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Processo n.º 650/07
3ª Secção
Relator: Conselheiro Vítor Gomes
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
O relator proferiu a seguinte decisão, nos termos do n.º 1 do
artigo 78.º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro:
“1. A. interpôs recurso para o Tribunal Constitucional do acórdão do Tribunal da
Relação de Lisboa, de 8 de Maio de 2007, proferido na sequência do acórdão do
Tribunal Constitucional n.º 42/2007, de 23 de Janeiro de 2007 – que decidiu
“julgar inconstitucional, por violação do artigo 32º, nº 1, da Constituição, a
norma do artigo 123º do Código de Processo Penal, interpretada no sentido de
consagrar o prazo de três dias para arguir irregularidades contados da
notificação da acusação em processos de especial complexidade e grande dimensão,
sem atender à natureza da irregularidade e à objectiva inexigibilidade da
respectiva arguição”, revogando anterior decisão da Relação no que se refere a
este juízo de inconstitucionalidade –, com os fundamentos seguintes [segue
transcrição do requerimento de fls. 2257 a 2269]:
«1 – O Ora Recorrente foi, em 14 de Maio de 2007, notificado do douto Acórdão
proferido em 8 de Maio de 2007, pelo Tribunal da Relação de Lisboa.
2 – Tal Acórdão, porém, e salvo o devido respeito por melhor entendimento, não
obedece ao determinado pelo Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 42/2007, de
23 de Janeiro.
3 – Desrespeitando, assim, o disposto nos arts. 2º e 80º, nº 1 e 3 da Lei do
Tribunal Constitucional (Lei nº 28/82 de 15 de Novembro) – disposições legais ao
abrigo das quais, designadamente, se interpõe o presente recurso,
4 – Ou, quando assim não se entenda, sempre ao abrigo do disposto abrigo das
alíneas b) e g) do nº 1 do art. 70º daquela mesma Lei, na redacção que lhe é
dada pela Lei nº 85/89 de 7 de Setembro, pela Lei nº 88/95 de 1 de Setembro e
pela Lei nº 13-A/98 de 26 de Fevereiro (como infra melhor se explicitará)
Com efeito
4 – Aquando da interposição daquele seu primeiro Recurso para o Tribunal
Constitucional, pretendia o Recorrente ver apreciada (o que veio a acontecer), a
constitucionalidade da norma do artigo 123º, nº 1 do Código de Processo Penal,
interpretada no sentido de que as IRREGULARIDADES DO INQUÉRITO devem ser
arguidas nos três dias seguintes à notificação da acusação, não o podendo ser
até ao encerramento do debate instrutório, designadamente NO REQUERIMENTO DE
ABERTURA DE INSTRUÇÃO atempadamente apresentado pelo arguido, por se entender
que a mesma, interpretada no sentido apontado, era (é) inconstitucional, por
violação do disposto no art. 32º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa,
uma vez que restringia de forma inadmissível os direitos de defesa do arguido,
ou melhor “ implicava um encurtamento inadmissível das possibilidades de defesa
do arguido ”.
Ora
5 – Pelo Acórdão do Tribunal Constitucional nº 42/2007 de 23 de Janeiro foi
julgada inconstitucional, por violação do artigo 32º, nº 1 da Constituição, a
norma do artigo 123º do Código de Processo Penal, interpretada no sentido de
consagrar o prazo de 3 dias para arguir irregularidades contados da notificação
da acusação, em processo de especial complexidade e grande dimensão, sem atender
à natureza da irregularidade e à objectiva inexigibilidade da respectiva
arguição, nesta medida revogando a decisão recorrida.
6 – Transitado em julgado este Acórdão, baixaram os autos ao Tribunal da Relação
de Lisboa para que este, nos termos do disposto no nº 2 e 3 do art. 80º da Lei
do Tribunal Constitucional, reformasse a sua decisão em conformidade com o
julgamento sobre a questão da inconstitucionalidade, vindo este a proferir, em 8
de Maio de 2007, novo Acórdão, o qual, salvo o devido respeito, padece do vício
de violação do efeito de caso julgado constitucional – do mesmo cabendo, assim,
recurso para o Tribunal Constitucional.
Na verdade
7 – O Acórdão nº 340/2000 de 4 de Julho de 2000, tirado pelo PLENÁRIO DO
TRIBUNAL CONSTITUCIONAL (cfr. Diário da República de 09/11/00 II série, pag.
18.221 e seguintes) sobre caso idêntico, decidiu que O PRESENTE RECURSO É
ADMISSÍVEL – por via do carácter oficioso do conhecimento da violação do caso
julgado (arts. 494º, nº 1, alínea i) e 495º do CPC) e do carácter definitivo da
competência constitucional atribuída àquele Tribunal pelos arts. 210º, nº 1,
212º, nº 1 e 221, todos da CRP – INDEPENDENTEMENTE SE APURAR SE SE VERIFICAM OU
NÃO quaisquer dos pressupostos específicos previstos no art. 70º da Lei do
Tribunal Constitucional.
Aliás
8 – Baseada no valor constitucional do caso julgado (arts. 32º, nº 2, 205º, n. °
2 e 3 e 282°, nº 3 da CRP), era já esta a orientação do anterior Acórdão nº
532/99 de 12/10/99 daquele Tribunal e foi também a orientação dos Acórdãos
posteriormente proferidos sobre o mesmo tema, designadamente do Acórdão nº
150/01 de 28/03/00, do Acórdão nº 184/01 de 24/04/01 e do Acórdão n.° 532 de
0/12/01 – cfr., por todos, Isabel Alexandre, “ O caso julgado na jurisprudência
constitucional portuguesa “, in “ Estudos em homenagem ao Conselheiro José
Manuel Cardos da Costa “, Coimbra Editora, 2003, pag. 11 e seguintes.
De facto
9 – “O Tribunal Constitucional é o competente para decidir definitivamente sobre
a sua competência: desde logo é ele quem diz (e di-lo definitivamente) se as
questões que sobem até ele para serem julgadas são ou não questões que se
inscrevam no seu poder jurisdicional “ – cfr. referido Acórdão nº 340/2000
tirado pelo Plenário do Tribunal Constitucional.
10 – O Recorrente intenta, assim, directamente o presente recurso de
constitucionalidade, cujo objecto de fiscalização concreta se reporta às
garantias de defesa do arguido em processo crime, ao abrigo de das disposições
legais citadas (art. 494º, nº 1, alínea i e art. 495º do CPC, arts. 210º, nº 1,
212º, nº 1, 221º, 32º, nº 2, 205º, nº 2 e 3 e 282º, nº 3 da CRP) por violação de
caso julgado constitucional, na esteira, aliás, da douta jurisprudência atrás
citada, sempre com referência ao disposto nos arts. 2º, e 80º, nº 1 a 3 da Lei
do Tribunal Constitucional (Lei n. ° 28/82 de 15 de Novembro).
Caso assim não se entenda, e a titulo subsidiário
11 – Sempre se indica como fundamento do presente recurso de constitucionalidade
o disposto nas alíneas b) e g) do nº 1 do art. 70º da Lei do Tribunal
Constitucional,
12 – Pretendendo-se, com o mesmo, ver apreciada a inconstitucionalidade material
do artigo 123° do Código de Processo Penal, e, bem assim, dos arts. 2º e 80º, nº
1 a 3 da própria Lei do Tribunal Constitucional, por violação, designadamente,
do disposto nos arts 32°, n. ° 1 e 20°, n.° 4 da CRP, na concreta interpretação
que deles fez o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 8 de Maio de 2007,
que se diz reformado em obediência ao douto Acórdão do Tribunal Constitucional
nº 42/2007 de 23 de Janeiro.
13 – A inconstitucionalidade da apontada norma do Código de Processo Penal foi
suscitada pelo ora Recorrente, quer no texto (motivação), quer nas conclusões do
recurso que interpôs da decisão instrutória proferida no âmbito do processo de
inquérito nº 547/04.OJDLSB, para o Tribunal da Relação de Lisboa.
Com efeito
14 – Ali se alegava ser inconstitucional, por violação, designadamente, do art.
32º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa, a norma do art. 123º do
Código de Processo Penal, interpretada no sentido de conceder apenas três dias
ao arguido e seu defensor, a contar da notificação da acusação, para vir arguir
irregularidades do inquérito, designadamente a decorrente da inobservância do
disposto no art. 2º, nº 2 da Lei nº 5/2002 de 11 de Janeiro, por parte do Digno
Magistrado do Ministério Público, o qual, por despacho não fundamentado
determinara naquela sede a quebra do sigilo bancário (cfr. conclusão 25ª do
recurso interposto pelo ora Recorrente da decisão instrutória, bem como pontos 3
a 20 da motivação de recurso, e ainda conclusões 18ª a 25ª do mesmo recurso),
15 – Nomeadamente quando tal despacho (ou despachos) fora proferido no âmbito de
um processo dito “monstruoso”, isto é, um processo ao qual havia sido
reconhecida especial complexidade, deduzindo o Ministério Público, no
encerramento da fase de inquérito, ao longo de 477 páginas e 2.912 artigos, a
acusação de fls. 11.902 a 12.379, contra cinquenta e sete arguidos (57),
imputando-lhes, entre outros a prática de crimes de fundação e chefia de
associação criminosa, burla qualificada, falsificação de documentos, receptação,
adesão a associação criminosa, branqueamento de capitais e auxílio material, ali
identificando mais de uma centena de alegados lesados e arrolando duzentas e
quinze (215) testemunhas de acusação, comportando tal processo, à data da
acusação 40 VOLUMES A TÍTULO DE AUTOS PRINCIPAIS (mais de 13.000 páginas) e
ainda cerca de DUAS CENTENAS DE VOLUMES DE APENSOS.
De facto
16 - Pretender que, EM TRÊS DIAS APENAS, o arguido consultasse e analisasse
devida e exaustivamente todo o processado, nele detectasse eventuais
irregularidades – nomeadamente a invalidade do despacho de fls. 2255 e
subsequentes de igual teor – e, naquele prazo, as viesse arguir aos autos, mais
não é que restringir de forma inadmissível e injustificada o direito de defesa
do arguido, constitucionalmente consagrado, desta forma se limitando, de modo
desproporcionado e sem fundamento material, o núcleo essencial daquele mesmo
direito.
Na verdade
17 – È exigência do Princípio do Estado de Direito um PROCESSO EQUITATIVO E
LEAL, isto é, um due process of law, o qual, entre nós, encontra consagração
expressa no nº 1 do art. 32º da Constituição da República Portuguesa.
Com efeito
19 – “O processo criminal há-de configurar-se como um due process of law,
devendo considerar-se ilegítimas, por consequência, quer eventuais normas
processuais, quer procedimentos aplicativos delas, que impliquem um encurtamento
inadmissível das possibilidades de defesa do arguido” (cfr. entre outros, os
Acórdãos n. ° 337/86, de 30 de Dezembro, nº 383/97, de 14 de Maio e no 694/03 de
24 de Março, todos do Tribunal Constitucional, que julgaram inconstitucional,
por violação do art. 32º, nº 1 da CRP, a norma do art. 123º do Código de
Processo Penal).
20 – Pretendia-se, pois, ver (e viu-se) apreciada a inconstitucionalidade, por
violação, designadamente, do art. 32º, nº 1 da CRP, na norma do art. 123º do
CPP, interpretada no sentido e conceder ao arguido apenas três dias a contar da
notificação da acusação para vir arguir eventuais irregularidades ocorridas na
fase de inquérito,
21 – Interpretação nos termos da qual seria extemporânea a arguição de tais
irregularidades quando efectuada no requerimento de abertura de instrução
atempadamente apresentado,
22 – Designadamente quando o Tribunal nem sequer cuida de apurar da efectiva
cognoscibilidade de tais irregularidades, no referido prazo de três dias, face
às circunstâncias do caso concreto.
23 – E nesses termos foi julgada inconstitucional a dita norma, reconhecendo o
Douto Tribunal Constitucional, no seu Acórdão nº 42/2007 de 23 de Janeiro que
“conjugando a especial complexidade do processo coma natureza da irregularidade
em causa, haverá, obviamente, situações em que o prazo de três dias para arguir
a irregularidade é objectivamente exíguo. Ora, NÃO CONTEMPLANDO A LEI QUALQUER
POSSIBILIDADE DE ALARGAMENTO DO PRAZO EM ATENÇÃO ÀS CIRCUNSTÂNCIAS DE OBJECTIVA
INEXIGIBILIDADE, de acordo com a complexidade do processo e a natureza da
irregularidade, entende(u) o Tribunal que a norma em crise é inconstitucional
por afectar, nessa medida, as garantias de defesa (artigo 32°, nº 1 da CRP ) “–
cfr. pag. 18 do aludido Acórdão do Tribunal Constitucional.
Ora
24 – Pretende agora o Tribunal da Relação de Lisboa, por Acórdão proferido em 8
de Maio de 2007, alegadamente em conformidade com o dito Acórdão Constitucional
que, sendo, efectivamente, exíguo, o prazo de três dias previsto no art. 123º do
Código de Processo Penal, então podia e devia o ora Recorrente ter arguido as
irregularidades da fase de inquérito no prazo geral de 10 dias, do art. 153º do
Código de Processo Civil, aplicável ex vi do art. 4º do CPP, pelo que, tendo
vindo arguir as mesmas apenas no seu requerimento de abertura de instrução,
devam tais irregularidades ser consideradas sanadas, “tanto mais que o arguido
oportunamente não alegou justo impedimento para a prática do acto, ou, mesmo
aceitando tê-lo feito implicitamente, não invocou o momento em que cessou o
impedimento, pelo que a alegação seria improcedente”.
25 – Esta decisão do Tribunal da Relação de Lisboa viola, assim, flagrantemente
– como melhor se explicitará e sede de recurso – o caso julgado constitucional,
26 – Desde logo por não atender, na decisão ora reformulada à especial
complexidade e grande dimensão do processo,
27 — Fazendo, antes, apelo a um instituto, aliás descartado pelo Tribunal
Constitucional (cfr. fls. 18, último parágrafo do ponto 6) – o justo impedimento
– por forma a fundamentar a sua decisão,
28 – Decisão esta cuja inconstitucionalidade não foi nem poderia ter sido
anteriormente arguida nos autos, porquanto constituiu uma decisão-surpresa,
adoptada só agora pelo Acórdão da Relação de 8 de Maio de 2007, que o Recorrente
não podia prever,
29 – Só podendo, aliás, prever e contar com uma decisão que, em conformidade com
o decidido pelo Tribunal Constitucional, considerasse arguidas em tempo as
irregularidades por si suscitadas no seu requerimento de abertura de instrução,
30 – Prazo que – contrariamente ao referido no Acórdão do Tribunal da Relação,
onde vem dito que “o Recorrente não alegou qual o prazo que, de acordo com a
situação concreta de especial complexidade do processo e perante a
irregularidade em causa (...) seria reputado de bastante para permitir ao
arguido arguir tal irregularidade, de forma a não se ver cerceado no seu real
direito de defesa”– o Recorrente sempre defendeu ser o absolutamente
indispensável a assegurar os seus direito de defesa constitucionalmente
consagrados ( cfr. ponto 2, parágrafo 1° do requerimento de interposição do seu
primeiro recurso para o Tribunal Constitucional, pontos 7 a 10 e conclusões 2ª e
3ª das suas alegações de recurso).
Com efeito
31 – O Processo Penal pretende-se JUSTO E EQUITATIVO, cabendo, em última
instância, ao TRIBUNAL CONSTITUCIONAL, assegurar essa JUSTIÇA E EQUIDADE.
Ora
32 – O processo de inquérito no âmbito do qual foram suscitadas as
irregularidades que aqui nos trazem, nunca é demais relembrá-lo, ocupava,
aquando da acusação, UMA SALA INTEIRA do Departamento Central de Investigação e
Acção Penal II!
33 – A título de autos principais era, à data, composto por 40 volumes e mais de
13.000 páginas!
34 – Deles constando os autos de interrogatórios de mais de uma centena de
arguidos; as declarações de mais de três centenas de testemunhas; dezenas de
relatórios e autos de diligências externas levadas a cabo pelos órgãos de
polícia criminal; centenas de promoções e despachos proferidos pelas autoridades
judiciárias, etc., etc., etc.
Acontece que
35 – Para além destes autos principais, ao mesmo encontravam-se apensos 14
outros processos-crime, muitos dos quais comportando, eles mesmos, diversos
volumes,
36 – Bem como outros 7 apensos, designados apensos destinatários, onde se
encontrava reunida toda a investigação relacionada com o destino das mercadorias
obtidas em consequência das alegadas burlas cometidas pelos arguidos
37 – Seis apensos cíveis, seis volumes de apensos de informação fiscal, 23
volumes de apensos com a transcrição das intercepções telefónicas; 2 caixotes
(!) de anexos com documentação apreendida; 18 volumes de apensos com “ prints
dos ficheiros dos suportes informáticos apreendidos, incluindo “ pen‑drives “ e
computadores;
38 – Cinquenta ( 50 !!! ) volumes de apensos com a documentação resultante das
diligências de buscas realizadas na fase de inquérito,
39 – Seis volumes de apensos relativos ao relatório do exame de análise
bancária,
40 – Sessenta e um ( 61 !!!) volumes de apensos de documentação bancária.
41 – Etc., etc., etc.
42 – E a pergunta a que se pretende responder é muito simples: perante um
processo desta natureza e complexidade é conforme com as garantias
constitucionais da defesa do arguido e poderia ser-lhe exigido que, no prazo de
10 dias a contar da notificação da acusação, o arguido consultasse todos estes
elementos dos autos, detectasse eventuais irregularidades ocorridas na fase de
inquérito (fase em que, lembre-se, o processo se encontra em segredo de justiça)
e as viesse arguir em requerimento autónomo? Ou, pelo contrário, só é conforme
com aquelas mesmas garantias a possibilidade de o arguido o fazer (como o fez),
à semelhança do que acontece com as nulidades do inquérito (cfr. art. 120, nº 3,
alínea c) do CPP), até ao encerramento do inquérito, designadamente no seu
REQUERIMENTO DE ABERTURA DE INSTRUÇÃO?
43 – Parece, assim, evidente que, a norma do art. 123º do Código de Processo
Penal na interpretação e aplicação concreta que dela faz, agora, o Tribunal da
Relação de Lisboa, é, de igual modo, inconstitucional, sempre por violação,
designadamente, do disposto no art. 32°, n.° 1 da Constituição da República
Portuguesa.
44 – O presente recurso deve, pois, ser admitido a subir imediatamente e com
efeito suspensivo, para fiscalização concreta da violação de caso julgado
constitucional pelo Acórdão do Tribunal Constitucional de 8 de Maio de 2007,
45 – Ou, caso assim não se entenda, para fiscalização concreta da
inconstitucionalidade material da norma do art. 123º do Código de Processo
Penal, e, bem assim, das normas dos arts. 2º e 80º, n.° 1 a 3 da Lei do Tribunal
Constitucional, na concreta interpretação que delas fez o dito Acórdão do
Tribunal da Relação de Lisboa, nos termos e com os fundamentos expostos”.
2. Resulta do requerimento de interposição de recurso que o recorrente pretende
que se aprecie a questão da violação do caso julgado por parte do acórdão da
Relação de Lisboa, de 8 de Maio de 2007, invocando que este não cumpriu o
determinado no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 42/2007, baseando o
recurso nas normas dos artigos 2.º e 80.º, n.ºs 1 e 3, da Lei nº 28/82, de 15 de
Novembro. Isto é, funda o recurso na admissibilidade legal de um recurso
autónomo para o Tribunal Constitucional, fundado na violação do caso julgado
constituído por uma sua anterior decisão no processo, independentemente da
verificação dos pressupostos enunciados no artigo 70.º da LTC para o recurso de
fiscalização concreta de constitucionalidade. Subsidiariamente, funda a
admissibilidade do recurso nas alíneas b) e g) do n.º 1 do artigo 70.º da mesma
Lei.
À semelhança do que se decidiu, entre outros, nos acórdão 340/2000 e 223/2005
(disponíveis em: http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/), entende-se
que o Tribunal Constitucional é competente para conhecer do eventual
incumprimento do seu acórdão 42/2007, independentemente do preenchimento dos
pressupostos específicos das invocadas alíneas b) ou g) do n.º 1 do artigo 70.º
da Lei do Tribunal Constitucional.
É com este pressuposto que vai proceder-se à apreciação do recurso,
proferindo‑se decisão sumária, ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.º-A da Lei nº
28/82, de 15 de Novembro, por se entender que o acórdão n.º 42/2007 foi
devidamente cumprido pelo acórdão recorrido, sendo manifestamente infundado o
recurso agora interposto.
3. Com se disse, o Tribunal Constitucional, através do acórdão n.º 42/2007, de
23 de Janeiro de 2007, decidiu “julgar inconstitucional, por violação do artigo
32º, nº 1, da Constituição, a norma do artigo 123º do Código de Processo Penal,
interpretada no sentido de consagrar o prazo de três dias para arguir
irregularidades contados da notificação da acusação em processos de especial
complexidade e grande dimensão, sem atender à natureza da irregularidade e à
objectiva inexigibilidade da respectiva arguição”, revogando a decisão recorrida
[o acórdão da Relação de 26 de Setembro de 2006] no que se refere ao juízo de
inconstitucionalidade.
É a seguinte a fundamentação do juízo de inconstitucionalidade (cf. fls. 2201 a
2203 dos autos):
«(…)
5. A norma do artigo 123º do Código de Processo Penal consagra o prazo de três
dias a contar da notificação da acusação para o arguido arguir irregularidades
ocorridas no inquérito.
O arguido sustenta que a norma que consagra tal prazo no âmbito de processos de
especial complexidade é inconstitucional, por violação de garantias de defesa
(artigo 32º, nº 1, da Constituição).
Nos presentes autos, o arguido foi notificado da acusação em 17 de Janeiro de
2006 e arguiu nulidades no requerimento de abertura da instrução, apresentado em
1 de Março de 2006.
Ao processo foi reconhecida especial complexidade.
A acusação deduzida contra 57 arguidos tem 477 páginas, estando identificados
mais de uma centena de alegados lesados e arroladas 215 testemunhas de acusação.
A prova documental está contida em número elevado de apensos.
A questão que importa então apreciar tem por objecto a norma segundo a qual, num
processo especialmente complexo, o arguido dispõe de três dias para arguir
irregularidades de actos de inquérito.
6. O nº 1 do artigo 32º da Constituição determina que o processo criminal
assegura todas as garantias de defesa.
Do ponto de vista substancial, o princípio consagrado implica a concessão de uma
efectiva possibilidade de exercício da defesa (o poder de arguir vícios dos
actos praticados no inquérito é inquestionavelmente um direito de defesa), o que
pressupõe naturalmente o acesso à informação necessária, ou seja, aos elementos
do processo. Tal acesso e a aquisição da informação inerente consomem tempo,
variando, naturalmente, a quantidade de tempo em função da dimensão material e
da complexidade do processo.
O artigo 123º do Código de Processo Penal estabelece um prazo de três dias para
a arguição de nulidades, concretizando o princípio da celeridade processual.
No entanto, como entendeu o Tribunal Constitucional no Acórdão nº 406/98
(www.tribunalconstitucional.pt), o princípio da celeridade processual não se
sobrepõe ao núcleo essencial das garantias de defesa. De resto, nesse Acórdão, o
Tribunal julgou inconstitucional, por violação do artigo 32º, nº 1, da
Constituição, o artigo 287º, nº 1, do Código de Processo Penal, na versão
anterior ao Decreto-Lei nº 317/95, de 27 de Novembro, na medida em que fixava em
cinco dias, contados da notificação da acusação, o prazo para o arguido requerer
a abertura da instrução, com o fundamento de tal prazo, dada a sua exiguidade,
não permitir à defesa a gestão da sua estratégia e das correspondentes
iniciativas.
Cabe salientar, neste contexto, que o Código de Processo Penal determina a
elevação dos prazos de duração máxima de prisão preventiva nos casos em que é
declarada a especial complexidade do processo (artigo 215º, nº 3), reconhecendo
a necessidade de diferenciar os processos em função da respectiva complexidade.
Ora, o prazo de três dias a contar da notificação da acusação para arguição de
vícios dos actos praticados no inquérito em casos de especial complexidade pode
afigurar‑se insuficiente, já que se repercute, em princípio, nas possibilidades
de identificação desses vícios e, consequentemente, no exercício dos direitos de
defesa. Na verdade, o reconhecimento da especial complexidade de um processo
repercutir‑se-á, não só no tempo disponível para a investigação, mas também no
tempo para a defesa exercer os seus direitos de defesa.
Por outro lado, se é certo que haverá irregularidades cuja natureza as tornará
questão de fácil e imediata identificação, em outros casos, em processos de
especial complexidade, essa complexidade afectará, necessariamente, a avaliação
pela defesa de certas irregularidades (recorde-se que estava em causa a arguição
de irregularidades de actos de inquérito e que a acusação deduzida contra 57
arguidos tinha 477 páginas com mais de uma centena de alegados lesados e 215
testemunhas de acusação arroladas, podendo a irregularidade repercutir-se na
acusação). Deste modo, conjugando a especial complexidade do processo com a
natureza da irregularidade em causa, haverá obviamente situações em que o prazo
de três dias para arguir a irregularidade é objectivamente exíguo. Ora, não
contemplando a lei qualquer possibilidade de alargamento do prazo em atenção às
circunstâncias de objectiva inexigibilidade, de acordo com a complexidade do
processo e a natureza da irregularidade, entende o Tribunal que a norma em crise
é inconstitucional por afectar, nessa medida, as garantias de defesa (artigo
32º, nº 1, da Constituição).»
Em consequência deste aresto, o Tribunal da Relação de Lisboa proferiu o acórdão
de 8 de Maio de 2007, do seguinte teor [segue transcrição da parte relevante da
decisão para efeitos do presente recurso]:
«(…)
2.
Perante esta decisão do Tribunal Constitucional, que revogou a decisão da
Relação no tocante ao juízo constante de A), há que proferir nova decisão que
acolha o referido entendimento na perspectiva ora consagrada pelo juízo de
constitucionalidade definido no acórdão do TC.
3.
O Tribunal Constitucional definiu que o prazo de 3 dias, consagrado no art. 123º
CPP, não era susceptível de acautelar as garantias de defesa do arguido, em caso
de processo especialmente complexo e atendendo à natureza da irregularidade em
causa, mas não refere qual o prazo que se considera aceitável para que, no
âmbito de um processo especialmente complexo, se argua uma irregularidade de
acto de inquérito.
Sendo inconstitucional a perspectiva apontada pelo TC, ou seja de que nos 3 dias
após a notificação da acusação não era possível a arguição das irregularidades,
o que é certo é que o recorrente não alegou qual o prazo que, de acordo com a
situação concreta de especial complexidade do processo e perante a
irregularidade em causa – que no caso se reporta à invocação de falta de
fundamentação dos despachos do MºPº - seria reputado de bastante para permitir
ao arguido arguir tal irregularidade, de forma a não se ver cerceado no seu real
direito de defesa.
Como salienta o Exmo. Sr. Conselheiro Mário Torres no seu voto de vencido da
tese que fez vencimento no Ac. do TC “aceitando ser exíguo o prazo de 3 dias,
daí não se pode fazer derivar o entendimento de que a irregularidade seria
arguível sem prazo, a todo o tempo. Neste contexto, considero manifestamente
insustentável que se considere ajustado ou necessário um prazo de 43 dias (que
foi o utilizado pelo recorrente que, notificado da acusação em 17 de Janeiro de
2006, só arguiu a nulidade em 1 de Março de 2006) ...” e que “É certo que da
prolação do juízo de inconstitucionalidade do precedente acórdão não se segue
necessariamente a admissão pelo tribunal recorrido da tempestividade da arguição
da irregularidade. Caberá na perspectiva da posição que fez vencimento ao
tribunal recorrido decidir se, sendo insuficiente o prazo de 3 dias, não será de
reputar excessivo o prazo de 43 dias”
Bastaria que o recorrente invocasse uma situação de justo impedimento para
arguir no prazo de 3 dias as ditas irregularidades, a invocar quando cessasse
tal impossibilidade, para que tal situação pudesse fazer funcionar um prazo de
arguição alternativo que acautelasse em concreto os seus direitos de defesa.
Mas não o fez, ou mesmo a aceitar que ao invocar a exiguidade do prazo de 3 dias
o estaria a fazer o que é certo é que não comprovou qual o prazo de que
necessitou ou em que momento cessou o impedimento concretizado na dificuldade de
consulta do processo ou de estudo do mesmo com vista à arguição em causa que,
recorde-se, se limitava à arguição da falta de fundamentação dos despachos do
MºPº que ordenaram o levantamento de sigilo bancário, por alegada falta de
indicação dos crimes de que o arguido pudesse ser suspeito, dos indícios dos
mesmos e da justificação de qual a importância da obtenção das informações
solicitadas para a descoberta da verdade e da indispensabilidade da quebra do
sigilo.
Por outro lado, atendendo à natureza da irregularidade suscitada, não se vê que
o arguido necessitasse de mais do que o prazo supletivo de arguição de nulidades
consagrado no art. 153° CPC aplicável ex vi do art. 4° CPP na falta de qualquer
outra norma aplicável adequadamente à situação, uma vez que, conforme decorria
já do acórdão desta Relação de 26.09.2006, “A possibilidade de arguição no
requerimento de instrução reporta-se às nulidades dependentes de arguição e não
a meras irregularidades (art. 120°, n.º 2 e 3 al. c) CPP)” pelo que sempre teria
de se considerar extemporânea a arguição em causa no requerimento de instrução,
seguindo a tese expendida no referido acórdão que nessa parte não suscitou
qualquer impugnação ou sindicância.
Pelo exposto, sendo exíguo o prazo de 3 dias do art. 123º CPP, mas tendo
decorrido o prazo geral de 10 dias que, no caso concreto pelas razões referidas,
se reputa de suficiente para a arguição respectiva, atenta a simplicidade,
consideram-se sanadas as irregularidades suscitadas pelo arguido tanto mais que
o arguido oportunamente não alegou justo impedimento para a prática do acto ou,
mesmo aceitando tê-lo feito implicitamente, não invocou o momento em que cessou
o impedimento, pelo que esta alegação seria improcedente.
4. Pelo exposto, improcede o recurso mantendo-se a decisão recorrida.»
4. Deste confronto resulta que a Relação não só procedeu à reforma da anterior
decisão, como não aplicou a norma do artigo 123.º do Código de Processo Penal
com a interpretação julgada inconstitucional, ou seja, enquanto consagrando o
prazo de três dias para arguir irregularidades contados da notificação da
acusação em processos de especial complexidade e grande dimensão, sem atender à
natureza da irregularidade e à objectiva inexigibilidade da respectiva arguição.
Pelo contrário, o acórdão recorrido adoptou um outro critério normativo de
decisão, aberto à ponderação da complexidade e dimensão do processo e da
natureza da irregularidade. Considerou suficiente, como regra, o prazo geral de
10 dias, consagrado no artigo 153.º do Código de Processo Civil, aplicável por
força do artigo 4.º do Código de Processo Penal, susceptível de alargamento,
desde que concretamente verificado o justo impedimento na sua observância em
função daqueles mesmos factores.
Assim, ao reexaminar a questão da tempestividade da arguição da irregularidade
segundo este novo critério, o tribunal a quo não só não reincidiu formalmente na
aplicação da norma julgada inconstitucional, como respeitou substancialmente, em
toda a sua extensão, os antecedentes lógicos necessários do juízo de
inconstitucionalidade contido no acórdão n.º 42/2007.
Com efeito, no acórdão alegadamente não acatado, o Tribunal não definiu, nem lhe
competia definir, qual o prazo que se considera aceitável para que, no âmbito de
um processo especialmente complexo, se argua uma irregularidade de acto de
inquérito. Importa, ainda, salientar que não pode atribuir-se a essa decisão o
sentido de que só será conforme com as garantias de defesa reconhecidas ao
arguido em processo penal a interpretação normativa que conclua pela
possibilidade de o arguido arguir as irregularidades ocorridas na fase de
inquérito no requerimento de abertura da instrução (cf. artigo 120.º, n.º 3,
alínea c) do Código de Processo Penal). Competia-lhe, apenas, verificar a
conformidade aos parâmetros constitucionais pertinentes, da norma aplicada pela
decisão que então era objecto de recurso e com o sentido que nessa decisão foi
adoptado. E, movendo-se nestes limites, o que entendeu foi que, interpretada
como fixando inexoravelmente aquele prazo, sem possibilidade de modulação
concreta, em atenção às circunstâncias de objectiva inexigibilidade, de acordo
com a complexidade e dimensão do processo e a natureza da irregularidade, a
norma então em crise é inconstitucional por afectar, nessa medida, as garantias
de defesa (artigo 32.º, n.º 1, da Constituição).
Ora, este juízo de exiguidade objectiva do prazo de 3 dias, a contar
da notificação da acusação, para arguir vícios de actos praticados no inquérito
em processos de especial complexidade e grande dimensão não é extensível a um
prazo de 10 dias, susceptível de ampliação mediante a demonstração concreta da
impossibilidade do seu cumprimento em virtude do justo impedimento. Nem os
termos em que no acórdão recorrido se exige a alegação do “justo impedimento”
colide com este juízo de inconstitucionalidade ou pode ser apodado de, na
prática, esvaziar a ratio desse julgamento.
5. Deste modo, conclui-se que o acórdão recorrido não só acatou a decisão de
inconstitucionalidade constante do acórdão n.º 42/2007, como, em execução desta
decisão, ponderou os fundamentos em que a mesma se baseou e, atendendo a esses
fundamentos, adoptou um critério normativo de decisão em cuja hipótese entrou a
ponderação da especial complexidade e grande dimensão do processo e a natureza
da irregularidade em causa. Nisso se esgota o cumprimento do dever de acatamento
do caso julgado formado quanto à questão de inconstitucionalidade apreciada no
acórdão n.º 42/2007.
Trata-se já de aspecto respeitante à decisão – que não só não respeita à
observância do caso julgado sobre a questão de constitucionalidade, como nem
sequer constituiria uma questão de constitucionalidade normativa susceptível de
integrar um recurso de constitucionalidade – a conclusão de que, no caso
concreto, reportando-se a irregularidade à questão, em si mesmo simples, da
falta de fundamentação dos despachos que decretaram o levantamento do sigilo
bancário, o arguido não necessitava mais do que do prazo supletivo de 10 dias de
arguição de nulidades consagrado no artigo 153.º do Código de Processo Civil,
aplicável ex vi do artigo 4° do Código de Processo Penal, para arguir a
irregularidade em causa.
6. Decisão
Nestes termos, ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.º-A da Lei nº 28/82, de 15 de
Novembro, decide-se julgar improcedente, por manifestamente infundado, o
recurso.
Custas a cargo do recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 8 unidades de
conta.”
2. O recorrente reclama desta decisão, para a conferência, ao
abrigo do n.º 3 do artigo 78.º-A da LTC, acrescentando o seguinte ao que dissera
no requerimento de interposição do recurso:
“a) O acórdão TRL recorrido ao fixar em dez dias o prazo para arguição de
irregularidade em processo de especial complexidade apenas formalmente dá
cumprimento ao acórdão nº 42/2007 do Tribunal Constitucional sendo que, na sua
substância, a inconstitucionalidade por preterição de garantias essenciais de
defesa se mantém.
b) O acórdão recorrido não faz apelo a um juízo de efectiva possibilidade de
cognoscibilidade da irregularidade mas sim apelo a um instituto, o do justo
impedimento, já afastado pelo citado ac. 42/07 do TC e que não tem aplicação no
caso concreto.
c) O único impedimento que se verifica, justo ou injusto, é o relativo à
dimensão e complexidade do processo, esse impedimento (que técnico-juridicamente
não o é) a ser invocado implicaria fossem concedidos ao recorrente bem mais que
os 43 dias por si utilizados na arguição da irregularidade em questão por ser
humanamente impossível nesse prazo ler todos os volumes do processo em questão
ainda que o mandatário ora signatário se dedicasse a essa actividade em
exclusivo.
e) O recurso pelo douto acórdão recorrido (assim como pela douta decisão ora
reclamada) à figura do justo impedimento corresponde a um reconhecimento
implícito que os dez dias previstos no artº 153º C.P.C. são manifestamente
insuficientes para conhecer, ainda que minimamente de um processo com a
complexidade que este apresenta.
f) O único prazo que não representaria uma diminuição inadmissível das garantias
de defesa do arguido seria, como o recorrente sempre defendeu, o prazo de
arguição de nulidades previsto na alínea c) do nº 3 do artº 120º C.P.P..
Conclui pedindo que a decisão reclamada seja revogada, não se
considerando o recurso manifestamente infundado e prosseguindo o processo para
alegações.
3. O Ministério Público respondeu no sentido da improcedência
manifesta da reclamação, pelo seguinte:
“(…)
2º
Na verdade, é inquestionável que a Relação acatou inteiramente o juízo de
inconstitucionalidade normativa, formulado nos autos pelo Tribunal
Constitucional, não aplicando o regime normativo, julgado definitivamente
inconstitucional – assentando, aliás, a argumentação do reclamante em evidente
equívoco: o de pretender inferir do acórdão proferido qual o concreto prazo
aplicável à arguição da irregularidade invocada, questão a que, como é óbvio,
este Tribunal Constitucional não respondeu, nem tinha que responder.
3º
São, por outro lado, manifestamente insubsistentes os fundamentos subsidiários
do recurso, já que não foi aplicada dimensão normativa, já julgada
inconstitucional, o que deita por terra o recurso, estruturado na alínea g) do
n.º do artigo 70.º da Lei nº 28/82.
4º
E – quanto ao recurso fundado na alínea b) – o recorrente não curou de
especificar qualquer critério normativo, efectivamente aplicado pela Relação,
susceptível de constituir objecto idóneo de controlo normativo, limitando-se a
dissentir da suficiência do prazo que o Tribunal “a quo” considerou aplicável”.
A assistente Petróleos de Portugal – PETROGAL S.A.
pronuncia-se também pela confirmação da decisão reclamada, a cujos fundamentos
adere, acrescentando que, ao contrário do que o recorrente pretende, o acórdão
recorrido considerou suficiente o prazo de 10 dias para arguir a irregularidade,
só recorrendo à figura do justo impedimento como argumento subsidiário e para
confirmar a solução a que o tribunal já chegara pela suficiência do prazo
supletivo.
4. O recorrente não tem razão quando insiste na violação do caso julgado formado
no processo sobre a questão de constitucionalidade, ou seja, quando argumenta no
sentido do incumprimento da decisão tomada no acórdão n.º 42/2007 do Tribunal
Constitucional (artigo 80.º, n.º 1, da LTC).
É inquestionável que o acórdão recorrido não reincidiu na
aplicação da norma que o acórdão n.º 42/2007 julgara inconstitucional, antes
aplicou uma outra, procedendo à integração da lacuna gerada pela supressão do
segmento “circunstancialmente” inconstitucional (o estabelecimento do prazo de 3
dias para arguir irregularidades do inquérito em processos de especial
complexidade e dimensão), que retirou do artigo 153.º do Código de Processo
Civil, aplicável por força do artigo 4.º do Código de Processo Penal. Foi do
prazo-regra de 10 dias supletivamente aplicável, que admitiu pudesse ser
alargado mediante invocação de justo impedimento se adequadamente invocado, que
a Relação agora partiu.
É certo que, entre os fundamentos que levaram ao julgamento de que o prazo de 3
dias era exíguo para arguir a irregularidade, o acórdão n.º 42/2007 inclui o
facto de a lei não contemplar qualquer possibilidade de alargamento desse prazo
em atenção às circunstâncias de objectiva inexigibilidade, de acordo com a
complexidade do processo e a natureza da irregularidade. Mas, tal afirmação foi
feita com referência à norma então em apreciação: o artigo 123.º do Código de
Processo Penal, na interpretação adoptada pela decisão que então era objecto de
recurso, mais incisivamente, com referência à rigidez do prazo (3 dias) no
preceito estabelecido. Só isso foi julgado inconstitucional. Não foi afirmada a
imprestabilidade do mecanismo do “justo impedimento” para acolher as razões
objectivas que tornem necessário o alargamento de outro prazo. Assim, não ficou
a Relação impedida de aplicar o prazo previsto noutra disposição legal – aliás,
teria necessariamente de determinar um prazo e de encontrar para isso um suporte
normativo adequado, porque não é razoável nem decorre do julgamento de
inconstitucionalidade que este tipo de vícios sejam arguíveis a todo o tempo – e
de adoptar um prazo-regra susceptível de modelação através do mecanismo do justo
impedimento (artigo 107.º do CPP).
Com efeito, no acórdão n.º 42/2007 – seja na fórmula decisória, seja naqueles
fundamentos que constituem antecedente lógico necessário da decisão – não se
fixa qual o prazo mínimo exigido pelas garantias de defesa em processos de
especial complexidade e dimensão, nem se proíbe o recurso, na determinação do
prazo adequado, à “válvula de segurança” do justo impedimento. A referência, na
fundamentação do acórdão (cfr. n.º 6, último parágrafo), a que a lei não
contempla qualquer possibilidade de alargamento do prazo em atenção às
circunstâncias de objectiva inexigibilidade, de acordo com a complexidade do
processo e a natureza da irregularidade, respeita à norma então em apreciação,
isto é, ao artigo 123.º do CPP tal como foi aplicado pelo acórdão então em
recurso. Não veda que em execução do acórdão, na determinação do critério
normativo de decisão que há-de ser adoptado em substituição daquele que foi
inconstitucionalizado, o tribunal a quo utilize esse modo de adequação do prazo
às circunstâncias da espécie considerada. E, seguramente, o que o acórdão não
consente é a interpretação de que o único prazo compatível com o asseguramento
das garantias de defesa seja, para situações deste tipo, o prazo de arguição de
nulidades que decorre da alínea c) do n.º 3 do artigo 120.º do Código de
Processo Penal, como o recorrente pretende.
Deste modo, reitera-se que o acórdão recorrido não só acatou
formalmente a decisão de inconstitucionalidade constante do acórdão n.º 42/2007,
como, em execução desta decisão, ponderou os fundamentos em que a mesma se
baseou para julgar inconstitucional o prazo improrrogável de 3 dias para arguir
a irregularidade em causa e, atendendo a esses fundamentos – por um lado, a
especial complexidade e grande dimensão do processo e, por outro lado, a
natureza da irregularidade em causa, que, como se disse no acórdão recorrido, se
reportava à falta de fundamentação dos despachos do Ministério Público -,
considerou que o arguido não necessitava mais do que do prazo supletivo de 10
dias de arguição de nulidades consagrado no artigo 153.º do Código de Processo
Civil, aplicável ex vi do artigo 4° do Código de Processo Penal. Substitui a
regra de prazo de 3 dias improrrogáveis pela regra (pela outra regra) de 10 dias
de prazo, susceptível de alargamento mediante a invocação de justo impedimento
fundado em razões objectivas (concretizado na dificuldade de consulta do
processo ou de estudo do mesmo). Mas considerou que, face à simplicidade da
questão, apesar da especial complexidade do processo, aquele prazo de 10 dias
teria sido suficiente. Não aplicou o prazo de 3 dias, mas um substancialmente
mais alargado, de modo a dar guarida à natureza da irregularidade e à objectiva
inexigibilidade da respectiva arguição.
Não houve, pois, incumprimento do julgamento de
inconstitucionalidade constante do acórdão n.º 42/2007.
5. Subsidiariamente à invocação da violação do caso julgado
formal sobre a questão da constitucionalidade, o recorrente funda o recurso na
previsão das alíneas g) e b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC.
Verdadeiramente não se trata de pretender submeter ao Tribunal
questão diversa daquela em que consiste o incumprimento do julgado, mas de
assegurar outros “casos de abertura” se o Tribunal não se julgasse competente
para o recurso directamente fundado no incumprimento das suas decisões em
processo de fiscalização concreta.
Apesar disso e de a reclamação nada dizer que especificamente
respeite ao”fundamento subsidiário” do recurso, sempre se dirá o seguinte:
A)
Relativamente ao fundamento de interposição de recurso
previsto na alínea g) citada, resulta ipso facto do que se afirmou ao apreciar a
alegação de desrespeito pelo caso julgado, que não foi aplicada norma
anteriormente julgada inconstitucional pelo Tribunal Constitucional,
designadamente a dimensão normativa do n.º 1 do artigo 123.º do Código de
Processo Penal apreciada no acórdão n.º 42/2007.
B)
E o recurso também não pode prosseguir ao abrigo da alínea b)
do n.º 1 do artigo 70.º da LTC.
Com efeito, o recorrente diz pretender ver apreciada “a
inconstitucionalidade material do artigo 123.º do Código de Processo Penal e,
bem assim, dos artigos 2.º e 80.º, n.ºs 1 a 3 da própria Lei do Tribunal,
Constitucional, por violação designadamente do disposto nos artigos 32.º, n.º 1
e 20.º, n.º 4 da CRP, na concreta interpretação que deles fez o Acórdão do
Tribunal da Relação de Lisboa de 8 de Maio de 2007”.
O pensamento do recorrente não é claro, uma vez que não especifica qualquer
critério normativo efectivamente aplicado pela Relação susceptível de constituir
objecto idóneo de controlo normativo de constitucionalidade, como é seu ónus.
Se pretende ver apreciada uma norma construída por referência a este bloco
legal, no seu conjunto, a questão confunde-se com a já apreciada de violação do
caso julgado constitucional. E, de qualquer modo, o acórdão agora recorrido não
fez aplicação do sentido normativo do artigo 123.º do Código de Processo Penal a
propósito do qual o recorrente discorre, antes aplicou um outro critério de
decisão sobre o prazo de arguição de irregularidades em processos de especial
complexidade e grande dimensão norma que, como se disse, é extraída das normas
dos artigos 123.º do Código de Processo Penal e 153.º do Código de Processo
Civil, este aplicável ex vi do artigo 4.º do Código de Processo Penal, no
sentido de que o prazo de dez dias é suficiente para arguir o tipo de
irregularidade em causa, além de o interessado poder socorrer-se de alegação do
justo impedimento em função das especiais características do processo e da
irregularidade em causa. Assim, o recurso também não pode prosseguir ao abrigo
da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º a LTC por não haver coincidência entre o
seu possível objecto, na interpretação mais benévola do requerimento de
interposição, e a norma que constituiu ratio decidendi do acórdão recorrido para
não atender à arguição do referido vício do inquérito.
6. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a reclamação e condenar o
recorrente nas custas, com 20 (vinte) UC.s de taxa de justiça.
Lisboa, 13 de Agosto de 2007
Vítor Gomes
Ana Maria Guerra Martins
Gil Galvão