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Processo nº 130/07
2ª Secção
Relator: Conselheiro João Cura Mariano
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
Relatório
A. foi condenado no processo nº 34/02.0TACPV, do Tribunal Judicial de Castelo de
Paiva, por sentença proferida em 24/01/2005, no que agora releva, pela prática
de um crime de difamação agravada, p.p. pelos artº 180, nº 1, 183, nº 2, e 184º,
com referência aos artº 132º, nº 2, j), e 368º, nº 1, c), do C.P., e pelo artº
30º, nº 1, da Lei 2/99, de 13/01, na pena de 310 dias de multa, à taxa diária de
€. 15.
O arguido interpôs recurso desta sentença para o Tribunal da Relação do Porto.
Em 28-6-2006 foi proferido acórdão pelo Tribunal da Relação do Porto que negou
provimento ao recurso interposto.
Deste acórdão recorreu o arguido para o Tribunal Constitucional, tendo
apresentado requerimento com o seguinte teor, após ter sido convidado a
explicitar as dimensões normativas impugnadas:
“O presente recurso tem como objecto a apreciação da conformidade
constitucional dos artigos 13°, 31°/2/b) e 180° do Código Penal, em duas
dimensões interpretativas, que o recorrente considera terem sido perfilhadas
pelo Tribunal da Relação do Porto, que constituíram a ratio decidendi do
acórdão recorrido
As dimensões interpretativas constantes do acórdão recorrido, e questionadas
pelo recorrente, com fundamento em violação dos artigos 2°, 3°, 18°, 37° e 38°,
n° 2, al. a) da CRP, são as seguintes:
a) inaplicabilidade das circunstâncias previstas como causa de exclusão da
ilicitude no n° 2, do artigo 180°, do CP, aos casos em que a ofensa à honra e
consideração de terceiros decorram de juízos valorativos, e não de factos hoc
sensu, ainda que tais juízos sejam acompanhados da referência ou menção desses
mesmos factos, por 'impossibilidade de preenchimento da condição da alíena b)'
(do n° 2 do artigo 180° do CP).
b) a formulação de juízos valorativos desonrosos, ao contrário da imputação de
factos desonrosos, não se encontram justificados ex vi artigo 31°/2/b) do CP
pelos princípios constitucionais da liberdade de expressão e opinião, uma vez
que essa formulação de um juízo desonroso, ainda que acompanhado da menção dos
factos, não pode ser justificado pelo interesse da livre discussão das questões
políticas quanto manifestação da liberdade de expressão.
c) Existe sempre conduta dolosa, nos termos do artigo 13° do CP, não sendo de
ponderar a existência ou inexistência de dolo (ainda que não forma de dolo
genérico) sempre que a ofensa à honra de terceiros seja feita através de juízos
valorativos). Ou de outro modo: a formulação de juízos valorativos desonrosos
(ao contrário da imputação de factos) determina sempre a existência de uma
conduta dolosa e a inerente verificação desse elemento típico do crime.
d) O direito ao bom nome e reputação prevalece sobre o direito de opinião e
liberdade de expressão sempre que estejam em causa a formulação de juízos
valorativos desonrosos feitas a políticos, com ou sem concomitante menção dos
respectivos factos.
O Recorrente não suscitou a questão da constitucionalidade quanto a estas duas
últimas determinações normativa, porquanto não teve oportunidade processual para
o fazer (uma vez que a questão apenas foi levantada no Acórdão recorrido, e não
antes), apenas tendo podido fazê-lo por antecipação, o que é um ónus que o
Recorrente não tem”.
Apresentou alegações de recurso, com as seguintes conclusões:
“A. A decisão recorrida partiu da consideração de que as afirmações de A.
constituem a se um juízo valorativo sobre o Assistente, o que constitui um
exercício (inconstitucional) de desvalorização e negação do direito do
recorrente à prova da verdade dos factos como forma de demonstração de que
existiu uma causa de justificação concreta para ter escrito o que escreveu,
negando-se ao Recorrente o direito processual, e de defesa, de ver a questão da
reapreciação da prova (re)apreciada e, por via dela, a matéria de facto provada
alterada.
B. É inconstitucional a determinação contida na norma do art. 180º do CP
aplicada como ratio decidendi no sentido defendido da inaplicabilidade das
circunstâncias previstas como causa de exclusão da ilicitude no nº 2 do artigo
180º do CP aos casos em que a ofensa à honra e consideração de terceiros
decorram de juízos valorativos, e não de factos hoc sensu, ainda que tais juízos
sejam acompanhados da referência ou menção desses mesmos factos, por
“impossibilidade de preenchimento da condição da alínea b)” (do nº 2 do artigo
180º do CP).
C. O que o Recorrente fez no seu artigo de jornal foi uma apreciação relativa à
existência de uma coisa – a mentira do Assistente ao Parlamento – constituindo,
portanto, uma afirmação sobre uma realidade exterior, sem que se possa dizer que
existe apenas um juízo valorativo quando, a par daquilo que o Tribunal entendeu
ser o juízo valorativo, foi referida factual e circunstanciadamente a mentira em
causa – a mentira ao Parlamento.
D. Na verdade, a expressão aldrabão, porque acompanhada da descrição factual – a
mentira ao Parlamento – contém-se, em si própria, neste caso, à conduta do
Assistente enquanto político que, naquele caso concreto. O texto em questão não
faz qualquer qualificação de carácter do Recorrido, nem dele decorre qualquer
leitura valorativa sobre a pessoa do Assistente para além do que decorre da
própria mentira ao Parlamento por si praticada.
E. Ora, ao contrário do pugnado pelo Tribunal recorrido, mesmo que a afirmação
do Recorrente fosse apenas aquela – um juízo valorativo –, ainda assim impõem os
princípios constitucionais da liberdade de expressão e livre crítica uma leitura
do regime do artigo 180º do CP que consinta a prova da verdade material como
causa de exclusão da ilicitude.
E. Não faz nenhum sentido constitucional, face à não prevalência ou hierarquia
(constitucional) entre o direito à liberdade de expressão e o direito ao bom
nome e reputação, que seja feita uma interpretação restritiva do regime do
artigo 180º do CP, para protecção do direito ao bom nome, em detrimento da
liberdade de expressão, que consente realmente ofensas se, e quando, essas estão
justificadas pela verdade das mesmas.
G. Ainda que assim não se entenda, deve considerar-se que a causa de
justificação da exceptio veritatis é aplicável aos juízos de valor sempre que,
como no caso dos autos, estes juízos valorativos são acompanhados da descrição
dos factos em que aqueles juízos valorativos se baseiam (como ademais ficou
provado nos autos), permitindo aos destinatários (leitores) descodificar a
mensagem (a ofensa) e fazerem eles próprios um juízo valorativo sobre a mesma.
H. Sempre que a expressão ofensiva contém, em si, ou também, a descrição factual
que permite ao destinatário a sua descodificação e apreensão factual em que se
baseia, não pode ser recusada a admissão da exceptio veritatis como cláusula de
exclusão da ilicitude, sob pena desta leitura da norma penal violar o direito
constitucional à liberdade de expressão e liberdade de informação.
I. Em casos como este tem de se considerar aplicável a causa de justificação
prevista no art. 180º do CP da exceptio veritatis e qualquer interpretação do
mesmo que não a admita e a declare inaplicável face a juízos de valor é ilegal e
inconstitucional, violando o princípio da legalidade e da unidade do sistema
jurídico. E o direito de liberdade de expressão.
J. O art. 180º, nº 2 do CP não estabelece nenhuma diferença conceptual entre
imputação ou juízo de valor. Viola a Constituição afirmar que o direito à
liberdade de expressão fica tolhido quando se tenha produzido um juízo de valor
(a admitir que assim seja) e que, por essa razão, deixa a lei de admitir a prova
da verdade da imputação.
L. Ainda que assim não fosse, sempre teria que se considerado ter o Recorrente
fundamento sério para reputar tal imputação por verdadeira, quando, como sucedeu
in casu, todos os jornais da praça, televisões e (até) deputados que integravam
a Comissão de Inquérito disseram e concluíram o mesmo!
Norma que o Tribunal recorrido também recusou aplicação, em análogo exercício
inconstitucional.
M. Existe uma inconstitucionalidade normativa na interpretação feita, e que foi
usada como ratio decidendi, da insusceptibilidade da exceptio veritatis
constituir causa de exclusão da ilicitude (ex vi art. 180º do CP) quanto a
juízos valorativos, simples ou acompanhados da descrição dos factos, feitos
sobre terceiros e ofensivos da sua honra e consideração não poderem ser julgados
justificados face à prova da sua verdade material, assim como o sentido e
alcance da norma do art. 180º do CP na parte em que a mesma prevê a não
punibilidade da conduta. Os arts. 2º, 3º, 18º, 37º e 38º, nº 2, al. a) da CRP,
10º da Convenção Europeia para os Direitos do Homem não consentem esta
interpretação normativa.
N. A defendida inaplicabilidade das circunstâncias previstas como causa de
exclusão da ilicitude no nº 2 do artigo 180º do CP aos casos em que a ofensa à
honra e consideração de terceiros decorram de juízos valorativos, e não de
factos hoc sensu, ainda que tais juízos sejam acompanhados da referência ou
menção desses mesmos factos, por “impossibilidade de preenchimento da condição
da aliena b)” (do nº 2 do artigo 180º do CP) é, pois, inconstitucional.
O. A decisão recorrida afirmou e aplicou o princípio de que a formulação de
juízos valorativos desonrosos, ao contrário da imputação de factos desonrosos,
não se encontram justificados ex vi artigo 31º/2/b) do CP pelos princípios
constitucionais da liberdade de expressão e opinião, uma vez que essa
formulação de um juízo desonroso, ainda que acompanhado da menção dos factos,
não pode ser justificado pelo interesse da livre discussão das questões
políticas quanto manifestação da liberdade de expressão.
P. O que o Recorrente afirmou trata-se do exercício do direito à crítica e da
liberdade de expressão, garantidos maxime pelos arts. 37º, 38º, nº 2, al. a) da
CRP, 10º da Convenção Europeia para os Direitos do Homem, e dentro dos seus
limites, sendo certo que nunca o Recorrente pretendeu ofender o bom nome e
consideração do Assistente com a publicação do artigo em questão.
Q. A formulação de um juízo desonroso, acompanhado da menção dos factos, pode
ser justificado pelo interesse da livre discussão das questões políticas quanto
manifestação da liberdade de expressão.
Entendimento contrário tem por pressuposto que a Constituição prevê uma
hierarquia de valores entre o direito ao bom nome e a livre crítica, o que não é
verdade.
R. No caso em apreço, estão em discussão “questões de interesse comunitário” e a
verdade é que na crónica do Recorrente A. não se detectam o uso de expressões
“exclusivamente motivadas pelo propósito de caluniar, rebaixar e humilhar o
ofendido”, pelo que, no mínimo, deve “reconhecer-se uma presunção de licitude” à
sua acção.
S. Não vemos como se pode concluir que o Recorrente não agiu no âmbito da
liberdade de expressão e crítica e no exercício destes direitos
constitucionalmente consagrados.
O Recorrente mais não faz do que exercer um direito que tem (o do exercício
livre da sua opinião) e, como tal, deve ser considerado como lícita a sua
actuação, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 31º, nº 2, al. b) do
CP.
T. Nestes termos, a interpretação feita pelo Tribunal recorrido do art. 31º, nº
2 do CP é inconstitucional à luz dos arts. 37º, 38º, nº 2, al. a) da CRP, 10º da
Convenção Europeia para os Direitos do Homem.
U. Deveria, outrossim, ter interpretado a norma do art. 31º, nº 2, al. b) do CP
de modo que esta se visse conforme aos princípios e normas consagrados na
Constituição e vigentes na lei ordinária e, portanto, fosse admissível a
justificação do exercício do direito mesmo quando se formula uma juízo
valorativo feito sobre os actos políticos de um político, e acompanhada da
descrição do facto em que assenta o juízo.
E, assim, reputada por lícita e legítima a conduta do Recorrente porque no
exercício de direitos fundamentais como é inegavelmente a liberdade de
expressão.
V. Subjaz à decisão recorrida, como razão de decidir, o entendimento de que não
é de ponderar a existência ou inexistência de dolo (ainda que não forma de dolo
genérico) como elemento do tipo sempre que a ofensa à honra de terceiros seja
feita através de juízos valorativos, acompanhados ou não dos factos.
X. A reapreciação da prova permitiria designadamente ao Recorrente demonstrar a
inexistência de dolo na sua actuação nos termos do disposto no artigo 13º do CP.
Z. A prova da verdade material, através da reapreciação da prova da matéria de
facto, impõe-se ao Tribunal recorrido como obediência aos princípios
constitucionais da liberdade de expressão e informação. Princípios que impõem
que o Tribunal recorrido interprete as normas dos arts. 13º e 180º do CP no
sentido de que inexiste conduta dolosa sempre que o agente provar a verdade das
suas afirmações ainda que as mesmas integrem juízos valorativos acompanhados, ou
não, da descrição factual respectiva.
AA: Ora, viola o disposto nos artigos 2º, 3º, 18º, 37º e 38º, nº 2, al. a) da
CRP a definição feita deste princípio interpretativo ao artigo 13º do CP.
AB. Impõem estas normas constitucionais que o Tribunal recorrido considere que a
formulação de juízos valorativos desonrosos (ao contrário da imputação de
factos) não determina necessariamente a existência de uma conduta dolosa e a
inerente verificação desse elemento do tipo. Estando o Tribunal vinculado a
apreciar a verificação, ou não, do dolo, para efeitos de aplicação da norma do
artigo 180º do CP.
AC. A decisão recorrida entendeu que o direito ao bom nome e reputação prevalece
sobre o direito de opinião e liberdade de expressão sempre que estejam em causa
a formulação de juízos valorativos desonrosos feitas a políticos, com ou sem
concomitante menção dos respectivos factos.
AD. Assim não é.
AE. O escrito dos autos é um artigo de opinião, que tem por objecto actos de um
político no activo, que sofre de compressão nos seus direitos individuais em
virtude da especial posição que ocupam na sociedade. Versando a afirmação sobre
actos de natureza pública do político, e não actos da vida privada de um
político (por exemplo, fuga às suas obrigações fiscais, relacionamentos
extraconjugais) e, outrossim, formula um juízo sobre actos políticos de
natureza pública stricto sensu, praticados por alguém no exercício da sua função
pública aquela prevalência não se verifica.
AF. O texto em causa move-se naquilo que é o legítimo exercício da liberdade de
expressão e do direito à crítica, constitucionalmente garantidos ao Recorrente e
violados pela decisão recorrida.
A leitura que o tribunal recorrido faz do texto é uma leitura que esquece o
âmbito da intervenção cívica legítima e democrática e de polémica pública em que
o texto se insere.
AG. O comentário político e a liberdade de crítica dos actos públicos de um
político, e a sua leitura, consentem que sobre eles seja feito um juízo de valor
negativo como o dos autos, ainda que tal juízo seja forte, incisivo e constitua
um desvalor para o visado enquanto político (e este se sinta ofendido...),
porque completamente legítimo numa sociedade democrática onde a crítica e o
livre espírito são admissíveis.
AH. O acórdão recorrido nega que o exercício do direito à crítica consente o uso
de expressões carregadas, e até violentas e devastadoras, estando até o autor da
crítica liberto do dever de demonstrar a sua pertinência, isto é, de carrear
argumentos em fundamento da sua afirmação. Isto porque a nossa lei fundamental
tem subjacente a representação de que esta expressão da liberdade crítica tem
por destinatário cidadãos adultos e conscientes que são chamados a tomar posição
no debate de ideias numa sociedade democrática e livre e, portanto, são eles
próprios capazes de julgar e avaliar o que seja uma crítica afactual como a dos
autos.
AI. Por outro lado, deve reconhecer-se uma presunção de licitude às ofensas
típicas que resultem da discussão de questões de interesse comunitário, como
acontece nos autos, sendo que o acórdão recorrido parte precisamente da
presunção inversa, leitura que a lei não consente.
AJ. O Recorrente agiu exclusivamente motivado pelo exercício do direito à
crítica, e dentro dos limites desta e que, portanto, a decisão recorrida ao
fazer uma interpretação que contende com este direito está na prática a violar
garantias da Constituição e, como tal, merece ser revogada.
Não é solução constitucionalmente defensável – cremos – que o direito ao bom
nome do Recorrido assim exercido possa (deva) precludir os direitos
constitucionais do Recorrente.
AL. A decisão recorrida infra-gradua o direito do Recorrente à sua liberdade de
expressão quando os arts. 2º, 3º, 18º, 37º e 38º da CRP não consentem qualquer
infra-graduação da mesma.
É bem manifesta e evidente a exclusão de ilicitude, traduzida na violação não
justificada do direito a exprimir livremente a opinião do recorrente.
AM. O Recorrente apenas quer, e pede, que o Tribunal recorrido faça a
reapreciação da prova. Feita a mesma, verificar-se-á a mentira ao Parlamento.
E por via dela a legitimidade das afirmações.
E por essa via far-se-á o confronto entre os direitos em colisão.
Negar esse direito ao Recorrente é um exercício inconstitucional.
Para mais quando, como resulta supra, decorre dos autos que o Recorrido mentiu.
Termos em que, com o douto suprimento de V. Exas., deve o presente recurso ser
julgado procedente, com as legais consequências, designadamente com declaração
da inconstitucionalidade normativa do acórdão recorrido e reenvio do processo ao
Tribunal da Relação para que aprecie as questões suscitadas pelo Recorrente à
luz das referidas normas constitucionais”.
O Ministério Público apresentou contra-alegações em que concluiu do seguinte
modo:
“1. Não foi levada a cabo pela decisão recorrida quaisquer interpretações das
normas dos artigos 13º, 31º, nº 2, alínea b) e 180º, nº 2, todos do Código
Penal, em desconformidade com a Constituição.
2. Termos em que não deverá proceder o presente recurso”.
O assistente Antero Gaspar de Paiva Vieira também apresentou contra-alegações,
defendendo a improcedência do recurso apresentado.
Notificado para a eventualidade de não poderem ser conhecidas as questões de
inconstitucionalidade enunciadas nas alíneas b), c) e d), do requerimento de
interposição de recurso, o recorrente defendeu a apreciação do mérito destas
questões.
*
Fundamentação
1. Do objecto do recurso
No domínio da fiscalização concreta de constitucionalidade, a competência
atribuída ao Tribunal Constitucional cinge‑se ao controlo da
inconstitucionalidade normativa, ou seja, das questões de desconformidade
constitucional imputada a normas jurídicas, ou a interpretações normativas, e
já não das questões de inconstitucionalidade imputadas directamente a decisões
judiciais, em si mesmas consideradas. A distinção entre os casos em que a
inconstitucionalidade é imputada a interpretação normativa daqueles em que é
imputada directamente a decisão judicial radica em que na primeira hipótese é
discernível na decisão recorrida a adopção de um critério normativo (ao qual
depois se subsume o caso concreto em apreço), com carácter de generalidade, e,
por isso, susceptível de aplicação a outras situações, enquanto na segunda
hipótese está em causa a aplicação dos critérios normativos tidos por
relevantes às particularidades do caso concreto.
Por outro lado, tratando‑se de recurso interposto ao abrigo da alínea b), do n.º
1, do artigo 70.º da LTC – como ocorre no presente caso –, a sua admissibilidade
depende da verificação cumulativa dos requisitos de a questão de
inconstitucionalidade haver sido suscitada «durante o processo», «de modo
processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão
recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer» (n.º 2 do artigo
72.º da LTC), e de a decisão recorrida ter feito aplicação, como sua ratio
decidendi, das dimensões normativas arguidas de inconstitucionais pelo
recorrente.
Tendo presente estes pressupostos do conhecimento dos recursos pelo Tribunal
Constitucional, constatamos que os mesmos não se verificam relativamente às
questões enunciadas nas alíneas b), c) e d), do requerimento de interposição de
recurso.
1.1. Da questão enunciada na alínea b) do requerimento de interposição de
recurso
A questão descrita na alínea b) é a seguinte: “a formulação de juízos
valorativos desonrosos, ao contrário da imputação de factos desonrosos, não se
encontram justificados ex vi artigo 31°/2/b) do CP pelos princípios
constitucionais da liberdade de expressão e opinião, uma vez que essa formulação
de um juízo desonroso, ainda que acompanhado da menção dos factos, não pode ser
justificado pelo interesse da livre discussão das questões políticas quanto
manifestação da liberdade de expressão”.
Além de se suscitarem algumas dúvidas sobre se esta questão foi antecipada e
adequadamente suscitada perante o tribunal recorrido, da leitura do acórdão
proferido por este não resulta que tenha sido perfilhado o critério normativo
enunciado nesta alínea.
Lê-se no acórdão do Tribunal da Relação do Porto:
“No caso de formulação de juízos ofensivos, poder-se-ão aplicar, se for caso
disso, as regras gerais contidas no artigo 31.º, designadamente a constante da
alínea b) do n.º 2, tendo-se em especial atenção o princípio da ponderação de
interesses.
É, porém, indispensável à concreta justificação pelo exercício do direito de
informação que a ofensa à honra cometida se revele meio adequado e razoável de
cumprimento do fim que a imprensa, no exercício da sua função pública, pretende
atingir no caso concreto, e que, no exercício da sua actividade, a imprensa
tenha actuado com a intenção, ao menos imanente, de cumprir a sua função pública
e, assim, exercer o seu direito-dever de informação.
Embora os termos em que o recorrente estruturou as suas “conclusões” não
convoquem, especificamente, esta questão – porque se centrou na causa de
justificação do n.º 2 do artigo 180.º do CP – sempre diremos que a formulação
do juízo desonroso não serve a formação da opinião numa sociedade democrática,
situando-se no puro plano pessoal, pelo que não pode ser justificado pelo
interesse da livre discussão das questões políticas tratadas no artigo
jornalístico, em causa, enquanto manifestação da liberdade de expressão do
jornalista e do direito de informação.
Na ponderação dos interesses em conflito – e ainda que se viesse a provar que o
assistente e demandante mentiu no Parlamento ou que o recorrente, em boa (fé,
estivesse convencido que mentira – o juízo valorativo não se mostra um meio
razoavelmente proporcionado à prossecução da finalidade da formação democrática
e pluralista da opinião pública em matéria política que o recorrente pretenderia
atingir, no caso concreto”.
O acórdão recorrido, ao contrário do invocado pelo recorrente, admite
expressamente, como doutrina, que a formulação de juízos valorativos desonrosos
em meio de comunicação social, possa ser justificada nos termos do artº 31, nº
2, b), do C.P, pelos princípios constitucionais da liberdade de expressão e
opinião, desde que essa conduta se revele meio adequado e razoável de
cumprimento do fim que a imprensa, no exercício da sua função pública, pretenda
atingir no caso concreto, e que, no exercício da sua actividade, a imprensa
tenha actuado com a intenção, ao menos imanente, de cumprir a sua função
pública e, assim, exercer o seu direito-dever de informação.
E só fazendo a subsunção deste critério normativo ao caso concreto é que
entendeu que, neste caso específico, e apenas neste, não se verificavam as
condicionantes que possibilitariam a justificação da conduta do arguido.
Não tendo o acórdão recorrido feito aplicação, como sua ratio decidendi, da
dimensão normativa arguida de inconstitucional na referida alínea b) do
requerimento de interposição de recurso, não pode o Tribunal Constitucional
conhecer do recurso interposto nesta parte.
1.2. Da questão enunciada na alínea c) do requerimento de interposição de
recurso
A questão descrita na alínea c) é a seguinte: “Existe sempre conduta dolosa, nos
termos do artigo 13° do CP, não sendo de ponderar a existência ou inexistência
de dolo (ainda que não forma de dolo genérico) sempre que a ofensa à honra de
terceiros seja feita através de juízos valorativos). Ou de outro modo: a
formulação de juízos valorativos desonrosos (ao contrário da imputação de
factos) determina sempre a existência de uma conduta dolosa e a inerente
verificação desse elemento típico do crime”.
Além desta questão não ter sido suscitada antecipadamente perante o tribunal
recorrido, como o recorrente reconhece, calcorreando todo o acórdão do Tribunal
da Relação do Porto, não se descortina que este tenha enunciado tal critério
normativo ou que o tenha implicitamente utilizado como fundamentação da sua
decisão.
Assim, não tendo o acórdão recorrido feito aplicação, como sua ratio decidendi,
da dimensão normativa arguida de inconstitucional na referida alínea c) do
requerimento de interposição de recurso, não pode também o Tribunal
Constitucional conhecer do recurso interposto nesta parte.
1.3. Da questão enunciada na alínea d) do requerimento de interposição de
recurso
A questão descrita na alínea d) é a seguinte: “O direito ao bom nome e reputação
prevalece sobre o direito de opinião e liberdade de expressão sempre que estejam
em causa a formulação de juízos valorativos desonrosos feitas a políticos, com
ou sem concomitante menção dos respectivos factos”.
Conforme já resulta da análise da questão enunciada na alínea b), o acórdão
recorrido não estabeleceu qualquer posição de prevalência geral e abstracta
entre os direitos referidos, tendo-se limitado a considerar que no caso concreto
não se verificavam as condicionantes que permitiriam que o direito de opinião
prevalecesse sobre o direito à honra.
Deste modo, não tendo o acórdão recorrido feito aplicação, como sua ratio
decidendi, da dimensão normativa arguida de inconstitucional na referida alínea
d) do requerimento de interposição de recurso, não pode também o Tribunal
Constitucional conhecer do recurso interposto nesta parte.
1.4. Conclusão
Apenas a questão enunciada na alínea a), do requerimento de interposição de
recurso - “inaplicabilidade das circunstâncias previstas como causa de exclusão
da ilicitude no n° 2, do artigo 180°, do CP, aos casos em que a ofensa à honra e
consideração de terceiros decorram de juízos valorativos, e não de factos hoc
sensu, ainda que tais juízos sejam acompanhados da referência ou menção desses
mesmos factos, por “impossibilidade de preenchimento da condição da alíena b)”,
do n° 2 do artigo 180° do CP” - se reporta a critério normativo utilizado como
fundamento da decisão recorrida, pelo que só ela deve integrar o objecto do
presente recurso.
2. Do mérito do recurso
O arguido A. foi condenado pela prática de um crime de difamação, por ter
escrito na edição de 25 de Setembro de 2001 do jornal “…” um artigo de opinião,
na coluna intitulada “…”, com o título “Riscos e Aldrabões”, em que constava o
seguinte:
“Quantos (que a gente conhece de gingeira) não aproveitaram a boleia do
terrorismo. Ou culpariam os governos anteriores. Imaginem o aldrabão do
Governador Civil de Aveiro. Olhem o negócio da extracção de areia. Que bem que
cá se mente ao Parlamento, com que descaramento se aldraba o país”.
Pretendendo o arguido, no recurso interposto desta condenação, a reapreciação da
prova da matéria de facto, de modo a considerar-se provado que o assistente (o
então Governador Civil de Aveiro) mentiu no Parlamento ou, pelo menos, que o
recorrente tinha fundamentos sérios para, em boa fé, reputar como verdadeira
essa imputação, o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, negou tal
pretensão, por entender que a conduta do arguido nunca poderia ser julgada
justificada, com base na específica causa de justificação do n.º 2 do artigo
180º do C.P.,“uma vez que o recorrente não se conteve na imputação de factos,
mas exerceu o chamado “direito de opinião” mediante a exteriorização de um juízo
de valor”.
Dispõe o artº 180º, nº 1 e 2, do C.P.:
“1 – Quem, dirigindo-se a terceiro, imputar a outra pessoa, mesmo sob a forma de
suspeita, um facto, ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra ou
consideração, ou reproduzir uma tal imputação ou juízo, é punido com pena de
prisão até 6 meses ou com pena de multa até 240 dias.
2 – A conduta não é punível quando:
a) A imputação for feita para realizar interesses legítimos; e
b) O agente provar a verdade da mesma imputação ou tiver tido fundamento sério
para, em boa fé, a reputar verdadeira”.
Tal como se sustentou no acórdão recorrido tem sido opinião dominante na
doutrina e na jurisprudência (OLIVEIRA MENDES, em “O direito à honra e sua
tutela penal”, pág. 62, da ed. de 1996, da Almedina, e os seguintes acórdãos dos
Tribunais da Relação: do Porto, de 27-11-2002, no site www.dgsi.pt, relatado por
ISABEL PAIS MARTINS, de Coimbra, de 24-9-2003, no site www.dgsi.pt, relatado por
OLIVEIRA MENDES, de Guimarães, de 11-10-2004, no site www.dgsi.pt, relatado por
TOMÉ BRANCO, de Lisboa, de 6-4-2005, no site www.dgsi.pt, relatado por CARLOS
ALMEIDA, de Lisboa, de 18-5-2005, na C.J., Ano XXX, tomo 3, pág. 127, relatado
por CLEMENTE LIMA, de Coimbra, de 22-2-2006, no site www.dgsi.pt, relatado por
BRÍZIDA MARTINS, e do Porto, de 21-3-2007, no site www.dgsi.pt, relatado por
GUERRA BANHA) que a causa de exclusão da ilicitude referida no nº 2, do artº
180º, do C.P., não se aplica a juízos de valor, por não ser possível
verificar-se a condição tipificada na alínea b) desse número.
Competindo apenas ao Tribunal Constitucional verificar se a interpretação
normativa questionada infringe qualquer directriz constitucional, não nos cumpre
aquilatar da correcção da qualificação da expressão “o aldrabão do Governador
Civil de Aveiro”, como juízo e não como facto, assim como nos é alheia a questão
de saber se, neste caso concreto, a emissão daquele juízo se encontrava
justificada pelo direito de opinião.
Estas são questões relativas à operação de subsunção do caso concreto às normas,
que escapam ao actual quadro legal delimitador das competências do Tribunal
Constitucional, devendo apenas verificar-se se a dimensão normativa da alínea
b), do nº 2, do artº 180º, do C.P., acima enunciada, fere algum princípio ou
direito constitucionalmente consagrado.
Dispõe o artº 37º, nº 1 e 3, da C.R.P.
“1. Todos têm o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela
palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, bem como o direito de informar,
de se informar e de ser informados, sem impedimentos nem discriminações.
…
3. As infracções cometidas no exercício destes direitos ficam submetidas aos
princípios gerais de direito criminal ou do ilícito de mera ordenação social,
sendo a sua apreciação respectivamente da competência dos tribunais judiciais ou
de entidade administrativa independente, nos termos da lei”.
E relativamente à forma de veiculação qualificada da liberdade de expressão, que
é a liberdade de imprensa, dispôs o artº 38º, nº 1 e 2, a), da C.R.P.:
“1. É garantida a liberdade de imprensa.
2. A liberdade de imprensa implica:
a) A liberdade de expressão e criação dos jornalistas e colaboradores, bem como
a intervenção dos primeiros na orientação editorial dos respectivos órgãos de
comunicação social, salvo quando tiverem natureza doutrinária ou confessional…”
A liberdade de expressão e informação, incluindo na sua forma qualificada da
liberdade de imprensa, não se esgota na narração de factos, antes supõe o
direito de exprimir e divulgar o pensamento, estendendo-se também ao “direito de
opinião”, o qual se exerce mediante a exteriorização de juízos de valor (vide,
neste sentido, GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, em “Constituição da República
Portuguesa anotada”, vol. I, pág. 572, da 4ª ed., da Coimbra Editora, COSTA
ANDRADE, em “A liberdade de imprensa e a inviolabilidade pessoal. Uma
perspectiva jurídico-criminal”, pág. 270, da ed. de 1996, da Almedina”, e
OLIVEIRA MENDES, ob. cit., pág. 63, nota 94).
O exercício do direito à liberdade de expressão e informação, nomeadamente
quando efectuado através da imprensa, tem limites, designadamente quando colide
com outros direitos constitucionalmente consagrados, como o direito ao bom nome
e reputação (artº 26º, nº 1, da C.R.P.).
Essa limitação encontra-se especificamente prevista no próprio artº 37º, nº 3,
da C.R.P., quando admite que as infracções cometidas no exercício desse direito
possam ser sancionadas pelo direito penal.
Mas, como o direito à honra (forma comum de denominar o direito ao bom nome e
reputação), também ele está sujeito a limitações que tornam justificáveis certas
condutas ofensivas da mesma, nomeadamente quando essas condutas ocorrem no
exercício do direito de informação, estamos perante dois direitos
constitucionais potencialmente em conflito (Vieira de Andrade, em “Os direitos
fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976”, pág. 220, da reimp. de 1987,
da Almedina).
Quando este ocorre “há que proceder a uma ponderação ou balanceamento nos casos
concretos, afastando-se qualquer ideia de supra ou infravaloração abstracta”
(GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, ob. cit., pág. 466 e 574) com recurso a juízos
de proporcionalidade, “exigindo-se que o sacrifício de cada um dos valores
constitucionais seja necessário e adequado à salvaguarda de outros” (Vieira de
Andrade, ob. cit., pág. 223).
Esta necessidade duma ponderação casuística não impede, contudo, a formulação de
critérios de valoração, aplicativos dos princípios constitucionais da
necessidade, adequação e proporcionalidade, a que devem obedecer as leis
restritivas dos direitos, liberdades e garantias, nos termos dos artº 18º, nº 2
e 3, da C.R.P. (vide, nesse sentido, FIGUEIREDO DIAS, em “Direito de informação
e tutela da honra no direito penal de imprensa português”, na R.L.J., Ano 115,
pág. 102, e COSTA ANDRADE, na ob. cit., pág. 284-287).
Um desses critérios, relativos à utilização de juízos ofensivos do bom nome duma
pessoa no exercício do direito de opinião, como manifestação da liberdade de
imprensa, é a de que os mesmos se considerarão justificados caso se revelem um
meio adequado e razoável de cumprimento do fim que a imprensa, no exercício da
sua função pública - onde se insere toda a sua actividade relativa à formação
democrática e pluralista da opinião pública em matéria social, política,
económica e cultural, e em todas as áreas de indiscutível importância para a
existência e evolução da comunidade social - pretende atingir no caso concreto
(FIGUEIREDO DIAS, na ob. cit., pág. 136-137).
Assim, numa situação concreta de conflitualidade entre os referidos direitos
constitucionais, em que esteja em causa a formulação de juízos de valor
ofensivos da honra duma pessoa, para apurar o direito prevalecente é obrigatório
ponderar, perante as particularidades do caso, se essa formulação foi ou não
proporcional (necessária e adequada) ao cumprimento da função pública da
imprensa naquela concreta situação.
Esta obrigatoriedade de ponderação foi imposta no direito ordinário,
especificamente para os casos de conflito entre o direito à liberdade de
expressão e o direito à honra, nos crimes de difamação, através da consagração
da causa de justificação do artº 180º, nº 2, do C.P., onde, além do mais, se
exige a prova da verdade da imputação ou a existência de fundamento sério para,
em boa fé, se reputar essa imputação de verdadeira.
O facto de se recusar a aplicação desta causa de justificação, quando a conduta
difamatória se consubstancia num juízo de valor, com o argumento de que não é
possível demonstrar a veracidade duma opinião subjectiva, como o fez a decisão
recorrida, não viola a obrigação de utilização do acima enunciado critério de
ponderação entre os valores em conflito, desde que se considere, como também fez
a decisão recorrida, que a emissão de tal juízo pode estar justificada, nos
termos gerais previstos no artº 31º, nº 2, b), do C.P..
Dispõe este normativo o seguinte:
“1 – O facto não é punível quando a sua ilicitude for excluída pela ordem
jurídica considerada na sua totalidade.
2 – Nomeadamente, não é ilícito o facto praticado:
…
b) No exercício de um direito”.
A consideração desta causa de justificação permitirá efectuar o necessário juízo
de ponderação, com respeito pelo princípio da proporcionalidade, na resolução do
conflito de direitos verificado, cumprindo-se assim as exigências
constitucionais em matéria de resolução de conflitos entre a liberdade de
imprensa e o direito à honra.
E nessa ponderação, ao abrigo deste dispositivo, não é de excluir totalmente uma
apreciação e valoração por parte do julgador, sobre a verdade dos factos que
eventualmente se achem subjacentes à exteriorização daquele juízo de valor,
especialmente nos casos em que a par de juízos valorativos se imputam factos que
se achem em relação de causa e efeito com aqueles. Para o juiz poderá ser
decisivo, no seu “julgamento” sobre a verificação da causa de justificação da
alínea b), do n.º 2, do artigo 31.º, do C.P., a circunstância de os juízos
valorativos ofensivos se basearem ou não em factos verídicos (vide, neste
sentido, os acima citados acórdãos da Relação de Lisboa de 18-5-2005, e da
Relação de Coimbra, de 22-6-2006).
Escreveu-se na fundamentação do acórdão recorrido:
Se a específica causa de justificação sobre que nos debruçámos (a do artº 180º,
nº 2, do C.P.) é inaplicável à formulação de juízos de valor ofensivos, por
impossibilidade de preenchimento da condição da alínea b), tal não implica que a
formulação de juízos de valor seja, em absoluto, insusceptível de justificação.
No caso de formulação de juízos ofensivos, poder-se-ão aplicar, se for caso
disso, as regras gerais contidas no artigo 31.º, designadamente a constante da
alínea b) do n.º 2, tendo-se em especial atenção o princípio da ponderação de
interesses.
É, porém, indispensável à concreta justificação pelo exercício do direito de
informação que a ofensa à honra cometida se revele meio adequado e razoável de
cumprimento do fim que a imprensa, no exercício da sua função pública, pretende
atingir no caso concreto, e que, no exercício da sua actividade, a imprensa
tenha actuado com a intenção, ao menos imanente, de cumprir a sua função pública
e, assim, exercer o seu direito-dever de informação.
Embora os termos em que o recorrente estruturou as suas “conclusões” não
convoquem, especificamente, esta questão – porque se centrou na causa de
justificação do n.º 2 do artigo 180.º do CP – sempre diremos que a formulação
do juízo desonroso não serve a formação da opinião numa sociedade democrática,
situando-se no puro plano pessoal, pelo que não pode ser justificado pelo
interesse da livre discussão das questões políticas tratadas no artigo
jornalístico, em causa, enquanto manifestação da liberdade de expressão do
jornalista e do direito de informação.
Na ponderação dos interesses em conflito – e ainda que se viesse a provar que o
assistente e demandante mentiu no Parlamento ou que o recorrente, em boa (fé,
estivesse convencido que mentira – o juízo valorativo não se mostra um meio
razoavelmente proporcionado à prossecução da finalidade da formação democrática
e pluralista da opinião pública em matéria política que o recorrente pretenderia
atingir, no caso concreto”.
A decisão recorrida, apesar de considerar inaplicável à formulação de juízos de
valor o tipo justificador previsto no nº 2, do artº 180º, do C.P., não
inviabilizou a necessidade de ponderar se esse juízo não se encontrava
justificado pelo cumprimentas das finalidades da imprensa, no exercício da sua
função pública, no âmbito da aplicação do artº 31º, nº 2, b), do C.P., tendo
efectuado tal ponderação. E só entendeu ser desnecessária a prova da verdade dos
factos subjacentes à exteriorização do juízo de valor difamatório, por ter
entendido que mesmo que essa prova se fizesse, a utilização de tal juízo nunca
estaria justificada pelos fins públicos da imprensa, atendendo às
particularidades do caso concreto.
Daqui decorre que a interpretação normativa adoptada pela decisão recorrida não
viola a exigência constitucional de que os direitos à liberdade de imprensa e à
honra sejam conciliados através duma operação de harmonização proporcional, uma
vez que não considera que o artº 180º, nº 2, do C.P., seja a única norma, no
plano do direito infraconstitucional, convocável para julgar se os juízos de
valor ofensivos da honra duma pessoa se possam traduzir no exercício do direito
de liberdade de imprensa, tendo-se socorrido do disposto no artº 31º, nº 2, b),
do C.P., para efectuar essa ponderação.
Assim, tal como também concluiu o acórdão nº 201/04, do Tribunal Constitucional
(pub. em Acórdãos do Tribunal Constitucional, volº 58, pág. 965), o artº 180º,
nº 2, b), do C.P., quando interpretado em termos de ele não abranger juízos de
valor, mesmo que tais juízos sejam acompanhados da referência aos factos que lhe
estão subjacentes, não viola qualquer princípio ou preceito constitucional, pelo
que o recurso deve ser julgado improcedente nesta parte.
*
Decisão
Pelo exposto, acorda-se em:
a) não conhecer das questões de inconstitucionalidade enunciadas pelo recorrente
sob as alíneas b), c) e d), no seu requerimento de interposição de recurso;
b) negar provimento ao recurso interposto por A. do acórdão do Tribunal da
Relação do Porto de 28-6-2006, relativamente à questão de inconstitucionalidade
enunciada sob a alínea a) no seu requerimento de interposição de recurso
*
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 25 unidades de conta
(artº 6, nº 1, do D.L. nº 303/98, de 7 de Outubro).
*
Lisboa, 11 de Julho de 2007
João Cura Mariano
Mário José de Araújo Torres
Benjamim Rodrigues
Rui Manuel Moura Ramos