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Processo n.º 534/07
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Mário Torres
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,
1. Relatório
A. foi pronunciado como autor, em concurso
real de infracções, de um crime de injúria agravado (através de escrito dirigido
ao juiz denunciante, B.), previsto e punido pelos artigos 181.º, n.º 1, e
184.º, de um crime de denúncia caluniosa (através de participação apresentada ao
Conselho Superior da Magistratura – CSM), previsto e punido pelo artigo 365.º,
n.ºs 1 e 2, e de dois crimes de difamação agravados (um através da referida
participação ao CSM e outro através de exposição dirigida ao Conselho Distrital
de Lisboa da Ordem dos Advogados – CDLOA), previstos e punidos, cada um deles,
pelos artigos 180.º e 184.º, todos do Código Penal (CP).
Submetido a julgamento, foi, por sentença de
26 de Abril de 2006 do 1.º Juízo Criminal de Lisboa, absolvido do crime de
injúria agravado e de um dos dois crimes de difamação agravado (o cometido
através da participação endereçada ao CSM), e condenado, como autor do outro
crime de difamação agravado (cometido através da exposição dirigida ao CDLOA),
na pena de 180 dias de multa, à taxa diária de € 5,00, e, como autor do crime de
denúncia caluniosa, na pena de 80 dias de multa, à taxa diária de € 5,00, e, em
cúmulo jurídico, na pena única de 220 dias de multa, à taxa diária de € 5,00.
Apresentou então o arguido, em 27 de Abril
de 2006, requerimento em que, além de requerer a confiança do processo a fim de
elaborar a motivação do recurso quando à matéria de direito, igualmente
solicitou, uma vez que o recurso que intentava interpor incidia também sobre a
matéria de facto, que lhe fosse fornecida, nos termos dos artigos 101.º e 412.º,
n.ºs 3 e 4, do Código de Processo Penal (CPP), “transcrição da gravação da prova
testemunhal produzida na audiência final e respectivas actas de audiência de
discussão e julgamento, incluindo as da anterior audiência anulada,
suspendendo‑se o prazo de recurso até fornecimento das mesmas”. Este
requerimento foi subscrito por advogado então constituído pelo arguido, mas
cuja intervenção como mandatário veio a ser considerada inadmissível, por
despacho de 12 de Maio de 2006, uma vez que esse advogado interviera no
julgamento na qualidade de testemunha. O arguido veio a constituir novo
mandatário, que ratificou o processado.
Por despacho de 23 de Maio de 2006, foi: (i)
indeferido o aludido requerimento na parte em que se pedia a suspensão do prazo
de recurso até ao fornecimento da transcrição da gravação da prova testemunhal
produzida em audiência; (ii) determinado o fornecimento de cópias das actas de
audiência, nos termos requeridos; (iii) declarado suspenso o prazo de recurso
desde o dia 27 de Abril de 2006 (data da entrada do referido requerimento) até
ao dia seguinte ao da notificação ao arguido desse despacho, dia a partir do
qual estavam disponíveis, na secretaria do Tribunal, as cassetes contendo a
gravação da prova produzida em audiência de julgamento; e (iv) deferido o pedido
de confiança do processo, pelo prazo de dez dias.
Em 2 de Junho de 2006, o arguido apresentou
a motivação do seu recurso, que termina com a formulação das seguintes
conclusões:
“1.ª A transcrição da prova produzida e gravada em audiência
de julgamento deve ser fornecida ao arguido para este poder recorrer, sendo que
a interpretação contrária dada ao n.º 4 do artigo 412.º do CPP torna tal norma
inconstitucional, por violação do artigo 32.º, n.º 5, da CRP.
2.ª O arguido não esteve representado de facto na audiência,
conforme a própria defensora o referiu e demonstrou, pelo que houve violação dos
artigos 61.º, n.º 1, alínea e), 62.º, n.º 2, e 64.º, n.º 1, alínea b), do CPP,
constituindo tal nulidade, nos termos do artigo 119.º, alínea c), do CPP, sob
pena de, ao não considerar‑se assim, tornar as referidas normas
inconstitucionais, por violação dos artigos 20.º, n.ºs 1, 2 e 4, e 32.º, n.ºs 1,
2, in fine, e 3, da CRP.
3.ª Ao ser‑lhe fornecido ao participante/testemunha factos
constantes dos autos de inquérito, maxime de documentos que consubstanciavam a
defesa do arguido no CDLOA e apresentados por este, tal viola o artigo 89.º, n.º
2, do CPP e artigo 195.º do CP, e porque, tal tendo sido feito, obriga a guardar
segredo o participante, implica nulidade da acusação/pronúncia nessa parte, não
podendo tal facto ser considerado até porque o eventual crime não estava
consumado se não fosse a violação do segredo e a denúncia seria extemporânea.
4.ª O dispositivo da sentença deveria especificar os crimes
reportando‑os aos factos que os originaram, até devido à imperceptibilidade da
acusação/pronúncia e da fundamentação da sentença, pois só assim se pode dar
cabal cumprimento ao estatuído no artigo 374.º, n.º 2, alínea b), do CPP,
conjugado com os princípios da clareza e percepção dos actos judiciais, sob
pena de, a não ser assim, a sentença ser nula, por violação do artigo 379.º, n.º
1, alínea a), do CPP.
5.ª A sentença deveria ter julgado os factos alegados nos
pontos 3, 5, 6, 14, 16 e 18 da contestação, porque relevantes para a causa, pelo
que tal omissão viola o artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do CPP.
6.ª Entre duas sessões da audiência de julgamento mediaram
mais de 30 dias, pelo que foi violado o artigo 428.º, n.º 6, do CPP.
7.ª Se o julgamento não for nulo, a prova produzida na
primeira sessão perdeu a sua eficácia, até porque incluída nos fundamentos da
sentença.
8.ª Como tal prova foi feita no interesse do arguido, a sua
perda de eficácia prejudica‑o e, porque tal consta da motivação da sentença,
implica ilegalidade desta por violação do artigo 410.º, n.º 2, alíneas a) e b),
do CPP.
9.ª A não ser assim, haveria que renovar‑se a prova, sob pena
de interpretação contrária a dar ao artigo 428.º, n.º 6, do CPP, no sentido que
a perda de eficácia da prova não conduz à ilegalidade da sentença e/ou à
renovação da prova, tornar tal norma inconstitucional, por violação dos artigos
20.º, n.ºs 1 e 4, e 32.º, n.ºs 1 e 2, da CRP.
10.ª O despacho judicial não é meio idóneo para apresentar
queixa crime e o envio de peças processuais de autos da OTM viola os artigos
168.º do CPC e 12.º do EMJ (até porque não se pediu autorização ao CSM),
conforme se vê da conjugação destes normativos com toda a OTM e artigo 113.º e
seguintes do CP e artigos 49.º e 242.º do CPP, ex vi artigo 188.º, n.º 1, alínea
a), do CP.
11.ª A decisão instrutória é nula, pois não existe clareza na
remissão dos factos e dos crimes imputados, pelo que interpretar no sentido
contrário as normas dos artigos 308.º, n.º 2, e 283.º, n.º 3, alínea c), do CPP,
as torna inconstitucionais, por violação dos artigos 32.º, n.º 1, 202.º, n.º 2,
e 205.º, n.º 1, da CRP.
12.ª A consideração de fls. 14 da sentença, de que o arguido
tinha consciência e vontade de cometer os crimes imputados, não tem qualquer
suporte legal nos autos nem na prova produzida em audiência, mas antes pelo
contrário, pelo que tais factos não se podem considerar provados, sob pena de
violar‑se o artigo 410.º, n.º 2, alíneas a) e c), do CPP.
13.ª O testemunho do Dr. B. foi mal apreciado, já que o mesmo
foi considerado e provado documentalmente como parcialmente falso, pelo que se
violou o artigo 410.º, n.º 2, alínea c), do CPP.
14.ª Não foram consideradas partes importantes dos depoimentos
das testemunhas de defesa, pelo que se violou o artigo 374.º, n.º 2, do CPP,
com a consequente nulidade da sentença, nos termos do artigo 379.º, n.º 1,
alínea a), do CPP.
15.ª Bem como as afirmações gratuitas de fls. 19/20 quanto à
actuação do arguido, falsidade dos factos e intenção de prejudicar o
participante, sem qualquer prova para tal, extravasa do artigo 127.º do CPP,
havendo erro de julgamento e violação do artigo 410.º, n.º 2, alínea c), do
CPP.
16.ª No que concerne ao crime de denúncia caluniosa, não é
verdade e não tem suporte probatório que os factos constantes da participação ao
CSM eram falsos e o arguido o sabia, pelo que se verifica novamente o estatuído
no artigo 410.º, n.º 2, alínea c), do CPP.
17.ª E, sobre tal facto, porque a decisão não se manifestou
sobre a alegada exclusão da ilicitude e/ou da culpa, temos pela violação do
artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do CPP.
18.ª Quanto à exposição dirigida ao CDLOA, a afirmação de que
o arguido teve a intenção de ofender também não tem qualquer suporte
probatório, bem como tais factos, ao serem alegados em sede de direito de
defesa (e o anterior de participação disciplinar), excluem a ilicitude e a
culpa, nos termos do artigo 31.º, n.º 2, alíneas b) e c), 34.º e 36.º do CP e,
porque a sentença não se manifestou sobre tal, que foi alegado, viola o artigo
379.º, n.º 1, alínea c), do CPP.
19.ª A interpretação contrária dada ao artigo 31.º, n.º 2,
alínea b), do CP o torna inconstitucional, por violação do artigo 20.º, n.ºs 1 e
4, 37.º e 208.º da CRP e artigos 6.º e 13.º da CEDH, além da violação do artigo
154.º, n.º 3, do CPC.
20.ª Além disso, o crime nunca poderia ser o de difamação,
posto que a exposição dirigida ao CDLOA não foi dirigindo‑se a terceiros, pois o
CDLOA não pode ser terceiro (até porque não é pessoa singular).
21.ª Não apurou a sentença o dolo genérico, bem como os
requisitos do artigo 180.º, n.º 2, do CP, pelo que existe nulidade por violação
do artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do CPP.
22.ª Assim, caso não se absolva o arguido e/ou se revogue a
decisão ora em crise, é de renovar‑se toda a prova produzida em audiência, bem
como a não produzida por «falta» da mandatária, ou o reenvio do processo
(artigos 412.º, n.ºs 3 e 4, 426.º e 430.º do CPP).
23.ª Por fim, deverão os recursos retidos subir conjuntamente
com o presente.”
Por acórdão de 13 de Fevereiro de 2007, o
Tribunal da Relação de Lisboa julgou “extinto, por prescrição, o procedimento
criminal relativamente ao crime de difamação agravada, previsto e punido pelos
artigos 180.º e 184.º do Código Penal, com as necessárias consequências,
nomeadamente ao nível da decisão de condenação pelo referido crime e ao nível
da execução da pena, o que obsta à apreciação das questões suscitadas
especificamente no que se refere a este crime”, mas, no mais, julgou
improcedente o recurso do arguido, mantendo a decisão recorrida.
Foi contra este acórdão que o arguido
interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do
n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do
Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, e
alterada, por último, pela Lei n.º 13‑A/98, de 26 de Fevereiro (LTC),
referindo no requerimento de interposição de recurso que visava a “apreciação da
constitucionalidade das normas vertidas no artigo 412.º [por lapso, referiu
410.º], n.º 4, do CPP, por violação do artigo 32.º, n.º 5, da CRP; das normas
dos artigos 61.º, n.º 1, alínea e), 62.º, n.º 2, e 64.º, n.º 1, alínea b), do
CPP, por violação dos artigos 20.º, n.ºs 1, 2 e 4, e 32.º, n.ºs 1, 2, in fine,
e 3, da CRP; da norma do artigo 328.º [por lapso, referiu 428.º], n.º 6, do CPP,
por violação dos artigos 20.º, n.ºs 1 e 4, e 32.º, n.ºs 1 e 2, da CRP; das
normas dos artigos 308.º, n.º 2, e 283.º, n.º 3, alínea c), do CPP, por violação
dos artigos 32.º, n.º 1, 202.º, n.º 2, e 205.º, n.º 1, da CRP; e da norma do
artigo 31.º, n.º 2, alínea b), do CP, por violação dos artigos 20.º, n.ºs 1 e 4,
37.º e 208.º da CRP e 6.º e 13.º da CEDH, cuja inconstitucionalidade foi
suscitada na motivação de recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa”.
O recurso foi admitido pelo Desembargador
Relator do Tribunal da Relação de Lisboa, decisão que, como é sabido, não
vincula o Tribunal Constitucional (artigo 76.º, n.º 3, da LTC).
No Tribunal Constitucional, o relator
proferiu, em 29 de Maio de 2007, despacho a convidar o recorrente, nos termos
do disposto no artigo 75.º‑A, n.º 6, da LTC, “a esclarecer se pretende a
apreciação da constitucionalidade das normas constantes do seu requerimento de
interposição de recurso na sua directa estatuição ou antes em determinada
interpretação que delas terá sido feita pela decisão recorrida, devendo, nesta
última hipótese, identificar com precisão o sentido dessas interpretações
normativas que reputa inconstitucionais”.
Em resposta a esse convite, veio o
recorrente referir que:
“(…) pretende a apreciação da constitucionalidade das normas
na interpretação que a decisão recorrida delas fez, conforme alegado na
motivação de recurso para o TRL, a saber:
– Artigo 412.º [por lapso, referiu 410.º], n.º 4, do CPP: na
interpretação de que não é obrigatório o fornecimento das transcrições da prova
provada (ponto I das «Questões Prévias» da motivação);
– Artigos 61.º, n.º 1, alínea e), 62.º, n.º 2, e 64.º, n.º 1,
alínea b), do CPP: na interpretação de que ao arguido lhe basta a presença
física de um defensor para ter o seu direito de defesa garantido,
independentemente de este nada fazer, por desconhecer os autos e não ser
tecnicamente competente e tendo‑se impedido o arguido de litigar em causa
própria (ponto II das «Questões Prévias» da motivação);
– Artigo 328.º, n.º 6, do CPP: na interpretação de que a perda
de eficácia da prova produzida não conduz à ilegalidade da sentença e/ou à
renovação da prova (ponto III das «Nulidades da sentença» da motivação), não se
olvidando o requerimento de 13/7/2006 sobre o assunto; bem como o prazo a que
alude o preceito apenas se refere aos casos de oralidade pura da audiência e não
à documentada; sobre esta questão encontra‑se pendente recurso para fixação de
jurisprudência;
– Artigo 308.º, n.º 2, e 283.º, n.º 3, alínea c), do CPP: na
interpretação dada de que não é necessária a «…conjunta menção dos tipos penais
convocados, sem estabelecimento de uma autónoma relação entre cada um dos
ilícitos imputados e o trecho fáctico correspondente» (ponto II de «Da sentença»
da motivação);
– Artigo 31.º, n.º 2, alínea b), do CP: na interpretação dada
de que factos alegados em sede de defesa ou do exercício do direito de
participação disciplinar podem constituir «corpo de delito» para crimes a
imputar a quem os alegou (ponto VIII de «Da sentença» da motivação).”
Por despacho do relator, de 26 de Junho de
2007, foi determinada a apresentação de alegações, “devendo as partes
pronunciar‑se, querendo, sobre a eventualidade de não se tomar conhecimento do
recurso, nas partes relativas às questões de inconstitucionalidade reportadas:
(i) aos artigos 61.º, n.º 1, alínea e), 62.º, n.º 2, e 64.º, n.º 1, alínea b),
do Código de Processo Penal (CPP), por o acórdão recorrido não ter feito
aplicação (cf. seu n.º 3.4, a fls. 1459‑1460) da interpretação, arguida de
inconstitucional, “de que ao arguido lhe basta a presença física de um defensor
para ter o seu direito de defesa garantido, independentemente de este nada
fazer, por desconhecer os autos e não ser tecnicamente competente e tendo‑se
impedido o arguido de litigar em causa própria”; (ii) aos artigos 308.º, n.º 2,
e 283.º, n.º 3, alínea c), do CPP, por se poder entender que o acórdão recorrido
assenta num fundamento autónomo, insusceptível de ser afectado pelo eventual
provimento desta parte do recurso de constitucionalidade: não ser o recurso da
decisão final o local próprio para colocar em crise a decisão instrutória (cf.
n.º 3.6, a fls. 1460 e 1462) – para além de se poder entender não vir
adequadamente suscitada qualquer questão de inconstitucionalidade normativa,
sendo a violação de normas legais e constitucionais imputada directamente a
decisão judicial; e (iii) ao artigo 31.º, n.º 2, alínea b), do Código Penal, por
não ter sido adequadamente suscitada, a respeito deste preceito, qualquer
questão de inconstitucionalidade normativa, com identificação da interpretação
do mesmo que se reputava inconstitucional, para além de que o acórdão recorrido
expressamente considerou que, entre outras, a conclusão 19.ª, única relativa a
esta questão, “respeitando ao crime de difamação, [mostra‑se] prejudicada pela
prescrição” (fls. 1468), pelo que não terá feito aplicação de tal norma.
O recorrente apresentou resposta autónoma em
que sustentou a cognoscibilidade das três questões por último enunciadas e
posteriormente apresentou alegações, que terminam com a formulação das
seguintes conclusões:
“1.º – A transcrição da prova produzida em audiência de
discussão e julgamento, para efeitos de recurso, é obrigatória ser fornecida ao
arguido, e não apenas ao Tribunal Superior e ao MP, pelo que a interpretação
dada ao n.º 4 do artigo 412.º do CPP, de que tal não é necessário, viola o n.º 5
do artigo 32.º da CRP, tornando aquela norma inconstitucional.
2.º – As normas constantes do artigo 61.º, n.º 1, alínea e),
62.º, n.º 2, e 64.º, n.º 1, alínea b), do CPP, devem ser interpretadas no
sentido de que o arguido deve ter um efectivo patrocínio judiciário, e não
apenas formal, pelo que haverá que atender‑se a cada caso em concreto para se
apurar se assim é, e nos presentes autos tal não aconteceu, pelo que as torna
inconstitucionais na interpretação dada de que ao arguido lhe bastaria um
defensor estagiário, a quem se concedeu pouco tempo para análise destes autos
que são extensos e complexos, pelo que serão tais normas inconstitucionais por
violação do artigo 20.º, n.ºs 1, 2 e 4, da CRP.
3.º – Igualmente porque se poderia ter permitido ao arguido a
litigância em causa própria, como requerido, pelo que a interpretação dada às
normas referidas de que tal não é permitido viola também os artigos 20.º, n.º 1,
e 32.º, n.ºs 1, 2 e 3, da CRP, e artigo 6.º, n.º 3, alínea e), e 14.º, n.º 3,
alínea c), da CEDH, pelo que serão inconstitucionais.
4.º – A interpretação dada à norma contida no n.º 6 do artigo
328.º do CPP, no sentido de que a perda de eficácia da prova produzida não
conduz à ilegalidade da sentença e/ou à renovação da prova, viola os artigos
20.º, n.ºs 1 e 4, e 32.º, n.ºs 1 e 2, da CRP, tornando‑o inconstitucional.
5.º – A interpretação dada às normas contidas nos artigos
308.º, n.º 2, e 283.º, n.º 3, alínea c), do CPP, no sentido de que não é
necessária a «... conjunta menção dos tipos penais convocados, sem
estabelecimento de uma autónoma relação entre cada um dos ilícitos imputados e
o trecho fáctico correspondente», e por tal não permitir uma percepção clara da
decisão judicial e consequente defesa, as torna inconstitucionais por violação
dos artigos 32.º, n.º 1, 202.º, n.º 2, e 205.º, n.º 1, da CRP.
6.º – Bem como, por tal implicar uma falta de fundamentação,
viola também o artigo 205.º, n.º 1, da CRP.
7.º – E quanto ao artigo 31.º, n.º 2, alínea b), do Código
Penal, a sua não consideração quando se está no exercício de um direito e em
sede de defesa, tendo este servido de «corpo de delito» de crime de denúncia
caluniosa, não tendo havido qualquer infracção ao direito de liberdade de
expressão, e estando um advogado a litigar em causa própria, viola os artigos
20.º, n.ºs 1 e 4, 37.º e 208.º da CRP, tornando‑o inconstitucional.”
O representante do Ministério Público neste
Tribunal contra‑alegou, manifestando concordância com o despacho do relator no
sentido de que o objecto do recurso se circunscreve às duas questões de
constitucionalidade reportadas, uma ao artigo 412.º, n.º 4, e a outra ao artigo
328.º, n.º 6, ambos do CPP, e concluindo:
“1.º Não é inconstitucional a norma constante do n.º 4 do
artigo 412.º do Código de Processo Penal, interpretada em termos de permitir ao
recorrente o cumprimento do ónus de especificação, aí previsto, mediante
requerimento tempestivamente formulado, nos termos do artigo 7.º do Decreto‑Lei
n.º 39/95, de 15 de Fevereiro, destinado a obter os suportes técnicos que
reproduzem a gravação magnética dos depoimentos prestados em audiência.
2.º Não viola os princípios de acesso ao direito e das
garantias de defesa a interpretação normativa do artigo 328.º, n.º 6, do Código
de Processo Penal que restringe a perda de eficácia da prova produzida, quando
ocorra adiamento por período superior a 30 dias, aos casos em que os depoimentos
prestados não estão a ser integralmente registados.
3.º Termos em que deverá improceder o presente recurso.”
Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
2. Fundamentação
2.1. Não conhecimento da questão de
constitucionalidade reportada aos artigos 61.º, n.º 1, alínea e), 62.º, n.º 2,
e 64.º, n.º 1, alínea b), do CPP.
Na resposta ao convite para aperfeiçoamento
do requerimento de interposição de recurso, indicou o recorrente que pretendia
ver apreciada a inconstitucionalidade das normas constantes dos artigos 61.º,
n.º 1, alínea e), 62.º, n.º 2, e 64.º, n.º 1, alínea b), do CPP, “na
interpretação de que ao arguido lhe basta a presença física de um defensor para
ter o seu direito de defesa garantido, independentemente de este nada fazer, por
desconhecer os autos e não ser tecnicamente competente e tendo‑se impedido o
arguido de litigar em causa própria (ponto II das «Questões Prévias» da
motivação)”.
No despacho do relator que determinou a
apresentação de alegações, foram as partes convidadas a pronunciar‑se, querendo,
sobre a eventualidade de não se tomar conhecimento desta questão, por o acórdão
recorrido não ter feito aplicação da interpretação arguida de inconstitucional.
Na sua resposta, o recorrente sustenta, em
suma, que o acórdão recorrido, por não ter analisado bem os autos, terá errado
de facto e, consequentemente, de direito, tendo feito aplicação das normas na
interpretação arguida de inconstitucional.
A propósito desta questão, lê‑se no acórdão
recorrido (n.º 3.4., a fls. 1459‑1460):
“3.4. O recorrente alega que não foi representado de facto em
audiência pelas razões que invoca nas suas conclusões (2.ª).
A questão relativa à impossibilidade legal de o arguido de
litigar em causa própria, em direito penal – que o recorrente agora reitera –
foi decidida já no processo e tendo sido indeferido o pedido de dispensa de
patrocínio da defensora oficiosa, dadas as razões invocadas atinentes à vontade
do arguido de advogar em causa própria (vide acta de 6 de Abril de 2006), que,
por tal motivo, manteve a representação do arguido, não tendo este usado da
faculdade que lhe foi dada nos termos do artigo 40.º da Lei n.º 24/2004, de 29
de Julho, apesar do adiamento de uma sessão de julgamento a que houve lugar,
para viabilizar a escolha de defensor pelo arguido (actas de 29 de Março de
2006 e de 6 de Abril de 2006).
De todo o modo, não resulta dos autos, nomeadamente das actas
que reproduzem as sessões de audiência de julgamento, que o arguido não tenha
estado devidamente representado, não se verificando nenhuma das situações aqui
trazidas pelo recorrente, nomeadamente pelo facto de a defensora oficiosa,
nomeada após a renúncia do primitivo mandatário sem que o arguido tivesse
constituído outro mandatário, ter prescindido de testemunhas, nem resultando dos
autos que esta não tenha podido produzir alegações. A defensora exerceu a
representação do arguido da forma que considerou eficaz e idónea, não tendo,
nomeadamente, requerido qualquer diligência ou prazo suplementar para organizar
a defesa, nem lhe tendo sido negada a possibilidade de o fazer em momento algum
do processo, tendo até essa preocupação estado presente nos adiamentos ou
suspensões de audiência a que houve lugar, sempre que requeridos, para
assegurar a defesa (cf. acta de 26 de Janeiro de 2006).
Como tal, não existe razão para considerar coarctadas ou
diminuídas as garantias e direitos inerentes à defesa do arguido ou para ter por
violados os preceitos dos artigos citados pelo recorrente, nomeadamente dos
artigos 61.º, alínea e), 62.º, n.º 2, e 64.º, n.º 1, alínea b), do CPP, nem se
vê que a defesa que lhe foi proporcionada não tenha obedecido aos princípios
constitucionais em função dos quais está consagrado o direito à defesa (artigos
20.º e 32.º da CRP).
Improcede, pois, igualmente esta arguição.”
Como resulta desta transcrição, tendo já
sido decidida no processo (e, portanto, insusceptível de ser recolocada) a
impossibilidade legal de o arguido litigar em causa própria, o acórdão conclui
que o recorrente beneficiou sempre de assistência de defensor, seja mandatário
por ele constituído, seja (quando o primitivo mandatário renunciou ao mandato e
o arguido optou por não constituir novo mandatário) através de defensor
oficioso. O juízo negativo que o recorrente parece fazer relativamente à
qualidade da actuação da defensora oficiosa (juízo, aliás, não compartilhado
pelo acórdão recorrido e a respeito do qual, como é óbvio, não cabe a este
Tribunal tomar qualquer posição), sendo certo que ele teve sempre possibilidade
de proceder à sua substituição por mandatário constituído, de modo algum
consente que se reconheça ter o acórdão recorrido adoptado o critério normativo
segundo o qual para o arguido ter o seu direito de defesa garantido basta a
presença física de um defensor, independentemente de este nada fazer.
A admissibilidade do recurso previsto na
alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC depende, como é sabido, de ter a
decisão recorrida feito aplicação, como ratio decidendi, do critério normativo
arguido de inconstitucional. Não se verificando, no caso, esta coincidência, o
recurso é, nesta parte, inadmissível, pelo que não se conhecerá do
correspondente objecto.
2.2. Não conhecimento da questão de
constitucionalidade reportada aos artigos 308.º, n.º 2, e 283.º, n.º 3, alínea
c), do CPP.
No aperfeiçoamento ao requerimento de
interposição de recurso, mencionou o recorrente pretender ver apreciada a
inconstitucionalidade das normas constantes dos artigos 308.º, n.º 2, e 283.º,
n.º 3, alínea c), do CPP, “na interpretação dada de que não é necessária a
«…conjunta menção dos tipos penais convocados, sem estabelecimento de uma
autónoma relação entre cada um dos ilícitos imputados e o trecho fáctico
correspondente» (ponto II de «Da sentença» da motivação)”.
Suscitou o relator a questão do eventual não
conhecimento desta questão, “por se poder entender que o acórdão recorrido
assenta num fundamento autónomo, insusceptível de ser afectado pelo eventual
provimento desta parte do recurso de constitucionalidade: não ser o recurso da
decisão final o local próprio para colocar em crise a decisão instrutória (cf.
n.º 3.6, a fls. 1460 e 1462) – para além de se poder entender não vir
adequadamente suscitada qualquer questão de inconstitucionalidade normativa,
sendo a violação de normas legais e constitucionais imputada directamente a
decisão judicial”.
Retorquiu o recorrente que o acórdão
recorrido se debruçou sobre esta matéria, tendo concordado com a sentença, na
parte em que esta não julgara inconstitucionais as normas em causa.
A questão ora em causa foi suscitada pelo
recorrente na sua contestação, em que arguíra a nulidade do despacho de
pronúncia, por alegada falta de clareza na remissão dos factos e dos crimes
imputados. Esta arguição foi indeferida na sentença da 1.ª instância, com a
seguinte fundamentação:
“Da nulidade do despacho de pronúncia.
Sob invocação do disposto nos artigos 32.º, n.º 1, 202.º, n.º
2, e 205.º, n.º 1, todos da CRP, argúi o arguido a nulidade do despacho de
pronúncia com fundamento na circunstância de, tal como se verificou
relativamente à acusação, terminar pela conjunta indicação da totalidade dos
crimes imputados, sem estabelecer uma relação entre cada um dos tipos legais
convocados e os factos que autonomamente lhes correspondem, o que, na
perspectiva seguida, é impeditivo de uma defesa eficaz.
Cumpre apreciar e decidir.
Decorre expressamente da conjugação do preceituado nos artigos
308.º, n.º 2, e 283.º, n.º 3, alínea c), que o despacho de pronúncia contém, sob
pena de nulidade, a indicação das disposições legais aplicáveis.
Tal nulidade, conforme claramente resulta dos normativos
processuais em presença, prende‑se com a omissão da indicação dos preceitos
penais a que devam subsumir‑se os factos narrados no despacho acusatório, e não
também, conforme reivindicado pelo arguido, com a conjunta menção dos tipos
penais convocados, sem estabelecimento de uma autónoma relação entre cada um dos
ilícitos imputados e o trecho fáctico correspondente.
Improcede, portanto, por ausência de legal fundamento, a
invocada nulidade, conclusão não prejudicada pelas disposições constitucionais
simultaneamente indicadas.”
Na parte da motivação do recurso para a
Relação onde, segundo o recorrente, teria sido suscitada a questão que se
pretende agora ver apreciada (Parte II da Secção “Da sentença – Erros de
julgamento”, integrando os n.ºs 32 e 33), limitou‑se ele a manifestar
discordância com o não reconhecimento da nulidade do despacho de pronúncia, por
falta de clareza na remissão dos factos e dos crimes imputados, e a referir que
“interpretados os artigos 308.º, n.º 2, e 283.º, n.º 3, alínea c), do CPP, no
sentido de que não é necessária a «…conjunta menção dos tipos penais
convocados, sem estabelecimento de uma autónoma relação entre cada um dos
ilícitos imputados e o trecho fáctico correspondente», torna tal
inconstitucional, por não permitir uma percepção clara da decisão judicial e
consequente defesa, violando‑se assim os artigos 32.º, n.º 1, 202.º, n.º 2, e
205.º, n.º 1, da CRP”.
Quanto a este ponto, o acórdão recorrido
começou por referir a impropriedade do meio processual utilizado – recurso da
decisão final – para colocar em crise a decisão instrutória, embora de seguida,
a título complementar, tenha manifestado concordância com o a esse respeito
decidido na sentença então impugnada, reproduzindo a parte atrás transcrita.
Neste contexto, para além da inutilidade –
atenta a natureza instrumental do recurso de constitucionalidade – de
conhecimento de uma questão de constitucionalidade reportada apenas a um dos
dois fundamentos autónomos de uma determinada decisão, é manifesto que os
termos em que o recorrente colocou a questão se mostram incindivelmente ligados
à especificidade do caso concreto, e, portanto, destituídos de carácter
normativo, o que torna, desde logo, inadmissível esta parte do recurso.
Anote‑se, aliás, que dos quatro crimes por
que o arguido foi pronunciado (um de injúria agravado, um de denúncia caluniosa
e dois de difamação agravado), apenas subsiste a condenação pelo de denúncia
caluniosa (foi absolvido na 1.ª instância do crime de injúria agravado e de um
dos dois crimes de difamação agravado, tendo a Relação, no acórdão ora
recorrido, declarado prescrito o procedimento criminal pelo outro crime de
difamação agravado), não se vislumbrando qualquer dúvida legítima sobre quais
os factos que sustentaram a pronúncia pelo crime de denúncia caluniosa.
Não se conhecerá, pois, desta segunda
questão de constitucionalidade.
2.3. Não conhecimento da questão de
constitucionalidade reportada ao artigo 31.º, n.º 2, alínea b), do CP.
No aludido complemento ao requerimento de
interposição de recurso, o recorrente indicou visar o controlo da
inconstitucionalidade da norma constante do artigo 31.º, n.º 2, alínea b), do
CP, “na interpretação dada de que factos alegados em sede de defesa ou do
exercício do direito de participação disciplinar podem constituir «corpo de
delito» para crimes a imputar a quem os alegou (ponto VIII de «Da sentença» da
motivação)”.
A possibilidade de não conhecimento desta
questão foi levantada pelo relator com o fundamento de “não ter sido
adequadamente suscitada, a respeito deste preceito, qualquer questão de
inconstitucionalidade normativa, com identificação da interpretação do mesmo que
se reputava inconstitucional, para além de que o acórdão recorrido
expressamente considerou que, entre outras, a conclusão 19.ª, única relativa a
esta questão, «respeitando ao crime de difamação, [mostra‑se] prejudicada pela
prescrição» (fls. 1468), pelo que não terá feito aplicação de tal norma”.
Respondeu o recorrente que “nos pontos 15 e
seguintes da contestação levantou‑se a questão da exclusão da ilicitude e da
culpa, tendo‑se alegado que a violação do direito de defesa violava os artigos
20.º, 37.º e 208.º da CRP, reportando‑se directamente à interpretação do artigo
31.º, n.º 2, alínea b), do CP (e outras)”, questão que a sentença desatendeu,
considerando inexistir violação deste último preceito legal, mas que o
recorrente recolocou na motivação do recurso, no ponto VIII da parte relativa à
“Sentença”, arguindo a inconstitucionalidade de tal norma, “na interpretação
dada na sentença, por violação das supra referidas normas constitucionais”. O
facto de o acórdão recorrido não se ter pronunciado sobre tal questão implica
omissão de pronúncia, reiterando o recorrente que “a interpretação dada ao
artigo 31.º, n.º 2, alínea b), do CP na sentença, aplicável a todos os crimes,
como não se reporta só ao crime de difamação, mas a todos, pelo que não está
prejudicada pela prescrição de alguns dos crimes”.
A questão de constitucionalidade suscitada
no ponto indicado pelo recorrente (Parte VIII da Secção “Da sentença – Erros de
julgamento”, integrando os n.ºs 51 a 56), respeita à parte da sentença (fls.
1265 a 1267), em que se analisa o crime de difamação agravado cometido através
de exposição endereçada ao CDLAO (como, aliás, expressamente se refere no n.º 51
da motivação do recurso para a Relação), consistiu na alegação de que os factos
constantes dessa exposição, “alegados em sede de defesa”, “não podem nunca
consubstanciar crimes, sob pena de violarem os artigos 20.º da CRP e 154.º, n.º
3, do CPC e 37.º e 208.º da CRP e artigos 6.º e 13.º da CEDH, na interpretação
dada ao artigo 31.º, n.º 2, alínea b), do CP, o que o tornaria inconstitucional”
(n.º 52), tese esta retomada nas conclusões 18.ª (“Quanto à exposição dirigida
ao CDLAO, a afirmação de que o arguido teve a intenção de ofender também não tem
qualquer suporte probatório, bem como tais factos ao serem alegados em sede de
direito de defesa (e o anterior de participação disciplinar) excluem a ilicitude
e a culpa, nos termos dos artigos 31.º, n.º 2, alíneas b) e c), 34.º e 36.º do
CP, e, porque a sentença não se manifestou sobre tal, que foi alegado, viola o
artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do CPP”) e 19.ª (“A interpretação contrária dada
ao artigo 31.º, n.º 2, alínea b), do CP o torna inconstitucional, por violação
dos artigos 20.º, n.ºs 1 e 4, 37.º e 208.º da CRP e artigos 6.º e 13.º da CEDH,
além da violação do artigo 154.º, n.º 3, do CPC”) da motivação do recurso para a
Relação.
O acórdão ora recorrido, após salientar ter
a sentença então impugnada emitido pronúncia expressa sobre a existência de
“alguma causa de exclusão da ilicitude ou da culpa, nomeadamente se o agente
actuara em realização ou no âmbito do exercício ou da defesa dos seus direitos,
tendo concluído negativamente, pelas razões que aponta e que merecem a nossa
concordância, por, no essencial, serem notoriamente inúteis à finalidade
processual em causa”, acrescenta que “de todo o modo, as conclusões 18.ª, 19.ª,
20.ª e 21.ª, respeitando ao crime de difamação, mostram‑se prejudicadas pela
prescrição”.
É, assim, manifesto que a presente questão
de inconstitucionalidade – para além de não ter sido adequadamente suscitada
através da identificação, com o mínimo de precisão, da interpretação normativa,
dotada de generalidade e abstracção, reputada inconstitucional – foi levantada
a propósito do crime de difamação qualificado cometido através de exposição
endereçada ao CDLOA, cujo procedimento criminal o acórdão recorrido julgou
prescrito e, em conformidade, julgou prejudicado o conhecimento de tal questão.
Não tendo, assim, o acórdão recorrido feito
aplicação do critério normativo arguido de inconstitucional, também não se
conhecerá desta parte do recurso.
2.4. Questão de constitucionalidade
reportada ao artigo 412.º, n.º 4, do CPP.
Sobre este ponto, ponderou‑se no acórdão
recorrido:
“3.3. Suscitada questão prévia acerca da violação do seu
alegado direito a ter acesso à transcrição da gravação da prova para efeito de
interpor recurso, haverá que referir que o recorrente também não tem razão no
que afirma a este propósito.
Ao contrário do que defende, a transcrição da prova não é um
auxiliar de que o recorrente deva dispor para interpor recurso.
Esta, sendo obrigatória no processo penal caso haja recurso da
matéria de facto (artigo 412.º, n.º 4, do CPP: «… havendo lugar a transcrição»),
não tem a finalidade de permitir ao recorrente o acesso à prova produzida, pois
este é assegurado através dos suportes técnicos. A finalidade da transcrição
será então apenas a de facultar ao tribunal de recurso o reexame da prova.
Pretendendo o recorrente colocar em causa a forma como o
tribunal apreciou a prova, deverá indicar expressamente quais os depoimentos
testemunhais ou declarações produzidas que imporiam diversa decisão de facto, o
que deverá fazer por referência aos suportes magnéticos contendo os depoimentos
gravados, para o que poderia, previamente à apresentação da motivação de
recurso, ter solicitado que lhe fossem facultados tais suportes técnicos, nos
termos do disposto no artigo 7.º do Decreto‑Lei n.º 39/95, de 15 de Fevereiro,
com vista a poder dar cumprimento ao comando do artigo 412.º, n.ºs 3 e 4, do
CPP.
Compete ao recorrente especificar (artigo 412.º, n.ºs 3 e 4,
do CPP), com indicação dos suportes técnicos e com a citação ou invocação das
passagens que justificam decisão diversa, inseridas num contexto mínimo que
permita ao tribunal enquadrar tais passagens na globalidade da prova, pois
sobre ele recai o ónus de enunciar as exactas questões que pretende ver
reapreciadas pelo tribunal e com referência a concretos factos de cuja fixação
discorda.
E ao recorrido é dada a faculdade de indicar outro
enquadramento em que se inserem as ditas passagens e de citar outras passagens
desses depoimentos ou indicar outros depoimentos que servem para demonstrar
que, no contexto global em que se inserem uns e outros, não terá razão de ser a
discordância do recorrente.
Esta a forma correcta de sustentar um recurso de facto, o que
é viabilizado pela faculdade de acesso que os sujeitos processuais têm às
cópias das cassetes áudio contendo a gravação da prova.
Impor‑se ao recorrente o ónus de fazer referência às
pertinentes passagens da gravação da prova em que se baseia, por referência aos
suportes respectivos, para extrair a conclusão de que o tribunal cometeu um
erro de julgamento da matéria de facto, não priva o arguido do direito de
recorrer nem torna o exercício de tal direito excessivamente oneroso, conhecendo
o recorrente o teor dos depoimentos prestados e o seu sentido, pois de outro
modo não faria sentido a sua discordância acerca da forma como o tribunal
avaliou a prova.
Não se mostra, pois, que a referida interpretação lese
qualquer direito fundamental do recorrente, nomeadamente o que alega.
Trata‑se da concretização do dever de as partes especificarem
claramente o âmbito e motivos da sua dissidência em relação ao decidido na 1.ª
instância, apontando e especificando quais os exactos pontos de facto que
considera incorrectamente julgados e quais as concretas provas mal valoradas
pelo julgador.
Foi decidido pelo Pleno das Secções Criminais do STJ, por
Acórdão de 16 de Janeiro de 2003, que a transcrição referida no artigo 412.º,
n.ºs 3 e 4, incumbe ao tribunal, o que não contraria, assim o entendemos, o ónus
que se impõe sobre o recorrente atrás enunciado.
A transcrição, como se disse, não se destina a possibilitar o
recurso em matéria de facto, para tanto existem os suportes técnicos e a
documentação escrita quando esta foi feita, mas sim permitir ao tribunal de
recurso a identificação e apreciação das questões concretas em matéria de facto
colocadas em crise pelo recorrente pelo que a ela só haverá lugar se for
interposto recurso da matéria de facto.
Só esta interpretação encontra contexto nas normas
respeitantes ao recurso sobre matéria de facto e de obrigatoriedade da
documentação dos depoimentos orais mencionados e é a que se mostra mais ajustada
ao sentido literal do artigo 412.º, n.º 4, do CPP, sem comprometer as
finalidades acerca da admissibilidade de recurso da matéria de facto.
Improcede, pois, esta argumentação.”
O critério normativo adoptado nesta parte do
acórdão recorrido não padece de inconstitucionalidade, designadamente por
alegada violação das garantias de defesa em processo criminal e especificamente
do direito ao recurso, conforme tem sido entendido por reiterada jurisprudência
deste Tribunal sobre esta questão.
Como se referiu, designadamente, no Acórdão
n.º 17/2006 (Diário da República, II Série, n.º 33, de 15 de Fevereiro de 2006,
p. 2188; Acórdãos do Tribunal Constitucional, 64.º vol., p. 273; e texto
integral disponível em www.tribunalconstitucional.pt) – que não julgou
inconstitucionais as normas constantes dos artigos 411.º, n.º 1, e 412.º, n.º 4,
do CPP, interpretados no sentido de que o prazo de interposição de recurso
penal em que se questione a decisão da matéria de facto e em que se procedeu a
gravação da prova produzida em audiência se conta da data em que o arguido,
agindo com a diligência devida, podia ter acesso ao suporte material da prova
gravada, e não da data em que foi disponibilizada a transcrição dessa gravação
–:
“O Tribunal Constitucional já foi, por diversas vezes, chamado
a pronunciar‑se sobre a constitucionalidade de normas relativas ao início do
prazo para apresentação do requerimento de interposição de recurso em processo
penal, que deve, por regra, conter a respectiva motivação (ou ao início do prazo
para apresentação da motivação do recurso, no único caso em que esta pode ser
posterior à interposição: interposição, por simples declaração na acta, de
recurso de decisão proferida em audiência – artigo 411.º, n.º 3, do CPP).
O critério seguido nessa jurisprudência tem sido o de que tal
prazo só se pode iniciar quando o arguido (assistido pelo seu defensor),
actuando com a diligência devida, ficou em condições de ter acesso ao teor,
completo e inteligível, da decisão impugnanda, e, nos casos em que pretenda
recorrer também da decisão da matéria de facto e tenha havido registo da prova
produzida em audiência, a partir do momento em que teve (ou podia ter tido,
actuando diligentemente) acesso aos respectivos suportes, consoante o método
de registo utilizado (escrita comum, meios estenográficos ou estenotípicos,
gravação magnetofónica ou audio‑visual).
(…)
Versando hipótese idêntica à ora em causa, o Acórdão n.º
433/2002 decidiu não julgar inconstitucional a interpretação do artigo 107.º,
n.º 2, do CPP, segundo a qual, havendo possibilidade de acesso ao suporte
material da prova gravada, a impossibilidade de acesso às transcrições das
declarações prestadas em audiência (quando tenha sido requerida a respectiva
gravação), por as mesmas ainda não estarem disponíveis, não constitui justo
impedimento para a interposição do recurso da decisão final condenatória em
processo penal. Esse acórdão salientou a diferença da situação então em apreço
com aquela sobre que incidiu o Acórdão n.º 363/2000 (em que o único suporte de
registo das declarações prestadas em audiência eram as actas escritas, que
ainda não estavam elaboradas), pois agora, em que existia gravação
magnetofónica, embora ainda não transcrita, «a impugnação do julgamento da
matéria de facto pode perfeitamente basear‑se no próprio suporte material da
prova gravada (que é, afinal, o registo originário da prova), à disposição do
arguido desde o início do prazo para a interposição do competente recurso», pelo
que «não tem razão o recorrente quando alega (...) que, não lhe sendo facultada
a transcrição da prova gravada em tempo útil, lhe é cerceada a possibilidade de
interpor recurso, resultando violada a norma do artigo 32.º, n.º 1, da
Constituição».
Foi também numa situação em que não se questionava a
possibilidade de acesso efectivo, por banda do arguido, às cassetes de gravação
de prova desde o dies a quo do cômputo do prazo para a apresentação da motivação
de recurso interposto por declaração para a acta feita na audiência onde foi
proferido o acórdão condenatório, recurso que versava também a decisão da
matéria de facto, que o Acórdão n.º 542/2004 decidiu que o não acréscimo, ao
prazo de 15 dias fixado no artigo 411.º, n.º 1, do CPP, do prazo de 10 dias
estabelecido no artigo 698.º, n.º 6, do CPC, não violava o direito de recurso
(artigo 32.º, n.º 1, da CRP), por se entender que aquele prazo de 15 dias para
apresentação da motivação não se mostrava desrazoável ou inadequado, «mesmo
tendo em conta que o asseguramento efectivo dessas possibilidades de defesa
passará pela audição das cassetes e pela preparação, estudo e elaboração da
alegação de recurso, com as referidas especificações [as exigidas no artigo
412.º, n.ºs 3, alíneas b) e c), e 4, do CPP]», nem ofendia o princípio da
igualdade (artigo 13.º da CRP), face ao regime processual civil, por a
celeridade processual ter, no processo penal (o artigo 32.º, n.º 2, da CRP
inclui entre as garantias do arguido a de «ser julgado no mais curto prazo
compatível com as garantias de defesa»), «uma fonte e intensidade
constitucional diferente da que concerne à defesa de outros direitos, à qual se
refere o n.º 4 do artigo 20.º da CRP». Por isso, nesse Acórdão n.º 542/2004 se
decidiu não julgar inconstitucional a norma constante do artigo 411.º, n.ºs 1 e
3, do CPP, na interpretação segundo a qual não acresce o prazo de 10 dias a que
se refere o artigo 698.º, n.º 6, do CPC, em caso de recurso que tenha por
objecto a reapreciação da prova gravada.
A este propósito assinale‑se que, no recente Acórdão n.º
9/2005, do plenário das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça, de
11 de Outubro de 2005 (Diário da República, I Série‑A, n.º 233, de 6 de Dezembro
de 2005, p. 6936), foi fixada a seguinte jurisprudência: «Quando o recorrente
impugne a decisão em matéria de facto e as provas tenham sido gravadas, o
recurso deve ser interposto no prazo de quinze dias, fixado no artigo 411.º, n.º
1, do Código de Processo Penal, não sendo subsidiariamente aplicável em
processo penal o disposto no artigo 698.º, n.º 6, do Código de Processo Civil».
Tal conclusão fundou‑se no entendimento de que o actual regime legal de recursos
em processo penal constitui um sistema autónomo, inexistindo lacuna que
justifique a aplicação da norma processual civil. A demonstração da
razoabilidade daquele regime, no que especificamente concerne à interposição e
motivação do recurso em que se questione a decisão da matéria de facto, assentou
essencialmente na explanação das finalidades específicas da motivação, por um
lado, e da gravação da prova e sua subsequente transcrição, por outro. Segundo
o aludido acórdão, «a motivação constitui (ou deveria constituir quando bem
compreendido o sistema) tão‑só a enunciação dos fundamentos do recurso com a
função de delimitar o respectivo objecto, podendo os recorrentes desenvolver a
fundamentação nas alegações, por regra a produzir oralmente na audiência no
tribunal de recurso – artigos 411.º¸ n.º 4, e 423.º do CPP». Já quanto à
gravação e transcrição, ponderou‑se no mesmo aresto:
«7. No caso de impugnação da decisão proferida em matéria de facto, o recorrente
deve especificar nas conclusões os pontos de facto que considera
incorrectamente julgados, as provas que impõem decisão diversa da recorrida, e
as provas que devem ser renovadas – artigo 412.º¸ n.º 3¸ alíneas a)¸ b) e c), do
CPP.
Quando as provas tenham sido gravadas, dispõe o n.º 4 do artigo 412.º, as
especificações previstas nas alíneas b) e c) do n.º 3 fazem‑se por referência
aos suportes técnicos, havendo lugar a transcrição.
Esta disposição, que descreve um iter procedimental para quando seja impugnada a
decisão sobre a matéria de facto, separa inteiramente dois momentos, partindo
do pressuposto e da função da gravação da prova e dos respectivos suportes
técnicos e da função e finalidade da transcrição das provas gravadas.
A gravação da prova, enquanto meio que permite a constituição de uma base para a
reapreciação da decisão em matéria de facto pelo tribunal de recurso, obedece a
modos regulamentados de execução constantes dos artigos 3.º a 9.º do Decreto-Lei
n.º 39/95, de 15 de Fevereiro.
Dos procedimentos regulados quanto ao modo como se efectua a gravação resulta
que os suportes técnicos (fitas magnéticas ou outros suportes contendo a
gravação) devem ser colocados pelo tribunal à disposição das partes no prazo
máximo de oito dias a contar da respectiva diligência.
Deste modo, é a tais suportes técnicos (fitas gravadas ou outros) que a lei se
refere no artigo 412.º, n.º 4, do CPP, e não a quaisquer transcrições da prova
gravada; a especificação das provas que no entender do recorrente impõem
decisão diversa e das provas que devem ser renovadas não é feita por referência
à transcrição, mas por referência aos suportes técnicos donde consta a gravação
das provas.
E como decorre da lógica imediata da sequência dos procedimentos, só após tal
identificação e na estrita medida da referência feita, é que se procederá à
transcrição do que for relevante – não transcrição de toda a prova, mas apenas
dos elementos que sejam previamente identificados e referidos pelo recorrente
no cumprimento do ónus de especificação que lhe impõe a referida norma do artigo
412.º, n.º 4, do CPP.
A transcrição é um acto posterior que incumbe ao tribunal efectuar (cf. Acórdão
de Fixação de Jurisprudência n.º 2/2003, de 16 de Janeiro de 2003¸ in Diário da
República, I Série‑A, de 30 de Janeiro de 2003) nos termos e na medida
delimitada previamente pelo recorrente, e destina‑se a permitir (rectius, a
facilitar) ao tribunal superior a apreciação, nos limites do recurso, da prova
documentada.
Mas, sendo assim, a oneração ou tarefa complementar (e posterior) da
transcrição rigorosamente nada tem a ver com o prazo de recurso; é‑lhe
posterior, e pressupõe mesmo que esteja definido o objecto do recurso na
motivação, e consequentemente interposto o recurso em devido tempo.
Esta interpretação, que resulta da simples descrição das sequências
procedimentais, é inteiramente compatível com o respeito pelas exigências
impostas pelo respeito dos prazos do recurso.
Com efeito, como dispõe o artigo 7.º do Decreto‑Lei n.º 39/95, de 15 de
Fevereiro, o tribunal facultará cópia das gravações, devendo o mandatário, com a
solicitação da cópia, fornecer as fitas magnéticas necessárias; a resposta do
tribunal, no prazo máximo que a lei impõe (oito dias) harmoniza‑se por modo
adequado com o exercício do direito ao recurso nos prazos fixados, sendo que, em
caso de demora na disponibilidade das cópias, o interessado sempre disporá da
faculdade de invocar justo impedimento. No rigor das coisas, os elementos
necessários à impugnação da matéria de facto – suportes materiais da prova
gravada – podem estar à disposição do recorrente desde o início do prazo para a
interposição do recurso.
E semelhante interpretação tem caução de constitucionalidade (cf., por todos, o
Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 542/2004, de 15 de Julho de 2004 – proc.
n.º 609/04).
(...)
9. (...)
Como se referiu, o regime estabelecido em processo penal
relativo aos procedimentos de impugnação da decisão em matéria de facto,
revela‑se coerente, com inteira autonomia, e não apresenta qualquer espaço
vazio; é um sistema que, nos termos descritos, funciona completamente por si,
na previsão, nos procedimentos e nos resultados da sua execução.
Apresentando‑se como regime completo, que funciona com
autonomia, e que permite realizar, por inteiro, e de modo razoável e
constitucionalmente capaz, a função para que foi concebido, não há espaços não
regulados que necessitem de complemento; não deixando espaços de regulamentação
em aberto que importe preencher, não existe, pois, lacuna de regulamentação.
E na sua completude é diverso, em momentos essenciais, do
regime relativo à impugnação da matéria de facto em processo civil, e uma tal
diversidade remete para o plano do legislador e não da pauta valorativa da lei.
No processo civil, com efeito, e para além do diverso prazo de
interposição (artigo 685.°, n.° l, do Código de Processo Civil), e das
diferentes modalidades para a apresentação dos fundamentos, a indicação dos
concretos meios de prova em que se funda (‘passagens da gravação’ – artigo
690.°‑A, n.º 2, do CPC) é feita por referência à transcrição.
Por outro lado, a motivação em processo penal, que tem de ser
apresentada no prazo de interposição, constitui, quando bem interpretada na
sua função e finalidade processual, apenas uma delimitação do objecto do recurso
e a enunciação dos fundamentos, sendo o desenvolvimento dos fundamentos do
recurso objecto de intervenções posteriores, seja nas alegações na audiência,
seja, quando o recorrente o requeira, em alegações escritas.
A sequência da evolução legislativa dos modelos de recurso no
processo civil e no processo penal revela que evoluíram de modo autónomo
relativamente à admissibilidade, natureza e modo de concretização do recurso
em matéria de facto.
O recurso em matéria de facto no regime do CPP/87 era
admitido mediante a reapreciação através da documentação das declarações
prestadas em audiência nos casos de julgamento perante tribunal singular, ou
com a renovação da prova.
No processo civil, foi apenas com a Reforma de 1995
(Decreto‑Lei n.º 329‑A/95, de 12 de Dezembro) que a lei admitiu o recurso em
matéria de facto com base em suportes gravados, mas sem aplicação, porque os
regimes eram diversos, ao processo penal.
A Reforma do processo penal de 1998, visando dar maior
eficácia à garantia do duplo grau de jurisdição em matéria penal (a revisão
constitucional de 1997 expressamente constitucionalizou o direito ao recurso
como uma das garantias de defesa – artigo 32.º, n.º 1, in fine), permitiu o
recurso em matéria de facto de decisões do tribunal colectivo, tendo por base o
suporte das provas gravadas, fixando‑lhe o respectivo regime de interposição –
as especificações da motivação referidas no artigo 412.º, n.º 3, do CPP. E, em
coerência de tempos, a lei aumentou o prazo de interposição de recurso de dez
para quinze dias.
Se nesse momento o legislador não unificou ou aproximou os
regimes no que respeita à identidade de prazos de interposição do recurso,
limitando‑se a alargar o prazo do recurso em processo penal, foi certamente
porque, atendendo às diferenças entre os modelos e aos diversos interesses em
confronto, não entendeu que fosse necessária, adequada ou justificada uma tal
identificação.»
Embora, em rigor, no presente recurso não esteja directamente
em causa a divergência interpretativa sobre que incidiu o Acórdão de fixação de
jurisprudência acabado de referir (isto é: a aplicabilidade aos recursos penais
da regra do acréscimo de 10 dias dos prazos para alegações estabelecidos no
artigo 698.º do CPC sempre que o recurso tenha por objecto a reapreciação da
prova gravada, mas antes a questão de saber se é constitucionalmente imposto que
o início do prazo de interposição e de motivação de recurso penal visando
(também) a matéria de facto, quando tenha havido gravação da prova, se conte
apenas a partir da data em que o tribunal disponibiliza ao recorrente a
transcrição dessa gravação), o certo é que as considerações nele tecidas sobre
a finalidade desta transcrição – facilitar ao tribunal superior a apreciação,
nos limites do recurso, da prova documentada, e já não habilitar o recorrente a
elaborar a sua motivação (que, bem compreendida, deve constituir tão‑só a
enunciação dos fundamentos do recurso, com a função de delimitar o respectivo
objecto, podendo o recorrente desenvolver a fundamentação nas alegações, orais
ou escritas, a produzir no tribunal ad quem – artigos 411.º, n.º 4, e 423.º, n.º
3, do CPP), pois para tal lhe basta, para lá da assistência e intervenção em
toda a audiência de julgamento e do conhecimento do teor integral da decisão
condenatória, o acesso às gravações da prova produzida (até porque é em relação
a estes suportes técnicos, e não à sua posterior transcrição, que devem ser
feitas as especificações exigidas nas alíneas b) e c) do n.º 3 do artigo 412.º
do CPP) – reforçam o juízo de razoabilidade do regime estabelecido que, na
sequência do Acórdão n.º 433/2002, se entende não poder ser reputado como
envolvendo uma limitação constitucionalmente intolerável do direito de recurso
em matéria penal.
(…)
Conclui‑se, assim, que, não tendo o recorrente solicitado,
podendo tê‑lo feito, o acesso à gravação da prova logo após a notificação da
sentença, e considerando‑se que com a possibilidade desse acesso o arguido
ficava em condições de exercitar – consciente, fundada e eficazmente – o seu
direito de recurso, nenhuma censura merece o juízo de não inconstitucionalidade
constante do acórdão recorrido.”
De acordo com esta orientação, conclui‑se
que não padece de inconstitucionalidade o critério normativo adoptado no
acórdão recorrido, confirmativo da decisão da 1.ª instância, que expressamente
declarou suspenso o prazo de interposição de recurso até ao dia da efectiva
disponibilização dos suportes contendo a gravação da prova produzida em
audiência, elementos estes tidos por suficientes para um consciente e eficiente
exercício do direito de recurso.
Improcede, assim, nesta parte, o presente
recurso.
2.5. Questão de constitucionalidade
reportada ao artigo 328.º, n.º 6, do CPP.
Tendo o recorrente alegado que entre as
sessões de audiência de julgamento de 26 de Janeiro de 2006 e de 29 de Março de
2006 haviam decorrido mais de 30 dias, o que violaria o disposto no artigo
328.º, n.º 6, do CPP, determinando ou a nulidade do julgamento ou a perda de
eficácia da prova produzida na sessão de 26 de Janeiro de 2006, sob pena de
inconstitucionalidade, por violação dos artigos 20.º, n.ºs 1 e 4, e 32.º, n.ºs 1
e 2, da CRP, de interpretação contrária daquele preceito, o acórdão recorrido
adoptou o entendimento de que aquela regra não é aplicável quando haja
documentação da prova produzida em audiência, mas apenas nos casos de “oralidade
pura”.
Como o próprio acórdão recorrido dá notícia,
existe divergência, ao nível dos tribunais comuns, quanto ao âmbito de aplicação
da segunda parte do n.º 6 do artigo 328.º do CPP (“O adiamento [da audiência de
julgamento] não pode exceder trinta dias. Se não for possível retomar a
audiência nesse prazo, perde eficácia a produção de prova já realizada.”),
registando‑se decisões que entendem que essa regra vale também nos casos em que
tenha existido documentação da prova produzida em audiência, e outras decisões
que reduzem a sua aplicabilidade aos casos de “oralidade pura”.
A referida norma constituiu uma inovação do
actual CPP, no contexto da afirmação do princípio da continuidade da audiência,
salientando os comentadores que ela “radica na oralidade e imediação da prova,
que se não pode esvanecer na mente dos julgadores” (M. Maia Gonçalves, Código
de Processo Penal Anotado, 14.ª edição, Coimbra, 2004, p. 642).
Não compete, como é óbvio, ao Tribunal
Constitucional pronunciar‑se sobre a correcção, ao nível da interpretação do
direito ordinário, da opção assumida pelo acórdão recorrido, mas tão‑só apreciar
se esse critério normativo, que é recebido como um dado da questão de
constitucionalidade suscitada, ofende, ou não, qualquer norma ou princípio
constitucionais.
Ora, não se vislumbra – nem o recorrente, em
rigor, consubstancia a imputação de inconstitucionalidade que formula – que
determine uma intolerável restrição do direito de acesso aos tribunais, do
direito a decisão em prazo razoável mediante processo equitativo, das garantias
de defesa do arguido, incluindo o direito de recurso, da presunção de inocência
do arguido ou do direito a ser julgado no mais curto prazo compatível com as
garantias de defesa (artigos 20.º, n.ºs 1 e 4, e 32.º, n.ºs 1 e 2, da CRP), o
entendimento de que não perde eficácia a prova produzida em audiência de
julgamento, que foi objecto de gravação, pela circunstância de se ter verificado
um intervalo de cerca de dois meses entre duas sessões desse mesmo julgamento.
As preocupações de celeridade seriam até afectadas se, em vez de se reconhecer
eficácia à prova produzida na sessão anterior à interrupção, se impusesse a
renovação de todo o julgamento ou a repetição dessa prova. E, por outro lado, a
existência de documentação de prova e a não desmesurada dilação entre as duas
sessões é de molde a afastar o risco de esvanecimento ou confusão na memória
dos intervenientes processuais das ocorrências verificadas na sessão anterior.
Como se salienta nas contra‑alegações do Ministério Público, existindo registo
integral, facilmente consultável, quer pelo tribunal, quer pelos sujeitos
processuais, da prova produzida em audiência, a interrupção, mesmo por período
temporal superior a 30 dias, das diligências probatórias, não é de molde a
afectar a correcta e adequada valoração final das provas.
Improcede, assim, esta última questão de
inconstitucionalidade suscitada pelo recorrente.
3. Decisão
Em face do exposto, acordam em:
a) Não conhecer das questões de
constitucionalidade reportadas aos artigos 61.º, n.º 1, alínea e), 62.º, n.º 2,
64.º, n.º 1, alínea b), 308.º, n.º 2, e 283.º, n.º 3, alínea c), do Código de
Processo Penal e 31.º, n.º 2, alínea b), do Código Penal;
b) Não julgar inconstitucional a norma do
artigo 412.º, n.º 4, do Código de Processo Penal, interpretado no sentido de
não é obrigatório, para efeitos de interposição de recurso abrangendo também a
decisão da matéria de facto, o fornecimento pelo tribunal ao arguido da
transcrição da gravação da prova produzida em audiência de julgamento, bastando,
para esse efeito, a fornecimento dos suportes magnéticos dessa gravação;
c) Não julgar inconstitucional a norma da
segunda parte do n.º 6 do artigo 328.º do Código de Processo Penal, interpretado
no sentido de ser inaplicável nos casos em que existe documentação da prova
produzida em audiência; e, consequentemente,
d) Negar provimento ao recurso, confirmando
o acórdão recorrido, na parte impugnada.
Custas pelo recorrente, fixando‑se a taxa de
justiça em 25 (vinte e cinco) unidades de conta.
Lisboa, 25 de Setembro de 2007.
Mário José de Araújo Torres
Benjamim Silva Rodrigues
João Cura Mariano
Joaquim de Sousa Ribeiro
Rui Manuel Moura Ramos