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Processo n.º 658/07
3ª Secção
Relatora: Conselheira Ana Guerra Martins
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I – RELATÓRIO
1. Notificada da decisão pela qual se decidiu, em forma sumária, não
conhecer do objecto do recurso interposto para este Tribunal, a EP – ESTRADAS DE
PORTUGAL vem requerer ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 669º do Código
de Processo Civil [CPC], aplicável “ex vi” artigo 69º da Lei do Tribunal
Constitucional [LTC], a reforma da decisão na parte em que estipula a sua
condenação em custas, por entender estar delas isenta, nos seguintes termos:
“1º
Na referida decisão, quanto a custas, decidiu-se custas pela recorrente.
2.°
Acontece que a recorrente é a EP, E.P.E., resultante da transformação do IEP —
instituto público o qual, por sua vez, através do DL 227/2002 de 30.10, tinha
integrado por fusão o ICOR e do ICERR, tendo estes sido extintos (Artº 1)
3º
Ora, de acordo com o preceituado nos Art.° 1 e Art.° 2.° do DL 239/2004 de 21 de
Dezembro, diploma que operou a transformação do Instituto das Estradas de
Portugal em EP — Estradas de Portugal, Entidade Pública Empresarial, a EP sucede
ao IEP, conservando a universalidade dos direitos e obrigações, legais e
contratuais, que integram a sua esfera jurídica no momento da transformação,
assumindo automaticamente todos os direitos e obrigações do IEP no presente
processo.
4º
Contudo, e à semelhança do que acontecia antes da transformação do IEP, a EP
encontra-se nestes autos isenta de custas.
5º
Refere-se no Art.° 16 do DL. 324/2003, aplicável por força dos artigos 3.º e 4.º
do DL 303/98 de 07 de Outubro, que a entrada em vigor deste diploma verificou-se
em 01.01.2004 e estipula o Art.° 14.° n.º 1 que as alterações ao CCJ constantes
do referido DL 324/03 só se aplicam aos processos instaurados após a sua entrada
em vigor, ao que acresce que o caso em apreço não consta das excepções referidas
nos n.°s 2 e 3 do mesmo artigo.
6º
Assim sendo, como é, porque o presente processo deu entrada em juízo ainda em
2001, são inaplicáveis neste processo as alterações decorrentes do DL 324/2003
de 27.12.
7º
Ora, a EP é uma entidade pública empresarial, dotada de personalidade jurídica,
autonomia administrativa e financeira e património próprio (Art.° 3 n.º 1 do DL
239/2004 de 21.12 e Art.º n.º 1 dos seus Estatutos) e representa o Estado como
autoridade nacional de estradas em relação às infra-estruturas rodoviárias
concessionadas e não concessionadas (Art.º 6.° n.º1 do DL 227/2002 de 30.10).
8º
Para o exercício das suas atribuições, a EP detém poderes, prerrogativas e
obrigações conferidos ao Estado pelas disposições legais e regulamentares
aplicáveis quanto aos processos de expropriações, nos termos previstos no
respectivo Código (Art.º 8 n.º 3 alínea a) do DL 239/04).
9º
Por sua vez o Estado, incluindo os seus serviços ou organismos ainda que
personalizados, está isento de custas, nos termos do Art.º 2 n.° 1 alínea a) do
CCJ, pelo que aquela entidade também o está, sendo que esta é uma entidade,
dotada de personalidade jurídica, autonomia administrativa e financeira e
património próprio, sujeita à tutela e superintência do Ministro das Obras
Públicas, Transportes e Comunicações (ART° 7º do DL 239/04 e Art.° 1 dos seus
Estatutos anexos ao referido DL).
Termos em que, por determinação do disposto no art.° 4 do DL 303/98, se requer a
V. SA. a reforma da aludida decisão, quanto a custas, devendo nele ficar a
constar “sem custas, por delas estar isenta a EP, E.P.E.”
2. Por sua vez, o representante do Ministério Público neste Tribunal
é da seguinte opinião:
“Está em causa uma isenção subjectiva de custas, aplicável no domínio dos
recursos de fiscalização concreta.
Ora, atenta a data em que se mostra iniciado o presente processo de
expropriações e a disposição de decreto transitório que condiciona a plena
vigência do actual CCJ, afigura-se assistir razão à entidade reclamante.” (fls.
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II. FUNDAMENTAÇÃO
3. O regime de custas no Tribunal Constitucional está definido no artigo 84º da
Lei do Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82 de 15 de Novembro), regulamentado
pelo Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de Outubro. Quanto a isenções, o n.º 1 do
artigo 4º do aludido Decreto-lei n.º 303/98, de 07 de Outubro, determina que é
'aplicável, quanto à isenção de custas no Tribunal Constitucional, o disposto no
artigo 2º do Código das Custas Judiciais'.
Sucede que a actual redacção do artigo 2º do Código das Custas Judiciais não
inclui a recorrente no âmbito subjectivo de isenção nele prevista. Porém,
conforme bem nota a recorrente, a actual redacção daquela norma apenas entrou em
vigor, em 01 de Janeiro de 2004, por força do artigo 16º do Decreto-Lei n.º
324/2003, que alterou o Código das Custas Judiciais. Ora, nos termos do artigo
14º do mesmo diploma, as alterações legislativas então introduzidas apenas se
aplicam aos processos instaurados após a sua entrada em vigor.
Com efeito, até 01 de Janeiro de 2004 vigorava a redacção originária do Código
das Custas Judiciais (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 224-A/96, de 26 de
Novembro), que, na respectiva alínea a) do n.º 2 determinava que “sem prejuízo
do disposto em lei especial, são unicamente isentos de custas: a) O Estado,
incluindo os seus serviços ou organismos, ainda que personalizados”.
4. A referência a “organismos, ainda que personalizados” foi necessariamente
entendida como aplicável aos institutos públicos que integram a administração
indirecta do Estado que, segundo FREITAS DO AMARAL, correspondem ao “conjunto
das entidades públicas que desenvolvem, com personalidade jurídica própria e
autonomia administrativa e financeira, uma actividade administrativa destinada à
realização dos fins do Estado” (ver, DIOGO FREITAS DO AMARAL, “Curso de Direito
Administrativo”, vol. I, 1994, Coimbra, p. 347). Nesse sentido inclusivo,
pronunciou-se SALVADOR DA COSTA, considerando que “O referido normativo, de
cariz inovador – não obstante a querela jurisprudencial relativa à isenção ou
não de diversas entidades públicas, como foi o caso, por exemplo do Instituto
Nacional de Pilotagem de Portos, do Fundo de Turismo e do IFADAP – abrange os
institutos públicos, designadamente os serviços personalizados do Estado,
fundações públicas e os estabelecimentos públicos” (cfr. SALVADOR DA COSTA,
“Código das Custas Judiciais – Anotado e Comentado”, 2ª edição, 1997, Coimbra,
p. 60).
5. Porém, através da Lei n.º 15/2002, de 02 de Fevereiro, a Assembleia da
República viria a aprovar, por unanimidade, um novo Código do Processo nos
Tribunais Administrativos que procedia precisamente à extinção da isenção do
Estado e das demais pessoas colectivas públicas no âmbito do processo
administrativo. Mais tarde, por força da nova redacção dada à alínea a) do n.º 1
do artigo 2º do CCJ, pelo Decreto-Lei n.º 324/2003, de 27 de Dezembro, a
extinção daquele regime de isenção de custas foi estendida ao processo civil,
ainda que o novo regime não tenha produzido, todavia, efeitos imediatos.
É que, nos termos do n.º 1 do artigo 14º do já referido Decreto-Lei n.º
324/2003, de 27 de Dezembro, estipulou-se que 'as alterações ao Código das
Custas Judiciais constantes deste diploma só se aplicam aos processos
instaurados após a sua entrada em vigor', ou seja, após 01 de Janeiro de 2004.
Deste quadro legal resulta, em suma, que a genérica isenção de custas de que
gozavam as entidades públicas terminou em 01 de Janeiro de 2004, mantendo-se,
excepcionalmente, quanto aos processos instaurados antes desta data.
6. Aplicando estas regras ao caso concreto, verifica-se que o processo de
expropriação que viria dar lugar aos presentes autos foi instaurado e autuado
junto do 1º Juízo Cível da Comarca de Gondomar, sob o Proc. n.º 1141/2001, em 28
de Junho de 2001, pelo que recai no âmbito de aplicação da norma transitória
supra referida. Assim, a redacção do artigo 2º do CCJ introduzida pelo
Decreto-Lei n.º 324/2003 não é aplicável ao presente recurso.
Acresce que, à data da instauração do processo expropriativo, por força do então
vigente artigo 1º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 237/99, de 25 de Junho, o IEP –
Instituto de Estradas de Portugal, o ICOR – Instituto para a Construção
Rodoviária e ICERR – Instituto para a Conservação e Exploração da Rede
Rodoviária (a quem a recorrente sucedeu nos direitos e obrigações, por força do
Decreto-Lei n.º 227/2002, de 30 de Outubro) eram considerados como “institutos
públicos dotados de autonomia financeira e património próprio, que ficam
sujeitos à tutela e superintendência do Ministro do Equipamento, do Planeamento
e do Ordenamento do Território”. Assim, nem sequer se justifica – como procurou
fazer a recorrente – invocar o Decreto-Lei n.º 239/2004, de 21 de Dezembro, na
medida em que este não vigorava à data da instauração do processo expropriativo
que deu lugar aos presentes autos.
Deste modo, sendo legalmente reconhecida como um “instituto público”, à data da
instauração do processo expropriativo, e tendo esse mesmo processo dado entrada
perante o 1º Juízo Cível de Gondomar, em 28 de Junho de 2001, ou seja, antes da
data de entrada em vigor da alteração ao CCJ que extinguiu a isenção de custas
genérica destinada aos Estado e às demais pessoas colectivas públicas, é forçoso
concluir que, nos presentes autos, a recorrente se encontra isenta do pagamento
de custas, por força da alínea a) do n.º 1 do artigo 2º do CCJ (na redacção
anterior ao Decreto-Lei n.º 324/2003), aplicável “ex vi” n.º 1 do artigo 4º do
Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de Outubro.
III - DECISÃO
Pelo exposto, procede o pedido formulado, pelo que se decide reformar a decisão
sumária reclamada quanto a custas, isentando, em conformidade, a recorrente de
quaisquer custas ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 2º do CCJ (na
redacção anterior ao Decreto-Lei n.º 324/2003), aplicável “ex vi” n.º 1 do
artigo 4º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de Outubro.
Sem custas.
Lisboa, 8 de Outubro de 2007
Ana Maria Guerra Martins
Vítor Gomes
Gil Galvão