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Processo nº 618/07
1ª Secção
Relatora: Conselheira Maria João Antunes
Acordam, em conferência, na 1ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que é
recorrente A. e recorrida B., S.A., foi interposto recurso para o Tribunal
Constitucional, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei da
Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), da
decisão daquele Tribunal de 9 de Fevereiro de 2007.
2. Em 26 de Junho de 2007, foi proferida decisão sumária, ao abrigo do disposto
no nº 1 do artigo 78º-A da LTC, com os seguintes fundamentos:
«1. Resulta do teor do requerimento de interposição de recurso que o mesmo foi
interposto do despacho que indeferiu a reclamação da decisão de não admissão do
recurso de agravo interposto (cf. supra pontos 2. e 3. do Relatório), uma vez
que só este despacho, considerado o respectivo objecto, poderia ter aplicado os
preceitos legais indicados no requerimento de interposição de recurso.
2. O recorrente requer a apreciação da norma do artigo 688º, nºs 1 e 2, do
Código de Processo Civil, no segmento relativo ao destinatário da reclamação,
por infringir o disposto nos artigos 2º, 20º, nºs 1 e 4, 32º, nºs 4 e 7, 110º,
111º, 202º, nºs 1 e 2, 216º, nº 1 e 217º, nº 1, da Constituição.
Porém, analisada a peça processual que pode relevar para o efeito de averiguar
se o recorrente suscitou atempadamente, durante o processo (artigo 70º, nº 1,
alínea b), da LTC), esta questão de inconstitucionalidade – reclamação da
decisão de não admissão do recurso de agravo interposto (cf. supra ponto 2. do
Relatório) – verifica-se que é ali questionada a constitucionalidade do nº 1 do
artigo 688º do Código de Processo Civil, por violação do disposto no artigo 202º
da Constituição da República Portuguesa. Ou seja, resulta de forma manifesta que
a questão de inconstitucionalidade que o recorrente pretende que o Tribunal
aprecie não é a mesma que foi suscitada perante o tribunal recorrido, o que
obsta à verificação de um dos pressupostos do recurso interposto e,
consequentemente, ao conhecimento do respectivo objecto.
3. O recorrente requer, também, a apreciação da norma do artigo 689°, n° 1 do
CPC, no segmento que confere poderes ao presidente do tribunal de recurso para
resolver a reclamação sem subordinação a normas legais ou a critérios por ela
definidos. Sucede, porém, que relativamente a esta disposição do Código de
Processo Civil, não foi suscitada qualquer questão de inconstitucionalidade na
peça processual relevante para o efeito de se poder dar como verificado o
requisito da suscitação prévia (artigo 70º, nº 1, b), da LTC), ou seja, na
reclamação da decisão de não admissão do recurso de agravo interposto (cf. supra
ponto 2. do Relatório). Circunstância que obsta, nesta parte, ao conhecimento do
objecto do recurso interposto.
4. O recorrente requer, ainda, a apreciação das normas do artigo 689°, n° 2, do
CPC, na sua dupla dimensão negativa e positiva. Independentemente da questão de
saber se, quanto a este artigo, foi suscitada, de forma adequada, uma questão de
inconstitucionalidade, é de concluir que a decisão recorrida não aplicou, como
ratio decidendi, qualquer norma extraída desta disposição legal. Com efeito,
face ao teor do despacho que indefere a reclamação e ao conteúdo do preceito -
“a decisão do presidente não pode ser impugnada, mas, se mandar admitir ou subir
imediatamente o recurso, não obsta a que o tribunal ao qual o recurso é dirigido
decida em sentido contrário” – é de concluir que não se pode dar como verificado
um dos pressupostos do recurso interposto: a aplicação pelo tribunal recorrido,
como ratio decidendi, da norma cuja constitucionalidade é questionada no
requerimento de interposição de recurso. Circunstância que obsta, também nesta
parte, ao conhecimento do objecto do recurso interposto».
3. Notificado desta decisão, vem agora o recorrente “dizer e requerer o
seguinte:
Por força do disposto no artigo 69° da Lei n° 28/82, de 15 de Novembro (LTC) à
tramitação dos recursos para o Tribunal Constitucional são subsidiariamente
aplicáveis as normas do Código de Processo Civil (CPC), em especial as
respeitantes ao recurso de apelação. Assim, aos despachos proferidos pelo
Relator no Tribunal Constitucional, aplicam-se as normas dos artigos 666°, n°s 2
e 3, e 669°, n° 1, alínea a), do CPC.
Acontece que o referido despacho contém obscuridade e ambiguidade concretizadas
nos termos seguintes:
1. Diz o n°2 do respectivo Relatório: “o recorrente reclamou para a conferência
do Supremo Tribunal de Justiça” Porém, diz o n°3 do mesmo Relatório: “Pelo
despacho agora recorrido, esta reclamação foi indeferida” … Mas, a reclamação do
recorrente não chegou a ser presente à conferência de nenhuma das Secções do
Supremo Tribunal de Justiça, a que se encontra dirigido o recurso interposto por
requerimento de 9.11.2006, a fls 1368 do processo principal, nem pelo Presidente
do dito Supremo: o que foi apreciado são os despachos do Desembargador Relator
de 23.11.2006 e de 18.12.2006, tendo-o sido pelo respectivo Vice-Presidente.
Por isso, por requerimento de 26.2.2007, o recorrente reclamou violação da
garantia constitucional do juiz legal e obstrução ao acesso ao tribunal (cf.
art°s 32°, n°s 4, a contrario, e 9, e 20°, n° 1, da Constituição).
Esta reclamação foi objecto do despacho de 19.3.2007. Este foi objecto da
reclamação de 11.4.2007.
A reclamação do recorrente é, pois, integrada por três requerimentos, sendo que:
a) só o terceiro é dirigido ao Vice-Presidente do Supremo;
b) nenhum deles foi apreciado pelo Presidente do Supremo.
Pelo que, e com a devida vénia, pede-se seja esclarecido se a declaração feita
no relatório do despacho ora sindicado, de que “esta reclamação foi indeferida”,
envolve juízo de não desconformidade constitucional da norma do art° 688°, n° 1,
do CPC, com as normas dos art°s 20°, n° 1, e 32°, nºs 4, a contrario, e 9, da
Constituição, impugnado pelo recorrente.
2. Diz o n° 1 da fundamentação: “uma vez que só este despacho considerado o
respectivo objecto, poderia ter aplicado os preceitos legais indicados no
requerimento de interposição do recurso”.
A reclamação da decisão de não admissão do recurso para o STJ, encontra-se feita
para a “conferência do Supremo Tribunal de Justiça” (cf. requerimento de
7.12.2006 – data do registo postal - proémio). Apreciando tal requerimento, o
despacho de 9.2.2007 declara: “não se entende a que conferência os reclamantes
se referem”.
Esta interpelação foi objecto de esclarecimento por requerimento de 26.2.2007,
em que se diz:
· “tal requerimento foi dirigido ao SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA, para ser
decidido em conferência de qualquer das suas secções cíveis”.
Pronunciando-se sobre este esclarecimento, o despacho de 19.3.2007 recusa a sua
apreciação pelo Tribunal ad quem. Pelo que, este despacho de 19.3.2007 integra e
complementa o despacho de 9.2.2007. Aquele, encontra-se impugnado pelo
requerimento de 11.4.2007, com fundamento em aplicação das normas antes arguidas
de inconstitucionalidade. Pronunciando-se sobre este requerimento de 11.4.2007,
o despacho de 10.5.2007 volta a fazer aplicação das normas antes arguidas de
inconstitucionalidade. Objectivamente, todos os despachos proferidos sobre a
reclamação dirigida à conferência de qualquer das secções cíveis do Supremo
Tribunal de Justiça (cf. requerimento de 26.2.2007, nos 1 a 6) têm por objecto a
dita reclamação, nunca apreciada pelo Tribunal a que se dirige nem pelo seu
Presidente. Assim, e com a devida vénia, pede-se seja esclarecido se a
delimitação feita no texto acima transcrito, contém um juízo de facto (de
realidade) ou um juízo de direito (normativo).
3. Diz o n°2 da fundamentação: “analisada a peça processual que pode relevar
para efeito de averiguar se o recorrente suscitou atempadamente, durante o
processo” ... “esta questão de inconstitucionalidade” ... “verifica-se que é ali
questionada a constitucionalidade do n° 1 do artigo 688° do Código de Processo
Civil, por violação do disposto no artigo 202° da Constituição da República
Portuguesa. Ou seja, resulta de forma manifesta que a questão de
inconstitucionalidade que o recorrente pretende que o Tribunal aprecie não é a
mesma que foi suscitada perante o tribunal recorrido”.
Com a devida vénia, pede-se seja esclarecido qual é a diferença existente entre
o alegado no requerimento de 7.12.2006 (data do registo postal), e o peticionado
no requerimento de interposição do recurso, quanto à questão de
inconstitucionalidade, ou de outro modo, em que é que ela “não é a mesma”.
Para facilitar a satisfação do ora pedido, identificam-se, aqui, os textos –
reproduzindo-os - do dito requerimento que contêm o disposto na Constituição e
os princípios nela consignados que as normas impugnadas – identificando-as pelos
respectivos números e artigos do CPC - infringem:
· «3. Os presidentes dos tribunais de recurso não são tribunais: são órgãos
administrativos autónomos” – esta qualificação jurídico-constitucional visa a
impugnação da norma dos n°s 1 e 2 do art° 688° do CPC, na parte em que nela se
identifica o presidente do tribunal de recurso como o destinatário da reclamação
-
· “Tal decorre de normas consagradas na Constituição da República
Portuguesa (CRP), e de normas consagradas na Lei n°38/87, de 23 de Dezembro,
alterada pela Lei n° 3/99, de 13 de Janeiro (LOFTJ). Com efeito,
· 3.1. Os tribunais são órgãos de soberania por força do disposto nos art°s
110°, n° 1, e 202°, n° 1, da CRP. A formação, a composição, a competência e o
funcionamento dos órgãos de soberania são os definidos na Constituição (cf. art°
110°, n° 2, da CRP). Em parte alguma da Constituição se atribui competência aos
presidentes dos tribunais para administrar a justiça em nome do povo” – os
preceitos constitucionais acima identificados visam impugnar as normas dos n°s 1
e 2 do art° 688° e do art° 689°, n° 1, do CPC-
· “Os presidentes dos tribunais são eleitos pelos seus pares por período de
tempo limitado (três anos). Os tribunais têm por titulares juízes designados por
tempo ilimitado, e são inamovíveis (cf. art° 216°, n° 1, da CRP).
· Os tribunais são independentes e apenas estão sujeitos à lei. Os
presidentes dos tribunais, atenta a forma da sua designação, decidem segundo
critérios de conveniência e oportunidade conforme demonstra a sua consabida
praxis.
· Na administração da justiça incumbe aos tribunais assegurar a defesa dos
direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos. Os presidentes dos
tribunais não se encontram vinculados a tal garantia constitucional. As suas
preocupações, publicamente reveladas e documentalmente provadas, são mais as de
aliviar a carga laboral dos tribunais a que presidem do que dizer o direito.
Isto é, revelam-se vinculados ao princípio de que a administração pública visa a
prossecução do interesse público do Estado (cf. art° 266°, n° 1, da CRP). Por
isso é que, as suas decisões quando são no sentido de dever ser admitido o
recurso, não vinculam os tribunais de recurso” - estas normas visam impugnar as
dos n°s 1 e 2 do art° 688°, e 1 e 2 do art° 689° do CPC –
· “Daí que também a norma do art° 689°, no 2, do CPC, seja
inconstitucional. Tal norma viola o princípio da universalidade e da igualdade
consagrados nos art°s 12° e 13° da CRP.
3.2. As funções que são cometidas aos presidentes dos tribunais de recurso,
pelos art°s 43° e 59° da LOFTJ, são incompatíveis com o exercício da função
jurisdicional nos termos consagrados no art° 202° da CRP. Não é a circunstância
de, actualmente, o lugar de presidente dos tribunais ser exercido por
magistrados judiciais, que confere a tais órgãos a natureza de tribunais, isto
é, a legitimação e as atribuições consignadas no art° 202° da CRP. Magistrados
judiciais também se vêem a dirigir Polícias de diversa natureza, e a exercer
outras funções igualmente de administração autónoma ou subordinada, e políticas”
– estas normas visam impugnar as dos n°s 1 e 2 do art° 688°, e dos n°s 1 e 2 do
art° 689° do CPC -
· “4. Ilustrativa da exigência constitucional de a impugnação de uma decisão de
não admissão de recurso ser apreciada em conferência de um tribunal superior,
encontra-se plasmada no art° 77°, n° 1, da Lei n° 28/82, de 15 de Novembro
(LTC), não obstante à tramitação dos recursos no Tribunal Constitucional serem
subsidiariamente aplicáveis as normas do CPC. Esta lei, aprovada ao abrigo de
reserva absoluta da competência legislativa da Assembleia da República, e tendo
a natureza de lei orgânica estatuída no art° 166°, n° 2, da CRP, consagra
princípios que têm de ser observados no domínio da lei processual civil, por
exigência constitucional” – estas normas visam impugnar as dos n°s 1 e 2 do art°
688°, e n°s 1 e 2 do art° 689° do CPC –
· “5. Em conformidade com as normas e princípios constitucionais acima
invocados, o art° 688°, n° 1, do CPC tem de ser interpretado no sentido de que a
reclamação nele prevista se faz para a conferência do tribunal a que o recurso
se dirige. É com esse fundamento que o presente requerimento é dirigido ao
Supremo Tribunal de Justiça.
· 6. Tal como expressamente referido no requerimento de interposição do recurso,
a este aplicam-se as normas do artº 754°, n° 1, e 755° do CPC. E não se lhe
aplicam as normas dos n°s 2 e 3 do dito art° 754°, invocadas no despacho ora
impugnado, em virtude de elas serem aplicáveis apenas aos recursos de agravo
interpostos em processos instaurados a partir de 1 de Janeiro de 1997, por
determinação do art° 25°, n° 1, do Dec. Lei n° 329-A/95, de 12 de Dezembro,
aditado pelo Dec. Lei n° 180/96, de 25 de Setembro, art° 6°, em obediência aos
princípios da confiança e segurança jurídica plasmados no art° 2° da CRP como
decorrência do princípio do Estado de direito democrático que preside a todo o
ordenamento jurídico português. Além disso, o recurso tem cabimento ao abrigo do
disposto nos art°s 676°, 677°, 678°, n° 1, 680°, n° 1, e 685°, n° 1, todos do
CPC, e no art° 26° da LOFTJ” – estas normas visam impugnar as dos n°s 1 e 2 do
art° 689° do CPC.
4. Diz o n° 3 da fundamentação sobre a impugnada norma do n° 1 do art° 689° do
CPC: “não foi suscitada qualquer questão de inconstitucionalidade na peça
processual relevante para o efeito de se poder dar como verificado o requisito
da suscitação prévia”.
Segundo o relatório do despacho aclarando, o recorrente terá alegado o seguinte:
a) “Os presidentes dos tribunais, atenta a forma da sua designação, decidem
segundo critérios de conveniência e oportunidade conforme demonstra a sua
consabida praxis”;
b) “Na administração da justiça incumbe aos tribunais assegurar a defesa dos
direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos. Os presidentes dos
tribunais não se encontram vinculados a tal garantia constitucional. As suas
preocupações, publicamente reveladas e documentalmente provadas, são mais as de
aliviar a carga laboral dos tribunais a que presidem do que dizer o direito.
Isto é, revelam-se vinculados ao princípio de que a administração pública visa a
prossecução do interesse público do Estado (cf. art° 266, n° 1, da CRP). Por
isso é que, as suas decisões quando são no sentido de dever ser admitido o
recurso, não vinculam os tribunais de recurso”;
c) “Não é a circunstância de, actualmente, o lugar de presidente dos
tribunais ser exercido por magistrados judiciais, que confere a tais órgãos a
natureza de tribunais, isto é, a legitimação e as atribuições consignadas no
art° 202° da CRP. Magistrados judiciais também se vêem a dirigir Polícias de
diversa natureza, e a exercer outras funções igualmente de administração
autónoma ou subordinada, e políticas.”
Tal constatação corresponde ao teor do requerimento de 7.12.2006 (data do
registo postal), de reclamação para a conferência de qualquer das secções cíveis
do Supremo Tribunal de Justiça. Pelo que, pede-se, com a devida vénia, se
esclareça se o teor do texto do n°3 da fundamentação se refere à realidade
reproduzida a fls 2 e 3 acima transcrita.
5. Diz o n° 4 da fundamentação sobre a impugnação das normas do art° 689°, n° 2,
do CPC: “é de concluir que não se pode dar como verificado um dos pressupostos
do recurso interposto: a aplicação pelo tribunal recorrido, como ratio decidendi
da norma cuja inconstitucionalidade é questionada no requerimento de
interposição de recurso”.
O despacho de 9.2.2007, interpela o reclamante a explicitar a que “conferência”
se refere no requerimento que dele é objecto. Tal esclarecimento foi prestado
por requerimento de 27.2.2007. No despacho subsequente, proferido em 19.3.2007,
sobre o requerimento de 27.2.2007, não foi admitida a impugnação do despacho de
9.2.2007, designadamente não foi admitida a concretização da reclamação para a
conferência do Supremo Tribunal de Justiça.
Impugnado este despacho de 9.2.2007, por requerimento de 11.4.2007, por despacho
de 10.5.2007 não foi admitida a impugnação daquele. Assim, pede-se, com a devida
vénia, se esclareça qual a norma que se entende ter sido aplicada pelo Vice
Presidente do Supremo para
a) impedir o acesso do reclamante ao Supremo Tribunal de Justiça e ao
Presidente deste Supremo, para apreciar o seu requerimento de 7.12.2006 aclarado
pelo requerimento de 26.2.2007;
b) confirmar tal impedimento por despacho de 10.5.2007».
4. Notificada deste requerimento, a recorrida veio dizer o seguinte:
«1. O douto despacho de 26.6.2007 não padece de nenhuma das pretensas
obscuridade ou ambiguidade invocadas pelo Recorrente.
2. O douto despacho, pelo qual se decidiu não tomar conhecimento do objecto do
recurso, é claro na sua fundamentação e no aspecto decisório, pelo que nada há a
esclarecer.
3. Como é manifesto, a mera discordância do doutamente decidido não é fundamento
de um pedido de aclaração da decisão.»
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
1. Conforme decorre do disposto nos artigos 669º, nº 1, alínea a), e 716º do
Código de Processo Civil, aplicáveis por força da remissão operada pelo artigo
69º da LTC, proferida decisão, pode o recorrente pedir o esclarecimento de
alguma obscuridade ou ambiguidade que a mesma contenha.
Considerando que a decisão judicial é obscura quando, em algum passo, o seu
sentido seja ininteligível e que é ambígua quando alguma passagem se preste a
interpretações distintas (Acórdão do Tribunal Constitucional nº 533/2004),
decorre do teor do requerimento acima reproduzido que o recorrente não imputa à
decisão proferida nem um nem outro dos aludidos vícios. Designadamente, não o
faz quando pede seja esclarecido se a declaração feita no relatório do despacho
ora sindicado, de que “esta reclamação foi indeferida”, envolve juízo de não
desconformidade constitucional da norma do artigo 688°, n° 1, do Código de
Processo Civil, com as normas dos artigos 20°, n° 1, e 32°, nºs 4, a contrario,
e 9, da Constituição, impugnado pelo recorrente; quando pede seja esclarecido se
a delimitação feita, no sentido de que apenas o despacho de 9 de Fevereiro de
2007 poderia ter aplicado os preceitos legais indicados no requerimento de
interposição de recurso, contém um juízo de facto (de realidade) ou um juízo de
direito (normativo); ou, ainda, quando pede se esclareça se o teor do texto do
nº 3 da fundamentação [da decisão sumária] se refere à realidade reproduzida a
fls. 2 e 3 acima transcrita. Com pedidos deste teor o que se questiona,
verdadeiramente, é a delimitação feita na decisão sumária – e o ponto 2. do
respectivo “Relatório” é já disso expressão – no sentido de a decisão recorrida
nos presentes autos de recurso de constitucionalidade ser a que foi proferida no
dia 9 de Fevereiro de 2007.
O que excluiu, designadamente, os despachos proferidos a 19 de Março e a 10 de
Maio de 2007, por os mesmos, atento o respectivo objecto, não terem feito
qualquer aplicação das disposições legais indicadas no requerimento de
interposição de recurso. Com efeito, reportam-se ambos a incidentes
pós-decisórios: o primeiro despacho indeferiu pedido de reforma da decisão de 9
de Fevereiro de 2007 e arguição de nulidade da mesma, à luz do disposto nos
artigos 669º, nº 2, e 668º, nº 1, alínea d), segunda parte, do Código de
Processo Civil; o segundo indeferiu requerimento em que se arguiu a nulidade do
despacho de 19 de Março de 2007. O que exclui também que outras peças
processuais – para além, portanto, da reclamação da decisão de não admissão do
recurso de agravo interposto – possam ser utilizadas para o efeito de verificar
o requisito da suscitação prévia das questões de inconstitucionalidade
identificadas no requerimento de interposição de recurso.
2. Com o requerimento apresentado o que o recorrente pretende,
indiscutivelmente, é questionar a decisão de não conhecimento do objecto do
recurso interposto, nos termos do disposto no nº 3 do artigo 78º-A da LTC.
2.1. Pretende questionar, designadamente, a decisão de não se poder dar como
verificado o requisito da suscitação prévia da questão de inconstitucionalidade
no que se refere à norma do artigo 688º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil,
no segmento relativo ao destinatário da reclamação, por infringir o disposto nos
artigos 2º, 20º, nºs 1 e 4, 32º, nºs 4 e 7, 110º, 111º, 202º, nºs 1 e 2, 216º,
nº 1, e 217º, nº 1, da Constituição. Para o efeito, reproduz passagens da peça
processual de que se socorreu este Tribunal para concluir pela não verificação
do requisito constante da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da LTC,
acrescentando-lhes agora (cf. ponto 3. do requerimento) a norma tal como
definida no requerimento de interposição de recurso:
“«3. Os presidentes dos tribunais de recurso não são tribunais: são órgãos
administrativos autónomos” – esta qualificação jurídico-constitucional visa a
impugnação da norma dos n°s 1 e 2 do art° 688° do CPC, na parte em que nela se
identifica o presidente do tribunal de recurso como o destinatário da
reclamação” (itálico aditado).
É de reiterar, por conseguinte, a conclusão de que o recorrente não suscitou
previamente, durante o processo, a questão de inconstitucionalidade que se
reporta ao artigo 688º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.
2.2. Pretende também questionar a decisão de não se poder dar como verificado o
requisito da aplicação efectiva, pela decisão recorrida, das normas do artigo
689º, nº 2, do Código de Processo Civil, na sua dupla dimensão negativa e
positiva. Sem razão. Na verdade, decorre do despacho recorrido (fl. 35 e ss.)
que neste foi apenas decidido que cabe ao presidente do tribunal superior – e
não à conferência – decidir sobre a admissão de recurso interposto, julgando a
reclamação da decisão de não admissão:
«Liminarmente impõe-se referir que, face ao disposto nos arts. 688º e 689º do
CPC, do despacho que não admite o recurso cabe reclamação para o presidente do
tribunal superior e não para a conferência».
3. Importa, pois, face ao que antecede, confirmar a decisão de não conhecimento
do objecto do recurso interposto.
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência,
confirmar a decisão reclamada no sentido do não conhecimento do objecto do
recurso.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de
conta.
Lisboa, 31 de Outubro de 2007
Maria João Antunes
Carlos Pamplona de Oliveira
Rui Manuel Moura Ramos