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Processo n.º 824/07
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Mário Torres
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,
1. A., juiz desembargador, reclama, ao
abrigo dos artigos 76.º, n.º 4, e 77.º da Lei de Organização, Funcionamento
e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de
Novembro, e alterada, por último, pela Lei n.º 13‑A/98, de 26 de Fevereiro
(LTC), contra o despacho do Conselheiro Relator do Supremo Tribunal de Justiça
(STJ), de 14 de Junho de 2007, que não lhe admitiu recurso interposto para o
Tribunal Constitucional.
Este despacho assentou em dois fundamentos:
(i) apesar de convidado a fazê‑lo, o recorrente não indicou a alínea do n.º 1 do
artigo 70.º da LTC ao abrigo da qual o recurso era interposto; e (ii) as
decisões recorridas não aplicaram as normas cuja inconstitucionalidade o
recorrente pretende que o Tribunal Constitucional aprecie.
Na verdade, na sequência de convite
formulado por despacho do Conselheiro Relator do STJ, de 30 de Maio de 2007, ao
abrigo do n.º 1 do artigo 75.º‑A da LTC, para indicar: (i) a decisão de que
concretamente pretende recorrer; (ii) a alínea do n.º 1 do artigo 70.º da LTC ao
abrigo da qual o recurso é interposto; (iii) a norma cuja inconstitucionalidade
ou ilegalidade se pretende que o Tribunal Constitucional aprecie; e (iv)
consoante a alínea do n.º 1 do artigo 70.º que vier a ser indicada, os demais
elementos referenciados nos n.ºs 2 e 3 do citado artigo 75.º‑A, o recorrente
apresentou a resposta de fls. 35, na qual: (i) não refere a alínea do n.º 1 do
artigo 70.º da LTC ao abrigo da qual o recurso é interposto; (ii) fornece
indicações que permitem deduzir que pretende recorrer de duas decisões: 1) o
acórdão do STJ, de 1 de Março de 2007, que rejeitou, por irrecorribilidade, nos
termos dos artigos 420.º, n.º 1, e 414.º, n.º 2, do Código de Processo Penal
(CPP), recurso para o Pleno das Secções Criminais do STJ do acórdão de uma das
Secções Criminais, de 6 de Dezembro de 2006, que negara provimento à impugnação
judicial da decisão administrativa da Direcção‑Geral de Viação, de 21 de Junho
de 2006, que o condenara, como autor de uma contra‑ordenação prevista e punida
pelo artigo 27.º, n.º 1, do Código da Estrada, na coima de € 180 e na sanção
acessória de inibição de conduzir por 60 dias; e 2) o despacho do Conselheiro
Relator do STJ, de 24 de Abril de 2007, que não admitiu reclamação do anterior
acórdão endereçada ao Presidente do STJ; e (iii) menciona que pretende ver
apreciada a constitucionalidade das seguintes normas: 1) a norma do artigo 152.º
do Código da Estrada, “quando aí se estabelece a inilidibilidade da condução do
veículo pelo proprietário”; e 2) as normas dos artigos 36.º, alíneas i) e j), e
37.º, n.º 1, da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais
(LOFTJ), “na interpretação de que nega um grau de jurisdição aos Juízes
Desembargadores, em função do seu estatuto profissional, em violação da
igualdade dos cidadãos perante a lei, independentemente da profissão”.
Segundo o despacho ora reclamado, as
decisões recorridas não aplicaram as normas identificadas pelo reclamante como
integrando o objecto do recurso de constitucionalidade, já que: (i) as normas
aplicadas no acórdão de 1 de Março de 2007 foram as constantes dos artigos 35.º,
n.º 1, alínea b), e 36.º, alíneas a) e b), da LOFTJ, 61.º, n.º 1, e 73.º, n.º 1,
alínea b), do Regime Geral das Contra‑Ordenações (RGCO – Decreto‑Lei n.º
433/82, de 27 de Outubro) e 11.º, n.º 3, alínea a), do CPP; e (ii) as normas
aplicadas no despacho do Conselheiro Relator de 24 de Abril de 2007 foram as
constantes dos artigos 688.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC), 35.º,
n.º 1, alínea b), e 36.º, alínea b), da LOFTJ, 11.º, n.º 2, alínea b), e 11.º,
n.º 3, alínea a), do CPP e 73.º, n.º 1, do RGCO.
2. O recorrente foi notificado do despacho
do Conselheiro Relator do STJ, de 14 de Junho de 2007, por fax emitido no dia
imediato, e, em 22 de Junho de 2007, expediu requerimento em pedia “o
esclarecimento, em conferência” do referido despacho, aduzindo:
“A questão primordial que nos move é a da
inconstitucionalidade da aplicação de lei desfavorável aos Juízes
Desembargadores em virtude do seu estatuto profissional, relativamente ao
cidadão (normal) que não desempenhe tais funções, daí resultando uma capitis
deminutio.
Como se refere no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º
155/2001, «A suscitação atempada, ou seja, durante o processo, significa que a
questão deve ser levantada, em princípio, em momento anterior ao de o tribunal
recorrido proferir a decisão final, de modo a ser‑lhe ainda possível
pronunciar‑se a seu respeito. A inconstitucionalidade há‑de suscitar‑se antes de
esgotado o poder jurisdicional do Juiz sobre a matéria a que a questão de
inconstitucionalidade versa, entendendo‑se, por conseguinte, a locução durante
o processo, não em sentido formal, que permita equacionar o problema até à
extinção da instância, mas em sentido funcional, determinante de a invocação
ocorrer em momento em que o tribunal recorrido ainda possa conhecer da questão»,
sublinhado, nosso. (Ora, desta questão, esse Alto Tribunal já conheceu,
obviamente em sentido diverso do que, por nós, é propugnado).
E é isto que, primacialmente, temos vindo a suscitar ao longo
dos autos. Talqualmente, tem‑se vindo a suscitar a questão da
inconstitucionalidade do artigo 152.º do Código da Estrada, quando entendido
como estabelecendo uma presunção inilidível de que o proprietário de viatura é o
seu condutor, tema sobre que recaiu já Acórdão do Tribunal Constitucional, em
abono da nossa tese, qual seja a da inconstitucionalidade da afirmação de uma
presunção juris et de jure.
Destarte que muito se estranhe que se não deixe submeter à
apreciação e decisão do Tribunal Constitucional tais questões, ao abrigo, como
se disse, entre outros, do artigo 70.º, n.º 1, alíneas b) e g) (respectivamente,
aquela e esta questões) da Lei n.º 28/82 de 15 de Novembro, vulgo Lei do
Tribunal Constitucional.
E mesmo dando de «barato» que algum erro tenha havido na
indicação rigorosa e exacta do(s) normativo(s), certo é que jus novit curia,
sendo esta, a nosso ver, o Tribunal Constitucional.”
Este pretendido “esclarecimento em
conferência” não foi admitido por despacho do Conselheiro Relator do STJ, de 28
de Junho de 2007, do seguinte teor:
“Em 14 de Junho de 2007, o Supremo, através do relator,
indeferiu o recurso constitucional de 10 de Maio de 2007, do cidadão A. (artigo
76.º, n.º 2, da LTC).
Ora, «do despacho que indefira o requerimento de interposição
do recurso (...) cabe reclamação para o Tribunal Constitucional» (artigo 76.º,
n.º 4, da LTC).
O recorrente, porém, optou por requerer «esclarecimento em
conferência».
Crê‑se, assim, que terá pretendido que «sobre a matéria do
despacho [do relator] recaísse um acórdão [da conferência]» (artigos 69.º, n.º
3, da LTC e 700.º, n.º 3, do CPC).
No entanto, esta norma ressalva, expressamente, «o disposto no
artigo 688.º [do CPP]», ou seja, justamente a «reclamação contra o indeferimento
do recurso», que, necessariamente, terá que ser dirigida «ao presidente do
tribunal superior» (artigo 688.º, n.º 2, do CPC) e, no caso do recurso
constitucional, ao «Tribunal Constitucional» (artigo 76.º, n.º 4, da LTC).
Assim sendo, não admito – por ausência de sustentáculo legal –
o requerido «esclarecimento em conferência», com vista a que se «deixe
submeter [«tais questões»] à apreciação e decisão do TC», competência que cabe
ao TC ad quem (ao qual, porém, não foi dirigida nenhuma reclamação) e não à
conferência do tribunal a quo.”
Notificado deste despacho por fax emitido em
29 de Junho de 2007, veio o recorrente expedir, em 5 de Julho de 2007,
reclamação para o Tribunal Constitucional, na qual, após reproduzir ipsis verbis
os cinco parágrafos do requerimento de 25 de Junho de 2007, atrás transcritos,
acrescenta:
“De passo, peticionou‑se a intervenção em conferência, sobre a
decisão a proferir, visando a apreciação da admissibilidade de tal recurso, o
que nos afigura(va) viável e legal, até, pelas regras gerais de decisões
colectivas desse Colendo Tribunal.
Fazendo, ainda, parte integrante do despacho que não admitiu o
recurso para o Tribunal Constitucional, o anterior despacho a que, ora, se
responde, vem‑se apresentar reclamação dirigida ao mencionado Tribunal
Constitucional, por se entender que deve ser admitido o recurso, pois que se nos
não afigura que o mesmo seja «manifestamente infundado» – parte última do artigo
76.º da LTC.
Do que se apresenta reclamação para aquele douto Tribunal, nos
termos do citado artigo 76.º, seu n.º 4.”
Em despacho de 10 de Julho de 2007,
determinando a remessa da reclamação a este Tribunal, consignou o Conselheiro
Relator do STJ, após relato das descritas vicissitudes processuais, que:
“A reclamação, porém, é intempestiva (até porque o despacho de
28 de Junho de 2007 não constituiu «aclaração», mas recusa, «por ausência de
sustentáculo legal», de aclaração em conferência) do despacho de indeferimento
do recurso.
Aliás, o despacho de indeferimento do recurso não se limitara
a sustentar‑se na sua «manifesta improcedência», mas, ainda, na circunstância
de «o requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional não
satisfazer [todos] os requisitos do artigo 75.º‑A da LTC, mesmo após o
suprimento previsto no seu n.º 5».
De qualquer modo, será de manter – como se mantém – o despacho
– de 14 de Junho de 2007 – de indeferimento do recurso constitucional de 10 de
Maio de 2007 (artigos 69.º da LTC e 688.º, n.º 3, do CPC).”
No Tribunal Constitucional, o representante
do Ministério Público emitiu o seguinte parecer:
“O requerimento de fls. 40 corporiza uma verdadeira impugnação
da decisão do relator que não admitiu o recurso de constitucionalidade – sendo
evidente que o reclamante fez uso de meio procedimental manifestamente
inidóneo, já que deveria ter reagido a tal decisão através de reclamação para
este Tribunal, só intempestivamente deduzida.
Para além disso, é evidente que o recorrente não aproveitou a
oportunidade processual que lhe foi facultada para suprir as insuficiências do
requerimento de interposição de recurso, não cumprindo adequadamente as
exigências legais, aliás expressamente enunciadas no despacho‑convite, proferido
pelo relator, cuja decisão deverá inteiramente confirmar‑se.”
Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
3. Tendo o despacho de não admissão de
recurso sido notificado ao ora reclamante por fax expedido em 15 de Junho de
2007, é manifesta a intempestividade da presente reclamação, constante de
requerimento expedido em 5 de Julho de 2007, sendo certo que o prazo de 10 dias
para dedução da reclamação prevista no n.º 4 do artigo 76.º da LTC não se
suspendeu ou interrompeu com a apresentação do anómalo pedido de
“esclarecimento, em conferência” daquele despacho, através de requerimento
expedido em 22 de Junho de 2007.
É que – como este Tribunal tem
reiteradamente afirmado – não pode ser atribuído efeito interruptivo dos prazos
de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional (ou de reclamação de
despachos de não admissão desse recurso) “quando o interessado tenha lançado mão
de um meio impugnatório inexistente no ordenamento jurídico e que, como tal,
apenas possa caracterizar‑se como um incidente processual anómalo” (Acórdão n.º
279/2007; cf., no mesmo sentido, entre muitos outros, os Acórdãos n.ºs 278/2005,
64/2007 e 173/2007).
No presente caso, a apresentação do pedido
de “esclarecimento, em conferência”, pelo STJ, do despacho de não admissão de
recurso para o Tribunal Constitucional constitui um incidente anómalo, não
previsto no ordenamento jurídico, a que não pode ser atribuída eficácia
interruptiva (ou suspensiva) do prazo de apresentação de reclamação de tal
despacho.
Consequentemente, a reclamação apresentada é
intempestiva, o que determina o seu não conhecimento, não podendo o Tribunal
Constitucional entrar na apreciação do seu mérito, por mais evidente que seja a
procedência dos fundamentos da decisão reclamada (falta de indicação, mesmo após
convite nesse sentido, da alínea do n.º 1 do artigo 70.º da LTC ao abrigo da
qual o recurso era interposto e não aplicação pelas decisões recorridas das
normas cuja constitucionalidade o reclamante pretendia ver apreciada).
4. Em face do exposto, acordam em não
conhecer, por intempestividade, da presente reclamação.
Custas pelo reclamante, fixando‑se a taxa de
justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 25 de Setembro de 2007.
Mário José de Araújo Torres
João Cura Mariano
Rui Manuel Moura Ramos