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Processo nº 951/07
1ª Secção
Relatora: Conselheira Maria João Antunes
Acordam, em conferência, na 1ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, em que é
reclamante A. e reclamado o Banco B., S. A., foi proferida decisão de não
admissão do recurso interposto para o Tribunal Constitucional, em 23 de Julho de
2007.
2. Por despacho judicial foi declarado extinto, por prescrição, o procedimento
criminal contra o ora reclamante, relativamente à prática de um crime de burla e
de dois crimes de falsificação de documentos. Desta decisão, na parte relativa
ao crime de burla, o assistente, ora reclamado, interpôs recurso para o Tribunal
da Relação de Lisboa. Notificado da interposição deste recurso, respondeu o ora
reclamante o seguinte:
«1º
O ora requerente entende, até por lealdade para com o Tribunal e demais sujeitos
processuais, vir esclarecer a sua posição face ao recurso interposto pelo
assistente do despacho de Vª Exª que julgou prescrito o procedimento criminal.
2°
Tal despacho é, na perspectiva de que põe termo aos presentes autos, favorável
ao arguido e por isso este não o poderia impugnar por via de recurso. Por outro
lado,
3º
É evidente que o ora requerente preferia que a verdade material dos factos fosse
apurada e que se esclarecesse em definitivo que não cometeu qualquer dos
ilícitos que as acusações, quer pública quer privada, lhe imputaram. Todavia,
4°
Parece-lhe inquestionável o bem fundado da interpretação e aplicação das
atinentes normas jurídicas sufragadas no supracitado despacho de Vª Exª.
5º
Pelas razões que ficam expostas, mas no exacto pressuposto das mesmas, o arguido
nem impugna o referido despacho, nem contra-alega no recurso interposto pelo
assistente e no qual este sustenta o não decurso de um dos prazos
prescricionais».
3. Por acórdão de 8 de Fevereiro de 2007, o Tribunal da Relação de Lisboa
revogou o despacho recorrido, na parte em que declarou extinto, por prescrição,
o procedimento criminal quanto ao crime de burla, determinando a sua
substituição por outro que ordene o prosseguimento dos autos relativamente a
este ilícito criminal.
Em 22 de Fevereiro de 2007, o ora reclamante requereu a aclaração e/ou a reforma
daquele acórdão. Em 17 de Maio de 2007, o Tribunal da Relação de Lisboa acordou
que nada havia a aclarar.
Em 4 de Junho de 2007, o ora reclamante interpôs recurso do acórdão de 8 de
Fevereiro para o Supremo Tribunal de Justiça. O Tribunal da Relação de Lisboa
não admitiu este recurso, por despacho de 12 de Junho de 2007, com fundamento na
alínea c) do nº 1 do artigo 400º do Código de Processo Penal.
4. Em 13 de Julho de 2007, foi interposto recurso para o Tribunal
Constitucional, através de requerimento, onde se pode ler, entre o mais, o
seguinte:
«O presente recurso é interposto ao abrigo da al. b) do n° 1 do art° 70° da LOTC
e as normas cuja inconstitucionalidade se pretende que o Tribunal Constitucional
aprecie são as dos art°s 117°, n° 2 e 120°, n° 1 do Código Penal de 1982, as
quais, interpretadas e aplicadas como o foram na decisão recorrida, violam,
nessa concreta vertente normativa, os preceitos e princípios do art° 29°, n° 1
da CRP.
Na verdade, tais preceitos se interpretados e aplicados como o foram no Acórdão
ora sob recurso, isto é, conduzindo ao resultado de que, em procedimentos
criminais relativos a factos alegadamente praticados em 1992, a notificação do
despacho (tabelar) que designa data para julgamento, proferido no âmbito do
actual CPP, teria afinal efeito interruptivo e/ou suspensivo do prazo
prescricional, baseando-se assim numa identificação de paralelismos dos regimes
entre o CPP de 1929 e o actual CPP, a qual apenas por analogia seria possível,
violentariam por completo o indicado art° 29º, n° 1 da CRP, o qual proíbe
frontal e precisamente a analogia em desfavor do arguido.
Tal inconstitucionalidade foi expressamente declarada no despacho da 1ª
instância e foi logo arguida no requerimento de aclaração do Acórdão apresentado
nos mesmos autos e reconfirmada nas alegações do recurso ora não recebido.
Por fim, sempre se dirá que, nos termos expressos do n° 2 do art° 75° da LOTC, o
prazo para recorrer para o Tribunal Constitucional em caso de não admissão do
recurso com fundamento em irrecorribilidade (in casu, para o STJ) da referida
decisão, “o prazo para recorrer para o Tribunal Constitucional conta-se do
momento em que se torna definitiva a decisão que não admite o recurso” (o que,
no caso presente, ocorreu em 10/7/07), tudo razões porque a interposição do
presente recurso se mostra mais do que tempestivo».
5. Pelo despacho agora reclamado, o recurso não foi admitido, com a seguinte
argumentação:
«(…) a 13 de Julho de 2007, data de entrada do novo requerimento de recurso,
está já transitado em julgado o despacho que não admitiu o recurso para o S.T.J.
pelo que nesta última data, está manifestamente fora de prazo o recurso para o
Tribunal Constitucional interposto pelo arguido, atento o disposto no art.° 75.º
n.° 2 da Lei n.° 28/82 de 15 de Novembro, pelo que não o admito».
6. É esta decisão de não admissão do recurso de constitucionalidade que
constitui o objecto da presente reclamação, ao abrigo do disposto no nº 4 do
artigo 76º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal
Constitucional (LTC), com os seguintes fundamentos:
«1º
Refere-se no despacho reclamado, e como razão para a não admissão do recurso, o
facto de o recorrente ter alegadamente interposto o recurso de
inconstitucionalidade fora do prazo legal indicado no n° 1 do art° 75° da LTC.
Ora,
2°
E salvo o devido respeito por opinião contrária, o referido fundamento não tem o
menor vislumbre de apoio legal. Assim,
3°
Importará desde logo ter presente o seguinte:
a) A não aclaração do Acórdão em causa (declarando a
inexistência de prescrição do procedimento criminal) foi notificada em 21/5/07;
b) Em 4/6/07, o ora reclamante interpôs recurso para o STJ do
referido Acórdão, com a respectiva motivação, por entender (nos termos aliás
explanados na própria motivação) que, ao invés do que viria a ser considerado,
dele caberia recurso para a 3ª instância;
c) Em 25/6/07 – com data de registo de 21/6/07 – foi, porém,
notificado ao ora reclamante o despacho de 12/5/07 sufragando precisamente o
entendimento (incorrecto, na modesta opinião do mesmo reclamante) de que tal
Acórdão da Relação não seria afinal susceptível de recurso para o STJ;
d) Em 13/7/07 o ora reclamante apresentou em Juízo o seu
requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional do já
diversas vezes citado Acórdão do Tribunal da Relação de 8/2/07,
e) Sendo que o trânsito em julgado da decisão referida em c)
ocorreu em 11/7/07 (já que o 10° dia do prazo seria 5/7 e o 3° dia de pagamento
com multa seria o de 10/7). Ora,
4°
Dispõe efectivamente o art° 75º, n° 1 da LTC que o prazo de interposição de
recurso para o Tribunal Constitucional é de 10 dias. Mas,
5º
Dispõe também o n° 2 do mesmíssimo art° 75º que, interposto recurso ordinário
(aqui do Acórdão da 2ª instância), mesmo que para uniformização de
jurisprudência, que não seja admitido – como aqui efectivamente não foi – com
fundamento em irrecorribilidade (in casu, para o STJ) da referida decisão, “o
prazo para recorrer para o Tribunal Constitucional conta-se do momento em que se
torna definitiva a decisão que não admite o recurso” (a qual, no caso sub judice
e conforme resulta do acima exposto, se tornou definitiva em 11/7/07). Ou seja,
6°
Exactamente ao invés do insolitamente sustentado no despacho ora reclamado, o
recurso para o Tribunal Constitucional mostra-se interposto mais do que
tempestivamente, porquanto no 2° dia (13/7) em que o respectivo prazo de
interposição começou a correr. Por outro lado,
7°
E como se isto não bastasse, acontece que aquilo que o art° 75°-A da LTC exige é
que o requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional
contenha a indicação de:
a) A alínea do n° 1 do art° 70° ao abrigo da qual o recurso é
interposto e a norma cuja inconstitucionalidade ou ilegalidade se pretende que o
Tribunal aprecie (n°1);
b) A indicação da norma ou princípio constitucional ou legal que
se considera violado bem como a peça processual em que o recorrente suscitou a
questão da inconstitucionalidade (n° 2). Ora,
8°
Basta atentar no requerimento de interposição do recurso entregue em Juízo em
13/7/07, para se constatar que todos, sem excepção, esses elementos estão lá
indicados, e com inteira suficiência,
9°
A teoria de que em 13/7/07 “está manifestamente fora de prazo o recurso para o
Tribunal Constitucional interposto pelo arguido, atento o disposto no art° 75°,
n° 2 da Lei n° 28/82, de 15 de Novembro” revela-se deste modo e estranhamente em
absoluto “contra-legem”,
10º
Sendo assim totalmente desprovida de qualquer fundamento quer fáctico quer
legal, deve pois a decisão ora reclamada ser inteiramente revogada, e
substituída por outra que ordene a admissão do recurso e consequente remessa dos
autos a este Tribunal Constitucional».
7. Neste Tribunal os autos foram com vista ao Ministério Público, que se
pronunciou no seguinte sentido:
«O recurso de constitucionalidade interposto é, a nosso ver, tempestivo, já que
se mostra interposto nos 10 dias subsequentes – não à prolação de despacho que
rejeitou o recurso endereçado ao STJ – mas à definitividade de tal decisão,
apenas consumada no momento em que se esgotou o prazo para dela reclamar para o
Presidente do Tribunal Superior.
Importa, porém, aferir da verificação dos pressupostos do recurso, em particular
da suscitação durante o processo, da questão de inconstitucionalidade normativa
a que o mesmo vem reportado – cumprindo notar que a peça processual adequada
para controverter a constitucionalidade da tese do assistente/recorrente era
naturalmente a contramotivação apresentada pelo arguido, sugerindo-se requisição
de cópia da mesma ao Tribunal “a quo”».
8. Foi solicitada ao tribunal recorrido cópia da peça processual referida pelo
Ministério Público, cujo teor foi já reproduzido (cf. supra, ponto 2.).
Dispensados os vistos, cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
1. A presente reclamação tem por objecto o despacho que não admitiu o recurso
para este Tribunal, com fundamento em intempestividade.
Independentemente da questão de saber se o recurso foi interposto em tempo – e,
consequentemente, da interpretação do disposto no nº 2 do artigo 75º da LTC – é
manifesto que o recurso de constitucionalidade em causa não podia ser admitido,
por falta de um dos seus requisitos – a suscitação prévia da questão de
inconstitucionalidade cuja apreciação é requerida a este Tribunal (alínea b) do
nº 1 do artigo 70º e nº 2 do artigo 72º da LTC).
De forma reiterada, este Tribunal tem vindo a entender, face ao disposto no nº 4
do artigo 77º da LTC, que lhe cabe verificar os requisitos do artigo 75º-A da
LTC e os pressupostos do recurso de constitucionalidade interposto, ainda que a
reclamação tenha exclusivamente como objecto os concretos fundamentos da não
admissão do recurso (cf. Acórdão nº 480/2006, disponível em
www.tribunalconstitucional.pt).
2. O recurso de constitucionalidade vem interposto do acórdão do Tribunal da
Relação de Lisboa. O recorrente tinha, por conseguinte, o ónus de suscitar
perante este Tribunal – o tribunal que proferiu a decisão recorrida – a questão
de inconstitucionalidade cuja apreciação requereu depois (artigos 70º, nº 1,
alínea b), e 72º, nº 2, da LTC). Ou seja, devia ter suscitado tal questão na
resposta ao recurso interposto pelo assistente, ora reclamado (cf. supra, ponto
2. do Relatório) – e não nas peças indicadas no requerimento de interposição de
recurso, em cumprimento da parte final do nº 2 do artigo 75º-A da LTC – para
desse modo abrir a via do recurso de constitucionalidade. Daquela peça
processual decorre, no entanto, que não foi suscitada perante o tribunal
recorrido qualquer questão de inconstitucionalidade normativa, o que obsta a que
se possa dar como observado o mencionado requisito da suscitação prévia.
III. Decisão
Em face do exposto, decide-se indeferir a presente reclamação.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de
conta.
Lisboa, 14 de Novembro de 2007
Maria João Antunes
Carlos Pamplona de Oliveira
Gil Galvão