é um crime fim.
Mais, alegou que quer o despacho de acusação quer o despacho de pronúncia ao
enveredarem pela tese do concurso efectivo entre o crime de burla e o crime de
falsificação violaram o princípio constitucional “ne bis in idem”.
Por isso mesmo em homenagem ao referido princípio constitucional o Tribunal “a
quo” ao manter e não alterar aquele pedaço de vida descrito na acusação e ao
declarar extinto o procedimento criminal pelo crime de burla, por caducidade do
direito de queixa e não por qualquer outro motivo de facto ou de direito,
deveria de igual forma declarar extinto o crime de falsificação determinando em
consequência a não pronúncia da arguida/recorrente, até porque manteve a
qualificação jurídica formulada na acusação recusando a alteração da
qualificação jurídica formulada pela arguida recorrente em sede e requerimento
instrutório.
Dessa forma a recorrente humildemente entende que a questão prévia da
inconstitucionalidade material por violação do princípio constitucional do “ne
bis in idem” mantém-se actual na medida em que quer a decisão proferida pelo
Meritíssimo Juiz do Tribunal de Felgueiras quer a decisão do Venerando Tribunal
da Relação de Guimarães – mau grado a extinção do procedimento criminal pelo
crime de burla com base na caducidade do direito de queixa e não por qualquer
outra razão de facto ou de direito – na medida em que o tribunal “a quo” manteve
a qualificação jurídica formulada no despacho acusatório – apesar de suscitada
em sede de requerimento instrutório – e por isso mesmo não se abandonou o
entendimento no caso específico dos autos quanto à tese dom concurso efectivo
entre o crime de burla e o crime de falsificação pelo que nesse sentido a
interpretação que vem emprestada pelas instâncias no artº 256º do Código Penal
não é conforme à Constituição por violação do princípio do “in bis in idem” e só
o não seria caso fosse extinto o procedimento criminal por este tipo de crime em
consequência/consonância com a extinção do procedimento criminal por caducidade
do direito de queixa do qual foi objecto o imputado crime de burla.
Assim sendo face ao ora exposto e tendo em conta o princípio da fiscalização
concreta sucessiva e o disposto na al. b) do nº 1 do artº 70º da LTC vem muito
humildemente requerer junto de V. Exa. se digne proferir douto despacho tendente
a esclarecer tal questão no que concerne ao indeferimento da reclamação
apresentada e ordenando em consequência o prosseguimento dos autos com a
notificação, se assim se entender, para a apresentação das alegações de
recurso.”
2. O Ministério Público pronuncia-se pela rejeição do pedido visto
que a reclamante não trata de especificar qualquer obscuridade ou ambiguidade a
que importe dar resposta.
3. O acórdão reclamado é, na parte que pode interessar, do seguinte
teor:
“3. A reclamação é manifestamente improcedente.
Com efeito, a decisão reclamada não se afastou do entendimento de que o recurso
de fiscalização concreta pode ter por objecto a verificação da
inconstitucionalidade da “interpretação ou sentido como [a norma] foi tomada no
caso concreto e aplicada (ou desaplicada) na decisão recorrida, ou mesmo uma
norma “construída” pelo juiz recorrido a partir da interpretação ou integração
de várias normas textuais”, para usar a expressão da reclamante. O que entendeu
foi que, para que possa caber recurso ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo
70.º da LTC, necessário se torna que uma dada norma, ainda que assim entendida,
tenha sido aplicada pela decisão recorrida e que seja sobre a sua conformidade à
Constituição que verse a questão colocada ao Tribunal Constitucional.
Ora, como na decisão reclamada se refere e agora se reafirma, nenhuma destas
condições se verifica.
Inultrapassável é, desde logo, ter a Relação considerado que nenhum problema
respeitante ao concurso de crimes lhe competir apreciar, visto a recorrente só
ter sido pronunciada por falsificação e não também por burla. Deste modo, não
pode fundadamente afirmar-se que o acórdão recorrido inclua a aplicação, como
sua ratio decidendi, de qualquer norma ou entendimento normativo relativo à
natureza do concurso entre o crime de burla e o de falsificação que deste seja
instrumental. Se com esse procedimento a Relação deixou por decidir ou decidiu
erradamente questão que devesse apreciar é matéria que não cabe no âmbito do
recurso para Tribunal Constitucional, tal como a Constituição e a Lei do
Tribunal Constitucional o configuram.
4. O pedido de aclaração tem cabimento sempre que algum trecho essencial da
decisão judicial seja obscuro (por ser ininteligível o pensamento do julgador)
ou ambíguo (por comportar dois ou mais sentidos distintos). Não é meio, ainda
que com uma retórica interrogativa, para demonstrar divergência com os
fundamentos ou a decisão.
Ora, o acórdão reclamado é indiscutivelmente claro na enunciação das
razões pelas quais julgou a reclamação improcedente: o acórdão recorrido não fez
aplicação de qualquer norma ou entendimento normativo relativo à natureza do
concurso entre o crime de burla e falsificação, não cabendo na competência do
Tribunal Constitucional apreciar se, com isso, a Relação deixou por decidir ou
decidiu erradamente as questões que lhe eram colocadas.
Em tudo quanto afirma no requerimento de fls. 217 a reclamante não revela
qualquer dúvida de entendimento da decisão ou dos seus fundamentos, nem expõe
qualquer obscuridade ou ambiguidade de que, objectivamente, esta sofra. Bem ao
contrário, mostra que, tendo compreendido perfeitamente o que se decidiu e
porque se decidiu nesses termos, discorda da interpretação que a decisão sumária
e, depois, o acórdão reclamado, fez do acórdão da Relação, porque lê este –
apesar dos seus termos expressos de que nenhuma questão de concurso de crimes se
colocava face à evolução do processo – como comportando aplicação da norma cuja
constitucionalidade quer ver apreciada. Mas para isso não serve o pedido de
aclaração, como começou por dizer-se.
5. Pelo exposto, indefere-se o pedido de esclarecimento e condena-se
o reclamante nas custas do incidente, fixando-se a taxa de justiça em 15
(quinze) unidades de conta.
Lisboa, 9 de Novembro de 2007
Vítor Gomes
Ana Maria Guerra Martins
Gil Galvão