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Processo n.º 494/07
3ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
1. Relatório
A., S.A. interpôs recurso por oposição de julgados de um anterior acórdão da
Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, o qual não
foi admitido, com fundamento no disposto no artigo 284º, n.º 1, do Código de
Procedimento e Processo Tributário (CPPT), por falta de individualização do
acórdão-fundamento.
A recorrente arguiu a nulidade do despacho de não admissão, que foi desatendida,
e reclamou depois para a conferência, que, por acórdão de 29 de Novembro de
2006, manteve o despacho reclamado.
A., S.A. requereu seguidamente a reforma do acórdão, ao abrigo do disposto no
artigo 669º, n.º 2, do Código de Processo Civil (CPC), tendo, entre o mais,
sustentado a inconstitucionalidade (por violação do princípio da tutela judicial
efectiva) da interpretação restritiva do artigo 284º do CPPT que, do seu ponto
de vista, havia sido feita naquele aresto.
Por acórdão de 7 de Fevereiro de 2007, o Supremo Tribunal Administrativo
indeferiu o pedido de reforma do acórdão, por considerar que a situação
denunciada não se reconduzia à previsão do artigo 669º, n.º 2, do CPC, tendo
nomeadamente sublinhado que “não se está aqui a fazer qualquer interpretação
restritiva do disposto no artigo 284º do CPPT, mas simplesmente a cumprir o aí
determinado, o que em nada contraria o princípio constitucional da tutela
judicial efectiva”.
A., S.A. interpôs, por fim, recurso para o Tribunal Constitucional, por
requerimento do seguinte teor:
A., SA, recorrente nos autos à margem identificados, notificada do acórdão de 7
de Fevereiro de 2007, interpõe recurso para o Tribunal Constitucional na
conformidade com o disposto no artigo 75º-A da Lei nº 28/82, na redacção da Lei
nº 13-A/98.
Tendo o recurso sido admitido, no tribunal recorrido, por despacho de fls. 344,
no Tribunal Constitucional, o relator proferiu despacho de aperfeiçoamento nos
seguintes termos:
Notifique a recorrente para dar integral cumprimento ao disposto no artigo 75º-A
da Lei do Tribunal Constitucional, designadamente mediante a indicação das
especificações constantes do n.º 1 desse artigo, sob pena de o recurso ser
julgado deserto (artigo 75º-A, n.º 7, da Lei do Tribunal Constitucional).
A recorrente veio dar cumprimento ao convite, dizendo que o recurso era
interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal
Constitucional, e que pretendia que o Tribunal Constitucional apreciasse a norma
contida no artigo 284º do CPPT, “na restritiva dimensão normativa encontrada e
aplicada pelo acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 7 de Fevereiro de
2007»; identificando ainda como norma ou principio constitucional violado «a
garantia aos administrados de tutela jurisdicional efectiva dos seus direitos ou
interesses legalmente protegidos (artigo 268°, n° 4, da Constituição)».
Ao abrigo do disposto no artigo 78º-A, n.º 1, da Lei do Tribunal Constitucional,
o relator proferiu decisão sumária de não conhecimento do recurso, com os
seguintes fundamentos:
Na resposta ao despacho de aperfeiçoamento, persiste a recorrente em não
identificar o objecto do presente recurso de constitucionalidade, sendo certo
que não explicita a interpretação do artigo 284º do CPPT que, do seu ponto de
vista, teria sido adoptada pelo tribunal recorrido, e que pretende que o
Tribunal Constitucional aprecie.
Não respondeu, portanto, a recorrente ao convite que lhe foi efectuado nos
termos do artigo 75º-A, n.º 6, da Lei do Tribunal Constitucional, pelo que deve
considerar-se como não devidamente especificada a questão de
inconstitucionalidade que se pretende submeter à apreciação do Tribunal
Constitucional, e, como tal, como não preenchido o pressuposto processual a que
se reporta o artigo 75º-A, n.º 1, dessa Lei.
Acresce que, tendo o presente recurso sido interposto do acórdão de 7 de
Fevereiro de 2007, é manifesto que, neste acórdão, não foi aplicada nenhuma
interpretação reportada ao artigo 284º do CPPT (sendo que a aplicação, na
decisão recorrida, da norma ou interpretação normativa que se submete à
apreciação do Tribunal Constitucional constitui pressuposto processual dos
recursos interpostos ao abrigo do artigo 70º, n.º 1, alínea b), da Lei do
Tribunal Constitucional).
Com efeito, nos termos do artigo 666º, n.º 1, do CPC, o poder jurisdicional do
Supremo Tribunal Administrativo, quanto à questão da admissibilidade do recurso
por oposição de acórdãos, havia-se extinguido com a prolação do acórdão de 29 de
Novembro de 2006: no acórdão ora recorrido apenas foi, assim, aplicada a norma
do artigo 669º, n.º 2, do CPC.
Não pode portanto conhecer-se do objecto do recurso, também por não ter sido
aplicada, na decisão recorrida, a interpretação normativa (qualquer que ela
seja) que a recorrente submete à apreciação do Tribunal Constitucional.
A recorrente veio então reclamar para a conferência nos termos que seguem:
A decisão reclamada assenta em equívoco, com o devido respeito, porquanto o
presente recurso de constitucionalidade versa sobre a interpretação normativa do
artigo 284° do Código de Procedimento e Processo Tributário aplicada pelo
acórdão de 7 de Fevereiro de 2007.
Com efeito, lê-se no requerimento de 16 de Dezembro de 2006:
1) O teor dos acórdãos fundamento é auto-explicativo, sobretudo para V.Exas.
2) A porventura insuficiente precisão da recorrente na identificação entre o
teor e a questão jurídica contida em cada um não pode servir de fundamento à,
pura e simples, recusa de um recurso — sem que, ademais, a recorrente tenha sido
convidada a esclarecer esta questão surpresa.
3) Uma tal interpretação restritiva do disposto no artigo 284º do CPPT é
inconstitucional, por contrariar o princípio da tutela judicial efectiva.
E lê-se no acórdão recorrido de 7 de Fevereiro de 2007:
“Não se está aqui a fazer qualquer interpretação restritiva do disposto no
artigo 284º do CPPT mas simplesmente a cumprir o aí determinado, o que em nada
contraria o princípio jurisdicional da tutela judicial efectiva” assim se
desfazendo o equívoco.
Por outro lado, salvo o devido respeito, é inadmissível recusar o conhecimento
do recurso com fundamento no esgotamento do poder jurisdicional do STA: quem tem
poder jurisdicional para reformar um acórdão não pode ser admitido a aplicar
normas interpretadas em violação da Constituição por ter visto esgotado o
respectivo poder jurisdicional. Abrir-se-ia a porta àquilo que não deve poder
entrar nem pela janela.
Pode, pois, tomar-se conhecimento do presente recurso de constitucionalidade.
2. Fundamentação
A reclamante sustenta que não existe motivo para o não conhecimento do recurso
de constitucionalidade porquanto se encontra suficientemente explicitada a
questão que nele se pretende analisar e que, segundo afirma, versa sobre a
interpretação normativa do artigo 284° do Código de Procedimento e Processo
Tributário aplicada pelo acórdão de 7 de Fevereiro de 2007.
Para demonstrar que a questão de constitucionalidade está devidamente
identificada, a reclamante alude ao requerimento de 16 de Dezembro de 2006, pelo
qual havia deduzido o pedido de reforma de acórdão, e em que alega que «a
insuficiente precisão da recorrente na identificação entre o teor e a questão
jurídica contida em cada um [dos acórdãos-fundamento] não pode servir de
fundamento à, pura e simples, recusa de um recurso — sem que, ademais, a
recorrente tenha sido convidada a esclarecer esta questão surpresa» e que «uma
tal interpretação restritiva do disposto no artigo 284º do CPPT é
inconstitucional, por contrariar o princípio da tutela judicial efectiva».
O ponto é que, como decorre com evidência do disposto no artigo 75º-A da Lei do
Tribunal Constitucional, é no requerimento de interposição de recurso para o
Tribunal Constitucional que terá de ser indicada a alínea do n.º 1 do artigo 70º
ao abrigo do qual o recurso é interposto e a norma cuja inconstitucionalidade ou
ilegalidade se pretende que o Tribunal aprecie. E, por outro lado, atento o que
preceitua o citado artigo 70º, na alínea b) do n.º 1, constitui pressuposto
processual do recurso que a decisão recorrida aplique a norma cuja
inconstitucionalidade haja sido suscitada no processo.
Tal significa que o recorrente carece de indicar no requerimento de interposição
do recurso de constitucionalidade a norma ou interpretação normativa que
considera ferida de inconstitucionalidade, além de que deverá demonstrar a
existência de outros pressupostos processuais, tais como a aplicação, pelo
tribunal recorrido, da norma ou interpretação normativa que está em causa, bem
como a suscitação, no decurso do processo, da questão de inconstitucionalidade.
Ora, no caso vertente, no requerimento de resposta ao convite do tribunal, a
recorrente limitou-se a declarar que pretendia que o Tribunal Constitucional
apreciasse a norma contida no artigo 284º do CPPT, “na restritiva dimensão
normativa encontrada e aplicada pelo acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
de 7 de Fevereiro de 2007». Ou seja, a recorrente não identifica minimamente
qual é a interpretação normativa que está inquinada de inconstitucionalidade e
remete apenas para uma interpretação que poderá encontrar-se ou terá sido
aplicada no acórdão recorrido.
Não resolve o problema da identificação da questão de constitucionalidade o
facto de a recorrente ter invocado, numa anterior peça processual, que a
exigência de individualização dos acórdãos-fundamento poderá representar uma
interpretação restritiva do disposto no artigo 284º do CPPT que contraria o
princípio da tutela judicial efectiva. Na verdade, os requisitos formais do
recurso de constitucionalidade terão de constar do próprio requerimento de
interposição de recurso e só aí poderá ser identificada a questão que se
pretende ver analisada pelo Tribunal Constitucional. A referência a anteriores
peças processuais só releva para efeito de se demonstrar que se encontram
preenchidos os demais pressupostos processuais, incluindo a suscitação, durante
o processo (e, portanto, em momento anterior à interposição do recurso) da
questão de constitucionalidade.
Acresce que não basta – como se deixou já esclarecido – a indicação da norma ou
interpretação normativa que se entende ser inconstitucional, mas também a prova
que essa norma ou interpretação normativa foi efectivamente acolhida pelo
tribunal recorrido.
Ora, como se referiu já na precedente decisão sumária, o acórdão do Supremo
Tribunal Administrativo de 7 de Fevereiro de 2007, incidiu sobre um pedido de
reforma de acórdão que foi deduzido pela recorrente, ao abrigo do disposto no
artigo 669º, n.º 2, do Código de Processo Civil, com fundamento na existência de
lapso manifesto. O acórdão recorrido, indeferindo o incidente, limitou-se,
portanto, a reconhecer que não foi cometido o alegado lapso manifesto, pelo que
a norma que, em primeira linha, foi objecto de aplicação foi a do citado artigo
669º, n.º 2, do Código de Processo Civil, de tal modo que só indirectamente é
que se poderá entrever no texto da decisão recorrida uma aplicação da norma do
artigo 284º, n.º 1, do Código de Procedimento e Processo Tributário.
Isto é, mesmo que se considere admissível que a norma ou interpretação normativa
que se entende constituir objecto de recurso possa ser identificada através de
cruzamento de informações provenientes de diferentes peças processuais – o que é
inteiramente contrário à ideia de segurança jurídica e não encontra o mínimo de
apoio no teor literal do artigo 75º-A da Lei do Tribunal Constitucional –, a
verdade é que não está suficientemente explicitada, no caso, uma interpretação
normativa referenciada ao artigo 284º do CPPT, tanto que o acórdão não teve em
vista a apreciação dos requisitos do recurso de oposição de acórdãos (que
poderia convocar a análise pormenorizada dessa disposição), mas o invocado
pedido de reforma de acórdão.
3. Decisão
Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, decide-se indeferir a reclamação e
confirmar a decisão reclamada.
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC.
Lisboa, 9 de Outubro de 2007
Carlos Fernandes Cadilha
Maria Lúcia Amaral
Gil Galvão