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Processo n.º 791/07
1.ª Secção
Relator: Conselheiro José Borges Soeiro
Acordam, em conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I – Relatório
1. Ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 3, da Lei do Tribunal
Constitucional, vem A. reclamar da decisão sumária proferida no âmbito dos
presentes autos, nos termos seguintes:
“1 – Aquando da interposição do recurso da decisão do Tribunal da Relação para o
STJ a recorrente exarou:
Por mera cautela, vem arguir a inconstitucionalidade da interpretação efectuada
na decisão recorrida do artigo 127º do CPP, interpretado no sentido de que não
havendo prova directa de determinado facto, mas só indirecta, é possível dá-lo
como provado quando não estão demonstradas todas as hipóteses eventuais e
divergentes conciliáveis com a existência do facto indiciante, concretamente,
que o porta moedas de cor branco não possa ter sido lançado de qualquer um dos
andares do lado esquerdo da sua entrada, por violação do artigo 32.º, n.º 2 da
CRP.”
2 – Na decisão do STJ de 28 de Junho pode ler-se:
(…)
4.1. Foi com esta argumentação – retirada, no essencial, do acórdão ora
reclamado, mas que aqui, aclarando-o, se reforça – que o Supremo, oportunamente,
enfrentou (negando-lhe provimento) a questão de inconstitucionalidade a ele
submetida pela arguida, ‘por mera cautela’, no seu recurso de 05MAR07.
4.2. Vai assim indeferida a reclamação oposta em 11JUN07 pela arguida A., a
coberto de uma pretensa nulidade por omissão de pronúncia ao acórdão de
24MAIO07.
3 – No requerimento que dera origem a tal decisão exarara a recorrente:
O seu recurso para o STJ foi efectivamente, e de modo exclusivo, atinente a
matéria de direito, já que é desse tipo a questão de saber se determinada
matéria de facto, decidida exclusivamente, com base em prova indirecta, pode ou
não manter-se, em processo penal, existindo outras hipóteses divergentes
conciliáveis com a existência do facto probando.
4 – Temos assim que a questão de inconstitucionalidade não foi colocada ‘ex
novo’ perante o TC mas, de modo inequívoco, durante o processo, no recurso para
o STJ e este tribunal viria mesmo a conhecer dela, embora negando a sua
verificação.
5 – A recorrente não se limitou a imputar a inconstitucionalidade à norma
processual, mas especificou, de modo detalhado e processualmente adequado, as
dimensões interpretativas que, no caso, feriam a norma constitucional invocada.
6 – Efectivamente, viola o artigo 32º, nº 2 d CRP a interpretação do artigo 127º
do CPP no sentido de que pode manter-se determinada matéria de facto, decidida
exclusivamente, com base em prova indirecta, em processo penal, existindo outras
hipóteses divergentes conciliáveis com a existência do facto probando. […]”
2. A Decisão reclamada tem, no que ora importa, o seguinte teor:
“[…] Tendo a Recorrente suscitado a questão da inconstitucionalidade no recurso
para o Supremo Tribunal de Justiça em sede da apreciação da matéria fáctica da
causa, fácil é de concluir, face à argumentação aduzida no acórdão recorrido,
que não cabe a este Tribunal Constitucional sindicar, que tal suscitação não
ocorreu durante o processo e sim em momento posterior, quando se encontrava já
esgotado o poder jurisdicional do tribunal a quo e, por conseguinte, em momento
tal que não lhe permitiu debruçar-se e tomar posição sobre a mesma. Ora, o
sistema português de fiscalização concreta da constitucionalidade, no qual se
inclui o meio impugnatório dos presentes autos, previsto nos artigos 280.º, n.º
1, alínea b) da Constituição e 70.º, n.º 1, alínea b) da Lei do Tribunal
Constitucional, apresenta um carácter difuso, ocorrendo a intervenção deste
Tribunal apenas em sede de recurso – o que se justifica na medida em que a
competência para julgar da inconstitucionalidade é cometida a todos os
tribunais, nos termos dos artigos 204.º e 280.º, n.º 1, alínea b) da
Constituição. Tal pressupõe, por conseguinte, a intervenção ou pronúncia prévia
da instância recorrida sobre a questão de constitucionalidade concretamente
formulada. Assim, o Tribunal Constitucional não poderá conhecer destas questões
ex novo e apenas em sede de recurso, sob pena de extravasar as suas competências
neste domínio.
Mas, mesmo que se admitisse que a suscitação da questão de constitucionalidade
efectuada constitui um modo adequado e atempado de cumprir tal requisito – o que
apenas se concebe para efeitos meramente argumentativos – o certo é que, ainda
assim, o presente recurso nunca poderia ter sido admitido.
Com efeito, a questão de constitucionalidade normativa deve ser arguida, como se
disse, durante o processo, por forma a permitir à instância recorrida
pronunciar-se sobre aquela tal como se apresenta recortada pela parte que a
suscita – o que, como se escreveu no Acórdão n.º 560/94, publicado no Diário da
República, II Série, de 20 de Janeiro de 1995, “(…) exige que quem tem o ónus de
suscitação da questão de constitucionalidade a coloque de forma clara e
perceptível.”
Ora, tal não sucedeu, sobejamente, nos autos em apreço. De facto, a Recorrente
limitou-se a acenar uma hipótese de inconstitucionalidade não resultando claro o
modo de formação e a fundamentação de tal juízo valorativo. Não curou
minimamente de concretizar quais as interpretações da norma em questão, o que,
no seguimento de jurisprudência uniforme e reiterada do Tribunal Constitucional,
constitui requisito cuja inobservância comina a impossibilidade de conhecimento
do respectivo recurso (a título de exemplo, cfr., entre outros, os Acórdãos
367/94 e 178/95, publicados, respectivamente, no Diário da República, II Série,
de 7 de Setembro de 1994 e 26 de Junho de 1995).
Como refere Lopes do Rego, “(…) quando se pretenda questionar a
constitucionalidade de uma dada interpretação normativa, é indispensável que a
parte identifique expressamente essa interpretação ou dimensão normativa, em
termos de o Tribunal, no caso de a vir a julgar inconstitucional, a poder
enunciar na decisão, de modo a que os respectivos destinatários e os operadores
do direito em geral fiquem a saber que essa norma não pode ser aplicada com tal
sentido” (in O objecto idóneo dos recursos de fiscalização concreta da
constitucionalidade: as interpretações normativas sindicáveis pelo Tribunal
Constitucional, in Jurisprudência Constitucional, n.º 3, Julho-Setembro de 2004,
p. 8).
O que a Recorrente se limitou a fazer, portanto, foi imputar a
inconstitucionalidade à norma processual convocada pela decisão do Tribunal a
quo, não cuidando de especificar, de modo detalhado e processualmente adequado,
as dimensões interpretativas que, in casu, feririam a norma constitucional
invocada ou qualquer outra.
Para que se encontre preenchido o requisito da suscitação de questão de
inconstitucionalidade normativa não basta que o sujeito processual interessado
na mesma se limite a utilizar expressões como “o sentido normativo” ou “questão
da verdadeira constitucionalidade normativa” sem proceder à concretização do
respectivo conteúdo, isto é, sem enunciar, de forma clara, adequada e
perceptível, tal questão. Imputando o vício de inconstitucionalidade,
genericamente, à globalidade de normas que presidiram à formação dos juízos
jurisdicionais ora impugnados importa, em última análise a imputação do mesmo às
próprias decisões recorridas o que, naturalmente, escapa à esfera de atribuições
deste Tribunal Constitucional. Com efeito, o nosso sistema de fiscalização de
normas jurídicas não permite que se indague da constitucionalidade da decisão
judicial, sendo apenas sindicáveis as normas (ou interpretações normativas) que
configurem a ratio decidendi do litígio
Em face do exposto, por falta de pressupostos, não pode conhecer-se do objecto
do presente recurso.”
Na sua resposta, o Exmo. Procurador Geral Adjunto em funções neste Tribunal
pronunciou-se pela manifesta improcedência da reclamação apresentada na medida
em que
“[…] a recorrente não colocou à apreciação do Tribunal qualquer questão de
constitucionalidade normativa, enunciando um critério normativo extraído do
artigo 127º do Código de Processo Penal – limitando-se a dissentir da concreta e
casuística valoração das provas feitas pelas instâncias.”
Cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
3. A ora Reclamante não invoca quaisquer razões concretas susceptíveis de
infirmar a decisão sumária proferida. Limita-se, com efeito, a discordar do teor
da mesma.
Conforme se exarou no Acórdão recorrido,
“[…] Tendo a recorrente ao seu dispor a Relação – como teve – para discutir a
decisão de facto do tribunal colectivo, vedado lhes ficaria pedir depois ao
Supremo Tribunal a reapreciação da decisão de facto tomada pela Relação. […]”
O que a Recorrente equacionou a este Tribunal não foi qualquer questão de
inconstitucionalidade normativa, mas tão-somente um dissídio na valoração da
matéria fáctica, invocando para tanto o critério normativo constante do artigo
127.º do Código de Processo Penal.
III – Decisão
Assim, e, sem necessidade de maiores considerações, acordam, em conferência,
indeferir a presente reclamação e, em consequência, confirmar a decisão
reclamada no sentido de não tomar conhecimento do objecto do recurso.
Custas pelo Reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de
conta.
Lisboa, 26 de Setembro de 2007
José Borges Soeiro
Gil Galvão
Rui Manuel Moura Ramos